Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1770/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
JUROS
DANOS MORAIS
Data do Acordão: 11/04/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA EM PARTE
Área Temática: DIREITO CIVIL, OBRIGAÇÕES
Legislação Nacional: ARTIGOS 533,2 E 805º,N.º 3 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Carece de apoio legal a presunção de que os danos não patrimoniais fixados na sentença são sempre actualizados.
II. O que a lei diz (sem distinguir danos patrimoniais ou morais) é que “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos” (artigo 566º, n.º 2 do Código Civil). Logo, tudo está em saber que juízo foi feito na própria sentença, para se concluir que a indemnização por estes danos foi calculado de acordo com esta teoria da diferença.
III. Assim, se o dano (patrimonial ou moral) foi, expressa e demonstrativamente, actualizado de acordo com a teoria da diferença, os juros moratórios são devidos desde a sentença.
IV. Se o não foram, então os juros são devidos desde a citação, ainda que o montante do dano seja actualizado com os índices de desvalorização monetária, porque, neste caso, o valor recente corresponde ao valor antigo.
Decisão Texto Integral: 4

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. Carlos ....... e mulher Maria ........ demandaram, na comarca de Anadia, a Aliança Seguradora, por ter assumido, por contrato de seguro, os danos causados pelo veículo de matrícula PO-55-70, propriedade de João .......
Este veículo, no dia 8 de Agosto de 1993, era conduzido pelo seu proprietário que se fazia acompanhar por F .........., solteiro e filho dos autores. Alegadamente por actuação culposa do condutor, o veículo sofreu um acidente de que resultou a morte do F...... e do próprio condutor.
Pediram, então, os autores contra esta seguradora, o pagamento da quantia global de 6.920.600$00, sendo 1.000.000$00 para cada um pelos danos não patrimoniais próprios e 3.000.000$00 pela perda do direito à vida e danos morais sofridos pela vítima e o restante de danos patrimoniais. A acção foi proposta em Janeiro de 1995.

2. A seguradora contestou, opondo a falta de seguro válido, o que provocou a demanda do Fundo de Garantia Automóvel. Já em fase de julgamento (em 26/06/2001) os autores ampliaram o pedido pelo dano de morte para 8.000.000$00, alegando ser esse o novo conceito sobre o valor do dano.
A final o tribunal condenou o Fundo de Garantia Automóvel a pagar 6.000.000$00 a título de danos não patrimoniais, onde inclui 4.000.000$00 pelo dano de morte (não distinguindo a perda do direito à vida e os danos morais sofridos pela própria vítima) e 1.000.000$00 a cada um dos autores e ainda os juros a contar da citação.
Desta decisão recorre o Fundo de Garantia Automóvel, apenas quanto aos juros a contar da citação, pois entende que a indemnização a título de danos não patrimoniais é fixada na sentença, tendo em conta os valores praticados à data da mesma, sendo, por isso, valores sempre actualizados e que, assim sendo, os juros de mora relativamente aos danos não patrimoniais só são devidos desde a sentença, sob pena de haver enriquecimento sem causa.
Contra-alegaram os apelados, pugnando pela confirmação do julgado. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir.

3. Sendo esse o objecto do recurso – saber se os juros de mora relativamente a danos não patrimoniais são devidos a parir da citação ou da sentença – dispensamo-nos de descrever os factos provados, remetendo para a sentença recorrida.
Tudo visto, parece óbvio que o recorrente pretende tirar partido da longa querela jurisprudencial sobre a matéria, louvando-se naqueles arestos que acolhem a sua tese. Mas, como certamente também saberá, outros há que acolhem a tese contrária. O importante, no caso dos autos é dilucidar a questão.
Diz o recorrente que a sentença que condena em indemnização por danos não patrimoniais o faz sempre de forma actualizada e daí o não se justificarem juros de mora desde outra data que não seja a da sentença condenatória. Não diz que é pelo facto de se tratar de danos não patrimoniais, naturalmente porque a lei não faz essa distinção. Diz sim que é pelo facto de serem sempre actualizados na data da sentença.
Com o devido respeito não parece que seja assim. Nada existe na lei que o imponha. O que a lei diz (sem distinguir danos patrimoniais ou morais) é que “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos” (artigo 566º, n.º 2 do Código Civil). Logo, tudo está em saber que juízo foi feito na própria sentença, para se concluir que a indemnização por estes danos foi calculado de acordo com esta teoria da diferença.
No caso dos autos, e no que se refere aos danos não patrimoniais sofridos pelos autores pela morte do filho, o que constatamos é que foram pedidos, na petição inicial, 1.000.000$00 para cada um e a sentença condenou exactamente nesses mesmos 1.000.000$00. Há aqui alguma actualização? Claro que não há. Há dúvidas de que sobres estes montantes incidem juros desde a citação, por força do disposto no artigo 805º, n.º 3 (2ª parte) do Código Civil? Assim colocado o problema, parece que não há. O STJ decidiu, vg., em 26/05/1993: CJ/STJ, 1993, 2º, 130, que “são devidos juros legais desde a citação, mesmo quanto à indemnização fixada para os danos não patrimoniais”.
É que estes juros legais, devidos nos termos do artigo 805º, n.º 3 (2ª parte) do Código Civil são juros de mora, ou seja, são a indemnização devida ao credor pelos prejuízos causados pelo não pagamento atempado. São a retribuição ao credor por não poder dispor daquela quantia desde o momento em que lhe devia ser paga. O autor propõe a acção pedindo que se lhe pague a quantia que entende lhe ser devida e o réu vai discutir essa quantia, mas não a coloca, desde logo, à disposição do credor, ainda que tão só relativamente ao que entende lhe ser devido. Por isso é que tem de indemnizar o credor por não ter podido dispor daquela quantia durante o tempo em que se discutiu a acção.
É por isso que pensamos, com o devido respeito por entendimento divergente, que a aplicação dos juros moratórios nada tem a ver com a actualização da indemnização, quer pela desvalorização da moeda, quer pela aplicação da teoria da diferença. E só por esta parece lógico aplicar os juros desde a sentença.
Sendo assim, e volvendo ao caso dos autos, já vimos que não houve qualquer actualização relativamente aos danos não patrimoniais próprios dos autores, pelo sofrimento com a morte do filho. São, por isso, devidos juros moratórios desde a citação.
E quanto ao dano de morte, ou o dano pela perda do direito à vida? Sobre esta rubrica sabemos que, na petição inicial, os autores pediram 3.000.000$00 e que, anos depois, quando decorria a audiência de julgamento, foi actualizado o pedido para 8.000.000$00, com o fundamento de que então já se contabilizava esse dano com essa quantia, com o argumento de que foi assim que o Instituto de Seguros de Portugal indemnizou as famílias das vítimas da tragédia da ponte Hintze Ribeiro, em Castelo de Paiva.
Este foi um pedido actualizado com base no critério do novo valor atribuído ao mesmo dano, face às novas concepções sociais, tanto mais que, ao contrário do que vinha fazendo a jurisprudência, pela primeira vez se abandonou o critério da personalização do dano, para dizer em quanto se deveria indemnizar o direito à vida, independentemente de quem faleceu. E foi já depois disso que o nosso mais alto tribunal apareceu com acórdãos a dizer que o direito à vida deve ser indemnizado em 49.880,29 € ou 10.000.0000$00.
Não fora, pois, a actualização do pedido e a sentença recorrida não teria dado mais de 3.000.000$00 pelo dano de morte e se acabou por fixar tal quantia em 4.000.000$00 foi em função dum pedido actualizado, ainda que tivesse ficado aquém.
E é aqui que reside a diferença. Se os autores tivessem recorrido, poderiam hoje ser atendidos até ao limite do pedido. Como não recorreram, a decisão que fixou essa indemnização transitou e agora só resta saber se os juros a aplicar são devidos desde a citação ou desde a sentença que os aplicou, como pretende o recorrente.
De acordo com o nosso raciocínio já deu para ver que este é um montante fixado segundo o critério do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil (teoria da diferença), pelo qual optaram os autores e se conformaram. E sendo assim, os juros são os devidos desde a sentença. ( cfr. Acórdão da RC, de 14/03/89; CJ, 1988, 2º- 42 e acórdão da RL, de 15/06/89: CJ, 1989, 3º- 123)

4. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juizes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que condenam o apelante a pagar juros legais desde a citação sobre 2.000.000$00 e desde a sentença recorrida sobre 4.000.000$00. Em tudo o mais se mantém o decidido em primeira instância.
Custa na proporção de vencido, tendo em conta que os autores litigam com apoio judiciário.
Coimbra,04 de Novembro de 2003
Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Custódio Costa e Ferreira de Barros