Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1721/12.0TBACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.17-C, 32, 60 CIRE, LEI Nº 32/2004 DE 22/7, PORTARIA Nº 51/2005 DE 20/1
Sumário: A remuneração do administrador judicial provisório, nomeado no processo especial de revitalização, não pode ser paga mensalmente, por efeito das disposições combinadas dos arts. 17º-C, nº 3, a), 32º, nº 3, e 60º, nº 1, do CIRE, 20º, nº 1 e 2, 26º, nº 2, da Lei 32/2004, de 22.7 (estatuto do administrador da insolvência) e 1º, nº 1, da Portaria 51/2005, de 20.1.
Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. T (…), Lda, com sede em Alcobaça, apresentou-se a processo especial de revitalização. Nessa sequência, foi proferido despacho a nomear como administrador judicial provisório o Dr. (…).

Veio o referido administrador judicial provisório requerer que seja determinado o pagamento da sua remuneração mensal no montante de 2.250 €, até à conclusão das negociações com os credores que se prevê tenha duração de 4 meses.

Para justificar tal pretensão, o requerente sustentou, em síntese, a complexidade das suas funções de auxílio e fiscalização da actividade da devedora, na dificuldade que as negociações com os numerosos credores implicarão, que terá igualmente de elaborar a lista de provisória de créditos que o vencimento base do administrador da devedora é de 2.286,22 € e o dos trabalhadores administrativos da devedora se situa entre os 1.000 € e os 1.500 €, que importa uma actividade profissional diária onerosa.

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Foi proferida decisão que fixou a remuneração do administrador judicial provisório em 2.250 €, valor que deverá ser pago de uma só vez, sem prejuízo de poder vir a ser atribuído outro valor, igualmente a título remuneratório, em função do resultado obtido nas negociações com os credores da devedora e na promoção de uma efectiva revitalização da mesma.

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2. O administrador judicial provisório interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

I. Ora a decisão recorrida não podia merecer a concordância do recorrente. É que,

II. Na falta de estipulação quanto à remuneração do Administrador Judicial provisório, faz o Tribunal a quo, com o mui reverberado respeito, uma interpretação errada da lei na quantificação do valor devida a título de retribuição.

III. De facto, bem salienta o Tribunal a quo a ausência de normativo legal que contemple o método de fixação da remuneração a atribuir ao Administrador Judicial Provisório.

IV. Destarte, existem, quer por força da evolução histórica da lei falimentar, quer por força da adequação empresarial adstrita ao cargo de Administrador Judicial Provisório, critério determinantes no apuramento de um valor que se pretende, segundo um raciocínio hermenêutico do Tribunal «adequado e proporcional à complexidade do processo e resultados obtidos». De facto,

V. e em primeiro lugar, a fixação de uma retribuição mensal, como aquela que, salvo melhor opinião, deve ser fixada na actividade de Administrador Judicial Provisório, contem-se com o facto de o Administrador Judicial Provisório exercer uma actividade em tudo análoga à dos actos de gerência/administração da revitalizanda.

VI. Tanto assim é que o art.º 33.º define que o Administrador Judicial Provisório “deve providenciar pela manutenção e preservação desse património, e pela continuidade da exploração da empresa”.

VII. Em segundo lugar, já no anterior CPEREF previa-se a fixação de uma retribuição mensal, que se coadunava inclusivamente com a função de gestor judicial e liquidatário judicial,

VIII. No entanto, este ónus não advém sem mais, logrando a revitalização um papel muito mais afincado do Administrador Judicial Provisório, do que a simples Liquidação;

IX. O Processo de Revitalização em concreto mantém o aqui recorrente, enquanto

Administrador Judicial Provisório nomeado, numa actividade constante, diligente, zelosa e complexa;

X. Com um acompanhamento diário da actividade da empresa;

XI. Numa análise exaustiva dos débitos existentes;

XII. E da plausibilidade e exequibilidade de um processo negocial conducente a um acordo viável;

XIII. Mantendo-se em regime de fiscalização e coordenação diária das negociações havidas entre a devedora e os seus credores.

XIV. Tal critério decorre da expressão normativa contida no art.º 34.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.E.R.E.F. aplicável por força do disposto no art.º 133.º do mesmo dispositivo e art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 254/93, de 18 de Julho, ou seja, A REMUNERAÇÃO FIXADA DEVE TER ENQUANTO BALIZA A PRÁTICA REMUNERATÓRIA DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO DA EMPRESA, o parecer dos membros da Comissão de Credores e AS DIFICULDADES DA ADMINISTRAÇÃO.

XV. Mas, ainda assim, também o CIRE não é de todo esvaziado de critérios quanto à fixação da remuneração do Administrador Judicial Provisório.

XVI. Os art.ºs 22.º e 24.º do CIRE contemplam um conjunto de critérios aferíveis num plano de acompanhamento da evolução económica e administrativa da empresa, com vista à sua recuperação.

XVII. Urge então dar então ênfase à complexidade dos presentes autos.

XVIII. Desde logo, cabe em sede prévia salientar que o vencimento base do administrador da devedora é de 2.286,22 € (dois mil duzentos e oitenta e seis euros e vinte e dois cêntimos);

XIX. E que o vencimento dos trabalhadores administrativos da devedora se situa entre os 1.000,00 € (mil euros) e os 1.500,00 € (mil e quinhentos euros).

XX. Por sua vez, a revitalização de uma empresa como a T (…), LDA. depende de uma actuação exigente do Administrador Judicial Provisório;

XXI. Facto que releva, desde logo, as condicionantes referidas supra nas alíneas a) a j), em especial a referida na alínea j.: o número de meses de trabalho previsível não deverá ser superior a quatro (4) ou cinco (5), um (1) mês para a reclamação de créditos e dois (2) a três (3) meses para as negociações. Mas, trata-se de um trabalho muito intenso e intensivo num curto período de tempo em que é imprescindível encetar negociações, muito difíceis, com os inúmeros credores da devedora, tudo sem violar o princípio da igualdade dos credores estabelecido no artigo 194.º do CIRE.

XXII. No fundo, a complexidade do trabalho do Administrador Judicial Provisório depreende-se na obtenção de resultados positivos, no prazo máximo de três meses, com vista a conseguir o que outros, colocado nas posições de gerência e durante anos, não lograram alcançar.

XXIII. sugeriu o Administrador Judicial Provisório, como determinante da ponderação da sua remuneração, o montante mensal equiparado ao do administrador/gerente da recuperanda, no valor mensal de 2.250,00 € (dois mil duzentos e cinquenta euros);

XXIV. Valor que nunca se estenderia por mais de quatro/cinco meses, por força do prazo para a preclusão do processo negocial no âmbito do PER;

XXV. Reflexão que o recorrente coloca, em sede de recurso, à ponderação elevada dos Venerandos Juizes Desembargadores no Tribunal da Relação de Coimbra;

XXVI. Deste modo, considerando os critérios fixados sucessivamente na legislação falimentar, seja por força da expressão normativa contida no art.º 34.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.E.R.E.F., seja ainda por decorrência dos critérios ínsitos nos art.ºs 22.º e 24.º do C.I.R.E., ou seja, a remuneração fixada deve ter enquanto baliza a prática remuneratória da gerência/administração da empresa, as dificuldades da administração, a complexidade do processo negocial, quer pelo volume de negócios, quer pela quantidade de credores, então a fixação da remuneração da recorrente no valor de € 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros) em singelo, é manifestamente desadequada, desproporcionada e desenquadrada da realidade que os autos demonstram.

XXVII. A remuneração atribuída pelo Tribunal e expressa na decisão recorrida viola os princípios da razoabilidade e da equidade que devem presidir à tomada das decisões judiciais.

XXVIII. Neste contexto a pretensão remuneratória expressa NÃO DIGNIFICA O CARGO e o GRAU ACADÉMICO do Administrador Judicial Provisório e desconsidera a EXTENSA e CONTÍNUA INTENSA E INTENSIVA ACTIVIDADE PROCESSUAL desenvolvida nos autos. É que,

XXIX. Da mesma forma, as funções de Administrador Judicial Provisório continuam a assentar a um nível de intervenção e de responsabilização crescendo na prática forense e judicial, constituindo a remuneração, ainda, o reflexo dessa responsabilização e acompanhamento;

XXX. Razão pela qual, repristinando os pressupostos condicionadores da reflexão remuneratória encontrada nas supra expostas alíneas, deverá ao recorrente ser fixada remuneração MENSAL equitativa, proporcional, razoável e equilibrada no valor de, pelo menos, € 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros), e assim se realizando

JUSTIÇA !

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

Os factos provados são os que dimanam do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3, e 685º-A, do CPC).

Nesta conformidade a única questão a decidir é a seguinte.

- Pagamento mensal da remuneração do administrador judicial provisório.

2. No âmbito das normas legais que regem o processo especial de revitalização sobre remuneração do administrador judicial provisório regula o art. 17º-C, nº 3, a), do CIRE, que remete para o art. 32º do mesmo diploma, com as devidas adaptações, normativo este que regula a escolha e remuneração do administrador judicial provisório nomeado no processo de insolvência.

Por sua vez, dispõe o art. 32º, nº 3, que “a remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo cofre dos Tribunais na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”.

De acordo com os cânones gerais da integração, nos pontos não directamente regulados pela lei acerca dos aspectos relevantes das condições de exercício das funções do administrador judicial provisório, não pode deixar de aplicar-se o regime do administrador judicial (não provisório) da insolvência, com as adaptações que eventualmente se possam justificar em virtude da provisoriedade das funções, como se nos afigura ser a melhor solução, e defendem L. Carvalho Fernandes e J. Labareda, em CIRE Anotado, 2ª Ed., nota 3. ao referido artigo 32º, pág. 178.  

Temos de procurar por isso, face à remissão operada pelo art. 60º, nº 1, do CIRE (norma que respeita à remuneração do administrador judicial da insolvência) no estatuto do administrador da insolvência - Lei 32/2004, de 22.7 – qual a solução ditada pela lei.

Compulsado o mesmo, duas realidades se nos deparam. Numa tal estatuto regula a fixação da remuneração, nos seus arts. 19º a 24º. Na outra regula-se o pagamento e despesas, nos seus arts. 26º e 27º.

No caso em apreço o montante da remuneração foi fixado pela juíza a quo – 2.250 € - tal como o recorrente pretendia, aqui não se suscitando nenhuma controvérsia. O recorrente pretende porém que o seu pagamento seja mensal, o que não foi ordenado judicialmente, sendo este o ponto controvertido ora em recurso.

A propósito daquele primeiro ponto, a lei regula sobre o princípio geral da remuneração do administrador da insolvência (art. 19º), depois regula sobre a remuneração de tal administrador nomeado pelo juiz (art. 20º), depois regula sobre a remuneração do mesmo administrador nomeado ou destituído pela assembleia de credores (art. 21º), contemplando, ainda, a remuneração do dito administrador pela gestão de estabelecimento compreendido na massa insolvente (art. 22º), assim como a remuneração pela elaboração do plano de insolvência (art. 23º). Assim como regula a remuneração do administrador judicial provisório, remetendo para os critérios enunciados no art. 22º, nº 2 (art. 24º).

E a propósito daquele segundo ponto, o pagamento, também legem habemus, ao contrário do que defende o recorrente, numa interpretação emaranhada mas não aceitável. 

Efectivamente, a remuneração do administrador da insolvência assenta numa componente fixa e numa componente variável dependente do resultado da liquidação da massa insolvente, a que acresce uma majoração em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, ambas as componentes estabelecidas e reguladas na Portaria 51/2005, de 20.1 (art. 26º, nº 2 e 3).

Ora, de harmonia com o prescrito no mencionado art. 26º, nº 2, a remuneração fixa (que a dita Portaria fixou em 2.000 €, nos termos do seu art. 1º, nº 1) é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data do encerramento do processo.

Ou seja, mesmo no processo de insolvência, a lei não prevê que a remuneração do administrador da insolvência seja mensal. Como se viu, o regime legal vigente em termos de remuneração estipula que o montante da remuneração fixa é fraccionado em duas prestações (sendo a parte da remuneração variável dependente dos resultados obtidos ao nível da liquidação da massa insolvente e da satisfação dos créditos).

Deste modo, não existe base legal para fixar uma remuneração mensal ao administrador judicial provisório, como o recorrente pretende.

É certo que os referidos preceitos legais surgiram numa altura em que o processo especial de revitalização ainda não tinha sido criado – só foi criado recentemente com a alteração ao CIRE, introduzida pela Lei 16/12, de 20.4, entrada em vigor em 20.5 -, todavia foi essa a vontade do legislador com a remissão que efectuou para o aludido art. 32º via o citado art. 17º-C, nº 3, a), do CIRE. Se a vontade do legislador é a mais correcta ou se mostra insuficiente caberá ao mesmo legislador ponderar e, se necessário, introduzir as devidas alterações. Havendo lei, como há, para regular o caso concreto em apreço, o intérprete é que não a poderá distorcer.  

Resta dizer que a juíza a quo deixou exarado que “Na verdade, entendemos que, também ao nível do processo especial de revitalização, deve haver uma parte da remuneração condicionada aos resultados obtidos, que neste caso se prenderão com o processo negocial e não com a liquidação da massa insolvente. Pensamos que este é o esquema remuneratório mais próximo do que se encontra estabelecido na lei e, por isso, o mais adequado, na medida em que o artigo 17º-C nº 3 al. a) do C.I.R.E. nos remete para os artigo 32º a 34º deste mesmo diploma. Contudo, não deixará o Tribunal de ter em conta os factores enunciados pelo Sr. Administrador, designadamente o elevado número de credores, o que se retira da relação de créditos provisória entretanto junta, a fls. 147 a 181 dos autos”, ou seja, que mesmo à componente variável da remuneração, oportunamente o tribunal fixará o valor que for devido. Como consta, aliás, do segmento decisório do despacho recorrido. 

Não tem razão, pois, o recorrente quanto ao recurso interposto.

3. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) A remuneração do administrador judicial provisório, nomeado no processo especial de revitalização, não pode ser paga mensalmente, por efeito das disposições combinadas dos arts. 17º-C, nº 3, a), 32º, nº 3, e 60º, nº 1, do CIRE, 20º, nº 1 e 2, 26º, nº 2, da Lei 32/2004, de 22.7 (estatuto do administrador da insolvência) e 1º, nº 1, da Portaria 51/2005, de 20.1. 

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pelo recorrente.

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Moreira Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro