Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
775/22.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: INVENTÁRIO
LEGITIMIDADE
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1085.º, N.º 1, ALÍNEA A), DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: O administrador de insolvência não tem legitimidade para requerer inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditário em substituição de um interessado directo na partilha que foi declarado insolvente.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

      (…)

           

  1.- Relatório

1.1. – Nos presentes autos veio a Administradora da Insolvência nomeada no âmbito do processo n.º 1302/19...., que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Comércio de Leiria – Juiz 1, em que foi declarada a insolvência de AA, e em representação desta, vem, nos termos da alínea b) dos artigos 1082.º, 1094.º e 1099.º todos do Código de Processo Civil, Requerer INVENTÁRIO JUDICIAL, para partilha do acervo hereditário deixado pelo falecimento de BB, contra os interessados:

CC, NIF ..., à viúva, residente na Travessa ..., ..., ..., ... ...;

E

DD, NIF ... e EE, casados entre si, ambos residentes na Av.ª ..., ... ....

            Para tanto refere que:

1. No dia 14 de Maio de 2008, faleceu BB – vide doc. 1

2. Sucederam-lhe como universais herdeiros:

I. Sua mulher, CC, NIF ..., à data casado no regime de comunhão geral de bens com o de cuius, residente na

Travessa ..., ..., ..., ... ... – vide doc. 2

II. Seu filho, DD, NIF ..., casado com EE, residente na Av.ª ...,

... ... – vide doc. 3

III. Sua filha, AA, NIF ..., divorciada, residente na Travessa ..., ..., ... ... - ...– vide doc. 4

3. Os bens do inventariado permanecem indivisos até ao momento,

4. Não tendo sido possível alcançar a partilha extrajudicial.

5. São, pois, interessados diretos neste inventário:

I. CC, Viúva;.

II. DD, casado com EE.

III. AA, divorciada.

6. AA é herdeira e interessada direta na partilha nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1085.º do Código de Processo Civil.

7. Sucede que em 13.06.2019, no âmbito do processo n.º 1302/19...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Comércio de Leiria – Juiz ..., foi proferida sentença declaratória da insolvência de AA, transitada em julgado em 08.07.2019 – vide doc. 5

8. Nesta sentença foi nomeada a Administradora Judicial FF para exercer as funções de Administradora da Insolvência – cf. doc. 5.

9. Nos termos do n.º 1 do artigo 81.º do CIRE, “(…) a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”.

10. Assim, a partir daquela data, o Administrador da Insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – artigo 81.º, n.º 4 do CIRE.

11. Entre os quais se incluem a legitimidade para, na qualidade de substituto processual, requerer que se proceda a inventário em substituição do interessado direto na partilha.

12. Na Participação de Imposto de Selo (Modelo 1) relativa à herança aberta e indivisa dos autores da herança foi declarado o seguinte bem imóvel:

I. Bem Imóvel:

• prédio urbano destinado a habitação, composto por casa de rés-do-chão

com logradouro, com área total de 1.045,75m2, sito na Travessa ...

do Vento, nº 11, ..., ..., ..., descrito na 2ª Conservatória

do Registo Predial de Leiria sob o nº 93.../20... ... e inscrito

na respetiva matriz predial sob o artigo ...11º da freguesia .... -

vide docs. 6 e 7

13. Nos termos da alínea b) do n.º 1099.º

do Código de Processo Civil, a Requerente vem indicar a interessada CC para exercer as funções de cabeça-de-casal da herança a partilhar.

14. Razão pela qual, deve esta interessada ser notificada para vir aos presentes autos juntar as suas declarações com relação de bens e compromisso de honra do fiel exercício das funções de cabeça-de-casal, conforme prescreve o artigo 1102.º do Código de Processo Civil.

                                                           **

1.2. – Em 26/2/2022 foi proferido despacho a indeferir a pretensão da requerente, com custas a seu cargo, sem prejuízo de benefício de apoio judiciário – (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.), do seguinte teor:

Massa Insolvente de AA, através de FF, Administradora de Insolvência nomeada no âmbito do processo n.º 1302/19...., que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Comércio de Leiria – Juiz 1, em que foi declarada a insolvência de AA vem, segundo diz em representação da insolvente e ao abrigo da al. b) dos arts. 1082.º, 1094.º e 1099.º, do Código de Processo Civil, requerer inventário judicial para partilha do acervo hereditário deixado por óbito de BB, de quem diz ser herdeira AA.

Alega, em síntese que no dia 14 de maio de 2008, faleceu BB, tendo-lhe sucedido sua mulher e os filhos, que melhor identifica, entre estes AA, cfr. Docs. 1 a 4 que junta.

Em 13/06/2019, no âmbito do referido processo n.º 1302/19...., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Comércio de Leiria – Juiz 1, foi proferida sentença declaratória da insolvência de AA, transitada em julgado em 08/07/2019, nomeando a Administradora Judicial FF para exercer as funções de Administradora da Insolvência, cfr. doc. 5, que junta.

Nos termos do n.º 1 do artigo 81.º do CIRE, “(…) a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”.

Assim, a partir daquela data, o Administrador da Insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – artigo 81.º, n.º 4 do CIRE - entre os quais se incluem a legitimidade para, na qualidade de substituto processual, requerer que se proceda a inventário em substituição do interessado direto na partilha.

Junta os referidos documentos, constando também no doc. 5 Auto de Apreensão de bens para a massa insolvente, descrevendo-se na respetiva verba 2 “direito e Ação da insolvente à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, BB (…)”, mais descrevendo bem imóvel que diz integrar a herança.

Vejamos da legitimidade da Requerente.

Dispõe o art. 1085º do CPC que:

“1 - Têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais, em todos os atos e termos do processo:

a) Os interessados diretos na partilha e o cônjuge meeiro ou, no caso da alínea b) do artigo 1082.º, os interessados na elaboração da relação dos bens;

b) O Ministério Público, quando a herança seja deferida a menores, maiores acompanhados ou ausentes em parte incerta.”

O art. 81º do CIRE, citado pela Requerente dispõe que: “1- Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.

(…) 4 - O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. (…)”

A herança ilíquida e indivisa é uma universalidade jurídica de bens, pelo que cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens, mas uma quota referida ao todo – arts. 2024º, 2031º, 2032º, 2046º, do Cód. Civil .

Por sua vez a massa insolvente é um património autónomo composto por todos os bens e direitos que integram o património do insolvente à data da declaração de insolvência, bem como pelos bens e direitos que este adquira na pendência do processo de insolvência – art. 46º, nº1 do CIRE

Como se diz no Ac. R.C. de 09/11/2021, proc. 94/21.5T80HP.C1, in www.dgsi.pt “A legitimidade prevista no art. 1085º, nº1 para os herdeiros e cônjuge meeiro “não se confunde de modo algum com o exercício dos poderes de disposição e administração a que alude o (…) nº 1 do art. 81 do CIRE. Na verdade, enquanto mero titular de um quinhão ou quota ideal, o herdeiro não administra ou dispõe de bens da herança certos e determinados até que se defina a concreta composição do seu quinhão.”

Mais se diz em tal acórdão, com total aplicação ao caso dos autos e que, por isso passamos a citar: “No entanto o quinhão hereditário é um direito com um valor patrimonial objectivo. Por isso, foi o quinhão do insolvente apreendido para a respectiva massa, com a finalidade primária de aí vir a ser vendido na fase da liquidação e o produto daí resultante reverter a favor dos credores. Esta finalidade – que, aliás, consta do art.º 1º do CIRE – é a única que importa à insolvência, sem prejuízo de a ela se poder sobrepor um eventual plano de insolvência aprovado e homologado nos termos da lei. Ou seja, não é essencial à satisfação dos credores da insolvência a concretização do quinhão hereditário do herdeiro insolvente em bens determinados através da partilha. (…) Por estar orientado para a imediata satisfação dos créditos sobre a insolvência, o interesse da massa insolvente do herdeiro é, por conseguinte, diferente do interesse do herdeiro.”

O administrador da insolvência não tem, pois, legitimidade para requerer o inventário para partilha de herança, uma vez que o direito da massa insolvente recai sobre o quinhão hereditário do insolvente – cfr. ainda neste sentido “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, M. Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego. A. Abrantes Geraldes e Pedro Torres, p. 33 e Ac. R. L. de 24/09/2020, porc. 31/20.T8MTA.L1-2, in www.dgsi.pt.

Importa, assim, concluir que a Massa Insolvente de AA não é interessada direta na partilha por morte do pai desta e, por isso, não tem legitimidade nos termos do art. 1085º, nº1 a) do CPC para requerer o inventário para partilha da herança do pai da insolvente”.

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1.3. – Inconformada com decisão dela recorreu - FF, Administradora de Insolvência, em representação da MASSA INSOLVENTE DE AA, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

1. O despacho de indeferimento liminar proferido pelo Tribunal a quo decidiu no sentido de que não assiste legitimidade à Massa Insolvente para requerer a instauração do presente processo de inventário.

2. Para o efeito, convocou a argumentação sustentada num acórdão isolado e minoritário que também decidiu no sentido da ilegitimidade da Massa Insolvente para requerer inventário judicial.

3. Fundamentação esta que frustra não somente um entendimento jurisprudencial estabilizado,

4. Como um abundante acervo legislativo existente em sentido contrário.

5. Condições que importam um ónus bastante acrescido caso o Tribunal a quo pretendesse uma alteração substancial no modo interpretativo e nos resultados alcançados nas últimas décadas quanto à matéria.

6. A Massa Insolvente de AA instaurou a presente

ação judicial porque viu frustrada as tentativas extrajudiciais de alienação do quinhão hereditário da Insolvente que se encontra apreendido no âmbito do Processo de Insolvência com o n.º1302/19...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Comércio de Leiria – Juiz 1.

7. A Massa Insolvente requereu o processo de inventário com o intuito de fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens.

8. Património que diz diretamente respeito à Massa Insolvente.

9. Isto porquanto o processo de inventário versa sobre a partilha de direitos de natureza patrimonial.

10. Direitos que integram a Massa Insolvente, por força do que está estatuído no artigo 46.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE): "todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”.

11. E que devem ser administrados pelo Administrador Judicial por imposição legal, nos termos do CIRE e do Estatuto do Administrador Judicial,

12. Pois incumbe ao Administrador Judicial a "gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência", conforme artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro.

13. No exercício das suas funções é conferido poder ao Administrador Judicial para "desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes", nos termos do artigo 55.º, n.º 8 do CIRE.

14. Além disto, o CIRE estabelece que o Administrador substitui o Insolvente em todas as ações pendentes (segundo o artigo 85.º, n.º 3) e assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (de acordo com o artigo 81.º, n.º 3).

15. A qualidade de substituto processual do Administrador Judicial (em representação da Massa Insolvente) só é limitada em ações de natureza pessoal.

16. Esta limitação, para além de juridicamente devida, é óbvia segundo a sua própria natureza.

17. A Insolvente não deixa de poder exercer os seus direitos e assumir as suas responsabilidades enquanto ser-pessoa.

18. Por este motivo, em ações de investigação de paternidade e divórcio, por exemplo, o Insolvente não pode ser substituído pela Massa Insolvente.

19. O caso dos autos, no entanto, é completamente diferente.

20. O inventário versa sobre direitos patrimoniais.

21. Direitos que após a declaração de insolvência são privados à devedora insolvente e passam a ser administrados pelo Administrador Judicial.

22. Neste sentido, por todos, lê-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21.09.2006, no âmbito do Proc. n.º 0634600, rel. Gonçalo Silvano, que o Administrador da Insolvência é a entidade diretamente interessada no âmbito do processo de inventário: “Quanto a esses bens a partilhar em inventário judicial (e no caso sabe-se já que o quinhão do falido está apreendido) o cabeça de casal tem uma posição de sujeito activo como herdeiro e daí que não possa deixar de ser entendido como um acto em que diz também respeito à massa insolvente, onde o cabeça de casal é o devedor” (destaques nossos).

23. A questão da legitimidade da Massa Insolvente para requerer inventário judicial deve ser examinada necessariamente à luz do conceito de legitimidade processual.

24. Ora, segundo o artigo 30.º, n.º 1) do Código de Processo Civil o "autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar".

25. O n.º 2 do mesmo artigo aduz que o "interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação".

26. Por fim, o n.º 3 deste artigo prevê que na "falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor".

27. Em suma, legitimidade é utilidade. “O interesse [direto] significa a utilidade para o autor” (Jorge Augusto PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 9.º ed., p. 102).

28. E não há dúvida de que não somente existe utilidade para a Massa Insolvente

requerer a partilha do património autónomo do Insolvente,

29. Como, mais seriamente ainda, há uma concreta necessidade de partilha,

30. Haja vista a frustração da alienação extrajudicial do quinhão hereditário do Insolvente.

31. Este direito patrimonial do Insolvente se encontra apreendido no âmbito do processo de insolvência e deve ser liquidado pela Administradora Judicial.

32. Ou seja, além da legitimidade da Massa Insolvente, também se verifica o interesse processual desta, tendo em conta a sua necessidade de tutela jurídica.

33. Tendo em conta a necessidade de a Massa Insolvente alcançar a satisfação dos seus legítimos interesses, o cerceamento da possibilidade de agir violará o direito constitucional a uma tutela jurisdicional efetiva.

34. Salienta-se que a legitimidade de os Administradores de Insolvência requererem inventário é uma prática jurisprudencial estabilizada e legislativamente reconhecida.

35. E a as alterações operadas pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro (Regime do Inventário Notarial - que também procedeu a alterações no Código de Processo Civil) não provocaram nenhuma alteração no âmbito dos titulares do direito de ação.

36. O "novo processo de inventário" não alterou nem suprimiu o conceito de interessado direto na partilha.

37. Conceito que já vigora há pelos menos três décadas.

38. Não existindo, portanto, razão legislativa ou interpretativa suficiente para que se opere agora uma mudança radical quanto à legitimidade da Massa Insolvente.

39. Aliás, mesmo perante a égide do novo regime, a doutrina mantém-se afirmando a legitimidade da Massa Insolvente sempre que o herdeiro seja declarado insolvente.

40. Neste sentido, Domingos Silva Carvalho Sá (Do Inventário - Descrever, Avaliar e Partir, 8.ª ed., 2021, p. 44).

41. Interpretação que vem sendo habitualmente aceite no plano jurisprudencial, conforme se vê, por todos, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.04.2010, no âmbito do Proc. n.º 144/09.3TBPNF.P1, rel. Amaral Ferreira:

“Estando os bens que integram o património a partilhar em processo de inventário incluídos na massa falida, tem o respectivo administrador legitimidade, enquanto representante do interessado falido, para requerer processo de inventário”.

42. Outrossim, a legitimidade da Massa Insolvente não é conferida apenas para intervir em inventários pendentes,

43. Tal resultado interpretativo não se coaduna com os fins dos processos de inventário e de insolvência e com a própria sistematização do ordenamento jurídico em vigor.

44. Caso prospere, criará uma incongruente, injusta e contraditória regra de intervenção processual em que a Massa Insolvente não pode requerer inventário, mas poderá - se a partilha for requerida por outro (também) interessado - intervir na qualidade de requerida.

45. Ora, se o quinhão hereditário ainda não está preenchido antes do início do inventário - e por isto a Massa Insolvente não tem legitimidade para requerer - como poderá a Massa Insolvente substituir o insolvente caso o processo já esteja em curso se antes da partilha o quinhão também ainda não está preenchido?

46. Tal conclusão é claramente injustificável. Razão pela qual a dualidade de

entendimento não deve prosperar.

47. Em suma, a legitimidade processual para requerer inventário é conferida, interalia, aos "interessados diretos na partilha", conforme dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 1085.º do Código de Processo Civil.

48. Foi o próprio legislador que estabeleceu, dentro de um só conceito, um leque mais alargado de sujeitos admitidos a requerer a partilha.

49. Para o efeito não atribuiu legitimidade apenas aos herdeiros, legatários, sucessores, credores, Ministério Público, cônjuge ou outro sujeito mais definido ou indefinido.

50. Quis, assumidamente, admitir e promover um conceito mais amplo, não redutor.

51. A Massa Insolvente tem legitimidade para que se proceda a inventário tanto por ser a natural substituta processual do Insolvente (herdeiro legitimário),

52. Como por representar os legítimos interesses e direitos dos credores do Insolvente no plano da liquidação dos seus ativos, buscando – conforme legalmente estabelecido - satisfazer os créditos que lhe são devidos em decorrência das dívidas assumidas pelo Insolvente.

53. Não existindo nenhuma alteração legislativa que importe a modificação da legitimidade, não se justifica a repentina alteração do seu entendimento.

54. E caso não assista legitimidade à Massa Insolvente, os processos de insolvência não poderão ser concluídos, pois os ativos nunca serão liquidados,

55. E todos os valores inerentes aos quinhões hereditários (direitos patrimoniais) dos insolventes jamais poderão ser objeto de liquidação judicial,

56. Beneficiando todos os insolventes que tenham valores a receber de herança,

57. E prejudicando os legítimos e legalmente reconhecidos interesses dos credores.

58. Neste sentido, deve o artigo 1085.º do Código de Processo Civil ser interpretado no sentido de atribuir legitimidade à Administração Judicial, enquanto representante da Massa Insolvente – composta pelo conjunto dos bens e direitos apreensíveis ao devedor insolvente – para requerer abertura de inventário para fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à consequente partilha de bens.

59. Motivos pelos quais, a fim de evitar graves prejuízos e de modo a reestabelecer a Justiça, não poderá prosperar o entendimento vertido no despacho recorrido, devendo este ser revogado, dando-se prosseguimento aos termos normais do processo.

Termos em que, e nos melhores de direito que V.as Ex.as entendam suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o douto despacho de indeferimento liminar ser revogado e substituido por outro que ordene o prosseguimento dos autos.

Assim se fará a tão acostumada JUSTIÇA!

                                                                          **

            1.4. – Em 29/3/2022 foi proferido despacho a receber o recurso, do seguinte teor:

            “Admito o recurso interposto pela requerente do despacho de indeferimento liminar proferido nos autos - arts. 629.º, n.º1, 631.º, n.º1, 638.º, n.º 1, 641.º, n.º1 e 1123.º, n.º1, do CPC.

É de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto nos arts. 644.º, n.º1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), 647.º, n.º 1 e 1123.º, n.º1, do CPC.

Notifique.

Remeta os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra”.

                                                           **

            1.5. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                           **

                                               2. Fundamentação

            Os factos são os constantes do relatório supra

                                                           **

                                                        3. Motivação

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

            Assim, a questão a decidir consiste em saber – se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que ordene o prosseguimento dos autos.

Segundo a recorrente estribando-se em jurisprudência que cita, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que ordene o prosseguimento dos autos, desde logo, porque tirar legitimidade à Massa Insolvente, os processos de insolvência não poderão ser concluídos, pois os ativos nunca serão liquidados e todos os valores inerentes aos quinhões hereditários (direitos patrimoniais) dos insolventes jamais poderão ser objeto de liquidação judicial, beneficiando todos os insolventes que tenham valores a receber de herança e prejudicando os legítimos e legalmente reconhecidos interesses dos credores, pelo que, refere a recorrente, que o art.º 1085.º do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de atribuir legitimidade à Administração Judicial, enquanto representante da Massa Insolvente – composta pelo conjunto dos bens e direitos apreensíveis ao devedor insolvente – para requerer abertura de inventário para fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à consequente partilha de bens.

Opinião oposta foi advogada, na decisão recorrida, que estribando-se, também em jurisprudência, que cita, entendeu que a Massa Insolvente de AA não é interessada direta na partilha por morte do pai desta e, por isso, não tem legitimidade nos termos do art.º 1085º, nº1 a) do CPC para requerer o inventário para partilha da herança do pai da insolvente”.

            Vejamos.

Têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais, em todos os atos e termos do processo, os interessados diretos na partilha e o cônjuge meeiro ou, no caso da alínea b) do artigo 1082.º, os interessados na elaboração da relação dos bens – art.º 1085º, nº 1, al. a), do C.P.Civil.Os sucessores são herdeiros ou legatários. Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados – art.º 2030º, nºs 1 e 2, do C.Civil.

Qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir partilha quando lhe aprouver – art. 2101º, nº 1, do C.Civil.A legitimidade representa o interesse direto no processo, e a utilidade deste na composição dos interesses que é seu objeto.

É regra de todo e qualquer processo, que só quem tiver interesse em demandar pode provocar a atividade judiciária, exprimindo-se o interesse pela utilidade derivada procedência do pedido (cfr. JOÃO ANTÓNIO LOPES CARDOSO – AUGUSTO LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, volume I, 5ª edição, p. 203).

Esta regra, domina todo o processo, como não pode deixar de ser, tem inteira aplicação ao de inventário, donde resulta que todo aquele que for estranho à partilha, que não tenha nela interferência, não pode vir a juízo requerer o inventário (cfr. JOÃO ANTÓNIO LOPES CARDOSO – AUGUSTO LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, volume I, 5ª edição, p. 203).

 Assim, só tem legitimidade para requerer o processo de inventário, bem como para intervir no mesmo, como partes, interessados (diretos) na partilha; os que exerçam as responsabilidades parentais, como o tutor ou o curador e estes nos casos e que a partilha é diferida a incapazes ou a ausentes em parte incerta (cfr. ADALBERTO COSTA, A Partilha em Inventário, p. 44).

O artigo (1085º, do CPCivil) trata de matérias bastante distintas:

- o nº 1, al. a), regula a legitimidade processual (legitimatio ad causam), ou seja, define quem tem legitimidade para ser parte principal no processo de inventário;

- o nº 2, als. a) e b), regula a legitimidade para a prática de atos processuais (legitimatio ad actum), isto é, define que atos podem ser praticados pelos interessados nele referidos (cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislaçã Processual Civil fls. 27).

O nº 1 determina quem tem legitimidade para requerer a instauração de inventário e nele intervir como parte principal: genericamente, herdeiros (isto é, aqueles que tenham aceitado a herança, de forma expressa ou tácita) e cônjuges meeiros (cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislaçã Processual Civil fls. 29).

A figura jurídica do interessado direto na partilha pressupõe que o legislador admitiu que outros sujeitos, que não apenas os herdeiros do de cujus possam ter legitimidade para requerer e intervir no inventário como parte principal. Os interessados diretos na partilha serão, deste modo, os sujeitos que, sendo ou não herdeiros do de cujus, veem a sua esfera jurídica ser atingida, de forma imediata e necessária, pelo modo como se organiza e concretiza a partilha do acervo hereditário (cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislaçã Processual Civil fls. 31).

A legitimidade para requerer processo de inventário sucessório e para nele intervir como parte principal é atribuída a quem tenha a qualidade de interessado direto, isto é, os herdeiros que são diretamente beneficiados pela partilha (art. 2101º, nº 1, do CC) (cfr. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil , anotado, Vol II, fls. 533).

O critério legal de distinção entre herdeiro e legatário assenta na determinação (legatário) ou indeterminação (herdeiro) (cfr. PAIS DE AMARAL, Direito da Família e das Sucessões, 6ª edição, p. 272).
O herdeiro é a pessoa que é chamada a ocupar a posição jurídica do de cujus no que respeita ao conjunto das suas relações jurídicas (cfr. PAIS DE AMARAL, Direito da Família e das Sucessões, 6ª edição, p. 273).

No mesmo sentido, Ac. desta Rel., de 9 de Novembro de 2021, proc.º 94/21.5T80HP.C1, relatado por Freitas Neto, onde se refere “A legitimidade para requerer inventário e nele intervir como parte consta expressamente da previsão do art.º 1085, nº 1 do CPC, norma que a atribui a quem seja interessado directo na partilha.

Neste conceito compreendem-se os herdeiros directamente beneficiados com a partilha, o cônjuge que seja igualmente meeiro (art.º 2101 do CC) e os interessados na elaboração da relação de bens a qua alude a al.ª b) do art.º 1082 do CPC.

Porquanto visa apenas desencadear o processo que conduzirá ao acertamento dos bens ou valores que haverão de compor a quota ideal em que se traduz o quinhão hereditário de devedor, esta legitimidade não se confunde de modo algum com o exercício dos poderes de disposição e administração a que alude o já citado nº 1 do art.º 81 do CIRE.

 Na verdade, enquanto mero titular de um quinhão ou quota ideal, do herdeiro não administra ou dispõe de bens da herança certos e determinados até que se defina a concreta composição do seu quinhão”.

Feitos estes considerando a respeito da legitimidade para requerer o inventário, vejamos, se a recorrente o podia requerer.

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Antes diremos, algo a respeito da massa insolvente poder ou não requerer a abertura de processo de inventário.

A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo – art. 46º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Em termos de âmbito, esta abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que este adquira na pendência do processo. Em termos de função, esta destina-se primordialmente à satisfação das dívidas da própria massa insolvente e apenas depois dos créditos sobre a insolvência. Esta destinação da massa insolvente ao pagamento das suas dívidas e dos créditos sobre a insolvência implica a sua qualificação como um património de afetação (cfr. MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, 2ª edição, p. 91).

Em relação aos bens e direitos que compõem a massa insolvente, estes correspondem em princípio à totalidade do património do devedor à data da declaração de insolvência (cfr. MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, 2ª edição, p. 91).

Assim, o que passou a estar integrado na massa insolvente foi o direito sobre uma quota-parte da insolvente no património da herança do falecido, BB, pai da insolvente AA. Ou seja, o que está integrado na massa insolvente é o quinhão hereditário que a insolvente possui na herança do falecido, e não a sua qualidade sucessória em relação á mesma.

Ou como se escreve no Ac. desta Relação, supra citado “No entanto, o quinhão hereditário é um direito com um valor patrimonial objectivo. Por isso, foi o quinhão do insolvente apreendido para a respectiva massa, com a finalidade primária de aí vir a ser vendido na fase da liquidação e o produto daí resultante reverter a favor dos credores. Esta finalidade – que, aliás, consta do art.º 1º do CIRE – é a única que importa à insolvência, sem prejuízo de a ela se poder sobrepor um eventual plano de insolvência aprovado e homologado nos termos da lei. Ou seja, não é essencial à satisfação dos credores da insolvência a concretização do quinhão hereditário do herdeiro insolvente em bens determinados através da partilha. De resto, se fosse permitido ao administrador da insolvência requerer a partilha durante a tramitação do processo de insolvência isso só serviria para retardar inutilmente a satisfação desses mesmos credores. Por estar orientado para a imediata satisfação dos créditos sobre a insolvência, o interesse da massa insolvente do herdeiro é, por conseguinte, diferente do interesse do herdeiro. Como é natural, este quer ver definida a composição concreta do respectivo quinhão, porquanto só então os bens ou valores provenientes dessa composição podem ser por ele fruídos, usados ou aproveitados sem prejuízo da sua alienação.

Daí que a massa insolvente do herdeiro não seja interessada directa ou sequer indirecta na partilha da herança”.

Assim, pelas razões expostas, a massa insolvente não é interessada direta na partilha por óbito de BB, pai da insolvente, pelo que não pode requerer a abertura do respetivo processo de inventário, pois não tem legitimidade para ser parte principal.
                                                
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Ma será, que a administradora em representação da insolvente pode requerer o processo de inventário?

Como já dissemos a interessada direta na partilha da herança do falecido seria a insolvente, por ser herdeira, e não a massa insolvente, pois, além de não ser sucessora do de cujus, não é diretamente beneficiada pela partilha.

Ora, como a massa insolvente de AA, não é interessada direta na partilha por óbito de BB, seu pai, não pode requerer a abertura do respetivo processo de inventário, pois não tem legitimidade para ser parte principal, como já dissemos.

E a administradora em representação da insolvente?

Para melhor se compreender a questão, diremos algo, a respeito da legitimidade processual da interessada direta (insolvente) para requerer a abertura de processo de inventário.

Como se sabe, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência – art. 81º, nº 1, do CIRE.

O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – art. 81º, nº 4, do CIRE.

Pode suceder que um dos interessados diretos tenha sido declarado insolvente. Nesta situação o interessado direto não tem legitimidade para requerer ou ser requerido no inventário, dado que, o insolvente perde os poderes de administração e de disposição do quinhão hereditário e são inoponíveis à massa insolvente quaisquer atos praticados pelo insolvente sobre esse quinhão (cfr. CARVALHO FERNANDES – JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, p. 411).

O devedor fica privado dos poderes de administração e disposição, de onde decorre que os mesmos são atribuídos ao administrador da insolvência de onde decorre que o insolvente não tem legitimidade para ser parte no processo de inventário (cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, p. 32).

Aqui chegados, cabe ver se a recorrente tem legitimidade para requerer a abertura de processo de inventário, já que a insolvente a não tem.

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A recorrente requereu a abertura do processo de inventário, como administradora da massa falida e em representação da insolvente.

Que dizer?

 Como o insolvente não tem legitimidade para ser parte no processo de inventário, o administrador é o substituto processual do interessado insolvente (cfr. n.º 4, do art.º 81.º, do CIRE).

 Este preceito refere-se, quanto a nós, a uma função de representação do insolvente. Porém, quanto a nós, no caso o administrador não atura em função de insolvente, mas atua em juízo como parte.

 Isto significa que o administrador da insolvência vai atuar no processo de inventário como substituto processual do interessado insolvente (cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, p. 34).

Podemos perguntar-nos se a legitimidade que é reconhecida ao administrador da insolvência, na qualidade de substituto processual da insolvente, lhe permite requerer o inventário para partilha da universalidade comum.

Afigura-se-nos que a resposta tem de ser negativa, desde logo, por os direitos da massa insolvente recaírem sobre o quinhão hereditário, e não sobre o preenchimento desse quinhão com determinados bens (cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, p. 33).

 Antes da partilha existe apenas comunhão, pois a herança indivisa constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, enquanto não se fizer a partilha (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2019-02-28, Relator: TOMÉ RAMIÃO).

Pois, enquanto a herança não estiver partilhada, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles. Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2020-05-26, Relatora: PAULA CARDOSO).

De onde decorre que o administrador da insolvência não tem legitimidade para requerer o inventário da herança, embora tenha legitimidade para neste processo ser requerido em substituição do interessado direto insolvente (cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, p. 33).

Temos, pois, que recaindo os direitos da massa insolvente sobre o quinhão hereditário, e não sobre o preenchimento desse quinhão com determinados bens, seja a apelante Massa Insolvente, seja a administrador dessa massa insolvente, não têm legitimidade para requerer o inventário da herança, para apurar quais os bens que especificamente cabem à insolvente.

Neste sentido vai também o Ac. desta Relação, supra citado, relatado por Freitas Neto, onde se refere “os direitos da massa insolvente “recaem sobre o quinhão hereditário, não sobre o preenchimento do quinhão com determinados bens”(cfr. O Novo Regime do Processo de Inventário e outras alterações na legislação processual civil”, M. Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego. A. Abrantes Geraldes e Pedro Torres, p. 33”), preenchimento no qual aquela massa não tem sequer uma real vantagem prática.

Isto não obsta à substituição processual do herdeiro insolvente em inventário requerido por quem tenha legitimidade para tanto. Em tal circunstância já a intervenção da massa insolvente através do administrador da insolvência – numa posição que a lei indevidamente qualifica de representação do devedor quando se trata de uma simples substituição processual ope legis (cfr. art.º 258 do CC, a representação legal destina-se a produzir efeitos na esfera jurídica do representado o que é impossível com a respectiva declaração de insolvência) passa a ser imprescindível pelo facto de, com o inventário, estarem inexoravelmente em jogo “efeitos patrimoniais” que se repercutem na insolvência (nº 4 do art.º 81 do CIRE)”.

Face a todo o exposto, temos para nós, não proceder a pretensão da recorrente, não havendo, por isso, razão para alterar o decidido.

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                                               4. Decisão

Pelo exposto, acorda-se decidir, pela improcedência da apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela apelante

Coimbra, 10/5/2010

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Mário Silva (adjunto)