Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
78/10.9TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
ACTA DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
REGULAMENTO DO CONDOMÍNIO
Data do Acordão: 12/14/2010
Votação: DECISÃO SUMÁRIA SINGULAR
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.45, 46, 811, 812 CPC, DL Nº 268/94 DE 25/10
Sumário: 1. A acta de assembleia geral de condóminos em que está exarada deliberação que aprovou as quotas mensais do condomínio constitui título executivo contra o condómino que não tenha pago os montantes em causa, no prazo fixado nessa deliberação.
2. O Regulamento do Condomínio, subscrito pelo executado, no qual consta que em caso de atraso superior a oito dias no pagamento das quotas de condomínio será devido pelo condómino em falta, além das quotas em dívida, o montante de cinquenta por cento das quotas em dívida e a quantia de € 500,00, a título de custos do recurso a tribunal, para cobrança dos montantes em dívida, constitui título executivo contra o executado.
Decisão Texto Integral: A espécie, o efeito e o modo de subida do recurso são os próprios, as conclusões das alegações não carecem de ser corrigidas, não se verifica qualquer circunstância que obste ao conhecimento do recurso e, em nosso entender, as questões a decidir são simples, pelo que estão reunidos os requisitos legais para julgamento sumário do recurso (artigo 705º, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), o que se passa a fazer de seguida.

            1. Relatório

            A 13 de Janeiro de 2010, no Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, o Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua (…)Marinha Grande instaurou acção executiva, sob forma comum, para pagamento de quantia certa, contra A (…) pedindo o pagamento da quantia global de € 1.595,00, montante relativo às quotas mensais referentes aos meses de Julho de 2008 a Janeiro de 2010 e respectiva penalização, as primeiras, à razão mensal de € 50,00 até Fevereiro de 2009, inclusive e à razão mensal de € 30,00, a partir de então, e as segundas, à razão mensal de € 25,00 até Fevereiro de 2009, inclusive e à razão mensal de € 15,00, a partir de então, tudo nos termos previstos no nº 5, do artigo 12º do Regulamento do Condomínio, quantias acrescidas do montante de € 500,00, nos termos previstos no nº 5, do artigo 1º do Regulamento do Condomínio e a título de custos de contencioso no caso de recurso a tribunal para a realização da cobrança em falta.

            O exequente instruiu o seu requerimento inicial, entre outros, com os seguintes documentos:

- cópia da acta nº 4, de 20 de Junho de 2007, relativa a assembleia geral extraordinária do Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua (…), Marinha Grande, assembleia na qual, de acordo com a acta, estiveram presentes todos os condóminos e na qual foi decidido, entre outros assuntos, por unanimidade, que o valor mensal da quota mensal do condomínio se matinha em € 50,00, quota que terá de ser liquidada até dia 08 do mês a que disser respeito, na fracção D do Condomínio, ao Administrador do Condomínio;

- cópia da acta nº 6, de 29 de Fevereiro de 2008, relativa a assembleia geral do Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua (…) Marinha Grande, assembleia na qual, de acordo com a acta, estiveram presentes condóminos representativos de 56 % do capital e permilagem do condomínio, tendo-se aí deliberado, por unanimidade, que em relação às quotas em atraso, ficassem as mesmas sujeitas às penalizações previstas no Regulamento do Condomínio;

- cópia do Regulamento do Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua (…), Marinha Grande no qual se estabelece, nomeadamente, que é dever dos condóminos o pagamento das quotas previstas no artigo 12º (artigo 6º, nº 1, do Regulamento do Condomínio), prevendo-se no artigo 12º do citado Regulamento que os condóminos estão obrigados ao pagamento de uma quota que representa a sua parte nas despesas correntes do prédio e que inclui a sua comparticipação para o fundo de reserva, pagamento a efectuar até ao dia 08 do mês a que disser respeito e, no caso de falta de pagamento da quota nos 08 dias seguintes àquele em que devia ser paga, o condómino faltoso ficará obrigado ao pagamento de mais 50 % do valor a que estava obrigado, acrescendo juros de mora sobre o valor a que o condómino estava obrigado e, em caso de processo judicial e ou recurso a tribunal, acrescerá o montante de € 500,00, para custas do processo, Regulamento que se mostra assinado por seis pessoas, lendo-se numa dessas assinaturas o nome do executado;

- cópia de carta datada de 20 de Maio de 2009, endereçada ao executado e na qual se intima o destinatário da missiva a proceder ao pagamento das quotas em falta, no prazo de quinze dias, sendo que na falta desse pagamento o processo será remetido a advogado;

- cópia de carta datada de 24 de Outubro de 2009, endereçada ao executado e na qual se intima o destinatário da missiva a proceder ao pagamento das quotas em falta, até 31 de Maio de 2009, liquidando-se o montante em dívida em € 651,44, sendo que na falta desse pagamento o processo será remetido a advogado, acrescendo ao valor liquidado as penalizações e a quantia de € 500,00, a título de custos do processo.

A 11 de Fevereiro de 2010, foi proferida decisão judicial que indeferiu liminar e totalmente o requerimento executivo do seguinte teor:

Condomínio do Prédio sito na Rua (…), instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa, contra A (…), dando à execução várias actas, alegando que aquele não pagou de forma reiterada as quotizações mensais do condomínio desde Julho de 2008, inclusive, de acordo co0m o Regulamento do condomínio, bem assim como a penalização pecuniária estabelecida naquele e despesas de contencioso, tendo já sido interpelado pelo Administrador em exercício, sem sucesso.

Analisado o título dado à execução, e percorridas as actas juntas, constata-se que não se refere qual a quantia já vencida, limitando a uma redacção genérica que aqui se reproduz: Em relação às quotas em atraso ficou decidido e aprovado por unanimidade que as mesmas ficarão sujeitas às penalizações previstas do Regulamento do Condomínio, bem como outras previstas na lei.

O título executivo é um documento de acto constitutivo ou modificativo de uma obrigação, que a lei reconhece idóneo para servir de base a uma execução determinando-lhe os fins e limites (art. 45 do Código de Processo Civil).

Os títulos a que a lei reconhece força executiva encontram-se elencados no art. 46 do Código de Processo Civil.

A al. c) deste preceito legal alargou o leque dos títulos executivos, conferindo aos documentos particulares assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias sendo necessário no caso de execução para pagamento de quantia certa que do documento resulte a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária.

Citando Antunes Varela[1], “título executivo é o documento que constitua um mínimo de prova sobre a existência e a titularidade e o objecto da obrigação e o não cumprimento do devedor, considerado suficiente para servir de base à acção executiva”.

E conforme já definiu a jurisprudência, invocando à guisa de exemplo, a vertida no Ac. Do Tribunal da Relação do Porto, de 21-1-2002[2], é título executivo um documento particular no qual uma pessoa que o emitiu e assinou, reconhecer ser devedora de uma obrigação pecuniária líquida (ou liquidável através de simples cálculo aritmético).

Ora, do documento junto pelo Exequente que pretende fundar-se precisamente no documento particular a que alude a al. c) do art. 46 do Código de Processo Civil- e que apresenta à execução não é possível extrair a constituição da obrigação inicialmente fixada, com o montante, o prazo e as condições do mesmo.

Vale isto por dizer que, em face do título dado à execução, acta de deliberação de condomínio dele deve constar a identificação do devedor bem como a determinação do valor em dívida e visto a susceptibilidade de ser executado enquanto tal (assim já o decidiu entre outros o Tribunal da Relação do Porto em acórdão de 2-6-1998, publicado in CJ, III, p. 190).

A falta de junção ou a insuficiência do título dado à execução constitui fundamento de recusa do requerimento inicial pela secretaria, nos termos do art. 811/1/b) do Código de Processo Civil.

Assim e apreciando nos termos do art. 812-D do CPC, aditado pelo DL 226/2008, de 20-11, visto que a Secretaria não cumpriu tal indicação legal, ao abrigo do disposto no art. 812/2/a) do Código de Processo Civil, por manifesta falta de título executivo, indefere-se agora liminarmente o requerimento executivo.

Custas pelo Exequente, fixando-se a taxa de justiça em 2 Uc.

Inconformado com esta decisão, o Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua (…), Marinha Grande veio a 01 de Março de 2010 interpor recurso de apelação contra a mesma, oferecendo as seguintes conclusões:

1- Foi a execução fundada em actas de assembleia de condóminos, indeferida liminarmente, por se entender não serem título executivo, porque que no dizer pretende fundar-se precisamente no documento particular a que alude a al. c) do art. 46º do CPC- e apresenta à execução não é possível extrair a constituição da obrigação inicialmente fixada, com o montante, o prazo e as condições do mesmo.

2- As actas dadas à execução definem o montante da contribuição de cada condómino, que é de 50,00 € mensalmente, a quota-parte que cabe a cada, o prazo para o pagamento das despesas de condomínio, e o local do pagamento.

3- Assim, logo que o teor das deliberações transcritas em Acta, se forem o título documental na execução, contenham os requisitos exigidos pela lei, são títulos executivos que contêm deliberações dotadas de eficácia.

4- Face ao incumprimento do condómino a Acta nº 6, doc. nº 3, delibera a aplicação do Regulamento o Condomínio que define as penalizações e despesa imputáveis aos condóminos faltosos, Regulamento que se encontra junto à execução.

5- O Administrador do Condomínio no âmbito da sua competência e funções – 1436º alin. e) CPC – interpelou o executado exigindo a sua quota-parte nas despesas do condomínio.

6- A decisão em crise, por seu turno ,ao fundamentar o entendimento da manifesta falta de título executivo na alin. c) do art. 46º do CPC, fez uma errada interpretação da Lei.

7- As actas dispõem de força executiva, já que o art. 23º do DL 40.333 de 14/10/1955 não foi revogado pela entrada em vigor do Código Civil de 1966, designadamente pelo art. 3º do DL 47.344 de 15/11/1966 que aprovou esse Código.

8- Assim, as actas das assembleias-gerais de condóminos são títulos executivos, não tendo o art. 6º DL 268/94 de 25/94, criado mais requisitos para a executoriedade das actas.

9- Mas somente interpretado aquele dispositivo, no sentido que a executoriedade de tais actas se restringe às “despesas” do condomínio, não abrangendo outras deliberações que tenham por objecto alterações estruturais da propriedade horizontal.

10- O despacho recorrido violou o preceituado nos 1424º, 1436º. d) do Código Civil, em conjugação com o art. 23º do DL 40.333 de 14/10/1955, art. 6º do DL 268/94 de 25/10 e art. 46º do CPC e alin. a) do nº 1 do art. 812º-E do CPC.

O recorrente termina as suas alegações de recurso pedindo a revogação do despacho recorrido e que em substituição dessa decisão seja determinado o prosseguimento da execução com a penhora de bens do executado para garantia do pagamento da quantia exequenda.

A 17 de Março de 2010 foi proferido despacho no tribunal a quo que não admitiu o recurso interposto, decisão que foi objecto de reclamação a que por decisão de 04 de Maio de 2010 foi dado provimento determinando-se a citação do executado nos termos previstos nos nºs 3 e 4, do artigo 234º-A, do Código de Processo Civil.

Efectuada a citação do executado, este não tomou qualquer posição.

Cumpre agora decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigo 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

A única questão a decidir é a de saber se as pretensões exequendas têm título executivo que lhes dê cobertura.

3. Fundamentos de facto resultante de folhas 1 a 43 destes autos


3.1

            A 13 de Janeiro de 2010, no Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, o Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua (…) Marinha Grande instaurou acção executiva, sob forma comum, para pagamento de quantia certa, contra A (…) pedindo o pagamento da quantia global de € 1.595,00, montante relativo às quotas mensais referentes aos meses de Julho de 2008 a Janeiro de 2010 e respectiva penalização, as primeiras, à razão mensal de € 50,00 até Fevereiro de 2009, inclusive e à razão mensal de € 30,00, a partir de então, e as segundas, à razão mensal de € 25,00 até Fevereiro de 2009, inclusive e à razão mensal de € 15,00, a partir de então, tudo nos termos previstos no nº 5, do artigo 12º do Regulamento do Condomínio, quantias acrescidas do montante de € 500,00, nos termos previstos no nº 5, do artigo 1º do Regulamento do Condomínio e a título de custos de contencioso no caso de recurso a tribunal para a realização da cobrança em falta.

3.2

            O exequente instruiu o seu requerimento inicial, entre outros, com os seguintes documentos:

- cópia da acta nº 4, de 20 de Junho de 2007, relativa a assembleia geral extraordinária do Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua da (…)Marinha Grande, assembleia na qual, de acordo com a acta, estiveram presentes todos os condóminos e na qual foi decidido, entre outros assuntos, por unanimidade, que o valor mensal da quota mensal do condomínio se matinha em € 50,00, quota que terá de ser liquidada até dia 08 do mês a que disser respeito, na fracção D do Condomínio, ao Administrador do Condomínio;

- cópia da acta nº 6, de 29 de Fevereiro de 2008, relativa a assembleia geral do Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua (…)Marinha Grande, assembleia na qual, de acordo com a acta, estiveram presentes condóminos representativos de 56 % do capital e permilagem do condomínio, tendo-se aí deliberado, por unanimidade, que em relação às quotas em atraso, ficassem as mesmas sujeitas às penalizações previstas no Regulamento do Condomínio;

- cópia do Regulamento do Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua (…), Marinha Grande no qual se estabelece, nomeadamente, que é dever dos condóminos o pagamento das quotas previstas no artigo 12º (artigo 6º, nº 1, do Regulamento do Condomínio), prevendo-se no artigo 12º do citado Regulamento que os condóminos estão obrigados ao pagamento de uma quota que representa a sua parte nas despesas correntes do prédio e que inclui a sua comparticipação para o fundo de reserva, pagamento a efectuar até ao dia 08 do mês a que disser respeito e, no caso de falta de pagamento da quota nos 08 dias seguintes àquele em que devia ser paga, o condómino faltoso ficará obrigado ao pagamento de mais 50 % do valor a que estava obrigado, acrescendo juros de mora sobre o valor a que o condómino estava obrigado e, em caso de processo judicial e ou recurso a tribunal, acrescerá o montante de € 500,00, para custas do processo, Regulamento que se mostra assinado e rubricado por cinco pessoas, lendo-se numa dessas assinaturas o nome do executado;

- cópia de carta datada de 20 de Maio de 2009, endereçada ao executado e na qual se intima o destinatário da missiva a proceder ao pagamento das quotas em falta, no prazo de quinze dias, sendo que na falta desse pagamento o processo será remetido a advogado;

- cópia de carta datada de 24 de Outubro de 2009, endereçada ao executado e na qual se intima o destinatário da missiva a proceder ao pagamento das quotas em falta, até 31 de Maio de 2009, liquidando-se o montante em dívida em € 651,44, sendo que na falta desse pagamento o processo será remetido a advogado, acrescendo ao valor liquidado as penalizações e a quantia de € 500,00, a título de custos do processo.


3.3

A 11 de Fevereiro de 2010, foi proferida decisão judicial que indeferiu liminar e totalmente o requerimento executivo do seguinte teor:

Condomínio do Prédio sito na Rua (…), instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa, contra A (…), dando à execução várias actas, alegando que aquele não pagou de forma reiterada as quotizações mensais do condomínio desde Julho de 2008, inclusive, de acordo com o Regulamento do condomínio, bem assim como a penalização pecuniária estabelecida naquele e despesas de contencioso, tendo já sido interpelado pelo Administrador em exercício, sem sucesso.

Analisado o título dado à execução, e percorridas as actas juntas, constata-se que não se refere qual a quantia já vencida, limitando a uma redacção genérica que aqui se reproduz: Em relação às quotas em atraso ficou decidido e aprovado por unanimidade que as mesmas ficarão sujeitas às penalizações previstas do Regulamento do Condomínio, bem como outras previstas na lei.

O título executivo é um documento de acto constitutivo ou modificativo de uma obrigação, que a lei reconhece idóneo para servir de base a uma execução determinando-lhe os fins e limites (art. 45 do Código de Processo Civil).

Os títulos a que a lei reconhece força executiva encontram-se elencados no art. 46 do Código de Processo Civil.

A al. c) deste preceito legal alargou o leque dos títulos executivos, conferindo aos documentos particulares assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias sendo necessário no caso de execução para pagamento de quantia certa que do documento resulte a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária.

Citando Antunes Varela[3], “título executivo é o documento que constitua um mínimo de prova sobre a existência e a titularidade e o objecto da obrigação e o não cumprimento do devedor, considerado suficiente para servir de base à acção executiva”.

E conforme já definiu a jurisprudência, invocando à guisa de exemplo, a vertida no Ac. Do Tribunal da Relação do Porto, de 21-1-2002[4], é título executivo um documento particular no qual uma pessoa que o emitiu e assinou, reconhecer ser devedora de uma obrigação pecuniária líquida (ou liquidável através de simples cálculo aritmético).

Ora, do documento junto pelo Exequente que pretende fundar-se precisamente no documento particular a que alude a al. c) do art. 46 do Código de Processo Civil- e que apresenta à execução não é possível extrair a constituição da obrigação inicialmente fixada, com o montante, o prazo e as condições do mesmo.

Vale isto por dizer que, em face do título dado à execução, acta de deliberação de condomínio dele deve constar a identificação do devedor bem como a determinação do valor em dívida e visto a susceptibilidade de ser executado enquanto tal (assim já o decidiu entre outros o Tribunal da Relação do Porto em acórdão de 2-6-1998, publicado in CJ, III, p. 190).

A falta de junção ou a insuficiência do título dado à execução constitui fundamento de recusa do requerimento inicial pela secretaria, nos termos do art. 811/1/b) do Código de Processo Civil.

Assim e apreciando nos termos do art. 812-D do CPC, aditado pelo DL 226/2008, de 20-11, visto que a Secretaria não cumpriu tal indicação legal, ao abrigo do disposto no art. 812/2/a) do Código de Processo Civil, por manifesta falta de título executivo, indefere-se agora liminarmente o requerimento executivo.

Custas pelo Exequente, fixando-se a taxa de justiça em 2 Uc.

            4. Fundamentos de direito

A acção executiva é aquela em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado (artigo 4º, nº 3, do Código de Processo Civil). Daí que para instaurar a acção executiva se exija um instrumento que, com grande probabilidade, comprove a existência do direito alegadamente violado. Esse instrumento é o título executivo pelo qual se aferem o fim e os limites da acção executiva (artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil), bem como os sujeitos activos e passivos nessa acção (artigo 55º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Os títulos executivos estão legalmente tipificados, de forma fechada (artigo 46º, nº 1, do Código de Processo Civil) e resultam de procedimentos de heterovinculação (sentenças condenatórias, requerimentos de injunção e certas certidões) ou de autovinculação (documentos autênticos, autenticados e particulares).

No caso dos autos, os títulos exequendos são constituídos por documentos particulares (artigo 363º, nº 2, do Código Civil): actas de assembleias de condóminos e regulamento de condomínio.

A decisão de indeferimento liminar sob censura derivou do caso ter sido equacionado exclusivamente à luz da exequibilidade que, em geral, é conferida aos documentos particulares, não se tendo perspectivado a possibilidade da existência de previsão especial que enquadrasse a questão.

O recorrente firma a sua posição de existência de título executivo na aplicação ao caso do disposto no artigo 23º do decreto-lei nº 40.333 de 14 de Outubro de 1955, previsão que, em seu entender, não teria sido revogada pelo Código Civil, como seria confirmado pelo artigo 6º, nº 1, do decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro.

Apreciemos.

Nos termos do disposto na alínea c), do nº 1, do artigo 46º do Código de Processo Civil, podem servir de base à acção executiva os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.

Porém, não se pode olvidar que de acordo com o disposto na alínea d), do nº 1, do artigo 46º do Código de Processo Civil, podem também servir de base à acção executiva os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

O decreto-lei nº 40.333, de 14 de Outubro de 1955 veio regular, pela primeira vez entre nós, de forma global, o regime da propriedade horizontal[5], prevendo no seu artigo 23º que a “acta da sessão que tiver deliberado quaisquer despesas constituirá título executivo, nos termos do artigo 46º do Código de Processo Civil, contra o proprietário que deixar de entregar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, à qual acrescerão os juros legais de mora.”

O artigo 3º do decreto-lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o Código Civil actualmente vigente, dispôs no seu artigo 3º que desde “que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência.”

Nenhum dos artigos do decreto-lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966 contém qualquer referência ao regime da propriedade horizontal.

Apesar da questão da vigência do artigo 23º do decreto-lei nº 40.333, de 14 de Outubro de 1955 após a entrada em vigor do Código Civil vigente não ter relevo prático logo que começou a vigorar o artigo 6º, nº 1, do decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, não nos eximiremos a tomar posição sobre essa questão.

A problemática em causa dividiu a jurisprudência, dando origem a decisões contraditórias. Pela nossa parte, na senda dos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 14 de Abril de 1994[6] e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10 de Janeiro de 1995[7], cremos que o artigo 23º do decreto-lei nº 40.333, de 14 de Outubro de 1955, dada a sua natureza processual, continuou a vigorar após a entrada em vigor do Código Civil actualmente vigente[8]. Por outro lado, a previsão do artigo 6º, nº 1, do decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro não conforta necessariamente a posição daqueles que entendiam que o citado artigo 23º tinha sido revogado tacitamente com a entrada em vigor do actual Código Civil. Ao invés, parece que tal previsão terá antes carácter interpretativo, visando pôr termo ao dissídio jurisprudencial até então existente, pelo que em nada colidirá com a interpretação da sobrevivência do citado artigo 23º à entrada em vigor do actual Código Civil.

Porém, como já antes adiantámos, no momento actual, estas são as águas passadas a que Heraclito, com tanta pertinência, se referiu nos alvores da civilização ocidental. No momento presente, persistindo no expressivo registo heraclitiano, as águas em que nos banhamos são as que emergem do artigo 6º, nº 1, do decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, previsão do seguinte teor:

- “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”

É à luz desta previsão legal que as pretensões executivas do exequente devem ser aferidas e não com referência ao previsto no artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, como se entendeu na decisão recorrida que de todo olvidou a existência da citada previsão especial e que, salvo melhor opinião, interpretou incorrectamente o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02 de Junho de 1998[9], porquanto neste não se decidiu que apenas a acta de deliberação do condomínio que contenha a identificação do devedor e proceda à liquidação dos montantes em dívida constitui título executivo, decidindo-se antes que uma tal acta de deliberação do condomínio também pode ser título executivo.

O artigo 6º, nº 1, do decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro conferiu força executiva às actas das assembleias de condóminos que deliberem sobre o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços comuns, que não devam ser suportadas pelo condomínio. A exequibilidade das actas das assembleias de condóminos restringe-se assim a certas despesas que vêm taxativamente previstas no normativo que se analisa, cingindo-se às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como ao pagamento de serviços comuns, que, em todo o caso, não devam ser suportadas pelo condomínio.

A deliberação exequenda é aquela que procede à fixação dos montantes devidos pelos condóminos, sendo a pretensão executiva liquidada nos termos previstos no artigo 805º, nº 1, do Código de Processo Civil. A exigibilidade dessa pretensão depende do condómino devedor ter deixado de pagar a sua quota-parte, no prazo estabelecido, tal como deliberado na assembleia de condóminos.

O executado poderá, nos termos gerais, suscitar, além dos fundamentos de oposição previstos na lei quando o título exequendo seja uma sentença (artigo 814º do Código de Processo Civil), qualquer dos fundamentos que poderia deduzir em processo de declaração (artigo 816º do Código de Processo Civil).

No caso dos autos, relativamente às quotas mensais do condomínio alegadamente devidas pelo executado, no período compreendido entre Julho de 2008, inclusive e Fevereiro de 2009, à razão mensal de € 50,00, verifica-se que consta da acta nº 4, de 20 de Junho de 2007, relativa a assembleia geral extraordinária do condomínio exequente, em que participou o executado, que foi deliberado, por unanimidade, manter o valor dessa quota em € 50,00 mensais, pelo que tais pretensões têm guarida neste título.

No que tange as quotas do condomínio alegadamente em dívida a partir de Março de 2009, inclusive, no montante mensal de € 30,00, compulsados os autos não se encontra nos mesmos qualquer cópia de acta de assembleia de condóminos do exequente em que o valor da quota mensal dos condóminos tenha sido reduzido para tal montante. Não exibindo o exequente título que suporte esta pretensão, porque tudo parece indicar tratar-se de mero lapso no não oferecimento do título exequendo[10], visto o disposto no artigo 812º, nº 4, do Código de Processo Civil, deve o exequente ser convidado a juntar aos autos certidão da acta na qual tenha sido tomada deliberação da assembleia de condóminos do exequente no sentido da quota mensal dos condóminos passar a ser no montante de € 30,00 mensais a partir de Março de 2009, inclusive.

É quanto às penalizações nos montantes mensais de € 25,00, no período compreendido de Julho de 2008, inclusive, até Fevereiro de 2009, inclusive e nos montantes mensais de € 15,00, de Março de 2009, inclusive, até Janeiro de 2010, inclusive e quanto aos custos de contencioso no caso de recurso a tribunal para a realização coerciva dos pagamentos em falta que se coloca, fundadamente, a questão da falta de título executivo por parte do exequente.

Na verdade, relativamente a tais pretensões é patente que não estão em causa quaisquer das despesas previstas no artigo 6º, nº 1, do decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, pelo que não terão cobertura nesta previsão legal.

Porém, o exequente estriba estas pretensões no artigo 12º[11], nº 5[12], do Regulamento do Condomínio de 23 de Maio de 2008, instrumento que contém uma assinatura imputada ao executado na sua última folha, enquanto as restantes folhas desse regulamento contêm uma rubrica imputada ao executado.

Neste contexto, importa questionar se o citado regulamento pode ser havido como um documento particular nos termos previstos na alínea c), do nº 1, do artigo 46º do Código de Processo Civil.

Vimos já que, ao menos a título de primeira aparência[13], o Regulamento de Condomínio que serve de base às aludidas pretensões se mostra assinado na sua última folha pelo executado, estando as restantes folhas rubricadas por si. Está em causa a cobrança coerciva de importâncias pecuniárias, achando-se uma delas (a de quinhentos euros) liquidada no nº 5, do artigo 12º do Regulamento do Condomínio exequendo, enquanto as outras são determináveis por mero cálculo aritmético, porquanto correspondem a cinquenta por cento dos montantes das quotas em dívida.

As importâncias em causa têm natureza sancionatória e indemnizatória, visando sancionar condutas distintas: num caso, a mora para além de oito dias no pagamento das quotas do condomínio; no outro caso, os custos inerentes ao recurso a juízo quando tal se torne necessário para obter o pagamento coercivo das quotas em dívida. Não se divisa assim qualquer obstáculo à cumulação das importâncias em causa.

Assim, por tudo quanto precede, conclui-se que relativamente às pretensões das penalizações iguais a cinquenta por cento das quotas em dívida e da quantia de quinhentos euros a título dos custos do recurso a juízo, o exequente dispõe de título executivo nos termos previstos na alínea c), do nº 1, do artigo 46º, do Código de Processo Civil, porquanto o executado, ao menos a título de primeira aparência, se vinculou ao seu pagamento.

Porém, sucede que a liquidação das penalizações peticionadas a partir de Março de 2009, inclusive, depende das junção aos autos da acta da assembleia de condóminos em que se tenha deliberado fixar as quotas do condomínio no montante mensal de € 30,00.

Pelo que precede conclui-se que o despacho sob censura deve ser revogado e substituído por decisão que determine o prosseguimento dos autos relativamente ao pagamento das quotas do condomínio no montante mensal de € 50,00, desde Julho de 2008 a Fevereiro de 2009, bem como da penalização mensal de € 25,00, relativamente a cada uma das quotas em dívida nesse período temporal e ainda relativamente à quantia de € 500,00, a título dos custos do recurso a juízo para cobrança coerciva dos montantes em dívida, devendo no que respeita as restantes pretensões exequendas ser o exequente convidado a juntar aos autos, no prazo de dez dias, cópia da acta da assembleia de condóminos que procedeu à redução da quota mensal do montante de € 50,00, para € 30,00.

5. Dispositivo

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso de apelação interposto nestes autos pelo Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua (…)Marinha Grande e, em consequência, decide-se revogar o despacho proferido nestes autos a 11 de Fevereiro de 2010, o qual se substitui por decisão que determina o prosseguimento dos autos relativamente ao pagamento das quotas do condomínio no montante mensal de € 50,00, desde Julho de 2008 a Fevereiro de 2009, bem como da penalização mensal de € 25,00, relativamente a cada uma das quotas em dívida nesse período temporal e ainda relativamente à quantia de € 500,00, a título de custos do recurso a juízo para cobrança coerciva dos montantes em dívida, determinando-se, no que respeita as restantes pretensões exequendas, que o exequente seja convidado a juntar aos autos, no prazo de dez dias, cópia da acta da assembleia de condóminos que procedeu à redução da quota mensal do montante de € 50,00, para € 30,00. Custas do recurso a cargo do executado, na proporção de quatro quintos, sendo o restante da responsabilidade do recorrente, sendo a taxa de justiça fixada de acordo com a tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais.


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Carlos Gil ( Relator )



[1]In “Das obrigações em geral”, 5.ª ed. Vol. I, p. 104.
[2] In “Colectânea de Jurisprudência”, Ano XXVII, 2002, T. V, p. 178.
1 In “Das obrigações em geral”, 5.ª ed. Vol. I, p. 104.
2 In “Colectânea de Jurisprudência”, Ano XXVII, 2002, T. V, p. 178.
[5] Antes disso existiam previsões esparsas que se referiam ao fenómeno jurídico em causa, sem porém conterem um regime geral e tendencialmente global do instituto em causa, como ressalta do ponto 1 do preâmbulo do decreto-lei nº 40.333. Sobre a figura, no domínio do Código Civil de 1867, de forma resumida, veja-se, Da Propriedade e da Posse, Edições Ática, 1952, nº 2, da Colecção Jurídica Portuguesa, Doutor Luís da Cunha Gonçalves, páginas 101 a 109.
[6] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XIX, tomo II, páginas 263 a 265.
[7] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XX, tomo I, páginas 24 a 27.
[8] Neste sentido, na doutrina, vejam-se, A Propriedade Horizontal no Código Civil de 1966, Revista da Ordem dos Advogados, ano 30, 1970, I-IV, Armindo Ribeiro Mendes, páginas 68 e 69 e A Propriedade Horizontal no Código Civil, Almedina 1998, Rui Vieira Miller, páginas 316 a 318.
[9] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXIII, tomo III, páginas 190 a 192.
[10] Distinguindo a falta ou insuficiência do título do mero não oferecimento do título exequendo veja-se, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª edição, Coimbra Editora 2004, José Lebre de Freitas, páginas 76 a 78.
[11] No requerimento executivo, em lapso ostensivo, o exequente indica o artigo 1º, nº 5, do Regulamento do Condomínio como fundamento destas pretensões.
[12] A previsão em causa é a seguinte: “A falta de pagamento da quota nos 8 dias seguintes àquele em que devia ser paga, faz com que o condómino seja obrigado a pagar mais 50 % do valor a que estava obrigado. Acresce ainda juros de mora sobre o valor a que estava obrigado e em caso de processo judicial e/ou recurso a tribunal, acrescerá um montante de 500,00 Euros para custas do processo.
[13] Claro está que, nos termos gerais, em sede de oposição à acção executiva, o executado poderá impugnar a assinatura e as rubricas que lhe são imputadas no Regulamento do Condomínio exequendo.