Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
558/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SILVA FREITAS
Descritores: LIQUIDAÇÃO
PROVA PERICIAL
NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 06/26/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA COVILHÃ - 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 380º-A, 378º, 587º E 668º DO CPC
Sumário: I- Nos termos do art. 380º-A do C.P.C. a liquidação da sentença faz-se através de árbitros que deve(m) ser engenheiro(s) civil(is) de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa.

II- “Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.

III- Nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, há nulidade de sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. E a falta dos necessários elementos de fundamentação impede também que o Tribunal da Relação possa conhecer do objecto da apelação, não obstante declarar a nulidade, em parte, da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância (cf. artigo 715.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

IV- Ora, o valor que foi indicado na sentença surge sem qualquer elemento de fundamentação, para além do próprio valor mencionado pelo Autor no requerimento inicial de liquidação. Nessa medida, a sentença, por falta dos necessários elementos de fundamentação, enferma de nulidade, embora seja uma nulidade restrita apenas a essa questão.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra



A... , casado, empresário em nome individual e Autor na acção, deduziu contra B... e mulher C... , incidente de liquidação de acordo com o disposto no artigo 380º-A, do Código de Processo Civil.
Fundamentou a sua pretensão no facto de na sentença já transitada em julgado terem sido os Réus condenados a pagar ao Autor o que se liquidar em execução de sentença.
Notificados os Réus, os mesmos deduziram oposição de fls. 299 a 301, suscitando a ineptidão da petição inicial e a falta de causa de pedir.
Notificado o Autor, o mesmo veio responder à excepção, pugnando pela improcedência da mesma.
Por despacho de fls. 305 e 306, foram indeferidas as referidas excepções e o Autor convidado a aperfeiçoar o requerimento.
O Autor apresentou um novo requerimento de liquidação constante de fls. 311 a 313.
Os Réus, devidamente notificados, não apresentaram, nesta sede, qualquer oposição.
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Com relevância para a decisão do presente incidente de liquidação, consideraram-se assentes os seguintes factos:
1. Por sentença de fls. 119 e seguintes, já transitada em julgado, foram os Réus condenados a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente ao custo da mão-de-obra na execução dos trabalhos identificados na matéria factual dada como provada e ao montante do lucro que o Autor não auferiu por não ter levado a obra até ao final, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a data da citação à taxa de 7% até integral pagamento.
2. O Autor juntamente com mais dois empregados demoraram um dia a destelhar a casa dos Réus e o Autor com um seu empregado trabalharam um dia na obra dos Réus aquando da demolição da casa destes.
3. Aquando da demolição o exequente e o seu empregado gastaram dois dias de trabalho.
4. A marcar pilares foram gastos dois dias de trabalho.
5. A fazer ferro foram gastos dez dias de trabalho.
6. A limpar e a encher sapatas foram gastos quatro dias de trabalho.
7. A encher cintas foram gastos oito dias de trabalho.
8. A encher pilares foram gastos nove dias de trabalho.
9. A encher sapatas da frente foram gastos seis dias de trabalho.
10. A fazer a primeira parte da cofragem foram gastos três dias de trabalho.
11. A fazer sapatas de lintel e sapatas e pilares foram gastos três dias de trabalho.
12. A fazer paredes da escadaria foram gastos quatro dias de trabalho.
13. A fazer a segunda parte da cofragem da primeira placa foram gastos três dias de trabalho.
14. A meter ferro, vigotas e tijoleira foram gastos três dias de trabalho.
15. A fazer a escadaria da frente foram gastos quatro dias de trabalho.
16. A fazer cofragem foram gastos três dias de trabalho.
17. A fazer vigotas e tijoleira da frente foram gastos três dias de trabalho.
18. A fazer a terceira parte da cofragem foram gastos três dias de trabalho.
19. A deixar a placa pronta para o sótão foram gastos três dias de trabalho.
20. A pregar degraus da escadaria e a encher placa foram gastos quatro dias de trabalho.
21. A fazer pilares da parte do lado direito foram gastos três dias de trabalho.
22. A encher pilares e a fazer parede foram gastos três dias de trabalho.
23. A abrir e a encher pilares do lado direito foram gastos três dias de trabalho.
24. A fazer paredes do lado direito foram gastos três dias de trabalho.
25. A fazer pilares na parede velha gastou seis dias de trabalho.
26. A fazer quatro pilares foram gastos nove dias de trabalho.
27. Os dias referidos são os dias de trabalho de cada trabalhador do Autor e do próprio Autor, sendo que, o valor dia era de 50,00 €.
28. Assim o valor total da mão-de-obra é de 107 dias x 50,00 €.
29. O Autor deixou de auferir de lucro a quantia de 2.000,00 €.
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Referiu-se, em seguida, na sentença proferida nos autos:
Foi elaborado relatório pericial, junto aos autos a fls. 333 e ss., onde os peritos concluíram por unanimidade que em relação ao ponto 3º o somatório dos dias de trabalho corresponde a um total de 107 dias e que o valor de 50 €/dia/homem se enquadra nos honorários médios para a contratação de empreitadas de mão-de-obra praticadas na indústria da construção civil da região.
Por outro lado, concluíram que o lucro deixado de auferir se computa em 2.000,00 €.
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Na conclusão final da sentença que proferiu, a Meritíssima Juiz decidiu julgar procedente a pretensão formulada por A....
Em consequência, foram os Réus B... e mulher C...condenados a pagar ao Autor o valor total de 7.350,00 €, sendo que os mesmos se reportam a 107 dias de trabalho a 50,00 €, o que perfaz o montante de 5.350,00 €, e ainda a quantia de 2.000,00 €, pelo lucro que o Autor deixou de auferir.
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Notificados que foram da sentença proferida, os Réus interpuseram recurso.
Por despacho proferido a fls. 370 dos autos, o recurso foi devidamente admitido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Em doutas alegações que foram apresentadas, os Apelantes formularam as seguintes Conclusões:
1 – A decisão recorrida condena os ora apelantes a pagar ao apelado a quantia de 7350 euros correspondentes a 107 dias de trabalho a 50 euros, sendo este montante o referido pelos senhores peritos como sendo o valor médio dos honorários nas empreitadas na região, não tendo em conta se é este o salário efectivamente auferido.
2 – Por outro lado, considera este o montante auferido por todos os trabalhadores, não se apurando se eram pedreiros ou serventes que efectuaram a obra, quando estes não auferem mais que o salário mínimo nacional.
3 – Não teve ainda em conta a decisão recorrida o facto de a obra ter sido realizada em 2001, e o montante auferido diariamente por cada trabalhador ter de se reportar àquela data.
4 – Os apelantes foram ainda condenados no pagamento da quantia de 2000 euros pelo lucro que o Autor deixou de auferir não havendo qualquer fundamento para tal facto, nem no relatório pericial nem na decisão recorrida.
5 – Pelo que a decisão é nula por falta de fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do C. P. Civil.
6 – Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e em consequência declarar a nulidade da decisão recorrida, ordenando-se a realização de novo relatório que se reporte à data da realização da obra.
Assim decidindo farão V. Ex.cias Venerandos Desembargadores a costumada Justiça.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-Adjuntos, cumpre-nos decidir.
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Na sentença proferida na acção sumária n.º 558/01, foi decidido condenar os Réus B... e mulher C..., a pagar ao Autor A..., a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente ao custo da mão-de-obra na execução dos trabalhos identificados na matéria factual dada como provada e ao montante do lucro que o Autor não auferiu por não ter levado a obra até final, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação, à taxa de 7%, até integral pagamento.
Nessa sentença, considerando o oportunamente especificado e o resultado do julgamento, deram-se como provados os seguintes factos:
1. A e RR celebraram um contrato de empreitada nos termos do qual o A. se obrigava a fornecer a mão-de-obra para a reconstrução da casa dos RR. pelo preço de Esc.: 4.000.000$00. (A)
2. O A. iniciou a execução das tarefas em 02 de Junho de 2001, tendo começado por destelhar a casa dos RR. e terminou no dia 29 de Agosto de 2001. (B)
3. O A. recebeu a quantia de Esc.: 450.000$00 por conta da 1.ª prestação. (C)
4. No fim de Agosto os RR. pretenderam alterar o plano inicial da obra, entregando ao A. uma relação de tarefas a executar pelo mesmo. (D)
5. Dispondo-se os RR. a pagar pelas alterações introduzidas mais Esc.: 1.450.000$00, o que é um aumento de 36% relativamente ao valor acordado inicialmente. (E)
6. Os RR. contrataram outro empreiteiro para a sua obra. (F)
7. O A. colocou uma viga central no tecto do r/c da casa dos RR., a qual não consta no projecto, tendo alterado o sentido da armação da laje. (G)
8. O A. não executou a obra aludida em 1. até o final. (H)
9. O A. dedica-se à actividade da construção civil. (1º)
10. O A. juntamente com mais dois dos seus empregados demoraram um dia a destelhar a casa dos RR. e o A. com um seu empregado trabalharam um dia na obra dos RR. aquando da demolição da casa destes. (4º e 5º)
11. O A. marcou pilares. (6º)
12. O A. fez ferro. (7º e 12º)
13. O A. limpou e encheu sapatas. (8º)
14. O A. encheu cintas. (9º)
15. O A. encheu pilares. (10º)
16. O A. encheu sapatas da frente. (11º)
17. O A. fez a primeira parte da cofragem para a placa. (13º)
18. O A. fez sapatas lintel da frente e sapatas e pilares. (14º e 15º)
19. E fez paredes da escadaria. (16º)
20. E fez a segunda parte da cofragem da primeira placa. (17º)
21. E meteu ferro, vigotas e tijoleira. (18º)
22. E fez a escadaria da frente. (19º)
23. E fez a cofragem. (20º)
24. E fez as vigotas e tijoleira da frente. (21º)
25. E fez a terceira parte da cofragem. (22º)
26. O A. deixou a placa pronta para o sótão. (23º)
27. E pregou degraus da escadaria e encheu placa. (24º)
28. E fez pilares da parte do lado direito. (25º)
29. E encheu pilares e fez parede. (26º)
30. E encheu e abriu pilares do lado direito. (27º)
31. E fez paredes do lado direito. (28º)
32. E fez pilares na parte velha. (29º)
33. Pela execução das alterações aludidas em 4. o A. pretendia receber dos RR. mais 1.500.000$00 o que estes não aceitaram. (31º)
34. Enquanto decorria a tentativa de acordo sobre o preço das alterações o A. executou algumas delas, designadamente fez 4 pilares. (32º e 33º)
35. Para além da quantia que os RR. entregaram ao A. e aludida em 3. aqueles nada mais pagaram ao A., designadamente a relativa à mão-de-obra dos trabalhos efectuados e supra aludidos. (34º)
36. O A. ao não executar a obra até final deixou de ter lucro. (35º)
37. Os RR. pagaram Esc.: 150.000$00 do Alvará a um outro empreiteiro para que o A. pudesse executar os seus trabalhos. (36º)
38. Os RR. contrataram uma pessoa para desmanchar a sua casa e foi esta pessoa quem destelhou e partiu telhas nos telhados das duas casas vizinhas, causando danos cujo ressarcimento se computa em Esc.: 450.000.$00. (43º, 44º e 45º)
39. O A. cortou aos bocados toda a madeira que foi retirada do telhado. (47º)
40. Em 29.08.01 e nos termos entre ambas as partes acordados, os RR. já deveriam ter pago a quantia de 350.000$00, integrante da primeira prestação. (50º)
41. Os RR. apresentaram ao A. a proposta de orçamento de fls. 16-17, a qual implicava que o A. reiniciasse a obra no dia 10 de Setembro, a qual não foi aceite pelo A., nunca mais o A. tendo regressado ao local da obra a partir do dia 29 de Agosto de 2001, excepto no dia 1 de Setembro quando aquele ali foi buscar o seu material de trabalho. (52º e 53º).
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Importa fazer uma breve exposição sobre os termos do incidente de liquidação:
Após ter sido proferida decisão a convidar o Autor a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, veio o Autor deduzir o incidente de liquidação nos termos que seguem:

Por douta sentença de fls… já transitada em julgado, foram os RR. condenados a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente ao custo da mão-de-obra na execução dos trabalhos identificados na matéria factual dada como provada e ao montante do lucro que o A. não auferiu por não ter levado a obra até final, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a data da citação à taxa de 7% até integral pagamento.

A matéria factual dada como provada consta da fundamentação de facto da referida sentença, nomeadamente nos seus pontos 10 a 32, 34 e 36.

O exequente e dois empregados demoraram três dias a destelhar a casa dos executados;
Aquando da demolição o exequente e o seu empregado gastaram dois dias de trabalho;
A marcar pilares foram gastos dois dias de trabalho;
A fazer ferro foram gastos dez dias de trabalho;
A limpar e a encher sapatas foram gastos quatro dias de trabalho;
A encher cintas foram gastos oito dias de trabalho;
A encher pilares foram gastos nove dias de trabalho;
A encher sapatas da frente foram gastos seis dias de trabalho;
A fazer a primeira parte da cofragem foram gastos três dias de trabalho;
A fazer sapatas de lintel e sapatas e pilares foram gastos três dias de trabalho;
A fazer paredes da escadaria foram gastos quatro dias de trabalho;
A fazer a segunda parte da cofragem da primeira placa foram gastos três dias de trabalho;
A meter ferro, vigotas e tijoleira foram gastos três dias de trabalho;
A fazer a escadaria da frente foram gastos quatro dias de trabalho;
A fazer cofragem foram gastos três dias de trabalho;
A fazer vigotas e tijoleira da frente foram gastos três dias de trabalho;
A fazer a terceira parte da cofragem foram gastos três dias de trabalho;
A deixar a placa pronta para o sótão foram gastos três dias de trabalho;
A pregar degraus da escadaria e a encher placa foram gastos quatro dias de trabalho;
A fazer pilares da parte do lado direito foram gastos três dias de trabalho;
A encher pilares e a fazer parede foram gastos três dias de trabalho;
A abrir e encher pilares do lado direito foram gastos três dias de trabalho;
A fazer paredes do lado direito foram gastos três dias de trabalho;
A fazer pilares na parede velha gastou seis dias de trabalho;
A fazer quatro pilares foram gastos nove dias de trabalho.

Esclarece-se que os dias referidos são dias de trabalho de cada trabalhador do A. e dele próprio e não dias de calendário e que o valor-dia era de € 50,00.

Assim, tem-se que o valor total da mão-de-obra consumida é de (108 dias x € 50,00) € 5.400,00.

O A. deixou de auferir a título de lucro a quantia de € 2.000,00.

Nos termos do art. 380º-A do C.P.C. a liquidação da sentença faz-se através de árbitros que deve(m) ser engenheiro(s) civil(is) de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa.
Deveria, assim, ser liquidada a final a quantia global de € 7.400,00, acrescida dos juros vencidos e vincendos.
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Os dois Ex.mos Peritos nomeados apresentaram o seguinte Relatório Pericial:
Da avaliação ao requerimento os peritos concluíram por unanimidade que em relação ao ponto 3.º o somatório dos dias de trabalho, corresponde a um total de 107 dias e não 108 como referido no ponto 5º; em relação ao ponto 4.º, consideram que o valor de 50 €/dia/homem se enquadra nos honorários médios para contratação de empreitadas de mão-de-obra praticadas na indústria da construção civil da região”.
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Notificados do Relatório Pericial, os requeridos nos autos de liquidação vieram dizer o seguinte:
O relatório apresentado, não está minimamente fundamentado, traduzindo-se apenas em conclusões.
Pelo que, devem os Senhores árbitros fundamentar a liquidação apresentada, nomeadamente com respostas concretizadas e esclarecedoras a cada um dos pontos referidos nos números 3 e 4 do requerimento de liquidação.
E requereram a notificação dos senhores árbitros para fundamentarem as respostas, nos termos conjugados dos n.º 2 e 3 do artigo 587 do C. P. Civil.
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Notificado o Autor, que nada veio dizer, os Senhores Peritos, foram devidamente notificados do requerimento para fundamentação das respostas apresentadas, e vieram prestar os novos esclarecimentos, dizendo nomeadamente:
“1º- Os peritos reafirmam por unanimidade que em relação ao ponto 4º do requerimento de liquidação, o valor de 50 €/dia/homem se enquadra nos honorários médios para contratação de empreitadas de mão-de-obra praticadas na indústria da construção civil da região.
2º- Tendo por base os pontos do 3º quesito, pertencentes à matéria factual dada como provada, quantifica-se e justifica-se de seguida os valores parciais e total de mão-de-obra consumida.
(Deve ser esclarecido que, neste número segundo, os Senhores Peritos fizeram, seguidamente, uma descrição pormenorizada e completa dos trabalhos, do número de dias, do número de operários, do preço da mão-de-obra por dia e por homem, e do valor parcial).
3º- Deste modo os peritos confirmam um total de 107 dias de trabalho e não 108 como referido no ponto 5º.
4º- Assente que as tarefas foram executadas por 3 operários, o Autor e dois empregados, que o número de dias de trabalho despendidos é de 107, e que o valor de mão-de-obra é de 50 €/dia/homem, obtém-se um valor total de mão-de-obra consumida de 16.050,00 €”.
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Analisando as Conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes, verifica-se que nelas são referidos, essencialmente, dois pontos de divergência em relação ao resultado do Relatório Pericial:
a) Os Senhores Peritos indicaram o valor de 50 Euros como sendo o valor médio dos honorários nas empreitadas na região, não tendo em conta se é este o salário efectivamente auferido;
Por outro lado, considera este montante auferido por todos os trabalhadores, não se apurando se eram pedreiros ou serventes que efectuaram a obra, quando estes não auferem mais que o salário mínimo nacional;
Não teve ainda em conta a decisão recorrida o facto de a obra ter sido realizada em 2001, e o montante auferido diariamente por cada trabalhador ter de se reportar àquela data;
b) Os apelantes foram ainda condenados no pagamento da quantia de 2000 Euros pelo lucro que o Autor deixou de auferir não havendo qualquer fundamento para tal facto, nem no relatório pericial nem na decisão recorrida.
Com base nesses dois pontos de divergência, os apelantes consideram a decisão nula por falta de fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
E, em consequência, devia ser declarada a nulidade da decisão recorrida, ordenando-se a realização de novo relatório que se reporte à data da realização da obra.
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O presente recurso tem por objecto a apreciação de uma sentença proferida no âmbito de um incidente de liquidação.
Vejamos o conteúdo das disposições que se referem à liquidação:
Artigo 378.º:
“1 – Antes de começar a discussão da causa, o autor deduzirá, sendo possível, o incidente de liquidação, para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito.
2 – O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada”.
Artigo 379.º:
“A liquidação é deduzida mediante requerimento oferecido em duplicado, no qual o autor, conforme os casos, relacionará os objectos compreendidos na universalidade, com as indicações necessárias para se identificarem, ou especificará os danos derivados do facto ilícito e concluirá pedindo quantia certa”.
Artigo 380.º:
“1 – A oposição à liquidação será formulada em duplicado.
2 – Sendo o incidente deduzido antes de começar a discussão da causa, a matéria da liquidação é dada como assente ou inserida na base instrutória da causa, as provas são oferecidas e produzidas, sendo possível, com as da restante matéria da acção e da defesa e a liquidação é discutida e julgada com a causa principal.
3 – Quando o incidente seja deduzido depois de proferida a sentença e o réu conteste, ou, não contestando, a revelia deva considerar-se inoperante, seguem-se os termos subsequentes do processo sumário de declaração.
4 – Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.
Artigo 380.º-A:
“1 – A liquidação a que se refere o n.º 2 do artigo 378.º é feita por um ou mais árbitros, nos casos em que a lei especialmente o determine ou as partes o convencionem.
2 – À nomeação dos árbitros é aplicável o disposto quanto à nomeação de peritos.
3 – O terceiro árbitro só intervém na falta de acordo entre os outros dois, mas não é obrigado a conformar-se com o voto de qualquer deles.
4 – Não se formando maioria, prevalece o laudo do terceiro”.
O Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, introduziu alterações na matéria da liquidação do débito exequendo: a mais importante destas traduziu-se em deslocar obrigatoriamente para o âmbito do processo declaratório a liquidação da condenação genérica (salvo se depender de simples cálculo aritmético), criando uma espécie de incidente posterior à decisão judicial, enxertado no processo declaratório que nela culminou – e determinando a renovação da instância extinta (artigos 47.º, n.º 5, 378.º, n.º 2, 380.º, n.ºs 3 e 4, 380.º-A, 471.º, n.º 2, e 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Estas disposições legais são aplicáveis na presente acção, por força do que se dispõe no artigo 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, com as alterações introduzidas pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro: “As normas dos artigos 47º, nº 5, 378º, nº 2, 380º, nºs 2, 3 e 4, 380º-A e 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicam-se nos ou relativamente aos processos declarativos pendentes no dia 15 de Setembro de 2003 em que até essa data não tenha sido proferida sentença em 1.ª instância”.
Ora, no caso “sub judice”, a sentença proferida em 1.ª instância, na acção declaratória, data de 21 de Janeiro de 2004, pelo que, aquelas disposições são aplicáveis ao incidente de liquidação.
Como refere o Dr. Carlos Lopes do Rego, no esquema processual criado pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, a liquidação passa a ser realizada por uma de cinco tramitações possíveis:
a) A liquidação do pedido genérico no âmbito do processo declaratório, através da dedução do incidente de liquidação, antes da realização do julgamento da causa – em termos idênticos aos que estavam previstos na redacção anterior dos preceitos que regulam o processamento do incidente de liquidação;
b) A liquidação da condenação genérica no âmbito do processo declaratório que a originou, em incidente posterior à condenação, determinando a renovação da instância extinta e processando-se nos termos do processo sumário de declaração, salvo se dever ser feita por árbitros (artigos 47.º, n.º 5, 378.º, n.º 2, 380.º, n.ºs 3 e 4, e 380.º-A, do Código de Processo Civil);
c) A liquidação arbitral pré-executiva dos títulos extra-judiciais, a processar em incidente autónomo, tramitado nos termos do artigo 380.º-A do Código de Processo Civil, necessariamente antes da apresentação do requerimento executivo (artigo 805.º, n.º 5);
d) A liquidação no âmbito da própria acção executiva, na fase liminar desta, circunscrita à liquidação dos títulos extra-judiciais que não implique liquidação por árbitros ou de sentenças que contenham uma condenação genérica cuja liquidação dependa de simples cálculo aritmético (artigo 805.º);
e) A liquidação no âmbito da acção executiva, mas em momento posterior à apreensão de bens, nos casos em que a iliquidez da obrigação resulta de esta ter por objecto uma universalidade, sem que o autor possa concretizar os elementos que a compõem, em momento anterior.
O legislador ampliou o âmbito do incidente de liquidação no processo declaratório, criando um incidente posterior ou superveniente à sentença que condena genericamente o réu, tendo o credor de recorrer à liquidação da condenação genérica, que não dependa de mera operação aritmética, antes de requerer a execução.
A consagração deste regime determinou, por sua vez, a alteração introduzida no artigo 565.º, do Código Civil, eliminando-se a referência à fixação da indemnização “em execução de sentença”, substituindo-se tal expressão pela possibilidade de se operar a fixação do montante indemnizatório em “liquidação posterior” à condenação genérica – (cf. Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, 2.ª edição, 2004, págs. 337-338).
A hipótese dos autos configura um incidente de liquidação de condenação genérica, no âmbito do processo declaratório que a originou, em incidente posterior à condenação, determinando a renovação da instância extinta, nos termos dos artigos 47.º, n.º 5, 378.º, n.º 2, 380.º, n.ºs 3 e 4, e 380.º-A, do Código de Processo Civil.
O incidente de liquidação está conexionado com o que se estabelece nos artigos 47.º, n.º 5, 471.º e 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Com efeito, estabelece o primeiro dos referidos normativos que se tiver havido condenação genérica nos termos do n.º 2 do artigo 661.º, se a liquidação não depender de simples cálculo aritmético só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 6 do artigo 805.º.
Prescreve, por seu turno, o segundo dos mencionados normativos, por um lado, ser permitido formular pedidos genéricos quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade de facto ou de direito – alínea a); não seja ainda possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil – alínea b); ou a fixação do concernente quantitativo esteja dependente da prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu – alínea c) (n.º 1).
E, por outro, que nos casos das alíneas a) e b) do número anterior o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do artigo 378.º, salvo no caso da alínea a), quando para o efeito caiba processo de inventário ou o autor não tenha elementos que permitam a concretização, observando-se então o disposto no n.º 6 do artigo 805.º.
E estabelece o terceiro dos referidos artigos que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
A expressão pedido genérico que consta no artigo 471.º está utilizada no referido artigo no sentido de pretensão de fazer valer um direito de crédito pecuniário de quantitativo não apurado ou um direito real ou de crédito a uma universalidade, nomeadamente um rebanho, uma biblioteca ou uma herança.
Por seu turno, a expressão liquidação está utilizada na lei em sentido amplo em termos de abranger realidade diversa da mera determinação quantitativa de obrigações pecuniárias.
As alterações que ocorreram nesta matéria por via do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, consistiram na inserção do incidente de liquidação de condenações genéricas no próprio processo da acção declarativa em que elas ocorreram.
O pedido genérico deve, se possível, ser liquidado no âmbito da acção declarativa de condenação, na sentença final, e a liquidação da condenação genérica deverá operar, necessariamente, no processo declarativo, depois da referida sentença, antes de ser instaurada a acção executiva. Agora a regra é, pois, no sentido de que os pedidos ilíquidos concernentes às universalidades de facto e ou de direito, às consequências do facto ilícito e ou ao montante indemnizatório são sempre determinados por via de incidente na acção declarativa implementado antes ou depois da prolação da sentença final – (cf., sobre a matéria e o âmbito dos incidentes de liquidação, Cons. Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, 4.ª edição, Fevereiro, 2006, págs. 279 e seguintes).
Este incidente de liquidação de condenação genérica, no âmbito do processo declaratório que a originou, como incidente posterior ou subsequente à condenação, vem no seguimento da Doutrina de que, na acção de condenação, os factos provados, embora tenham conduzido à condenação do réu, podem não permitir concretizar inteiramente a prestação devida.
E tal pode acontecer tanto nos casos em que é deduzido um pedido genérico não subsequentemente liquidado, como naqueles em que o pedido se apresenta determinado, mas os factos constitutivos da liquidação da obrigação não são provados.
Ao proferir uma condenação genérica, o Juiz tem de obedecer ao disposto no artigo 661.º, do Código de Processo Civil, e portanto de resolver este problema: há nos autos elementos suficientes para fixar o objecto ou a quantidade da condenação? Se há, profere condenação líquida; se não há, profere condenação ilíquida, sem cuidar de saber, no caso de pedido genérico, se o autor tinha ou não a possibilidade de converter esse pedido em pedido líquido – (cf., Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 615, e volume V, pág. 71, e Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 3.ª edição, págs. 184-185).
Na Jurisprudência, neste sentido, com citação de doutrina e de jurisprudência, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Janeiro de 1998:
“IV – As previsões dos artigos 471.º e 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, respeitam a momentos processuais distintos: a do primeiro à petição inicial, a do segundo à sentença.
V – O mencionado artigo 661.º, n.º 2, previne a situação em que se provou que assiste o direito ao autor, mas em que o tribunal, por não ter conseguido alcançar o objecto ou a quantidade, se encontra impossibilitado de proferir decisão específica” – (cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 473, págs. 445-449).
No sentido desta interpretação, também se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Setembro de 1995:
“II – A aplicabilidade do n.º 2 do artigo 661.º do mesmo Código, enquanto permite ao tribunal condenar no que se liquidar em execução de sentença, não depende de ter sido formulado na parte respectiva um pedido genérico, mas apenas da falta de «elementos para fixar o objecto ou a quantidade» do pedido, ainda que líquido” – (cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 449, págs. 293-298).
Assente esta interpretação, importa apreciar as questões objecto do recurso.
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Primeira questão:
Os Senhores Peritos indicaram o valor de 50 Euros como sendo o valor médio dos honorários nas empreitadas na região, não tendo em conta se é este o salário efectivamente auferido;
Por outro lado, considera este montante auferido por todos os trabalhadores, não se apurando se eram pedreiros ou serventes que efectuaram a obra, quando estes não auferem mais que o salário mínimo nacional;
Não teve ainda em conta a decisão recorrida o facto de a obra ter sido realizada em 2001, e o montante auferido diariamente por cada trabalhador ter de se reportar àquela data.
Vejamos:
No requerimento inicial em que deduziu o incidente de liquidação, o Autor fez referência à matéria factual dada como provada e que consta da fundamentação de facto da sentença condenatória, já transitada em julgado.
No artigo n.º 4, o Autor referiu:
“Esclarece-se que os dias referidos são dias de trabalho de cada trabalhador do Autor e dele próprio e não dias de calendário e que o valor-dia era de € 50,00”.
E no artigo 5.º, o Autor concretizou:
“Assim, tem-se que o valor total da mão-de-obra consumida é de (108 dias x € 50,00) € 5.400,00”.
Portanto, o Autor alegou que o valor-dia era de € 50,00, o que se deve interpretar como reportando-se essa alegação sobre o valor dos salários ao período de tempo em que o Autor executou os trabalhos, de harmonia com a matéria de facto dada como provada, ou seja, ao ano de 2001.
No primeiro Relatório Pericial apresentado, os Senhores Peritos informaram que as declarações prestadas pelos técnicos são unânimes e esclareceram:
Da avaliação ao requerimento os peritos concluíram por unanimidade que em relação ao ponto 3.º o somatório dos dias de trabalho, corresponde a um total de 107 dias e não 108 como referido no ponto 5º; em relação ao ponto 4.º, consideram que o valor de 50 €/dia/homem se enquadra nos honorários médios para contratação de empreitadas de mão-de-obra praticadas na indústria da construção civil da região”.
Em face do requerimento apresentado pelos requeridos nos autos de liquidação, no sentido de ser fundamentada a liquidação apresentada, nomeadamente com respostas concretizadas e esclarecedoras a cada um dos pontos referidos nos números 3 e 4 do requerimento de liquidação, os Senhores Peritos esclareceram o seguinte:
“1º - Os peritos reafirmam por unanimidade que em relação ao ponto 4º do requerimento de liquidação, o valor de 50 €/dia/homem se enquadra nos honorários médios para contratação de empreitadas de mão-de-obra praticadas na indústria da construção civil da região.
2º - Tendo por base os pontos do 3º quesito, pertencentes à matéria factual dada como provada, quantifica-se e justifica-se de seguida os valores parciais e total de mão-de-obra consumida.
(Os Peritos fizeram, em seguida, a descrição pormenorizada dos trabalhos, com a indicação do número de dias para cada um desses trabalhos descritos, do número de operários também para cada um dos trabalhos descritos, do preço da mão-de-obra (por dia e por homem) e do valor parcial de cada um dos trabalhos mencionados).
3º - Deste modo os peritos confirmam um total de 107 dias de trabalho e não 108 como referido no ponto 5º.
4º - Assente que as tarefas foram executadas por 3 operários, o Autor e dois empregados, que o número de dias de trabalho despendidos é de 107, e que o valor de mão-de-obra é de 50 €/dia/homem, obtém-se um valor total de mão-de-obra consumida de 16.050,00 €”.
Portanto, do requerimento inicial de liquidação apresentado pelo Autor, e do respectivo artigo 4.º, resulta que o Autor referiu que o valor-dia era de € 50,00, devendo interpretar-se essa alegação como reportando-se ao valor dos salários no período de tempo em que o Autor executou os trabalhos em causa, de harmonia com a matéria de facto dada como provada, ou seja, ao ano de 2001.
Por seu turno, os Senhores Peritos esclareceram por unanimidade que o valor de 50 €/dia/homem se enquadra nos honorários médios para contratação de empreitadas de mão-de-obra praticadas na indústria da construção civil da região.
Na sentença recorrida, a Meritíssima Juiz entendeu que o valor apontado pelo requerente, corroborado com o que os peritos no seu relatório pericial igualmente reputaram como adequado, devia ser o valor a pagar ao Autor.
Relativamente à primeira questão, cremos que a sentença se encontra devidamente fundamentada nos esclarecimentos prestados pelos Peritos, em conjugação com o próprio valor liquidado pelo Autor no requerimento inicial.
Por consequência, mantemos, nessa parte, o decidido na sentença recorrida, no sentido de que o somatório dos dias de trabalho corresponde a um total de 107 dias de trabalho, considerando-se um valor de 50 €/dia de trabalho, o que perfaz o montante global de 5.350,00 € (cinco mil trezentos e cinquenta Euros).
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Segunda questão:
Os apelantes foram ainda condenados no pagamento da quantia de 2.000 Euros pelo lucro que o Autor deixou de auferir não havendo qualquer fundamento para tal facto, nem no relatório pericial nem na decisão recorrida.
Vejamos:
Na sentença recorrida, concluiu-se que o Autor deixou de auferir um lucro de 2.000,00 € (dois mil Euros).
A fundamentação é a de que os peritos concluíram que o lucro deixado de auferir se computa em 2.000,00 €.
Na acção declaratória, o Autor havia alegado na douta petição inicial que não ganhou o lucro que, legitimamente, teria se tivesse executado a obra até final, conforme o acordado, lucro que calculou em Esc. 400.000$00.
Essa matéria de facto controvertida foi incluída no quesito n.º 35 da Base Instrutória, e, na respectiva audiência de discussão e julgamento, o Tribunal respondeu a esse quesito da forma seguinte:
Quesito n.º 35 – “Provado apenas que o A. ao não executar a obra até final deixou de ter lucro”.
Considerando a matéria de facto dada como provada, na sentença proferida na acção declarativa foram os Réus condenados a pagar ao Autor A..., a quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença relativamente ao custo da mão-de-obra na execução dos trabalhos identificados na matéria factual dada como provada e ao montante do lucro que o Autor não auferiu por não ter levado a obra até final.
Foi esse quantitativo de lucro que o Autor deixou de auferir que, agora, na sentença em apreciação, foi fixado em 2.000,00 € (dois mil Euros).
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Salvo o devido respeito, cremos que ainda não se encontram apurados os elementos indispensáveis para a determinação desse montante.
Como já vimos, o artigo 380.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, estabelece o seguinte:
“Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.
A respeito da disposição contida naquele n.º 4, salienta o Conselheiro Salvador da Costa:
“Prevê o n.º 4 a insuficiência da prova, produzida pelos litigantes para fixar a quantia devida, e estatui incumbir ao juiz o seu complemento por via de indagação oficiosa, ordenando, se for caso disso, a produção de prova pericial.
É aplicável à produção da prova, independentemente de o incidente de liquidação ser deduzido antes ou depois da prolação da sentença relativa à causa, quando se estiver perante factos relativos ao apuramento da quantia pedida, ou seja, não se aplica nas situações em que o incidente visa apurar o objecto relativo a universalidades de facto ou de direito.
Constitui um corolário do que se prescreve no n.º 3 do artigo 265.º, na linha da política legislativa de aliviar o ónus da prova das partes relativamente a factos em que a mesma se revela difícil” – (cf. Os Incidentes da Instância, 4.ª edição, Fevereiro, 2006, pág. 291).
E o Dr. Carlos Lopes do Rego observa também, em anotação ao artigo 380.º:
“À tramitação do processo sumário, na fase de julgamento, é, porém, aplicável, por força do n.º 4 deste artigo, o regime de indagação oficiosa que constava da anterior redacção do n.º 3 do artigo 807.º: se as provas oferecidas pelos litigantes forem insuficientes para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-las, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial” – (cf. Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, 2.ª edição, 2004, pág. 340).
Ora, no caso “sub judice”, foi realizada prova pericial para complementar as provas já produzidas no decurso da acção.
No entanto, analisando os Relatórios Periciais juntos aos autos, constata-se que os Senhores Peritos não fizeram qualquer alusão ao montante do lucro que o Autor deixou de auferir em consequência de não ter executado a obra até final.
As conclusões periciais revelam-se indispensáveis para a determinação desse montante, a fim de que o Tribunal “a quo” possa decidir com os elementos de fundamentação que permitam constituir a base suficiente para a decisão final sobre a avaliação do lucro que o Autor deixou de auferir.
O valor indicado na sentença surge sem qualquer elemento de fundamentação.
Sabemos, de harmonia com a matéria de facto dada como provada na acção declarativa, que o Autor ao não executar a obra até final deixou de ter lucro.
No entanto, não ficou apurado o lucro em concreto que o Autor deixou de auferir.
E não sabemos em que critérios, em que elementos, o Autor se fundamentou para concluir que o valor do lucro que deixou de auferir é de 2.000,00 € (dois mil Euros).
E também não são apontados na sentença quaisquer elementos de fundamentação, uma vez assente que os Relatórios Periciais enfermam de completa omissão quanto à indicação do valor desse lucro e quanto ao esclarecimento dos critérios ou bases que apontem para essa avaliação, e na medida em que na sentença não se quantificou o valor do lucro deixado de auferir pelo Autor mediante o recurso a um princípio de equidade.
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A prova pericial é a prova destinada à percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (artigo 388.º, do Código Civil).
Como ensinou o Prof. Alberto dos Reis, relativamente ao conceito doutrinal de prova por arbitramento, Chiovenda, em vez de dar o conceito da prova pericial, expõe o conceito e a função dos peritos, caracterizando-os assim: são pessoas chamadas a expor ao juiz não só as observações dos seus sentidos e as suas impressões pessoais sobre os factos observados, como também as induções que devam extrair-se objectivamente dos factos observados e daqueles que se lhes ofereçam como existentes (Instituciones de derecho procesal, versão espanhola de Gomez Orbaneja, 3.º, pág. 239).
Guasp cuida principalmente de fixar o conceito de perito; e dá-nos este conceito: perito é a pessoa que, sem ser parte, emite, com o fim de provocar a convicção judicial em determinado sentido, declarações sobre dados que já haviam adquirido índole processual no momento da sua captação (Comentários de la ley de enjuiciamiento civil, tomo 2.º, vol. 1.º, 2.ª parte, pág. 605).
Noutro passo observa: A nota verdadeiramente característica da prova pericial é a intervenção duma pessoa que apreende os dados sobre que depõe, em virtude dum encargo e por meio de operações estritamente processuais (Ob. e vol. cit., pág. 617) – (cf. Código de Processo Civil Anotado, volume IV, pág. 167).
Como ensinou o Prof. Manuel de Andrade, a prova pericial “traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas” – (cf. Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, pág. 262).
Nos termos do artigo 586.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “O resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto”.
Com o DL 329-A/95 e a supressão dos quesitos, passou a haver sempre relatório, no qual o perito ou os peritos devem pronunciar-se, fundamentadamente, sobre as questões de facto que a diligência visa esclarecer – (cf. Prof. Lebre de Freitas e Drs. A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 2001, pág. 516, em anotação ao artigo 586.º).
Por outro lado, nos termos do artigo 587.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, “O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores”.
Pode suceder que as conclusões periciais enfermem de deficiência, obscuridade ou contradição; se as partes entenderem que há nelas qualquer destes vícios, podem formular as suas reclamações. A reclamação consistirá em apontar a deficiência e pedir que a resposta seja completada, ou em denunciar a obscuridade e solicitar que o ponto obscuro seja esclarecido, ou em notar a contradição e exprimir o desejo de que ela seja desfeita, isto é, de que as respostas contraditórias sejam harmonizadas.
Mas “se o Juiz tem o poder de ordenar oficiosamente as diligências e actos que entender necessários para o descobrimento da verdade, é claro que pode ordenar aos peritos que completem, esclareçam ou harmonizem as suas respostas” – (cf. Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume IV, págs. 254 e 255, in fine).
Ora, se as conclusões periciais se revelam indispensáveis para o apuramento do montante do lucro que o Autor deixou de auferir, se o valor indicado na sentença surge sem qualquer elemento de fundamentação, além de que na sentença não se quantificou o valor do lucro deixado de auferir pelo Autor mediante o recurso a um princípio de equidade, então, deve ser determinado que os Senhores Peritos sejam notificados para complementar o Relatório Pericial já elaborado, no sentido de indicarem o montante em concreto do lucro que o Autor não auferiu por virtude de não ter levado a obra até final, devendo as conclusões periciais ser devidamente fundamentadas, em ordem a que o Tribunal “a quo” possa decidir com os elementos de fundamentação que permitam constituir a base suficiente para a decisão final sobre a avaliação do lucro que o Autor deixou de auferir.
Nessa medida, a sentença, por falta dos necessários elementos de fundamentação, enferma de nulidade, embora seja uma nulidade restrita a esta segunda questão.
Essa nulidade resulta de o Tribunal “a quo” não dispor dos necessários elementos de fundamentação para poder decidir sobre o valor do lucro que os ora apelantes devem pagar ao Autor e requerente nos autos de liquidação.
Nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, há nulidade de sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
E a falta dos necessários elementos de fundamentação impede também que o Tribunal da Relação pudesse conhecer do objecto da apelação, não obstante declarar a nulidade, em parte, da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância (cf. artigo 715.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
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Em suma:
Relativamente à primeira questão, cremos que a sentença se encontra devidamente fundamentada nos esclarecimentos prestados pelos Peritos, em conjugação com o próprio valor liquidado pelo Autor no requerimento inicial.
Consequentemente, deve manter-se, nessa parte, o decidido na sentença recorrida, no sentido de que o somatório dos dias de trabalho corresponde a um total de 107 dias de trabalho, considerando-se um valor de 50 €/dia de trabalho, o que perfaz o montante global de 5.350,00 € (cinco mil trezentos e cinquenta Euros).
No tocante à segunda questão, o valor que foi indicado na sentença surge sem qualquer elemento de fundamentação, para além do próprio valor mencionado pelo Autor no requerimento inicial de liquidação.
Sabemos, de harmonia com a matéria de facto dada como provada na acção declarativa, que o Autor ao não executar a obra até final deixou de auferir um lucro, mas não ficou apurado qual o lucro que, em concreto, o Autor não obteve em virtude de não ter levado a obra até final.
E não sabemos em que critérios, em que elementos, o Autor se fundamentou para concluir que o valor do lucro que deixou de auferir é de 2.000,00 € (dois mil Euros).
Também não são apontados na sentença quaisquer elementos de fundamentação, na medida em que os Relatórios Periciais enfermam de completa omissão quanto à indicação do valor desse lucro e quanto ao esclarecimento dos critérios ou bases que apontem para uma avaliação certa e determinada.
Nessa medida, a sentença, por falta dos necessários elementos de fundamentação, enferma de nulidade, embora seja uma nulidade restrita apenas a essa questão.
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Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam nesta Relação em julgar apenas em parte procedente o recurso de apelação que foi interposto pelos Réus e apelantes, e, em consequência, decidem:
a) Confirmar a douta sentença recorrida, na parte em que decidiu condenar os Réus B... e mulher C... a pagar ao Autor A... a quantia de 5.350,00 € (cinco mil trezentos e cinquenta Euros), correspondente ao somatório dos dias de trabalho num total de 107 dias de trabalho, considerando-se um valor de 50 €/dia de trabalho;
b) Anular a mesma sentença, apenas na parte em que decidiu condenar os Réus a pagar ao Autor a quantia de 2.000,00 € (dois mil Euros), pelo lucro que o Autor deixou de auferir em virtude de não ter levado a obra até final, devendo a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” determinar a notificação dos Senhores Peritos para, no prazo que vier a ser fixado, complementarem os Relatórios Periciais já elaborados, no sentido de indicarem o valor em concreto do lucro que o Autor deixou de auferir, em virtude de não ter levado a obra até final, devendo as conclusões periciais ser devidamente fundamentadas de modo a constituírem base suficiente para habilitar o Tribunal “a quo” a proferir a correspondente sentença final, na qual conclua pelo valor concreto do lucro que o Autor deixou de auferir e que os Réus lhe devem pagar, de harmonia com o já decidido na sentença proferida na acção declarativa e devidamente transitada em julgado.
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As custas do recurso, na proporção de dois terços, são devidas pelos apelantes.
Na restante proporção, as custas do presente recurso de apelação serão devidas segundo o critério que vier a ser definido a final, na nova sentença que vier a ser proferida pelo Tribunal “a quo”.
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As custas do incidente de liquidação, em 1.ª Instância, são devidas pelos Réus, na proporção correspondente a 5.350,00 € (cinco mil trezentos e cinquenta Euros).
Na restante proporção, as custas serão devidas segundo o critério que vier a ser definido a final, na nova sentença que vier a ser proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.