Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2951/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO
RESPONSABILIDADE DO BANCO POR LEVANTAMENTO NÃO AUTORIZADO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 799º, 1205º E 1206º DO C. CIV. .
Sumário: I – O contrato de depósito bancário é um contrato bilateral inominado, mas com características de depósito irregular e de mandato, nos termos do qual o Banco assume a obrigação de restituir ao depositante importância igual à depositada por este .
II – Porque a responsabilidade do Banco deriva de um contrato que efectuou com o depositante, nos termos do artº 799º, nº 1, do C. Civ. incumbe ao devedor (Banco) provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua – presunção de culpa .
Decisão Texto Integral: 17

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- O A... em Coimbra, representado pela Administradora B..., solteira, residente na Rua General Humberto Delgado nº 105- 10º Centro, em Coimbra, propõe contra o C..., com sede na Rua Sá da Bandeira nº 20 no Porto, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhe as quantias de 32.220,65 euros, os juros vencidos nos valores de 1.304,73 euros e vincendos à taxa de 7% sobre aquela quantia e ainda os juros de capital vincendos à taxa praticada pelo R. para os depósitos a prazo referente às quantias de 7.280,76 euros e 24.939,89 euros.
Alega para tanto e em síntese que o condomínio era titular de uma conta à ordem e três contas a prazo na dependência do C.... no Balcão nº 0439 da Av.Elísio de Moura em Coimbra, contas essas que foram movimentadas pela empresa D... sem que para tal estivesse autorizada pelo respectivo condomínio, conforme a acta nº 52 de 17/5/01, de cujo teor o Banco R. tinha conhecimento. Apesar disso, permitiu o levantamento de todas as quantias depositadas quer à ordem quer a prazo, sem exigir as respectivas provas de identificação e poderes para os actos das transferências e levantamentos.
1-2- O R. contestou excepcionando a capacidade e legitimidade activa da pessoa que propôs a acção para esse efeito, a incompetência material da jurisdição civil para conhecer da acção, sustentando ainda que o Banco procedeu de conformidade com os poderes que a Assembleia de Condóminos conferiu à empresa administradora do condomínio; que estes administradores entregaram no Balcão da R. a respectiva ficha de assinaturas, ficando a constar que bastariam duas assinaturas dos sócios da referida empresa para autorização de movimentação das contas, sempre tendo o Banco conferido essas assinaturas. Mais alega que a ficha de assinaturas tem no dito impresso, a advertência expressa de que “estas condições são válidas para todas as contas que venham a ser constituídas sob o nº único de cliente ( NUC ) acima indicado e mantêm-se nos casos de mobilização antecipada de depósitos a prazo”, como era o caso da A., como consta do exemplo junto sob o documento nº. 13 da P.I. Alega também que a acta nº. 52 lhe foi remetida mas não era acompanhada de qualquer advertência adicional. Termina pedindo a procedência das excepções deduzidas e, caso assim se não entender, a improcedência da acção.
1-3- O A. respondeu à matéria das excepções, considerando deverem ser as mesmas julgadas improcedentes, entendendo ainda que acção deve ser julgada procedente.
1-4- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, em que se conheceram das excepções invocadas, tendo-se concluído pela sua não verificação, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu àquela base e se proferiu a sentença.
1-5- Nesta julgou-se parcialmente procedente, por provada, a acção e, em consequência, condenou-se o R. a pagar ao A. ( após rectificação - fls 239 e 239 v.- ) a quantia de 24.939,89 euros de capital, relativo ao depósito das contas a prazo de que o A. era titular no Banco R., bem como os juros usuais dos depósitos a prazo pagos pelo Banco aos seus clientes, vencidos até 7 de Novembro de 2002, relativos àquelas contas a prazo, como se não tivesse existido qualquer levantamento e ainda os juros de mora vincendos a partir daquela data e à taxa legal ( Portaria 263/99 e 291/03 ) até ao efectivo pagamento.
No mais, foi o R. absolvido.
1-6- Não se conformando com esta sentença, dela veio recorrer o A., recurso que foi admitido como apelação e com efeito suspensivo ( efeito que foi condicionado à efectiva prestação de caução por depósito, caução que foi prestada ).
1-7- O R. alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- O processo criminal que se supõe incidir sobre factualidade idêntica à ora controvertida, constitui causa prejudicial, motivo por que se justifica determinar a suspensão da instância até, pelo menos, que nesse processo seja proferido despacho de encerramento da instrução.
2ª- O A. sustenta que o administrador Dr. Mesquita, ao entregar a acta nº 52 no C..., terá alertado verbalmente o funcionário para a deliberação sobre a movimentação do DP.
3ª- Esta versão é contrariada pelo R., já que, se assim tivesse sucedido, esse seu funcionário teria anotado a respectiva reserva na respectiva ficha de assinaturas, o que não sucedeu.
4ª- O NUC ( número único de cliente ) do condomínio continha sub-contas, à ordem e a prazo, cuja movimentação estava sujeita a regras uniformes.
5ª- As condições de movimentação desse NUC não foram alteradas após a entrada em funções da D..., já que manteve a necessidade de «duas assinaturas» para o obrigar.
6ª- Todos os levantamentos em causa foram efectuados enquanto os dois administradores do condomínio se encontravam em funções.
7ª- Não foram indicadas pelo A., a quem competia fazê-lo, as datas de vencimento dos DP, pelo que se desconhece se foram, ou não, levantados nessas datas ou previamente.
8ª- Na acta em questão não surge o mencionado número identificativo do DP a que, porventura, então se pretendia aludir nem, tão pouco, a instituição bancária em que teria sido constituído.
9ª- Deste modo não existe, nessa acta, qualquer menção expressa ou, sequer, implícita, ao C....
10ª- Essa acta foi entregue ao C... para identificar quem, doravante, podia, também, movimentar a conta do condomínio, para o que foi acompanhada da matrícula e dos registos relativos à D..., cujos gerentes subscreveram, então, nova ficha de assinaturas.
11ª- Esta apresentação nada tinha a ver com a deliberação tomada sobre a movimentação do aludido DP, para que o C... não foi alertado, designadamente por escrito, como se impunha, por razões cautelares e prudenciais evidentes, do interesse do próprio condomínio.
12ª- Até ao termo do seu mandato, os administradores do condomínio, então ainda em funções, nunca controlaram a movimentação da conta, nem tomaram qualquer providência para impedir os levantamentos em questão, não obstante estarem mandatados pelos seus pares para esse efeito preciso e disporem dos inerentes poderes, que não usaram.
13ª- Agiram, assim, com atente incúria e indisfarçável inéptia no desempenho dessa missão, não tendo sido merecedores da confiança que os demais condóminos neles depositaram.
14ª- É manifesto que os condóminos do imóvel agiram com culpa in eligendo ao escolherem para gerir o condomínio empresa que, segundo a sua versão, se terá apropriado de fundos que pertenciam a seriam destinados à sua beneficiação.
15ª- Os administradores nomeados incorreram em culpa in vigilando já que não acompanharam a actuação da sociedades, como havia sido deliberado, permitindo, através da sua inércia e distanciamento, os levantamentos questionados que, doutro modo, não teriam sido possíveis.
16ª- Sendo, em consequência, os responsáveis únicos e directos, pelo sucedido.
17ª- Ao passo que ao Banco será, no limite, assacada uma responsabilidade levíssima, sempre e necessariamente muito inferior à que, seguramente, impende sobre os próprios condóminos e seus administradores.
18ª- As respostas aos nºs 5, 8 a 11, 13, 14, 18, 24 a 26, 27 e 30 da B.I. devem ser revistas e alteradas, ao abrigo do art. 712º do CPC, pelos motivos indicados.
19ª- A condenação do R., é descabida e injusta.
20º- Ao entender de forma diversa, a Magistrada a quo violou o disposto nos arts. 342º, 483º, 487º, 490º, 506º e 507º do C.C. e 97º, 279º, 653º e 659º do C.P.C.
1-8- A parte contrária respondeu a estas alegações sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Após a resposta à base instrutória, fixou-se a seguinte matéria de facto:
1) O A. é titular, na dependência do R. da Av. Elísio de Moura, em Coimbra ( balcão 0439 - Elísio de Moura ), de uma conta à ordem, com o número 1704037-000-001, e de três contas a prazo, com os números 1704037-160001, 1704037-160-002 a 1704037-160-003.
2) Em 01.06.01., tinha o A. dinheiro depositado nas referidas contas à ordem e a prazo, designadamente, conta à ordem n° 1704037-000-001 - 2.919.074$00/14.560,28 euros ( cfr. extracto de conta, junto sob o doc. n° 1 ), contas a prazo, com os números 1704037-160-001, 1704037-160-002 e 1704037-160-003 - 5.000.000$00/45.949,67 euros ( cfr. extracto de conta, junto sob o doc. n° 2 ).
3) O saldo da conta à ordem, em 02.04.02., era de 0 euros e o das contas a prazo, em 01.11.26., era também de 0 euros ( cfr. docs. n°s 1 e 2 ).
4) Na posse da acta referida no artigo 22 da p.i. e depois de a mesma ter sido entregue no balcão do R. da Elísio de Moura, foi prestada verbalmente a informação de que todas as contas do condomínio tinham sido movimentadas a que os seus activos eram de 0 euros.
5) De imediato, foi solicitada a «entrega dos extractos da conta à ordem e a prazo desde Maio de 2001», bem como a entrega «de fotocópia da acta ou actas que permitiram a movimentação da conta supra referida desde a data atrás citada» ( cfr. doc. n° 5 ) e a restituição do dinheiro indevidamente movimentado e levantado.
6) O R. entregou ao Administrador Provisório do A., em 02.10.17., os seguintes documentos: a) Fotocópia de certidão do Notário Privativo do Centro de Formalidades das Empresas do Porto referente à escritura de constituição da sociedade D...; b) Fotocópia de certidão do Notário Privativo do Centro de Formalidades das Empresas de Coimbra referente à escritura de cessão a unificação de quotas a aumento de capital, com alteração parcial do pacto social da sociedade D...; c) Fotocópia da Acta n° 52.
7) Em fins de Agosto de 2002, princípios de Setembro de 2002, os condóminos do Edifício da Rua General Humberto Delgado, n° 105, em Coimbra, tiveram conhecimento, após diversas queixas, nomeadamente, da porteira, EDP, SMASC, Elevadores e fornecedores diversos, de que as obrigações do A. não estavam a ser cumpridas.
8) A administração do A. estava a cargo da empresa D..., com sede na Rua Mário Pais, n° 16, 2° A, em Coimbra.
9) Tendo a contratação desta empresa sido decidida por deliberação da Assembleia de Condóminos do A., realizada em 01.05.17. ( cfr. Acta n° 52, junta sob o doc. nº 3).
10) Durante o período em que exerceu a administração do condomínio, a referida empresa levantou das referidas contas bancárias todo o dinheiro que o A. nelas tinha depositado.
11) Sem, no entanto, estar habilitada para o fazer pois, expressamente ficou consignado na referida Acta n° 52, de 01.05.17. ( doc. n° 3 ), que os montantes «da conta a prazo apenas poderão ser movimentados após autorização em nova Assembleia de Condóminos» e que os «Administradores actuais do condomínio ficarão durante o ano de 2001, a acompanhar a administração da nova empresa administradora do condomínio».
12) Não obstante o teor da deliberação da Assembleia de Condóminos, cuja Acta o R. tem em seu poder, este permitiu que fossem feitas transferências, pelos sócios gerentes da D..., do dinheiro da conta a prazo para a conta à ordem, tal como se afere pela consulta do extracto de conta, junto sob o doc. n° 1:
- Transferência de 1.100.000$00, efectuada em 01.07.31., da conta a prazo n° 1704037-160-002 para a conta à ordem n° 1704037-000-001;
- Transferência de 1.300.000$00, efectuada em 01.08.22., da conta a prazo n° 1704037-160-001 para a conta à ordem n° 1704037-000-001;
- Transferência de 500.000$00, efectuada em 01.09.04., da conta a prazo n° 1704037-160-003 para a conta à ordem n° 1704037-000-001;
- Transferência de 1.000.000$00, efectuada em 01.10.17., da conta a prazo n° 1704037-160-001 para a conta à ordem n° 1704037-000-001;
- Transferência de 500.000$00, efectuada em 01.10.17., da conta a prazo n° 1704037-160-003 para a conta à ordem n° 1704037-000-001;
- Transferência de 600.001$00, efectuada em 01.11.26., da conta a prazo n° 1704037-160-003 para a conta à ordem n° 1704037-000-001;
Permitiu que os montantes transferidos fossem, posteriormente, levantados por cheque, tal como se afere pela consulta do extracto de conta, junto sob o doc. n° 1:
- À transferência de 1.100.000$00, efectuada em 01.07.31., correspondeu um levantamento de igual montante, em 01.07.31., titulado pelo cheque n° 25995086.
- À transferência de 1.300.000$00, efectuada em 01.08.22., correspondeu um levantamento de 1.110.000$00, em 01.08.24., titulado pelo cheque n° 25995093.
- À transferência de 500.000$00, efectuada em 01.09.04., correspondeu um levantamento de igual montante, em 01.09.05., titulado pelo cheque n° 25995094.
- À transferência de 1.000.000$00, efectuada em 01.10.17., correspondeu um levantamento de 1.110.000$00, em 01.10.22., titulado pelo cheque n° 25995104.
- À transferência de 600.001$00, efectuada em 01.11.26., correspondeu um levantamento de igual montante, em 01.11.27., titulado pelo cheque n° 25995110.
13) Permitiu, que todo o dinheiro fosse movimentado e levantado sem que para tal houvesse habilitação bastante por parte de quem procedeu aos movimentos.
14) Não houve, da parte do R. o cuidado e a cautela para verificar a legitimidade e conformidade com que tais operações eram efectuadas.
15) O banco conferia as assinaturas dos documentos com a ficha de conta.
16) Não foi feita averiguação se os depósitos a prazo poderiam ser levantados, antes de decorrido o período de tempo estipulado previamente.
17) Nem mesmo assim a na posse da referida acta n° 52, 01.05.17., que expressamente referia que os montantes «da conta a prazo apenas poderão ser movimentados após autorização em nova Assembleia de Condóminos», o R. levantou quaisquer obstáculos às referidas operações bancárias.
18) Após terem tomado conhecimento de toda esta situação, um grupo de condóminos, devidamente identificados, dirigiu-se à agência do R. na Av. Elísio de Moura, em Coimbra e tentaram obter informações acerca das contas bancárias.
19) Foi-lhes exigida a necessária habilitação para poderem obter tais informações.
20) Pelo que e atenta a gravidade da situação, foi convocada uma Assembleia Extraordinária, onde foi deliberado, entre outras coisas «exonerar a Administração da D... e denunciar o respectivo contrato», bem como eleger um Administrador Provisório ( cfr. Acta da Assembleia Extraordinária de Condóminos, de 02.09.25., junta sob o doc. n° 4 ).
21) Em 7 de Novembro de 2002 e perante a recusa do R. em facultar cópia dos extractos das contas do A., foi feito novo pedido para o seu envio bem como, novamente, foi solicitada a restituição do dinheiro indevidamente movimentado e levantado ( cfr.doc. n° 6 ).
22) O Banco R. recusa a restituir ao A. as quantias levantadas a os respectivos juros, no montante total de 33.525,38 euros ( trinta a três mil quinhentos a vinte a cinco euros a trinta a oito cêntimos )
A saber: - Contas a prazo:
Juros vencidos desde 01.06.01. até à data da propositura da presente acção, tendo por base a manutenção da taxa de juro durante o período considerado:

TítuloDataValor
1704037-1 GO-00101.06.01.2.300.000$000/ 11.472,35 E
1704037-1 GO-00201.06.01.1.100.000$00/á.48G,78 E
1704037-1 GO-00301.06.01.1.600.000$00/ 7.980,77 E
TOTAL 5.000.000$00/24.939,89 E
TítuloJuros do título (Cfr. Doc. N°1Juros vencidos
1704037-160-0016.333$00/31,59 EG.333$fl0/31,59 E x 19 = 600,1 E
1704037-160-0023.029$00/15,11 E3.029$00/15,11E x 19 = 287,09 E
1704037-1 GO-0034.405$00/21,97 E4.40á$0U/21,97E x 19 = 417,43 E
TOTAL 1.304,73 E
Conta à ordem 1704037-000-001:
a) Saldo em 01.06.01 = 2.919.074$00/14.560,28 E. b) Despesas do Condomínio pagas pela D... de Junho de 2001 a Abril de 2002:
EDP 135807101133.166$00/664,23 E
EDP 13580810156.292$00/280,78 E
SMASC32.316$00/ 161,19 E
Remunerações da Porteira806.974$00/4.025,17 E
Segurança Social da Porteira285.165$00/1.422,4 E
Seguro do Condomínio121.500$00/ 606,04 E
Reparação de Intercomunicadores24.000$00/119,71 E
TOTAL 1.459.413$00/ 7.279,52 E
Valor indevidamente levantado e movimentado: 2.919.074$00/14.560,28 E 1.459.413$00/7.279,52 E = 1.459.610$00/7.280,76 E
23) Em 6.4.01, foram eleitos, como administradores do condomínio para esse ano, os condóminos António Alves Pereira de Mesquita a Emídio de Oliveira Carvalheiro que, nessa qualidade a visando o cabal desempenho dessa missão, preencheram a entregaram no balcão de Solum do banco R. a competente ficha de assinaturas ( docs. 3 e 4 ).
24) Todavia, nessa mesma assembleia, invocando indisponibilidade para o seu desempenho, convenceram os restantes condóminos presentes a confiar a administração das partes comuns do "seu" imóvel a uma empresa especializada.
25) Daí, a necessidade, logo em 17 de Maio seguinte, de nova assembleia, no decurso da qual os presentes designaram, entre as empresas apresentadas por aqueles condóminos, a que, então, iria assumir, como assumiu, essa incumbência.
26) Sendo designada, aliás por significativa maioria de votos, a aludida D..., sem embargo dos citados "administradores actuais" continuarem no exercício do seu cargo até ao termo do respectivo mandato, que coincidia com o ano civil, a fim de "acompanhar a administração" da aludida sociedade.
27) O impresso utilizado como «ficha de assinaturas - pessoas colectivas» contém, no espaço encimado da epígrafe «condições em que a sociedade fica obrigada» a advertência expressa de que «estas condições são válidas para todas as contas que venham a ser constituídas sob o número único de cliente (NUC) acima indicado», como era o caso das detidas pelo A., a que cabia o NUC 1704037, e «mantêm-se nos casos de mobilização antecipada de depósitos a prazo».
28) A "conta", referida na acta, não foi ali identificada ---------------
2-3- No presente recurso, o apelante começa por sustentar que a presente instância deve ser suspensa, em virtude do o processo criminal instaurado pelo A. incidir sobre factualidade idêntica à ora controvertida, constituindo, por isso, causa prejudicial, motivo por que se justifica determinar tal suspensão da instância até, pelo menos, a que nesse processo seja proferido despacho de encerramento da instrução.
O apelado, nas suas contra-alegações, defende que a questão havia sido já levantada pelo R., ora apelante, nos articulados, tendo o Mº Juiz conhecido dela no despacho saneador, razão por que se formou caso julgado formal sobre a questão, razão por que não poderá ser, de novo, apreciada.
Parece-nos não ser certa esta posição do apelado, visto que questão de suspensão da instância não foi colocada ao tribunal a quo, pelo que não se poderá aqui falar de caso julgado formal. Foi levantada sim a incompetência material do tribunal, em razão da instauração de processo-crime sobre os factos, motivo por que, no prisma do R., a instauração deste processo cível não seria possível, porque o pedido de indemnização devia ser deduzido no processo penal respectivo, nos termos do art. 71º e 72º do C.P.Penal.
Nesta conformidade, foi sobre esta matéria que se formou caso julgado formal, de harmonia com o disposto nos arts. 510º nº 3 e 672º do C.P.Civil e não sobre aquela.
Pese embora esta circunstância, o certo é que este tribunal não poderá determinar a sustentada suspensão da instância. Para além de existir míngua de elementos para decidir a questão, o certo é que se trata de uma questão nova, visto que só em sede de recurso o assunto foi levantado. Os recursos, como se sabe, servem para apreciar as decisões tomadas pelo tribunal recorrido. Os recursos visam modificar as decisões recorridas, mas não criar decisões sobre matéria nova. Nesta conformidade não é lícito, em regra, no âmbito do recurso, invocar questões que não tenham sido suscitadas no tribunal a quo e que, por isso, não tenham sido objecto da decisão recorrida. Este princípio só não se aplica à matéria de conhecimento oficioso, devendo as questões deste tipo, conhecer tanto o tribunal a quo como o tribunal ad quem. Sucede que, no caso vertente, por não existirem elementos suficientes para conhecer do assunto ( e agora não é altura de os colher ), nunca a respectiva apreciação poderia ser realizado ex oficio por este tribunal.
O apelante levanta depois diversas objecções, todas tendentes a demonstrar, no seu prisma, que os condóminos do imóvel agiram com culpa in eligendo ao escolherem para gerir o condomínio empresa que, segundo a sua versão, se terá apropriado de fundos que pertenciam a seriam destinados à sua beneficiação e que os administradores nomeados incorreram em culpa in vigilando já que não acompanharam a actuação da sociedade, como havia sido deliberado, permitindo, através da sua inércia e distanciamento, os levantamentos questionados que, doutro modo, não teriam sido possíveis, razão por que são os responsáveis únicos e directos, pelo sucedido. Ao Banco poderá, no limite, ser assacada uma responsabilidade levíssima, sempre e necessariamente muito inferior à que, seguramente, impende sobre os próprios condóminos e seus administradores.
Isto é, segundo o apelante, a responsabilidade pelo sucedido ( que os factos provados mostram ) deve ser assacada aos condóminos da A. e só em grau levíssimo a si.
Antes porém de nos embrenharmos nesta problemática, diremos que o apelante também impugna a matéria de facto que o tribunal deu como assente. Concretamente entende que as respostas aos nºs 5, 8 a 11, 13, 14, 18, 24 a 26, 27 e 30 da base intrutória devem ser revistas e alteradas, ao abrigo do art. 712º do CPC, pelos motivos indicados no corpo das alegações.
Dado que esta questão precede, logicamente, o assunto da responsabilidade dos condóminos acima equacionado, começaremos por a apreciar.
Pretende assim o apelante impugnar a matéria de facto que o tribunal recorrido deu como provada. Fê-lo porém de forma defeituosa, pois, nos termos do art. 690º A. nº 1 als. a) e b) do C.P.Civil, deveria dizer expressamente, sob pena de rejeição, quais os pontos de facto que considerava incorrectamente julgado e indicar os concretos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizadas que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Além disso, deveria ainda, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro de apreciação das provas tenham sido gravados, indicar os depoimentos em que fundava o seu entendimento por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º C nº 2, formalidades que o apelante não cumpriu na sua globalidade ( nº 2 do art. 690ºA mencionado ). Com efeito, não indicou os concretos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizadas11 As referências aos meios probatórios, como se constata nas alegações, são genéricas e indefinidas, abstendo-se o apelante de uma indicação precisa e clara dos meios de prova que, no seu prisma, serviriam para formar diferente convicção sobre os pontos da matéria de factos concretizados. que impunham, no seu prisma, decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Além disso e no que respeita aos depoimentos verbais prestados em audiência, não indicou os elementos em que fundava o seu entendimento por referência ao assinalado na acta, designadamente o início e o termo da gravação de cada depoimento.
Não tendo cumprido os aludidos ónus, a apreciação da matéria de facto deixou de se poder efectuar, de harmonia com as disposições legais invocadas.
Passemos agora à apreciação da outra questão suscitada, ou seja, sobre a responsabilidade pelo sucedido.
Na douta sentença recorrida, sobre o assunto entendeu-se, em síntese, que está em causa a existência de um contrato de depósito bancário celebrado entre a A. e o R. Entrando propriamente no cerne da questão debatida nos autos, considerou-se que, tendo o condomínio A. comunicado ao Banco R., através do envio da respectiva acta da assembleia de condóminos, que a administração do condomínio fora confiada a uma empresa especializada, o Banco ao tomar desse facto conhecimento, teria necessariamente que tomar conhecimento dos poderes que a Assembleia confiou à referida empresa e que constam da dita acta. Portanto deveria ter constatado a restrição que da acta nº. 52 constava relativa aos depósitos a prazo. Era obrigação do Banco ficar ciente de tal restrição, pelo que seria de concluir que o mesmo, através dos seus funcionários, agiu com negligência violando o dever de prudência a que está adstrito uma vez que nada fez constar da respectiva ficha. Desde o recebimento da cópia da acta nº. 52, deveria o R. ter anotado a restrição que o depositante-condomínio impõe em relação aos depósitos a prazo. Por isso conclui-se, que a empresa mandatada pelo condomínio, abusou manifestamente do direito confiado pelo condomínio, A., movimentando as contas a prazo, para o que bem sabia não ter autorização e, o Banco R., violou o contrato de depósito ao permitir as operações de transferência e levantamento das quantias depositadas nas contas a prazo, algumas mesmo antes do términus do respectivo prazo, sem conhecimento prévio dos respectivos titulares da conta, como lhe impunham as regras gerais, a boa prudência do exercício das suas funções e o exercício correcto das mesmas, uma vez que negligentemente ignorou as condições impostas pelo titular-proprietário das contas a prazo.
Assim concluiu, que o Banco R. se constituiu na obrigação de indemnizar o A..
Parece-nos que o raciocínio e conclusão retirados na douta sentença são certos.
Com efeito, provou-se que durante o período em que exerceu a administração do condomínio, a empresa D... levantou das contas bancárias do A. todo o dinheiro que o A. nelas tinha depositado, inclusivamente das contas a prazo. Ora, em relação a estas, essa empresa não estava habilitada a fazê-lo pois, expressamente ficou consignado na acta n° 52, de 01.05.17., que os montantes «da conta a prazo» apenas poderão ser movimentados, após autorização, em nova Assembleia de Condóminos». Isto é, segundo essa acta, os montantes das contas deveriam permanecer intocados até nova assembleia deliberar algo em contrário. Tendo sido dado conhecimento ao R. do teor de tal acta ( que aliás lhe foi entregue ), é evidente que ele não poderia desconhecer esta restrição e assim, não deveria ter permitido que a dita empresa, que não era a titular dos depósitos, levantasse o montante monetário dessas contas.
Como temos vindo a entender ( v.g. apelação 3369/99 e 660/00 do mesmo relator ), o contrato de depósito bancário é um contrato bilateral inominado, mas com características de depósito irregular e de mandato. Com efeito, o A. celebrou com o R., ao depositar o dinheiro na sua conta bancária, um contrato mediante o qual este se comprometeu restituir o numerário equivalente, logo que aquele o solicitasse. Ou seja, mediante o contrato, o Banco assumiu obrigação de restituir ao depositante, importâncias iguais às depositadas por este. É irregular o depósito porque o depositário apenas assume a obrigação de restituir as coisas, em género, qualidade e quantidade (art. 1205º do C.Civil ). Não há aqui uma restituição in natura, isto é, a obrigação de restituir a mesma coisa entregue. A restituição é em importância igual à depositada e não precisamente o mesmo dinheiro ou valor. Ao depósito irregular aplicam-se, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo ( art. 1206º).
Nesta conformidade, em relação aos depósitos a prazo ( e só estes estão em causa no recurso, pois só em relação a eles existiu condenação do R.), face à natureza jurídica do respectivo contrato, o Banco teria obrigação de restituir o seu montante, ao A.. E o certo é que não o restituiu. E não o fez porque o entregou (indevidamente ) à dita empresa.
Porque a responsabilidade do R. Banco de restituir o numerário, deriva do contrato de depósito bancário que efectuou com o A., encontramo-nos perante um caso evidente de responsabilidade contratual. E, assim sendo, nos termos do art. 799º nº 1 incumbe ao devedor ( Banco ) provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua.
Ora, no caso vertente, o Banco devedor não logrou afastar esta presunção de culpa, como nos parece claro e o próprio apelante deve aceitar. Aliás, o Banco R. nem sequer alicerçou a sua defesa no sentido de afastar esta presunção de culpa. Isto será já suficiente para se concluir, não afastando a culpa, que o Banco está adstrito à obrigação de cumprimento ( restituição das quantias entregues ).
Mas há mais. A nosso ver, como acima já deixámos entender, o A. conseguiu demonstrar que o incumprimento por parte do Banco, deverá ser-lhe imputado. Por outras palavras, o incumprimento do Banco R., verificou-se por culpa sua. Daí que este seja responsável pelo prejuízo que lhe causou ( art. 798º do C.Civil ). Com efeito, o R. não poderia desconhecer a restrição resultante da dita acta e assim, não deveria ter permitido que a aludida empresa transferisse primeiro e levantasse depois, os montantes monetários dessas contas. Ao não acatar tal limitação, agiu com culpa.
A justificação que dá para o incumprimento ( ter entregue o dinheiro dos depósitos à dita D... ), não a exime, pois, de culpa. Sublinhe-se que o documento ( acta nº 52 ) que serviu para considerar que a D... poderia movimentar a conta à ordem ( ao abrigo dos poderes de administração do condomínios que os condóminos que haviam conferido ), deveria servir ( também ) para obstar que os elementos dessa empresa tocassem nas contas a prazo, pois, como se viu, nesse documento expressamente se mencionou que essas contas só poderiam ser movimentados, após autorização de uma nova assembleia de condóminos. Se o conteúdo de tal documento tivesse sido correctamente percebido pelos funcionários do R. ( sendo que era seu dever a exacta apreensão e compreensão desse teor ) nunca esses depósitos poderiam ter sido levantados por quem não era titular deles. Isto é, competia ao Banco (através dos seus funcionários ) averiguar o sentido exacto do mandato conferido pelo condomínio à dita empresa. Se o tivesse feito de forma acertada, nunca teria permitido que os depósitos fossem levantados nas circunstâncias em que o foram.
A responsabilidade ( e culpa ) do Banco R., deve ver-se nestes prismas.
A decisão deve, por conseguinte, ser mantida.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.