Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | HÉLDER ROQUE | ||
| Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS PRIVILÉGIO CREDITÓRIO FALÊNCIA HIPOTECA LEGAL | ||
| Data do Acordão: | 04/17/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | COMARCA DE FIGUEIRÓ-DOS-VINHOS | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 152º DO CPEREF | ||
| Sumário: | I - Quer na norma do artigo 152º, do CPEREF, quer no preâmbulo deste diploma, é sempre e, tão-só, aos privilégios creditórios que a lei se refere, sem qualquer alusão a outra garantia, nomeadamente, à hipoteca legal, inexistindo outros elementos capazes de sustentar uma extensão teleológica da previsão legal, ou a existência de um caso omisso, que deva ser, juridicamente, regulado. II – A referência aos privilégios creditórios, contida na primeira parte do artigo 152º, do CPEREF, não abrange outras garantias, nomeadamente, a hipoteca legal, pelo que não se justifica a sua interpretação extensiva. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
Por apenso ao processo de falência instaurado contra “A...”, sociedade por quotas, com sede no Parque Industrial ......, concelho de Figueiró dos Vinhos, correm os presentes autos de reclamação de créditos, em que são reclamantes o Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Segurança Social de C..., o Banco B..., e outros, todos, suficientemente, identificados, cujos créditos não sofreram qualquer impugnação, pelo que, a final, foram verificados, reconhecidos e graduados, do seguinte modo: I – Em relação ao produto da liquidação dos bens apreendidos, sairão precípuas as custas e as despesas com a liquidação do activo, começando-se pelas verbas despendidas com a remuneração ao Exº Liquidatário nomeado; II – Do remanescente, dar-se-á pagamento aos credores com créditos comuns, procedendo-se a rateio, se necessário. Desta sentença, interpuseram recurso de apelação o Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Segurança Social de C..., e o Banco B..., que terminaram as respectivas alegações, onde sustentam a sua revogação, formulando as seguintes conclusões: 1ª – O Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Segurança Social de C... entende que o disposto no artigo 152º do CPEREF não extingue o privilégio resultante das hipotecas legais de que gozam os entes públicos. 2ª - De acordo com o artigo 200° n° 3 do CPEREF apenas as hipotecas judiciais deixaram de gozar preferência prevista no artigo 686° do Código Civil. 3a - Na graduação de créditos deve ser atendida a preferência resultante das hipotecas legais registadas a favor do apelante e que garante os seus créditos por contribuições e juros de mora, reclamados nos autos supra identificados. 4a - A douta sentença recorrida, ao declarar a extinção das hipotecas legais constituídas e registadas a favor da Segurança Social, violou e/ou fez inadequada interpretação e aplicação, além do mais, do disposto nos artigos 12° do DL n°103/80, de 9 de Maio e 152° do CPEREF. 5ª – Assim sendo, entende que à graduação e ao pagamento dos créditos verificados, pelo produto da venda do imóvel, deveria e deve proceder-se pela ordem que segue: 1° - Crédito reclamado pelo Banco B..., até ao montante máximo de 81.802,86€ (16.400.000$00); 2° - Crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social, IP, até ao montante máximo de 54.919,70€ (2.953,06€ + 51.966,64€); 3° - Restantes créditos, proporcionalmente, incluindo o excedente do crédito reclamado pelo Banco B..., e pelo Instituto da Segurança Social, IP, não abrangidos pelas hipotecas. 6ª – Por outro lado, o Banco B..., sustenta que, no processo de execução fiscal, que correu termos sob o n°1368-98/100124.8, o Banco apelante reclamou oportunamente os seus créditos, invocando garantia real (hipoteca). 7ª - A reclamação de créditos foi admitida nos autos e a garantia real reconhecida. 8ª - Tal processo, à data da declaração de falência da empresa, encontrava-se pendente, pelo que, nos termos do artigo 264° do Código de Processo Tributário, foi o mesmo avocado para os autos de falência. 9ª – A sentença graduatória a ter lugar no processo de falência não pode deixar de considerar a legislação aplicável à data em que a mesma é proferida, razão pela qual não pode o Mº Juiz a quo deixar de considerar as garantias invocadas pelos credores reclamantes. 10ª - Nos termos do artigo 152° do CPEREF, "com a declaração de falência extinguem-se imediatamente (...) os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e instituições de segurança social, ...". 11ª - Do exposto decorre que, na sentença graduatória, não poderia o Mº Juiz a quo, por imposição a contrario sensu do preceito invocado, deixar de tomar em consideração a garantia real invocada pelo Banco, no âmbito do processo de execução fiscal, processo apenso aos autos de falência. 12ª - Só uma tal decisão estará em harmonia com o artigo 686° do CC, devidamente conjugado com os artigos 152° do CPEREF e 264° do CPT. 13ª - Verifica-se, assim, que o Mº Juiz, na douta sentença proferida, violou as disposições legais citadas. Nas suas contra-alegações, o apelado Banco D..., entende que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Segurança Social de C.... * Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir. As questões a decidir em ambas apelações, em função das quais se fixa o seu objecto, considerando que o «thema decidendum» das mesmas é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes: I – Conterá o disposto na 1ª parte, do artigo 152º, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), uma norma excepcional que compreende as hipotecas legais, no âmbito dos privilégios creditórios, ou, dito de outro modo, a extinção destes, operada com a declaração de falência, importa, simultaneamente, a extinção dessas hipotecas legais. II – A questão da não consideração da garantia real invocada pelo Banco B.... * DA EXTINÇÃO DAS HIPOTECAS LEGAIS Dispõe o artigo 152º, do CPEREF, instituído pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril, que “com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência”. Posto isto, importa dar resposta à questão de saber se a hipoteca legal constituída a favor do recorrente Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Segurança Social de C..., está compreendida, no âmbito da previsão legal contida no normativo acabado de citar. A interpretação da lei consiste na fixação do sentido e alcance com que o seu texto deve valer, sendo, pois, a letra, o seu enunciado linguístico, o ponto de partida de toda a actividade do jurista que vise esse objectivo, mas, também, o seu limite, porquanto, nos termos do preceituado pelo artigo 9º, nº 2, do Código Civil (CC), não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis do texto legal aquele pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”1, e, finalmente, uma garantia de razoabilidade da posição do legislador, por forma a conferir um mais forte apoio aquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas, razão pela qual o intérprete deve presumir, de acordo com o nº 3 daquele preceito legal, que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, em especial, quando usa terminologia de técnica jurídica. Por isso é que, ainda de acordo com o nº 3, do artigo 9º, do CC, o interprete presumirá sempre o modelo do legislador ideal que consagrou as soluções mais acertadas, pois só quando, por manifestas razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, aquelas conduzam à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo o que deve ser acolhido, se impõe ao intérprete preteri-lo2. Com efeito, o intérprete deve desobedecer ao comando da lei, tal como o mesmo se apresenta, numa primeira visão, se, para tanto, se tornar necessário, para salvaguardar o seu objectivo essencial3, adoptando uma interpretação correctiva da lei, seja de natureza restritiva ou extensiva, verificando-se esta última quando se conclua que o legislador disse menos do que queria, o que acontece, com particular acuidade, quando o texto legal, entendido com a amplitude que a sua letra comporta, contiver uma contradição íntima com outro ou outros dos textos legais. Por seu turno, estipula o artigo 733º, do CC, que o “privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros”. Tradicionalmente integrada na categoria conceitual das garantias especiais das obrigações, os privilégios creditórios caracterizam-se, em primeiro lugar, pela sua fonte, porque derivam sempre da lei, e nunca de negócio jurídico, ao contrário do que acontece, normalmente, com as restantes garantias, em segundo lugar, em atenção à causa do crédito, e nisto se aproximam da hipoteca legal, que a lei confere a certos credores, e, finalmente, porque não estão sujeitos a registo, ainda que recaiam sobre bens imóveis. O carácter real dos privilégios creditórios, e não como um mero atributo ou qualidade do crédito a que respeita, revela-se, igualmente, na preferência concedida ao credor de ser pago com prevalência sobre os outros credores, mas, também, em certos casos, no direito de sequela conferido aos mesmos, podendo a garantia tornar-se efectiva, no património de terceiros, em conformidade com o disposto pelo artigo 751º, do CC4. Porém, o grande perigo que se encontra associado aos privilégios creditórios contende com a segurança do comércio jurídico, por inexistir um mínimo de publicidade a assinalar a sua presença, proveniente do facto de valerem, em face de terceiros, independentemente de registo, formando uma parte substancial dos designados ónus ocultos, que escapam, normalmente, aos olhos dos credores comuns, mas dotados de susceptibilidade de poderem atingir, seriamente, os terceiros que contratam com o devedor, na ignorância da sua existência, com os inerentes reflexos sobre a garantia patrimonial que oferecem5. Por sua vez, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, sendo certo que é a natureza imobiliária dos bens por ela abrangidos que justifica a solução excepcional de a sua eficácia depender de registo, mesmo em relação às partes, nos termos das disposições combinadas dos artigos 686º, nº 1 e 687º, do CC, e 4º, nº 2, do Código do Registo Predial. No que respeita às hipotecas legais, que resultam, directamente, da lei, sem dependência da vontade das partes, podendo constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança, em conformidade com o estipulado pelo artigo 704º, do CC, é o acto de registo que representa o nascimento dessa garantia, visível para qualquer interessado diligente, porquanto a hipoteca não tem existência jurídica, anteriormente ao mesmo, nele se especificando os bens onerados e a identidade, especialmente, o montante do crédito assegurado. É, por isso, completamente diverso, o regime jurídico da hipoteca legal, em relação ao regime jurídico dos privilégios creditórios que garantem os créditos das instituições de segurança social. Os artigos 10º a 13º, do DL nº 103/80, de 9 de Maio, conferem aos créditos por contribuições em dívida às Caixas de Previdência, hoje integradas no regime geral da segurança social, atento o disposto pelo artigo 68º, da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, as garantias constituídas pelo privilégio mobiliário geral e pela fiança, e, também, relativamente aos imóveis existentes no património das entidades patronais devedoras, pelo privilégio imobiliário geral e pela hipoteca legal, processando-se esta última garantia, nos termos vigentes para a contribuição predial, substituída pela contribuição autárquica, atento o preceituado pelo artigo 24º, do DL nº 442-C/88, de 30 de Outubro, e, mais recentemente, pelo imposto municipal sobre imóveis, por força do disposto no artigo 122º, nº 1, do DL nº 287/03, de 12 de Novembro. E, quer na norma do artigo 152º, do CPEREF, quer no preâmbulo deste diploma, é sempre e, tão-só, aos privilégios creditórios que a lei se refere, sem qualquer alusão a outra garantia, nomeadamente, à hipoteca legal, inexistindo outros elementos interpretativos capazes de sustentar uma extensão teleológica da previsão legal. Além do mais, constituindo ambos garantias especiais das obrigações, são, conceitualmente, diferenciados, com disciplina específica, cada um deles inserido em secções distintas do capítulo VI, do Código Civil. Com efeito, a omissão de pronúncia do legislador, quanto às hipotecas legais, no texto em análise, não é sinónimo da existência de uma lacuna, mas antes de uma hipótese não regulada, intencionalmente, significativa de que o legislador nele não quis abranger as hipotecas legais, restringindo-se a extinção decretada, apenas, aos privilégios creditórios, não sendo, pois, sustentável que a letra da lei esteja aquém do seu espírito, como tal carecida de interpretação extensiva. A isto acresce não ser concebível que o legislador não distinga os privilégios creditórios das hipotecas legais, sendo certo que, enquanto no artigo 152º, em questão, subordinado à epígrafe “extinção dos privilégios creditórios”, não refere a hipoteca legal, outrotanto já não acontece, na hipótese do artigo 200º, nº 3, ambos do CPEREF, onde, a propósito da sentença de verificação e de graduação dos créditos, estatui que “na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante da hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora...”6, o que demonstra, exemplarmente, que o legislador, no articulado do mesmo diploma legal, não confundiu as várias modalidades de garantias especiais das obrigações, com destaque para os privilégios creditórios, a hipoteca e a penhora. E, nem se diga, em contrário, que a omissão de qualquer referência, neste último normativo, à hipoteca legal quer significar que estas se extinguiram com a declaração de falência, donde derivaria a impossibilidade de serem invocadas e, por arrastamento, a desnecessidade de menção naquele preceito. Contudo, a esta observação objectar-se-á que o normativo em causa se destina a evitar a invocação de garantias de natureza processual, mas sendo possível fazer valer todas as demais, sob pena de nem sequer serem atendíveis, no processo de falência, garantias não referidas no mesmo, designadamente, o penhor, o direito de retenção ou a consignação de rendimentos. Aliás, do preâmbulo do DL nº 132/93, de 23 de Abril, que instituiu o CPEREF, constata-se o objectivo de incentivar a recuperação das empresas em situação económica difícil, que sejam economicamente viáveis, de forma a impedir a sua extinção, devendo ser lembrado ao Estado o dever que lhe assiste de colaborar, antes de qualquer outro credor, na recuperação financeira de tais empresas, “quer abolindo ou restringindo de vez os privilégios creditórios que injustamente prejudicam os demais credores...”7. E, se é certo que o legislador pretendeu evitar um total desinteresse dos entes públicos pelos processos falimentares, tal não quer dizer que os respectivos créditos, uma vez declarada a falência, venham, pura e simplesmente, a não ser satisfeitos, como aconteceria se os créditos das entidades questionadas passassem, indistintamente, a ser exigidos como comuns, mas antes evitar a existência de uma garantia tão intensa como os privilégios, nomeadamente, os privilégios imobiliários especiais, por força do preceituado pelo artigo 751º, mas que já não é extensível aos privilégios mobiliários especiais e aos privilégios imobiliários gerais concedidos aos créditos da Segurança Social, atento o disposto pelos artigos 749º e 750º, todos do CC. Assim sendo, deixa de ter suporte consistente o argumento dos defensores da aplicação do artigo 152º, do CPEREF, às hipotecas legais outorgadas a favor das entidades em causa, segundo o qual não se compreendia que o legislador tivesse abolido a garantia mais forte constituída pelo privilégio, deixando intacta a garantia menos forte representada pela hipoteca8. A solução legal encontrada pelo artigo 152º, do CPEREF, ao declarar a extinção imediata dos privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, em consequência da falência, é encarecida pelo preâmbulo do aludido diploma legal, ainda “antes mesmo da necessária revisão da legislação vigente sobre os privilégios creditórios”. Por isso, não se torna legítima a aplicação analógica ou a indução por paridade, traduzida no entendimento de que o regime previsto no normativo legal em apreço é, também, aplicável às hipotecas legais, dado o seu carácter excepcional, como se de uma lacuna legislativa que importasse integrar estivesse a padecer o ordenamento jurídico9. É que a Segurança Social dispõe de instrumentos jurídicos adequados para assegurar a efectividade dos seus créditos, sem frustração das expectativas de terceiros, bastando-lhe proceder ao oportuno registo da hipoteca legal, em conformidade com o estipulado pelo artigo 12º, do DL nº 103/80, de 9 de Maio10. E, nem se diga, em contrário, que, a ser assim, as instituições de segurança social esquivar-se-iam, sistematicamente, ao regime da extinção imediata da hipoteca legal, por força da declaração de falência, registando, sucessivamente, hipotecas legais, ao abrigo do preceituado pelo artigo 12º, do DL nº 103/80, de 9 de Maio, citado, à medida que se fossem vencendo as contribuições que uma empresa deixa de pagar11, porquanto esta asserção assenta, com o muito devido respeito, numa petição de princípio, qual seja a de considerar demonstrado o que ainda o não está, isto é, que o legislador quis estender o regime aplicável aos privilégios creditórios, decorrente do artigo 152º, do CPEREF, às hipotecas legais. Impõe-se, pois, considerar que a norma do artigo 152º, do CPEREF, criou um regime legal de sentido oposto ao regime geral, que se mantém intacto, tendo, portanto, a natureza de uma norma legal excepcional12. Assim sendo, como norma de natureza excepcional, não comporta aplicação analógica, mas admite interpretação extensiva, com base no disposto pelo artigo 11º, do CC, pelo que, mesmo para os defensores da corrente jurisprudencial e doutrinal, segundo a qual os privilégios creditórios compreendem as hipotecas legais constituídas para garantia dos seus créditos, não seria admissível aplicar, por analogia, o regime legal criado pelo artigo 152º, do CPEREF, por manifestas razões de política económica e social. Como assim, a referência aos privilégios creditórios, contida na primeira parte do artigo 152º, do CPEREF, não abrange outras garantias, nomeadamente, a hipoteca legal, não se justificando a sua interpretação extensiva, no sentido propugnado pela sentença recorrida13, mantendo os credores hipotecários a posição preferencial que lhes advém da lei substantiva, sendo, consequentemente, pagos pelo produto da venda dos bens onerados14. Aliás, como já se referiu, o próprio artigo 152º, do CPEREF, exceptua da extinção imediata consequente à declaração de falência os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, “que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência”. Por isso, para quem defenda que a extinção imediata dos privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, consequente à declaração de falência, importa, igualmente, por interpretação extensiva, a situação das hipotecas legais, terá, coerentemente, de excluir da respectiva previsão legal todas aquelas que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência. E, por maioria de razão, o mesmo entendimento deve ser adoptado, em relação às hipotecas legais outorgadas a entidades distintas do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, como é, manifestamente, o caso do apelante Banco B.... Como assim, importa revogar a sentença recorrida, neste particular, considerando-se não extintos, por virtude da declaração de falência, os créditos dos apelantes, garantidos por hipoteca legal, não reconduzíveis, por força da mesma, a créditos comuns, face à garantia real de que gozam, procedendo-se a uma nova graduação de créditos, em conformidade com o decidido, nos seguintes termos: 1º - Em primeiro lugar, do produto da liquidação da massa falida saem precípuas as custas da falência e seus apensos, bem assim como as despesas da liquidação do activo, começando-se pelas verbas despendidas com a remuneração ao Exº Liquidatário nomeado. 2º - Em segundo lugar, do remanescente, o crédito reclamado pelo Banco B..., até ao montante máximo de 81802,86€; 3º - Em terceiro lugar, o crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Segurança Social de C..., até ao montante máximo de 54919,70€; 4º - Em quarto lugar, todos os restantes créditos reclamados, rateadamente, incluindo o excedente do crédito reclamado pelo Banco B..., e pelo Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Segurança Social de C..., não abrangidos pelas hipotecas. * CONCLUSÕES: I - Quer na norma do artigo 152º, do CPEREF, quer no preâmbulo deste diploma, é sempre e, tão-só, aos privilégios creditórios que a lei se refere, sem qualquer alusão a outra garantia, nomeadamente, à hipoteca legal, inexistindo outros elementos capazes de sustentar uma extensão teleológica da previsão legal, ou a existência de um caso omisso, que deva ser, juridicamente, regulado. II – A referência aos privilégios creditórios, contida na primeira parte do artigo 152º, do CPEREF, não abrange outras garantias, nomeadamente, a hipoteca legal, pelo que não se justifica a sua interpretação extensiva. * DECISÃO: Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar procedente ambas as apelações e, em consequência, em revogar a sentença recorrida, na parte em que considerou extintos os créditos dos apelantes, garantidos por hipoteca legal, e, como tal, não reconduzíveis, por força da declaração de falência, a créditos comuns, procedendo-se a uma nova graduação de créditos, em conformidade com o decidido, nos seguintes termos: 1º - Em primeiro lugar, do produto da liquidação da massa falida saem precípuas as custas da falência e seus apensos, bem assim como as despesas da liquidação do activo, começando-se pelas verbas despendidas com a remuneração ao Exº Liquidatário nomeado. 2º - Em segundo lugar, do remanescente, o crédito reclamado pelo Banco B..., até ao montante máximo de 81802,86€; 3º - Em terceiro lugar, o crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Segurança Social de C..., até ao montante máximo de 54919,70€; 4º - Em quarto lugar, todos os restantes créditos reclamados, rateadamente, incluindo o excedente do crédito reclamado pelo Banco B..., e pelo Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Segurança Social de C..., não abrangidos pelas hipotecas.
* Custas pelo apelado Banco D.... * Notifique. |