Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
384/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 05/10/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: -
Legislação Nacional: ARTIGOS 81.º E 82.º DA LEI 3/99, DE 13 DE JANEIRO (LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS) E ARTIGO 76.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. O art. 76.º do Código de Processo Civil estabelece, além duma norma de conexão, uma norma de competência territorial e não de competência em razão da matéria.
2. Os tribunais de família e menores são materialmente incompetentes para conhecer da acção de honorários instaurada pelo mandatário forense em acçõe aí tramitadas.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A..., advogada, com escritório em Aveiro requer, ao abrigo do disposto no artigo 117.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a resolução do conflito de negativo de competência, que explana nos termos seguintes:
Na sua qualidade de advogada exerceu o mandato forense na acção de divórcio e regulação do poder paternal, nos autos que opuseram o seu cliente B... à sua mulher, que correram pelo Tribunal de Família e Menores de Aveiro.
Não lhe tendo sido pagos os honorários, veio a propor a respectiva acção para a sua cobrança no Tribunal Judicial de Aveiro, por entender que, sendo o Tribunal de Família e Menores um tribunal de competência especializada, não seria materialmente competente para conhecer da acção de honorários.
Neste tribunal foi então proferida decisão que o julgou incompetente e ordenou a remessa ao Tribunal de Família e Menores de Aveiro, por considerar ser este o tribunal competente, porque para a acção de honorários, segundo o disposto no artigo 76.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, é competente o tribunal da causa na qual foi prestado o serviço.
Por sua vez o juiz do Tribunal de Família e Menores de Aveiro, entendeu não ser este o tribunal competente, porque, nos termos dos artigos 81.º e 82.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro (actual Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), como tribunal de competência especializada que é, carece de competência material para a acção de honorários. Assim foi declarado em decisão que ordenou a remessa ao Tribunal Judicial de Aveiro.

2. Supostamente transitadas em julgado ambas as decisões em conflito, vem esta Relação a ser chamada a dirimir o conflito que opõe os magistrados dos referidos tribunais.
Notificados os Senhores Juízes em conflito, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 117º do Código de Processo Civil, nada vieram dizer. Nesta Relação o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público teve vista dos autos e é de parecer que
O processo tem os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir. Em causa está a questão de saber se um tribunal de competência especializada, como é o Tribunal de Família e Menores, é materialmente competente para conhecer da acção de honorários de advogado pelo patrocínio exercido em processo tramitado nesse tribunal, face ao disposto no artigo 76.º, n.º 1 do Código de Processo Civil segundo o qual para a acção de honorários de mandatários judiciais é competente o tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, devendo aquela correr por apenso a esta.
A jurisprudência tem-se dividido, mas entendemos ser de alinhar com a corrente que entende não decorrer desta norma a atribuição da competência material, mas tão só da competência territorial, pressupondo determinada aquela.
Ora vejamos: o Livro II do Código de Processo Civil (Da Competência e das Garantias da Imparcialidade), no seu Capítulo III (da competência interna), contém uma secção I sobre a competência em razão da matéria, uma secção II sobre a competência em razão do valor e da forma de processo aplicável, uma secção III sobre a competência em razão da hierarquia e uma secção IV sobre a competência territorial.
E é nesta última secção - não na secção da competência material - que se insere a norma do artigo 76º, n.º1.
A propósito desta norma ainda no domínio do Código de Processo Civil de 1939, o Prof. Alberto Reis escreveu ( Comentário, I, 204), a certo passo, isto que parece ser suficientemente esclarecedor: “é manifesto que o artigo 76º nada tem que ver com o problema da competência em razão da matéria; tem unicamente por fim resolver o problema da competência territorial, supondo, por isso, já resolvidos os problemas de competência que logicamente estão antes deste, e consequentemente o problema da competência em razão da matéria.
Sendo assim, é bem de ver que se o tribunal perante o qual foi exercido o mandato... não é competente, em razão da matéria, para conhecer da acção de honorários, o preceito do artigo 76º não pode funcionar. O artigo manda propor a acção no tribunal da causa em que foi prestado o serviço; com esta determinação não quis atribuir-se competência ao tribunal da causa, seja qual for a sua natureza, para conhecer da acção de honorários, o que quis prescrever-se foi que, se esse tribunal tiver competência objectiva para julgar a acção de honorários, a essa competência acrescerá a competência territorial para a referida acção. Por outras palavras: o artigo 76º pressupõe necessariamente que o tribunal da causa tem competência, em razão da matéria, para conhecer da acção de honorários; e partindo deste pressuposto, atribui-lhe também competência, em razão do território, para a mesma acção. Se o pressuposto falha, como no caso de o mandato ter sido exercido perante um tribunal militar, administrativo, fiscal, etc. cessa a disposição do artigo...”.

3. O artigo 76.. n.º 1 do Código de Processo Civil estabelece, portanto, uma norma de competência territorial. Além de, ao ordenar que a acção de honorários corra por apenso da causa em que foi prestado o serviço, estabelecer também uma norma de conexão. Com efeito, como também salienta o mesmo Autor ( ibidem, pág. 202) a acção do mandatário não só há-de ser proposta no juízo da causa em que se exerceu o mandato, como também há-de correr na secção a que a mesma causa coube em distribuição, o que significa que a petição da acção de honorários não entra no sorteio da distribuição, averbando-se por dependência ao chefe de secção a que pertenceu o processo em que foi exercido o mandato.
Num passado ainda recente, o STJ ( Acórdão de 28-05-2002, em www.dgsi.pt , N.º JSTJ00001974) decidiu que – “o art. 76.º CPC estabelece uma norma de competência territorial; nada tem que ver com o problema da competência em razão da matéria, alem de estabelecer uma norma de conexão. Os tribunais de família e menores são materialmente incompetentes para conhecer da acção de honorários instaurada pelo mandatário forense em acção que naqueles correm termos”.
No mesmo sentido já anteriormente ( acórdão de 12-07-2000, em www.dgsi.pt , N.º JSTJ00040869) tinha decidido que o artigo 76º n.º 1 do Código de Processo Civil é uma regra exclusivamente de competência em razão do território e não em razão da matéria, que só após a definição da competência em razão da matéria é que operam as regras de competência em razão do território e que os Tribunais do Trabalho são incompetentes em razão da matéria para conhecer da acção de honorários de advogado exercendo funções em processo laboral.
Também na Relação do Porto ( acórdão de 26-10-98, em www.dgsi.pt , N.ºJTRP00023835) decidiu que “é taxativa a competência especializada dos tribunais de família, na qual se não inclui a acção de honorários de mandatário judicial por serviço respeitante a processo que correu termos nesses tribunais. A competência para tal acção de honorários cabe ao tribunal cível do domicílio do réu.”
Igualmente na Relação de Lisboa ( acórdão de 16-05-91, em www.dgsi.pt , N.º RL199105160030856) se decidiu que “ a aplicabilidade das normas que estabelecem a competência relativa dos tribunais, ou as regras de distribuição tem de conformar-se, necessariamente, com aquelas que definem a competência absoluta. Assim sendo a norma do artigo 76.º n.º 1 do Código de Processo Civil (acção de honorários) terá de ceder perante as dos artigos 56.º, 60.º e 61.º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais. Daí que o tribunal cível seja o competente para a acção de honorários devidos por serviços prestados em processos de competência dos Tribunais de Família.

4. A presente acção de honorários tem como causa de pedir o patrocínio forense em acções de divórcio e regulação do poder paternal, matérias da competência dos Tribunais de Família, que são tribunais de competência especializada, nos termos dos artigos 78º, al. b), 81º e 82º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOTJ), aprovada pela Lei nº 3/99, de 13/1. No âmbito da sua competência material não cabe, pois, pelo que dito fica, conhecer da acção de honorários.
Cabe residualmente na competência material dos tribunais judiciais de 1ª instância previstos nos artigos 62º, 63º e 64º da mesma lei. E nestes tribunais cabe aos tribunais de competência genérica, de harmonia com o artigo 77º, nº 1, a), aos quais cabe preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro tribunal. Logo entre Tribunal de Família e Menores de Aveiro e o Tribunal Judicial de Aveiro, a competência cabe a este último.
Concluindo:
- O art. 76.º do Código de Processo Civil estabelece, além duma norma de conexão, uma norma de competência territorial e não de competência em razão da matéria.
- Os tribunais de família e menores são materialmente incompetentes para conhecer da acção de honorários instaurada pelo mandatário forense em acções aí tramitadas.

5. Decisão
Pelo exposto os juízes desta Relação acordam em resolver o conflito declarando competente o Tribunal Judicial de Aveiro.
Sem custas
Coimbra,
Relator: Coelho de Matos: Adjuntos: Custódio Costa e Ferreira de Barros