Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1368/06.0TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: COMPROPRIEDADE
PARTE COMUM
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
OBRIGAÇÃO
PAGAMENTO
Data do Acordão: 03/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 1424º, Nº 1, DO C. CIV.
Sumário: I – Os condóminos estão sujeitos a restrições ao seu direito de propriedade e de compropriedade.

II – A limitação mais significativa proveniente da compropriedade nas coisas comuns é, sem dúvida, a que impõe aos condóminos a obrigação de contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.

III – Tal responsabilidade decorre dos princípios consignados no artº 1424º do C. Civ..

IV – A responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem as respectivas fracções e se não sirvam das partes comuns do prédio.

V – Cada condómino está obrigado, por isso, a concorrer para os encargos de conservação e fruição das partes comuns do edifício e pagamento de serviços de interesse comum, na proporção da sua fracção, de harmonia com a regra supletiva constante do nº 1 do artº 1424ºdo C. Civ..

Decisão Texto Integral:          ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

         I- RELATÓRIO

         I.1- A... , residente na ...., intentou em 25.5.06 acção declarativa sob a forma sumária, contra o CondomínioB... « , alegando, em síntese: que é proprietário e legítimo possuidor da fracção denominada pela letra "A" correspondente à cave, com todo o logradouro sito junto aos alçados lateral direito e posterior, do prédio ou edifício em que se situa, composta por uma divisão ampla, com escritório e casa de banho e logradouro, destinada a comércio e armazém; que a mencionada fracção não utiliza as partes comuns do prédio ou das demais fracções do prédio em regime de propriedade horizontal em que se situa, nomeadamente a porta principal de entrada principal, escadaria, patamares interiores e águas furtadas, não se servindo dessas partes comuns pois que a utilização da sua fracção se cinge ao uso da mesma cave e logradouro exterior que lhe está anexo; que na assembleia de condóminos realizada em 4 de Abril de 2006 foi deliberada aprovação da contribuição ou quota a pagar por cada condómino, sendo atribuído ao autor o montante de € 486,00 por ano, determinado este montante a pagar pelo mesmo em função da sua permilagem da sua fracção relativamente à totalidade do edifício em propriedade horizontal em que se integra, e ainda deliberado na mesma assembleia de condóminos que 30% do valor do valor das quotas pagas pelos condóminos reverteriam para o fundo de reserva legal do condomínio; deliberações essas nas quais o autor votou contra.

         Conclui dizendo que, não se servindo daquelas partes comuns, não deverá suportar quaisquer despesas ás mesmas concernentes, antes, tão só, as relativas ao custo de conservação do edifício, pelo que a aludida deliberação estará inquinada do vício de anulabilidade por violar o disposto no art.1424º/3 do C.C..

         Em consequência, pede se declare a referida deliberação anulável na parte em que determinou a obrigação do autor ao pagamento de uma quota enquanto proprietário da identificada fracção no referido montante de 486,00 € para além do montante fixado a título de contribuição para o fundo de reserva legal do mesmo condomínio.

         Citada, a ré contestou invocando a sua ilegitimidade por não ter tomado tal deliberação mas sim os diversos condóminos individualmente considerados, alegando ainda que, não existindo regulamento interno do condomínio, todos os condóminos deverão contribuir na proporção da sua quota, sendo no caso a correspondente à permilagem ou percentagem correspondente à respectivas fracções que a cada uma foi atribuída no título de constituição da propriedade horizontal, nos termos do disposto no art.1421°/C.C., para além de que a quota ou contribuição fixada ao autor não engloba as despesas realizadas com a limpeza e a água que não são despesas comuns e que tal quota fixada respeita apenas ao fundo de reserva do condomínio.

         Houve resposta da A., proferiu-se despacho saneador onde se julgou improcedente a excepção invocada, e dispensou-se a selecção da matéria de facto controvertida. 

Teve lugar o julgamento em 9.3.07, decidindo aí as partes fixar a matéria de facto assente, prescindindo da produção de toda a prova testemunhal por considerarem não haver matéria controvertida.

Por fim, foi proferida sentença datada de 6.8.08, na qual se julgou a acção totalmente procedente, declarando-se em consequência a anulabilidade da deliberação tomada em assembleia de condóminos do condomínio réu, na parte em que deliberou fixar ao condómino autor, a taxa ou quota da sua contribuição para o mesmo condomínio na importância anual de 486,00 € a vigorar no ano de 2006.

I.2- Com esta decisão não se conformou o R que interpôs recurso de apelação, concluindo assim as suas alegações:

1ª/ Na falta de estipulação das partes, seja no título constitutivo da propriedade horizontal, seja no regulamento do condomínio, deve observar-se a regra supletiva prevista na 2ª parte do nº1 do art.1424º/C.C., que consagra a proporcionalidade, em função do valor (permilagem) de cada fracção, no que concerne ás despesas necessárias à conservação das partes comuns e no pagamento de serviços de interesse comum;

2ª/ O enunciado critério não é afastado quando esteja provado que a quota de condomínio existe para fazer face ás despesas de conservação do imóvel, as custas judiciais e as dos eventuais honorários com profissionais do foro;

3ª/ Sendo despiciendo exigir a “descriminação” a que as despesas se reportam, no caso em que está assente não constituírem despesas comuns as realizadas com a limpeza e a água despendida nas partes comuns;

4ª/ Decidindo em desconformidade com o atrás sumariado, a sentença recorrida desrespeitou o estatuído no citado art.1424º/1-2ª parte, e ainda a al.d) do art.668º/C.P.C. ao conhecer questões não suscitadas pelas partes, devendo por isso ser revogada, decidindo-se pela improcedência da acção.

 I.3- Contra-alegou o A., pugnando pela confirmação da sentença.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II - FUNDAMENTOS

II.1 - de facto

A sentença assentou na seguinte factualidade:

1. O A. é dono e legítimo possuidor do seguinte prédio urbano, integrado ou fazendo parte do edifício constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ...., e inscrito na respectiva matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art.1416° e descrito na Conservatória do Registo Predial da ....na ficha da mencionada freguesia sob o nº1223/230589: fracção designada pela letra "A" constituída por cave correspondente a dois blocos, composta por 1 divisão ampla que serve de armazém, instalações sanitárias, arquivo, escritório e logradouro sito junto aos alçados lateral direito e posterior do prédio, inscrita na respectiva matriz predial urbana da freguesia de São Vicente sob o nº1416-A e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... na ficha da freguesia de ....., sob o nº1223/230589-A;  

2.No dia 4 de Abril de 2006 (por lapso omitiu-se a data e referiu-se o ano de 2004) realizou-se uma assembleia de condóminos do prédio ou edifício identificado em 1., e na qual, além do mais, foi deliberado por maioria, a fixação das taxas a pagar por cada um dos condóminos segundo a percentagem ou permilagem das fracções de cada um dos condóminos e que no caso do autor foi fixada em € 486,00 por ano; e ainda, fixando-se uma percentagem anual de 30% sobre o montante global pago pelos condóminos pelas suas quotas ou taxas de condomínio fixadas, tudo a vigorar no ano de 2006;  

3.Na assembleia de condóminos referida em 2., o A. votou contra a mesma deliberação relativamente à quota ou taxa de condomínio que lhe foi fixada no montante de € 486,00 por ano;

4. O A. e proprietário da fracção "A" não utiliza ou usa sob qualquer forma as partes comuns das demais fracções do edifício em que se integra, nomeadamente a porta de entrada principal do prédio, escadaria, patamares interiores e águas furtadas;  

5.Cingindo-se o seu uso da fracção de que é dono e possuidor à cave e logradouro exterior, próprio da fracção, que lhe está anexo;

6. O R. condomínio não possui qualquer regulamento interno válido;

7.Não constituem despesas comuns as realizadas com a limpeza e a água despendidas nas partes comuns já que não têm sido pagas pelo condomínio até esta data;

8.Nas despesas comuns e nas contas do condomínio estão incluídas as despesas de conservação do imóvel, as custas judiciais e as dos eventuais honorários com profissionais do foro.

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II.2 - de direito

Está em causa saber se o A./recorrido – condómino titular da fracção “A”do prédio em propriedade horizontal identificado no item II.1-1 – deve suportar também as despesas de condomínio nos termos do art.1424º/1, C.C..

Na assembleia de condóminos de 4.4.06, foi deliberado (com voto contra do A.), tendo em conta o disposto naquele art.1424º, que a quotização e participação do A. nas despesas comuns do condomínio para o ano de 2006, seria de 486,00 €. Deliberou-se ainda, afectar como receita do fundo comum de reserva, 30% das receitas geradas pelas quotas do condomínio.

No entender do A., não se servindo das partes comuns do prédio, não deverá suportar quaisquer despesas ás mesmas concernentes, como sejam as relativas à sua limpeza, energia eléctrica, água e despesas de conservação, antes devendo suportar as relativas ao custo de conservação do edifício, ou seja, as relativas ao fundo de reserva do condomínio.

A 1ª instância considerou anulável aquela primeira deliberação, por violação do disposto nos nºs1 e 3 do mesmo art.1424º, ao imputar a responsabilidade de despesas ao A. como relativas a partes comuns do condomínio, quando essas partes estão excluídas da sua compropriedade enquanto proprietário da fracção “A”.

A decisão fundou-se no facto de o prédio ser constituído por r/c e 1º andar destinados a habitação, abrangendo dois blocos com saída própria para uma parte comum ou para a via pública, ocupando a dita fracção “A” (cave) um espaço único que abrange os dois blocos (situando-se sob os mesmos), tudo em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal junto a fls.93-98. Concluiu-se assim que estava excluída da mesma fracção qualquer acesso ás escadas e patamares que servem as habitações do r/c e 1º andar, bem como ao sótão. Donde, não usufruindo nem podendo usufruir das partes comuns do prédio e que são comuns ás demais fracções, entendeu-se não estar o A. obrigado a participar nas despesas de conservação.

Com o devido respeito, cremos que a razão não está com a sentença recorrida.

Vejamos.

A propriedade horizontal aglutina dois direitos reais distintos: um de propriedade singular (propriedade da fracção autónoma); outro de compropriedade (que recai sobre as partes comuns do prédio), conforme decorre dos arts.1420º e 1421º do C.C..

  Os condóminos estão sujeitos a restrições ao seu direito de propriedade e de compropriedade. A limitação mais significativa proveniente da compropriedade nas coisas comuns, é sem dúvida a que impõe aos condóminos a obrigação de contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.

Tal responsabilidade decorre dos princípios consignados no art.1424º, que é uma norma dispositiva. A 1ª parte do nº1 prevê um princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias, que é o recurso à estipulação das partes. Na falta de disposição negocial, vigora, como regra supletiva, o critério da proporcionalidade (2ª parte do nº1), que só poderá ser alterado nos termos previstos no nº2. A segunda regra supletiva é a prevista nos nºs 3 e 4.

Interessa-nos sobretudo a regra do nº1. E assim, na falta de estipulação adequada pelos interessados ou no título constitutivo, “… as despesas necessárias e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.”.

Conforme observam P. Lima e A. Varela, nem sempre é fácil determinar a intensidade relativa do uso que cada condómino possa fazer das coisas comuns. O que conta para a nossa lei é a destinação objectiva dessas coisas – é o uso que cada condómino delas pode fazer, medido em princípio pelo valor relativo de cada fracção, e não o uso que efectivamente faça delas. A responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem as respectivas fracções e se não sirvam, por conseguinte, das partes comuns do prédio.[1]

Tal é, a nosso ver, a hipótese em análise.

Com efeito, está provado que o A. não utiliza ou usa as partes comuns do edifício, nomeadamente a porta de entrada principal do prédio, escadaria, patamares e águas furtadas, cingindo-se ao uso da cave e logradouro exterior próprio da fracção. Mas deste facto não se infere que o A. não possa servir-se das partes comuns, ou que as mesmas estejam afectadas em exclusivo ás restantes fracções. A este respeito nada ficou provado, nem tão pouco foi alegado. Aliás, no título de constituição de propriedade horizontal foi dito que são comuns ás fracções de cada bloco (entre elas a fracção autónoma cave que abrange os dois blocos) as respectivas escadas e patamares de acesso ás habitações e ás arrecadações do sótão. Logo, torna-se patente que a escada, patamares e águas furtadas podem servir também todas as fracções autónomas do prédio, encontrando-se objectivamente em condições de afectação ao uso dos condóminos.

É pois legítima a conclusão de que o A. não utiliza ou usa as partes comuns do edifício porque não quer, podendo delas se servir sempre que o entender e necessitar. Donde, perfilhando a lei o critério de utilidade, ter aqui plena aplicação o disposto no nº1 do art.1424º, estando afastadas, por inaplicáveis ao caso, as regras dos nº2 a 4.

E assim, a circunstância de o A. ser dono da fracção cave, ainda que não tenha ligação com a entrada comum do prédio (o que não sabemos), não o dispensa da obrigação de contribuir para as despesas necessárias à conservação do prédio, tal como os demais condóminos. No entanto, sendo princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do prédio, o do recurso à estipulação das partes (citado nº1 do art.1424º), será possível a fixação, por maioria, de um critério de repartição das despesas distinto da proporcionalidade, tendo em conta a utilização diminuta de algum dos condóminos das partes comuns do imóvel, designadamente escadas e sótão.

As despesas comuns resumem-se ás despesas de conservação do edifício, ás custas judiciais e honorários com profissionais do foro.

As primeiras respeitam a todo o edifício, abrangendo necessariamente a cave do A.. Pense-se, por exemplo, numa reparação do sistema eléctrico, duma conduta de água, do telhado. As reparações mais dispendiosas como sejam a pintura integral do edifício, serão já cobertas pelo fundo de reserva. As outras aproveitam tanto o A. como os demais condóminos, em situações em que o condomínio seja demandante ou demandado em acção judicial, como é este o caso.  

 Essas despesas não têm que ser previamente descriminadas, como se entendeu na sentença. Não englobando a limpeza e a água despendidas nas partes comuns, que a vontade dos condóminos pode afastar do âmbito dos encargos a suportar pelo condomínio, as despesas previstas relativas a cada ano constarão do orçamento a apresentar pelo administrador.

Concluindo, o A. está obrigado a concorrer para os encargos de conservação e fruição das partes comuns do edifício e pagamento de serviços de interesse comum, na proporção da sua fracção, de harmonia com a regra supletiva constante do nº1 do art.1424º.

Assim, é válida a deliberação em causa tomada pela assembleia de 4.4.06.

Dito isto, procede o recurso.

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III - DECISÃO

Acorda-se, pelo exposto, em julgar procedente a apelação, revoga-se a sentença apelada, julgando-se a acção improcedente absolvendo-se o réu do pedido.

Custas em ambas as instâncias pelo autor.


[1]   «C.C. anotado», Vol. III - 432