Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
182/06.8GAPCV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CRIME DE MAUS TRATOS A CÔNJUGE
CRIME PÚBLICO
ARMA BRANCA
ABERTURA AUTOMÁTICA
Data do Acordão: 11/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS115º, 152º CP, 5º CP E 2º,86º DA LEI 5/2006 DE 23/2
Sumário: 1. Só por força da redacção dada pela Lei n.º 7/2000, de 27.05 o crime de maus-tratos a cônjuge, p.p. pelo artigo 152 nº. 1 e 2 do C.P passou a assumir a natureza genuína de crime público.
2. Assim, até à entrada em vigor da referida Lei 7/2000, não tendo sido apresentada queixa dentro do prazo legal, os factos constitutivos do crime, deixavam de poder ser perseguidos criminalmente, por falta de um pressuposto processual, a menos que (após a vigência da Lei 65/98) o MºPº justificasse a existência de interesse da vítima e a não oposição desta.
3. Mantém-se nítida - agora reforçada - a distinção operada pelo art. 86º da Lei 5/2006 de 23/2 (na anterior como na actual redacção) entre armas brancas em sentido estrito (tal como definidas no art. 2º) e facas de abertura automática/ponta e mola prescindido o legislador, em relação a estas últimas, de qualquer referência ao comprimento da lâmina e bastando-se com o automatismo/mola de abertura.
Decisão Texto Integral: I.
A..., arguido identificado nos autos, recorre do acórdão do Tribunal Colectivo que decidiu:
- Condenar o arguido/recorrente, como autor do crime de maus-tratos a cônjuge, p.p. pelo artigo 152 nº. 1 e 2 do C.P., na pena de dezoito meses de prisão; e
- Como autor do crime de detenção de arma proibida p. p. pelo artigo 86-1 d) da Lei 5/2006, na pena de 100 (cem) dias de multa à razão de 5€ (cinco euros), o que perfaz a multa de 500€ (quinhentos euros);
- Condenar o arguido, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena única de um ano e seis meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo, e na multa de quinhentos euros.
- Julgar procedente o pedido de indemnização formulado e, em consequência condenar o arguido - demandado a pagar à demandante a quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros), acrescidas dos juros vincendos, contados desde a notificação do pedido e até ao pagamento, à taxa geral, vigente.
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Na respectiva motivação, formula as seguintes CONCLUSÕES
1. Nos factos considerados provados pelo tribunal não consta nada quanto à personalidade ou comportamento do arguido, não obstante as declarações das testemunhas de defesa S... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 22m e 48s (inicio do gravação) a 12h, 32m e 47s (fim da gravação), B... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 33m e 19s (inicio da gravação) a 12h, 40m e 08s (fim da gravação) e R... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 40m e 32s (inicio da gravação) a 12h, 46m e 51s (fim da gravação), sendo o apuramento de tais circunstâncias relevantes para o apuramento da pena e respectiva medida a aplicar, pelo que, a referida omissão na douta sentença, configura uma nulidade da sentença, nos termos do art. 379º nº 1, al. c) do C. P. Penal.
2. A factualidade dada como provada não traduz, a nosso ver, e salvo o devido respeito, com exactidão, tudo aquilo que se passou em audiência de discussão e julgamento e não está conforme com a prova ali produzida, uma vez que o tribunal alicerçou a sua convicção nos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas na acusação - mãe e irmãs da ofendida M..., em detrimento dos depoimentos das testemunhas indicadas pela defesa, no sentido de não ter atribuído igual importância a estes, por ter considerado que estas tinham um “conhecimento da vida do casal de forma superficial, dado o relacionamento casual com os mesmos”.
Todavia, o contacto com as testemunhas de acusação não era diário, nem próximo, sendo certo que uns viviam na Suíça e outros em Portugal, e grande parte dos relatos que fizeram foi a reprodução de conversas com a ofendida e de telefonemas feitos por esta.
3. A testemunha J..., mãe da ofendida (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 14m e 32s (inicio da gravação) a 11h, 37m e 48s (fim da gravação) não escondeu a sua antipatia, má vontade e animosidade, em relação ao arguido, e não obstante, o tribunal considerou que o seu depoimento foi “decisivo” e “isento”.
Foi categórica em afirmar que quanto ás agressões só assistiu por uma única vez, no dia 14/07/2006 e quanto ao mais que lhe era perguntado, apenas sabia o que lhe ia sendo contado pela filha.
4. A testemunha D..., irmã da ofendida (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 38m e 36s (início da gravação) a 11h, 51m e 00s (fim da gravação) nunca viu o arguido bater na ofendida e que nunca tinha presenciado qualquer agressão. Do que presenciou referiu, laconicamente, episódios entre o casal (ofendida e arguido), esclarecendo que começavam em brincadeiras e que acabavam mal. Afirmou várias vezes que não se lembrava de quaisquer expressões ofensivas proferidas pelo arguido dirigidas à ofendida e só depois da Mma. Juiz lhe ler o que constava na acusação é que a testemunha disse “sim”.
5. A testemunha F..., irmã da ofendida (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 51m e 30s (inicio da gravação) a 11h, 58m e 10ss (fim da gravação) afirmou que nunca presenciou qualquer agressão do ofendido, que só via o casal às vezes, ao fim de semana e que o que sabia era através da irmã, aqui ofendida, que lhe contava. Esclareceu que o casal às vezes lá discutia mas não era bater, nem tão pouco. E justificou as discussões com os problemas deles.
6. O filho do casal E..., (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 1h, 51m e 30s (início da gravação) a 11h, 58m e 53ss (fim da gravação) que optou por viver com o pai, aqui arguido, deixou passar algum desagrado em relação à postura da ofendida, sua mãe, e foi o bastante para o tribunal entender que o seu depoimento foi “induzido”, ao invés do que sucede com a testemunha J..., mãe da ofendida, que transmitiu claramente que nunca gostou do arguido, nos termos já expostos.
7. As demais testemunhas de defesa S... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 22m e 48s (início da gravação) a 12h, 32m e 47s (fim da gravação), B... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009. 11h, 33m e 19s (inicio da gravação) a 12h 40m e 08s (fim da gravação) e R... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h 40m e 32s (inicio da gravação) a 12h, 46m e 51s (fim da gravação) transmitiram ao tribunal a ideia que o casal constituído pela ofendida e pelo arguido seria igual a tantos outros, com um relacionamento normal, sem relatarem qualquer episódio de agressões ou de ofensas e foram categóricos em afirmar as boas qualidades e bom comportamento do arguido.
8. Nenhuma testemunha assistiu a episódios de ofensas perpetradas pelo arguido, tendo as testemunhas da acusação contado apenas o que a própria ofendida lhes ia dizendo e nem sequer o fizeram de forma precisa, clara e objectiva, com excepção dos factos do dia 14/07/2006, relatados pela J... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 14m e 32s (inicio da gravação) a 11h, 37m e 48s (fim da gravação)
9. Dos depoimentos das testemunhas resulta que o arguido quando se dirigia à ofendida em tom menos cordial ou recorrendo a linguagem menos própria, o fazia, no seio de discussões entre ambos e por problemas que tinham (cfr. testemunha F..., gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 51m e 30s (inicio da gravação) a 11h, 8m 10s (fim da gravação), contrariamente ao que foi considerado pelo tribunal a quo.
10. Os factos considerados provados quanto à doença do arguido também não foram ponderados no sentido de formular a dúvida (que reverteria sempre a seu favor) quanto ás condições em que este se encontraria quando tais factos se passaram ou o estado em que ficou por causa dos mesmos
11. Não constam da motivação da decisão sobre a matéria de facto, as “impressões” do depoimento da ofendida M..., nem em que medida as suas declarações contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
12. Relativamente à matéria de facto considerada provada e constante dos parágrafos 4º 5º 7º e 10º não se pode alicerçar no depoimento de qualquer das testemunhas que foram todas unânimes em afirmar que nunca tinham assistido a quaisquer destas agressões e nem sequer existem quaisquer registos clínicos que possam documentar tais ocorrências, independentemente, das razões que motivaram a sua ocultação, o que viola o disposto no art. 127º do Cód. Proc. Penal.
13. Se os referidos factos não fossem considerados provados, não restam dúvidas que da restante matéria de facto considerada provada, o arguido, poderia, quando muito, ser condenado pela prática de um crime de ofensas corporais, pelos factos ocorridos no dia 14/07/2006
14. Uma vez que apenas a ofendida se referiu a tais factos (parágrafos 4º, 5º, 7º e 10º), o tribunal deveria fazer aplicação do princípio constitucional do “in dúbio pro reo” (art. 32º, nº 2 da C.R.P.)., decidindo a favor do arguido.
15. Não tendo o tribunal a quo reconhecido essa dúvida, que, a nosso ver, resulta evidente do texto da decisão ora recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, houve violação do art. 127º do Cód. Proc. Penal e erro notório na apreciação da prova, por incorrectamente julgada e apreciada a matéria de facto constante dos parágrafos supra referidos (4º, 5º 7º e 10º), vício que aqui expressamente se invoca e a que se refere a al. c) do nº 2, do art. 410º do mesmo diploma legal e, além do mais, reportando-nos apenas à matéria de facto dada como provada, estamos em crer, que a mesma é de todo insuficiente para fundamentar a decisão condenatória, fundamentando, a nosso ver, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que respeita a aí. a) do referido art. 410º, já que da douta sentença nada se extrai quanto ao contexto da prática dos factos.
16. A douta sentença recorrida violou, para além do mais, o disposto no art. 142º do C.P.
17. Relativamente à condenação do arguido pelo crime de detenção de arma proibida, p.p. art. 86º, nº 1, al. d) da Lei n.º 5/5006, de 23 de Fevereiro, por ter na sua posse a arma - faca de ponta e mola - com uma lâmina de 9,9 cm, toda a jurisprudência tem entendido que não é arma proibida uma navalha cuja lamina tenha um comprimento inferior a 10 cm por não preencher o conceito de faca de ponta e mola para efeitos de preenchimento do referido tipo legal de crime (cfr. Ac. RP, de 03/12/2008, processo 084570:. e Ac. RC, de 01/04/2009, in www.dgsi.pt, atenta a conjugação do disposto nas als. l) e ar) daquele preceito.
18. Pelo que, deverá o arguido ser absolvido da prática deste crime.
19. Não foram dados como provados factos suficientes para condenar o arguido no pagamento da quantia de € 2.500 como indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela M... quis nem sequer logrou fazer prova dos mesmos.
20. Assim, mesmo que o arguido venha a ser condenado pela prática do crime de violência doméstica, deverá aquele montante ser reduzido.
Termos em que deve a sentença em apreço ser revogada e substituído por outra que absolva o arguido dos crimes pelos quais vinha acusado, ou assim não se entendendo, condenado pela prática do crime de ofensas corporais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido concluindo que o recurso não merece provimento, porquanto a convicção do tribunal assentou essencialmente no depoimento da queixosa, da mãe e da irmã, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido da improcedência do recurso, porquanto o acórdão não padece de qualquer dos vícios do art. 410º do CPP e a apreciação da prova subjacente obedece ao critério do art. 127º do CPP.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos e realizado o julgamento, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre conhecer e decidir.



II.

1. Sintetizando as conclusões, definidoras do objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir, sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso situadas no âmbito da matéria do recurso:
- nulidade da sentença por não nada ter dado como provado quanto á personalidade ou comportamento do arguido;
- impugnação da decisão da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido sob os §§ 4, 5, 7 e 10, invocando os vícios do art. 410º, n.º2 do CPP, bem como a violação do princípio in dubio pro reo e as regaras da experiência comum, dizendo que valorou os depoimentos das testemunhas de acusação que não presenciaram os factos em detrimento dos depoimentos das testemunhas arroladas ela defesa;
- se a detenção da navalha apreendida, com uma lâmina de comprimento inferior a 10 cm. (9,9 cm., no caso) preenche os elementos do tipo objectivo do crime de detenção de arma proibida pelo qual vem condenado;
- valor da indemnização relativa a danos não patrimoniais.

Para a sua apreciação, vejamos a decisão da matéria de facto do tribunal recorrido, com a motivação que a suporta.
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2. A decisão do tribunal recorrido, com a motivação que a suporta, é a seguinte:
A) Matéria de facto provada:
1. O arguido casou com a ofendida, M…, em 26 de Dezembro de 1987, conforme certidão do assento de casamento junta a fls. 100.

2. Desde há cerca de 18 (dezoito) anos a esta parte - reportados à data da queixa - o arguido vem atingindo a ofendida na sua honra e consideração, apelidando-a de “puta”, “vaca” e “bruxa” e atingiu-a na sua integridade física, algumas vezes, quase sempre influenciado pelo álcool que ingere.

3. Há cerca de 18 anos na residência dos pais do arguido, em S…, o arguido agrediu a ofendida M... com uma bofetada, que a atingiu na face, que tratou sem recurso a assistência médica.

4. Cerca de um ano depois, quando já se encontravam emigrados na Suíça, o arguido apertou o pescoço da ofendida, o que fez com que tivesse desmaiado.

5. Ainda na Suíça, alguns anos mais tarde, no interior da residência de ambos, o arguido agrediu a ofendida a murro e a pontapé e foi ameaçada e injuriada com as seguintes expressões: “um dia destes dou-te um tiro, que te mato”, “sua puta”, “sua vaca”.

6. Em virtude destes factos, uma vizinha chamou a Polícia local, e a ofendida teve que se ausentar da residência, onde só regressou, depois da intervenção da Segurança Social.

7. Porém, o comportamento do arguido mantinha-se e em 2000 regressaram, definitivamente a Portugal.

8. Já em Agosto de 2002, a ofendida foi, de novo agredida violentamente, pelo arguido com murros e pontapés, após o que a atirou pelas escadas da residência.

9. Também no dia 14 de Julho de 2006, cerca das 19.30 horas, quando a ofendida regressava do trabalho, o arguido disse para a ofendida que “havia de a matar”, “que lhe cortava o pescoço, por que tinha virado o filho contra ele” e, de seguida agarrou-a pelo cabelo e pelo braço esquerdo e agrediu-a com empurrões e à bofetada.

10. Por vergonha, e receio das represálias do marido e da família deste, a ofendida tratou das lesões, sem que se tivesse deslocado a estabelecimento de saúde.

11. As situações em que o arguido atingiu a ofendida, na sua integridade física bem como a atingiu na sua honra, dignidade e consideração aconteceram, algumas vezes, na presença do filho do casal.

12. Em virtude das ameaças sofridas pela ofendida, foi determinada a busca e apreensão de armas e instrumentos susceptíveis de serem usados pelo arguido, para atingir a vida e integridade física da ofendida.

13 Efectuada a diligência da busca no dia 23 de Novembro de 2006, verificou-se a existência de uma arma designada por “pressão de ar” e bem assim uma navalha de ponta e mola, com o comprimento total de 22,2 cm, tendo a lâmina 9,9 cm, com a marca “Fosthrei”, a que foi atribuído o valor de 15 €, conforme auto de exame de fls. 54, que aqui se dá por reproduzido, sendo que esta se encontrava no veículo com a matrícula …, pertença do arguido.

14 A navalha de ponta e mola é arma definida no art.2° no 1 al.) ar) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.

15 Durante os anos que durou o casamento, o arguido agiu para com a mulher de forma violenta, e agressiva, quer verbal, quer física, situação que não denunciou, por medo e vergonha, tratando — a maior parte das vezes — em casa, as lesões que o arguido causava.

15 O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, e de forma reiterada, com o propósito de molestar a ofendida, sua mulher M..., física e psicologicamente.

17 Igualmente, tinha na sua posse a arma — faca de ponta e mola — o que sabia não lhe ser permitido.

18 Assim, o arguido tinha conhecimento que as condutas supra referidas eram proibidas e punidas por Lei.

Mais se provou.

O arguido não tinha à data registo de antecedentes criminais.

Esteve internado no Hospital Sobral Cid, de 7/11/2003 a 21/11/2003 com o diagnóstico de “depressão psicótica”. Posteriormente teve outros internamentos, por apresentação de “quadro depressivo”. É desde então, seguido em consultas regulares externas.

O filho do casal habita com o arguido.

Do articulado da petição cível:

A ofendida deixou a casa de morada de família, por temer pela sua integridade física e pela vida.

Viveu durante anos sobressaltada e em desassossego.

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B) Matéria de facto não provada:

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão.

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C) Motivação.

Quanto aos factos não provados o Tribunal baseou-se na ausência de provas trazidas ao julgamento.

A convicção do Tribunal Colectivo, para a enumeração dos factos provados, resultou da avaliação crítica das provas examinadas e das produzidas em audiência, ou seja, numa apreciação crítica global de toda a prova produzida no seu conjunto de documentos e depoimentos das testemunhas, em conformidade com o que se acha plasmado no artigo 127 do C.P.P.

Muito embora a Defesa do arguido tenha argumentado que todos os depoimentos “bateram muito certinhos” e que não são isentos por serem todos os depoentes familiares da ofendida, o Tribunal não pode deixar de a eles atender porque, diz-nos a experiência comum que tratando-se de actos da vida do casal, socialmente reprovados e, naturalmente, não são praticados à vista de terceiros, nem tem a vítima oportunidade de chamar testemunhas para os presenciar. E, assim só os familiares e pessoas da intimidade da vítima são chamados a conhecer a realidade e, quase sempre porque questionada sobre os sinais físicos da agressão, que, também na maioria dos casos é ocultada.

Afigurou-se assim ao Tribunal que o depoimento da mãe da ofendida J... foi decisivo e isento, relatando ao Tribunal, com simplicidade e mágoa, os factos que presenciou e também a forma como se havia oposto ao casamento da filha com o arguido e, que, motivou que a mesma lhe escondesse durante anos os comportamentos do arguido, mesmo quando questionada sobre o aparecimento de hematomas pelo corpo, afirmava que eram resultado de queda.

A irmã da ofendida D..., relatou episódios ocorridos quando o casal vivia na Suíça, nomeadamente, quando uma noite a ofendida lhe telefonou a pedir ajuda por se encontrar na rua por o arguido a ter expulsado de casa. Referiu também ver a ofendida por diversas vezes com hematomas e questionada a sua irmã acabou por lhe contar que era vítima de agressões físicas e verbais por parte do marido.

De idêntico teor, o depoimento de F..., também irmã da ofendida e com ela convivente na Suíça durante algum tempo e a quem a ofendida confidenciou as agressões de que era vítima.

Claramente “induzido” foi o depoimento do filho do casal, E..., que manifestou agressividade verbal relativamente à mãe e aos familiares da parte desta. O que também não causa estranheza atento o episódio por todos os familiares relatado, quanto ao facto de o arguido incitar o filho a dar pontapés à mãe (em frente dos familiares) e que este cumpria.

Os depoimentos das testemunhas S..., B... e R... prestaram os seus depoimentos incidindo sobre o conhecimento da doença do arguido, sendo o conhecimento da vida do casal de forma superficial, dado o relacionamento casual entre os mesmos.

Relativamente à detenção da arma, foi relevante o auto de busca.

Sobre a ausência de passado criminal do arguido releva a certidão do R.C. e sobre a sua situação clínica o relato do C.H.P. junto a fls. 200.

A segurança e simplicidade dos depoimentos mereceram a credibilidade do Tribunal, nada tendo surgido em seu desabono.


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3. Apreciação
3.1. Nulidade da sentença – conclusão 1ª:
Alega o recorrente que “Nos factos considerados provados pelo tribunal não consta nada quanto à personalidade ou comportamento do arguido, não obstante as declarações das testemunhas de defesa S... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 22m e 48s (inicio do gravação) a 12h, 32m e 47s (fim da gravação), B... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 33m e 19s (inicio da gravação) a 12h, 40m e 08s (fim da gravação) e R... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 40m e 32s (inicio da gravação) a 12h, 46m e 51s (fim da gravação), sendo o apuramento de tais circunstâncias relevantes para o apuramento da pena e respectiva medida a aplicar”

Ora, por um lado a decisão recorrida apurou factos relativos à personalidade ou comportamento do arguido – para além do que emerge dos factos da acusação e personalidade que revelam - , a saber (reproduz-se): O arguido não tinha à data registo de antecedentes criminais. Esteve internado no Hospital Sobral Cid, de 7/11/2003 a 21/11/2003 com o diagnóstico de “depressão psicótica”. Posteriormente teve outros internamentos, por apresentação de “quadro depressivo”. É desde então, seguido em consultas regulares externas.

Apurou, pois, o tribunal, os descritos factos, relativos ao comportamento e personalidade do arguido.

Por outro lado o recorrente não alegou outros factos, designadamente na contestação, que obrigassem o tribunal a pronunciar-se sobre os mesmos.
Além de não justificar a necessidade de investigação/apuramento de outros factos relevantes para a pena (de suspensão da prisão) que foi aplicada em concreto ou ainda que impusessem ou pudessem levar à aplicação de outra pena, diferente daquela que foi aplicada.
Acresce que não identifica afirmações concretas das testemunhas, muito menos sobre factos concretos, certos e determinados, que pudessem ser relevantes, na economia das previsões dos artigos 71º e 40º do C. Penal, para a determinação da pena.
Improcede, pois, a nulidade da sentença invocada.
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3.2. Recurso da Matéria de facto
Questão prévia:
Como se viu no enunciado das questões a decidir, o recorrente insurge-se contra a matéria de facto descrita sob os §§ 4, 5, 7 e 10 dos factos provados (decisão do tribunal recorrido) e da condenação suportada por tal matéria.
Trata-se dos factos ali descritos como ocorridos “há cerca de 18 anos”, “cerca de um ano depois” alguns anos mais tarde”, na Suíça, sobre os quais refere que não recaiu qualquer outro meio de prova além do depoimento da queixosa que deles se não queixou, na altura.
Ora, com relevo neste âmbito, resulta do Auto de Denúncia de fls. 3-5, que os presentes autos tiveram início com a queixa apresentada no dia 14 de Julho de 2006, na qual a ofendida declarou desejar procedimento criminal contra o denunciado e que “havia sido vítima de maus tratos por parte de seu marido (…) hoje por volta das 19h.30m. quando regressava do trabalho (…)”. – cfr. fls. 5.
Queixou-se, portanto, dos factos concretos que identifica, ocorridos no dia 14 de Julho de 2006, ainda que no final da exposição refira, sem descriminar, que “tem sido vítima de maus-tratos há cerca de 20 anos, que nunca denunciou com medo de represálias” – cfr. fls. 5.
Por outro lado a acusação - que define o âmbito da vinculação temática do tribunal e, por consequência, da decisão do tribunal recorrido - por efeito da queixa apresentada procedeu à aglutinação de “todas” as ofensas físicas ou psíquicas produzidas durante toda a vigência da relação matrimonial. Conferindo assim relevância criminal, retroactivamente, a ofensas ocorridas muito antes da ocorrência dos fatos denunciados pela ofendida.
Isto é, com base na queixa apresentada em 14.07.2006, sob a capa aglutinadora do crime de maus-tratos, foi deduzida acusação por factos que haviam ocorrido cerca de 18 anos antes e que durante todo esse período de tempo ficaram esquecidos, apesar de, pela sua natureza, não poderem deixar de ser conhecidos da ofendida. Trazendo a reboque de uma queixa apresentada em Julho de 2006, por uma ocorrência certa e determinada, acabada de ocorrer, como que o ajuste de contas relativo a todos os desentendimentos de um casamento de 18 anos, precisamente quando esse casamento se encaminhava para a dissolução pelo divórcio.
Quer a “repescagem” de factos ocorridos “cerca de 18 anos” antes da apresentação da queixa, quer a circunstância de esses factos não se mostrarem especificados, afrontam princípios relativos ao processo justo e equitativo e ao exercício do direito de defesa inerentes ao Estado de Direito - é praticamente impossível alguém defender-se de factos conhecidos e omitidos pelo ofendido durante mais de 18 anos, para mais não especificado quanto às concretas circunstâncias de tempo e situados “na Suíça”, dentro da casa de família e sem que tenham sido participados na altura e sem qualquer observação externa aos elemento do casal.
Para além de não poderem ser valoradas, como integradoras do crime, acções que à data da sua prática não eram tipificadas como crime, por violação do princípio com assento constitucional nullum crimem sine lege, o mesmo deverá suceder em relação aos factos que, face à lei vigente ao tempo, o ofendido deixou prescrever, por inércia, o procedimento criminal.
Não poderão, do mesmo modo, fazer-se reingressar na esfera criminal, pela via abrangente do crime de maus trato, factos para cujo procedimento criminal era exigida, na época, a apresentação de queixa, cujo direito se extinguiu, pelo não exercício no prazo legal. Com efeito
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No caso em apreciação o crime de maus-tratos imputado nos autos FOI tipificado pela primeira vez no Código Penal de 1982 (no então art. 153º).
Foi objecto de nova configuração na Revisão do C. Penal de 1995 - abolindo a exigência de acção por “malvadez ou egoísmo” e o “tratamento cruel”, bem como a referência expressa à omissão de cuidados de saúde, alargando por outro lado o conceito aos “maus tratos psíquicos”.
Voltou a ser objecto de alterações pela Lei 65/98 de 02.09 – conferindo ao MºPº a faculdade de, em certas circunstâncias, iniciar o processo, embora sendo o crime semi-público.
Foi ainda alterado pela Lei 7/2000 de 27.05 – que retirou ao crime a natureza semi-pública e instituiu a pena acessória de proibição de contacto com a vítima.
Por último o tipo de crime foi novamente modificado na revisão operada pela Leu 59/2007 de 04.09 - deixando agora claro que o crime abrange as ofensas ao cônjuge praticadas “de modo reiterado ou não”.
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No que diz respeito aos pressupostos de pocedibilidade, na versão do C.P. saída da revisão de 1995 o crime dependia da apresentação de queixa, por parte do respectivo titular.
E o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto e dos seus agentes – cfe. art. 115º do CP
Já na redacção da Lei 65/98, de 02.09, o n.º 2 do preceito que tipificava o crime passou a ter a seguinte redacção: “O procedimento criminal depende de queixa, mas o MºPº pode dar início ao procedimento se o interessa da vítima o impuser e não houver oposição do ofendido antes de ser deduzida a acusação”. Obrigando assim o MºPº, para deduzir acusação pública, a observar dois pressupostos: justificar a “imposição pelo interesse da vítima” e que a vítima (ouvida) não se opusesse à dedução da acusação pública.
Só por força da redacção dada pela Lei n.º 7/2000, de 27.05 o crime passou a assumir a natureza genuína de crime público.
Assim, até à entrada em vigor da referida Lei 7/2000, não tendo sido apresentada queixa dentro do prazo legal, os factos constitutivos do crime, deixavam de poder ser perseguidos criminalmente, por falta de um pressuposto processual, a menos que (após a vigência da Lei 65/98) o MºPº justificasse a existência de interesse da vítima e a não oposição desta.
O que equivale a dizer que, vindo os factos ocorridos anteriormente a ser perseguidos por efeito de alteração legislativa (ao C. Penal) superveniente, passaram a poder ser perseguidos e punidos por efeito retroactivo de lei posterior que deixou de exigir a apresentação da queixa.
Postula o artigo 5º do CPP: 1. A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
Ressalva assim o descrito preceito, da aplicação imediata da lei processual, os actos praticados (e efeitos jurídicos validamente produzidos) na vigência da lei anterior.
De onde resulta que, se determinado acto apenas podia ser perseguido criminalmente mediante apresentação de queixa pelo ofendido, cujo exercício se extinguiu, validamente, na vigência de determinada lei, a perseguição do mesmo, por efeito de alteração posterior da lei, tal equivaleria a fazer renascer um direito (de queixa) que já se encontrava extinto.
Assegurando o art. 5º, n.º1 do CPP a validade dos actos realizados na vigência da lei anterior, não pode deixar de assegurar o efeito desses actos validamente produzidos, o mesmo é dizer, o efeito extintivo validamente produzido no âmbito da lei processual vigente ao tempo dessa extinção.
No mesmo sentido aponta o princípio (art. 2º, n.º4 do CPP) da aplicação do regime em concreto mais favorável ao arguido.
Sendo certo que “O princípio constitucional da aplicação da lei mais favorável ao arguido não se restringe ao domínio da lei penal substantiva, devendo ser alargado à protecção de situações em que estão em causa normas processuais penais de natureza substantiva, cuja protecção no processo não pode deixar de ser intimamente conexionada com o princípio da legalidade, condicionando a responsabilidade penal ou contendendo com os direitos fundamentais do arguido” – cfr. AC. TC n.º 451/93, de 15.06.93, BMJ 429º, p. 337.
Assim, por se mostrar extinto, pelo não exercício tempestivo, o respectivo direito de queixa, conclui-se que não podem ser valorados, para efeito de integrar o crime imputado ao arguido na acusação, todos os factos descritos na acusação – e por consequência no acórdão recorrido - anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 7/2000, de 27.05 que transformou o crime em público.
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3.3. Permanecem, pois, COMO MATÉRIA DE FACTO SUSCEPTÍVEL DE apreciação os factos descritos na acusação posteriores ao regresso a Portugal, no ano de 2000, ou seja, no caso, as ocorrências situadas “em Agosto de 2002” e “no dia 14 de Julho de 2006”, contextualizadas pela matéria descrita sob os §§ 2º e 7º da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido, limitada ao período posterior à vigência da referida Lei 7/2000.
Daqui decorre que, incidindo as críticas à decisão recorrida sobre a matéria descrita sob os pontos 4, 5, 7 e 10, esta reportada ao âmbito dos pontos 4, 5 e 7, a restante matéria não sofreu uma impugnação especificada, quanto aos concretos pontos de facto bem como relativamente às passagens do depoimentos capazes de imporem decisão diversa, como exige o comando ao art. 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP.
De qualquer forma as críticas dirigidas à matéria de facto têm por fundamento os vícios previstos no art. 410º do CPP adjuvados pela violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da livre apreciação.
Como é sabido, o CPP prevê duas formas distintas, assentes em pressupostos autónomos, de impugnação da matéria de facto: os vícios do art. 410º, n.º2; e a reapreciação da prova, nos termos do art. 430º.
Postula o art. 410º n.º2 do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de fato provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
O vício da “insuficiência … da matéria de facto provada” radica na insuficiência de investigação/apuramento de matéria de facto - resultante da acusação, da contestação, da discussão da causa ou que o Tribunal tivesse o dever de investigar oficiosamente dentro do objecto do processo e da aplicação da pena. E não da “insuficiência da prova” para a decisão da matéria de facto apreciada pela sentença.
O erro notório na apreciação da prova constitui “um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio” – cfr. Ac. STJ de 03.06.1998, processo n.º 272/98, citado por SIMAS SANTOS / LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, Ed. Rei dos Livros, 5ª ed., p. 68. Quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena não arguidos de falsos – cfr. Ac. STJ 10-03.99, SASTJ n.º 29, p. 73. Ou quando se dão como provados factos que face às regras da experiência comum e à lógica corrente não se podiam ter verificado Ac. STJ 02.06.99, proc. 354/99, citado por Maia Gonçalves, em anotação ao art. 41º do seu C. Anotado, 13ª ed..
A contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão verifica-se quando são afirmadas, em simultâneo, duas proposições que reciprocamente se excluem logicamente, em que portanto se uma é verdadeira a outra não o pode ser, tendo por referência, como se disse, o texto da decisão por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
Trata-se, em qualquer dos casos de “vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão” – cfr. Ac. STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224.
Daí que sejam de conhecimento oficioso – cfr. Acórdão do STJ para Fixação de Jurisprudência de 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.

Já a impugnação nos termos doa rt, 430º obriga o recorrente a cumpriri os ónuns de especificação previstos no art. 412º n.º3 e 4.
Nos termos do art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Impondo o legislador ao recorrente, determinados ónus de especificação / fundamentação previstos no art. 412º, n.º3 e 4 do CPP:
3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Deve pois o recorrente substanciar os fundamentos do recurso, o mesmo é dizer, identificar o erro in operando ou o erro in judicando que aponta à decisão recorrida, bem como o conteúdo concreto dos meios de prova capazes de, numa valoração em conformidade com os critérios legais, impor decisão diferente da recorrida.
Com efeito, como remédios jurídicos os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de melhor justiça. O recorrente tem que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação dos recursos consiste exactamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in operando ou in judicando. A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação de direito material. Esta natureza dos recursos justifica, por outro lado, que se lhes aplique o princípio dispositivo e que se reconheça às partes um importante papel conformador – cfr. Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 387.
O que exige que os erros apontados à decisão sejam devidamente identificados – a fim de que o tribunal de recurso posa deles conhecer – e ainda a demonstração, com base numa argumentação minimamente persuasiva, do erro apontado, a fim de que o tribunal de recurso possa sindicar a bondade da argumentação, á luz dos critérios legais em vigor.
Sendo a decisão de facto devidamente fundamentada, sob pena de nulidade (art. 374º e 379º do CPP) a procedência do recurso obriga a que se demonstre a insubsistência dessa mesma fundamentação
Perante uma sentença formalmente válida e fundamentada, impõe-se, para que seja revogada, que sejam rebatidos, com base em razões materiais minimamente persuasivas, os seus fundamentos materiais, o mesmo é dizer, ou a legalidade dos meios de prova, ou conteúdo desses meios de prova invocados, ou a consistência, á luz dos princípios legais atinentes, da apreciação efectuada.
Identificando não só os factos tidos por incorrectamente julgados, como indicando os concretos meios de prova capazes de imporem decisão distinta, obrigando, no que toca à prova produzida oralmente em audiência, a especificar as concretas passagens/afirmações/conteúdo capazes de impor a solução pretendida – ou porque o conteúdo das declarações invocadas como fundamentação da decisão recorrida (se a decisão não for fundamentada é nula, não consentindo a reapreciação) não corresponde aquilo que resulta efectivamente dos depoimentos gravados, identificando a divergência, ou porque, embora coincidindo a prova produzida com aquilo que é aportado na decisão recorrida, esta viola critérios legais de apreciação da prova que, a serem cumpridos levam, necessariamente a outra decisão.

Em termos de valoração da prova, na ausência de critérios de apreciação vinculada, esta é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos ternos do disposto no art. 127º do C. Processo Penal.
A livre convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional “puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação” – cfr. Prof. Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43.
Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional dos meios de prova validamente produzidos, fundada nas regras da experiência mas também da lógica e da ciência de forma a que dela resulte uma convicção do julgador objectivada e motivada, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos:
- a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência,
- é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material,
- a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana.
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..
Nem sequer será importante, na maior parte dos casos, o registo audiovisual da prova, porque no recurso não está em causa o princípio da livre convicção do julgador, mas apenas a correcção de julgamento em função das provas produzidas em audiência. Com efeito “Não se trata tanto da interpretação de provas produzidas, mas da comprovação de que o juízo se fundou nas provas produzidas ou examinadas em audiência” – cfr. Germano Marques da Silva, in revista Julgar, n.º1 (Janeiro-Abril 2007), p.150
No caso dos autos a matéria de facto agora valorada já se encontra circunscrita ao período certo e determinado e a factos localizados na área de residência do casal após o regresso da Suíça.

Por outro lado, a decisão recorrida, quanto à matéria remanescente, além de o próprio recorrente não questionar, sequer, os dois episódios de agressão física situados em Agosto de 2002 e 14.07.2006 (que pela sua natureza são adequados a deixar marcas no corpo da queixosa visíveis fora do âmbito do lar), apoia-se nos depoimentos não só da queixosa, como ainda da mãe e das irmãs que mantinham convivência com a queixosa e que, além de confirmarem as marcas das lesões confirmaram também o teor das expressões com que o arguido costumava mimosear a mulher quando recolhia a casa toldado pelo consumo de bebidas alcoólicas. Além de as discussões frequentes serem corroboradas pelas próprias testemunhas de defesa.

Assim, para além de manifestamente se não verificar qualquer dos vícios do art. 410º por não resultantes do texto da decisão por si ou confrontado com as regras da experiência comum, em relação á matéria que permanece como objecto de apreciação (as críticas tinham em vista a matéria agora afastada), verifica-se que a decisão recorrida tem fundamento em meios de prova produzidos em audiência, cujo conteúdo o recorrente não rebateu, explicitada na fundamentação, numa apreciação objectiva e racional que obedece ao critério do art. 127º do CPP. Pelo que não merece censura.

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3.4. Assim, depois de extirpada a acusação da matéria anterior à entrada em vigor da Lei 7/2000 de 27.05 e regresso do casal da Suíça em 2000, tem-se como MATÉRIA de facto PROVADA susceptível de valoração, a seguinte:

Pelo menos desde Junho de 2000, já depois de regressaram, definitivamente da Suíça, o arguido, sob o efeito do álcool que ingeria, o arguido costumava discutir com a ofendida, apelidando-a de “puta”, “vaca” e “bruxa”, além de a atingir na sua integridade física.

Em Agosto de 2002, a ofendida foi de novo agredida pelo arguido, com murros e pontapés, após o que a atirou pelas escadas da residência.

Também no dia 14 de Julho de 2006, cerca das 19.30 horas, quando a ofendida regressava do trabalho, o arguido disse para a ofendida que “havia de a matar”, “que lhe cortava o pescoço, por que tinha virado o filho contra ele” e, de seguida agarrou-a pelo cabelo e pelo braço esquerdo e agrediu-a com empurrões e à bofetada.

Por vergonha, e receio das represálias do marido e da família deste, a ofendida tratou das lesões, sem que se tivesse deslocado a estabelecimento de saúde.

As situações em que o arguido atingiu a ofendida na sua integridade física bem como na sua honra, dignidade e consideração aconteceram, algumas vezes, na presença do filho do casal.

Em virtude das ameaças sofridas pela ofendida, foi determinada a busca e apreensão de armas e instrumentos susceptíveis de serem usados pelo arguido, para atingir a vida e integridade física da ofendida.

Efectuada a diligência da busca no dia 23 de Novembro de 2006, verificou-se a existência de uma arma designada por “pressão de ar” e bem assim uma navalha de ponta e mola, com o comprimento total de 22,2 cm, tendo a lâmina 9,9 cm, com a marca “Fosthrei”, a que foi atribuído o valor de 15 €, conforme auto de exame de fls. 54, que aqui se dá por reproduzido, sendo que esta se encontrava no veículo com a matrícula …, pertença do arguido.

A navalha de ponta e mola é arma definida no art.2° no 1 al.) ar) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.

O arguido agiu para com a mulher de forma violenta e agressiva, quer verbal, quer física, situação que esta não denunciou antes de 14 de Julho de 2006, por medo e vergonha, tratando em casa as lesões que o arguido lhe causava.

O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, e de forma reiterada, com o propósito de molestar a ofendida, sua mulher M..., física e psicologicamente.

Igualmente, tinha na sua posse a arma — faca de ponta e mola — o que sabia não lhe ser permitido.

O arguido tinha conhecimento que as condutas supra referidas eram proibidas e punidas por Lei.


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3.5. Extirpada da acusação, e da decisão recorrida, da matéria de facto anterior ao regresso do casal da Suíça e Junho de 2000, nos termos acabados de descrever, vejamos se ainda se mostra suficiente para imputar ao arguido o crime de maus-tratos a cônjuge.

Pratica o crime de maus tratos “quem infligir ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos” – cfr. artigo 152.º, n.º 2, do Código Penal, redacção em vigor ao tempo dos afctos.
Trata-se de um crime tipificado pela primeira vez no Código Penal de 1982 (no então art. 153º), tendo sido objecto de alteração na revisão do C. Penal de 95 (que aboliu a exigência de acção por “malvadez ou egoísmo” e o “tratamento cruel”, bem como a referência expressa à omissão de cuidados de saúde, alargando por outro lado o conceito aos “maus tratos psíquicos”). Foi ainda objecto de alterações introduzidas pela Lei 65/98 de 02.09 (que conferia ao MºPº a faculdade de, em certas circunstância iniciar o processo, embora sendo o crime semi-público) e pela Lei 7/2000 de 27.05 (que retirou ao crime a natureza semi-pública e instituiu a pena acessória de proibição de contacto com a vítima).
A criminalização dos maus tratos do cônjuge ou de quem conviver em condições análogas às dos cônjuges “foi o resultado da progressiva consciencialização da gravidade destes comportamentos e de que a família (…) não mais podia(m) constituir feudo(s) sagrado(s), onde o direito penal se tinha de abster de intervir” – Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pp. 330.
Na vigência da redacção do preceito saída da revisão de 1995 desenharam-se dois entendimentos:
- havia quem entendesse que o tipo de crime de maus tratos pressupõe uma reiteração das condutas que integram o tipo objectivo e que, singularmente consideradas, são susceptíveis de em si mesmas constituírem outros crimes, como sejam, ofensa à integridade física simples, ameaça, injúria ou difamação ou, no mínimo uma conduta complexa, que revista gravidade e traduza, v.g. crueldade, insensibilidade – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.11.97, disponível na CJ/STJ, Ano V, Tomo III, pp. 235; Taipa de Carvalho, defendendo que o tipo de crime pressupõe, segundo a ratio da autonomização, uma reiteração das respectivas condutas – Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 334.
- e quem entendesse que nem sempre seria necessária a verificação de agressões múltiplas e variadas (a lei refere ainda “ou tratar cruelmente”) por parte do arguido para que pratique o crime. Decidiu o citado Ac. STJ de 14.11.1997, CJ/STJ, 1997, t. III, 235 “integram tal previsão legal as condutas agressivas, ainda que praticadas de uma só vez mas que traduzem crueldade, insensibilidade ou até vingança”. No mesmo sentido v. Ac. RE de 23.11.99, na CJ, 1999, t. V., p. 283.
O preceito foi novamente remodelado na revisão operada pela Leu 59/2007 de 04.09.
Dizendo agora: 1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) ao cônjuge (…).
Não existe uma modificação dos elementos objectivos do crime, mas apenas a especificação (tomando posição por uma das duas posições que se vinham desenhando) de que o crime pode verificar-se por actos praticados “de modo reiterado ou não”.
Sendo agora clara a intenção do legislador no sentido de que o crime pode verificar-se apenas por um acto isolado – desde que praticado no âmbito de qualquer das especiais relações de proximidade referidas no preceito, entre elas a relação matrimonial, em violação dos específico deveres de respeito e solidariedade que a dita relação pressupõe.
Ora no caso o casamento entre arguido e ofendida mantinha-se. E as ofensas verbais e físicas ocorreram no âmbito relação de comunhão de vida decorrente da relação conjugal, durante um período alargado de tempo e de forma reiterada, consistindo em dirigir á queixosa expressões verbais objectivamente ofensivas, como ainda, pelo menos em duas ocasiões distintas, em ofensas corporais de monta, atirado numa delas a mulher pelas escadas a baixo e noutra agarrando-a pelos cabelos e agredindo-a com empurrões e à bofetada.

Pelo que se entende que apesar da limitação operada, a matéria de facto provada ainda preenche os elementos quer do tipo objectivo, nos termos a que se fez referência, quer do tipo subjectivo, na modalidade de dolo directo, uma vez que o arguido representou os elementos do tipo objectivo e actuou com intenção de os realizar.

De qualquer forma a limitação da acusação/apreciação à matéria posterior a Maio de 2000 após o regresso do casal da Suíça, retira à conduta do arguido parte da ilicitude valorada pela decisão recorrida, o que, por decorrência lógica, importa a redução proporcionada da pena concreta aplicada a este crime.

Pelo que, tendo por base os pressupostos da decisão não censurados e a proporcionalidade da redução da matéria de facto relevante, com base nos critérios enunciados pelos artigos 71º e 40º do C.P., reduz-se a pena aplicada a este crime para 9 (nove) meses de prisão, mantendo-se a suspensão da execução, não questionada.

3.6. No que toca ao valor da indemnização por danos não patrimoniais relativos ao crime de maus-tratos, apenas tendo sido objecto de censura os pressupostos do acórdão recorrido quanto à gravidade do facto (eliminados os factos anteriores a Junho de 2000) o valor da indemnização será reduzido, proporcionalmente, em juízo de equidade, com base no critério dos artigos 496º-494º do C. Civil, para € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).


3.7. Questiona ainda o recorrente a condenação por crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artigo 86 nº. 1 d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.
Postula o dispositivo em questão:
1—Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo: (…)
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
*
Conclui, a respeito da arma, o acórdão recorrido: «Conforme resulta do auto de exame de fls. 54, as características da arma encontrada na posse do arguido preenchem os requisitos da denominada “faca de abertura automática” que constitui uma arma proibida. Conclui-se, portanto que a sua detenção integra o ilícito imputado na acusação ao arguido».
Resulta assim do acórdão recorrido que qualificada como constitutiva do crime, exclusivamente, a detenção da faca - por se tratar de arma de abertura automática.
Ora a al.d) do n.º1 do art. 86º da Lei 5/2006, supra reproduzida – cfr. excertos em destaque a negrito - qualifica como crime a detenção de três tipos de instrumentos, distintos, dotados de lâmina em aço ou metal brilhante (em que radica a designação genérica de brancas):
- arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto;
- faca de abertura automática (…);
- outras armas brancas (…) sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse.
No primeiro caso sobressai o conceito de arma branca, stricto sensu – tal como definido pelo art. 2º al. l) [agora al. m) na redacção da lei 17/2009 de 06.05] por referência à lâmina igual ou superior a 10 cm., a que acresce o disfarce sob a forma de outro objecto.
Já a segunda categoria identifica (apenas) a faca de abertura automática – tal como definido pelo art. 2º, al. ar): “Faca de abertura automática ou faca de ponta e mola”.
Equiparando a faca de abertura automática à faca de ponta e mola - pelo efeito de a lâmina se encontrar escondida e ser projectada, de surpresa, pelo efeito do automatismo ou da mola.
Por outro lado este segundo inciso já não remete para o conceito estrito de “arma branca” definido pelo art. 2º, al. l) com referência ao tamanho da lâmina. Nem tão pouco procede, autonomamente, a qualquer referência ao tamanho da lâmina, designadamente à exigência de dimensão superior a 10 cm.
Assim esta segunda categoria, que interessa no caso, constitui uma categoria autónoma, não só pela letra clara do preceito, como pela incorporação do conceito definido no ar. 2º, al. ar) [agora alínea ax) na redacção da Lei de 06.05.2009] focado na “abertura automática ou através de ponta e mola”, não incorpora, directamente ou por remissão, qualquer referência ao tamanho da lâmina.
Incidindo, pois, o recorte típico sobre o automatismo da abertura que não sobre o tamanho da lâmina.
Os preceitos focados mantêm redacção idêntica na nova redacção da lei aplicando-se pois os considerandos efectuados à redacção originária, bem como á redacção actual.
De qualquer forma a nova redacção dada ao art. 2º, dada pela lei 17/2009, harmonizando melhor a redacção do art. 86º com as definições do art. 2º, mantendo a redacção do art. 86º intacta, deixa ainda mais clara a distinção entre arma branca em sentido estrito e a faca de abertura automática/de ponta e mola. Com efeito, refere agora: “todo o objecto dotado da lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-perfurante, de comprimento igual ou superior a 10 cm. e, independentemente das suas dimensões, as facas de borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, os estiletes com lâmina ou haste e todos os objectos destinados a lançar lâminas ou haste e todos os objectos destinados a lançar lâminas, flechas ou vitorões”.
Mantém-se pois nítida - agora reforçada - a distinção operada pelo art. 86º (na anterior como na actual redacção) entre armas brancas em sentido estrito (tal como definidas no art. 2º) e facas de abertura automática/ponta e mola prescindido o legislador, em relação a estas últimas, de qualquer referência ao comprimento da lâmina e bastando-se com o automatismo/mola de abertura.
De onde que se conclua que, constituindo inquestionavelmente a faca dos autos uma faca de ponta e mola, apesar dos 9,9 cm. da lâmina, improcede o recurso nesta âmbito.
*
No que toca à pena aplicada a este crime, mantém-se a sua natureza distinta da pena aplicada ao crime de maus-tratos, quer por não questionada quer por imposição da proibição da reformatio in pejus.

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III

Nestes termos, decide-se:
- Julgar parcialmente procedente o recurso, ainda que com fundamentos diferentes, expurgando-se a decisão recorrida de toda a matéria de facto situada em período anterior à entrada em vigor da Lei n.º 7/2000, de 27.05 nos termos que ficaram supra definidos em sede própria; ---
-Reduzir a pena aplicada ao crime de maus-tratos a cônjuge p e p pelo art. 152º, n.º1 e 2 do CP, pelo qual o arguido vem condenado, na decorrência da alteração à matéria de facto operada, para 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
A que acresce, em cúmulo, a pena de 100 (cem) dias de multa à razão de € 5,00 (cinco euros), aplicada pelo tribunal recorrido ao crime de detenção de arma proibida; ---
- Reduzir a indemnização arbitrada a favor da ofendida, na decorrência da mesma alteração à matéria de facto, para a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); ---
- Julgar improcedente o recurso em tudo o mais não previsto nos pontos anteriores. ---
- Dada a proporção do decaimento condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.