Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/08-0GALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: ATENUAÇÃO ESPECIAL
CONFISSÃO PARCIAL
Data do Acordão: 09/23/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 72º, Nº 1 C) DO CPP
Sumário: 1. A alegação da existência da circunstância especial prevista no artigo 72º, nº, al. c) do Código Penal supõe a prova do facto que a suporta, o arrependimento objectivado em actos demonstrativos.
2. A confissão parcial, desacompanhada de outros elementos, não é suficiente para fundar um juízo de “prognose social favorável” à suspensão da pena de prisão.
Decisão Texto Integral: A - Relatório:
Nos autos de processo comum, perante tribunal colectivo, com o número supra referido, do Tribunal da Comarca de Alcobaça, em que são arguidos:

A..., solteiro, natural da Nazaré, residente na Rua ….

V..., de alcunha “S...”, divorciado, residente, antes de detido, na Rua …, Pataias.

foi proferido acórdão, em 21 de Janeiro de 2009, que:

Absolveu os arguidos da prática, em autoria material singular, respectivamente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, nº1 do Decreto – Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e Tabelas I-A e I-B, a ele anexas, e de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelos artigos 21º, nº1 e 25º, a) do Decreto – Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e Tabelas I-A e I-B, a ele anexas,

Mas os condenou:

Ao arguido V..., pela prática, em autoria material singular, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelos artigos 21º, nº1 e 25º, a) do Decreto – Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e Tabelas I-A e I-B, a ele anexas, na pena de dezoito (18) meses de prisão;

Ao arguido A..., pela prática, na forma de cumplicidade, do mesmo tipo de ilícito, na pena de oito (8) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de um ano, subordinada às seguintes condições:

Inscrever-se, no prazo de 20 dias, no Centro de Emprego da sua área de residência, comprovando-o nos autos até 10 dias após o termo desse prazo;

Comprovar, em 30 dias, que se encontra inscrito no CAT da Nazaré, comparecer às consultas que lhe forem marcadas e efectuar o acompanhamento terapêutico que aí lhe for prescrito.


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Inconformado, recorreu o arguido V... do acórdão proferido, com as seguintes conclusões:

1. O Tribunal "a quo" não levou em consideração o arrependimento demonstrado pelo ora recorrente,

2. O qual deveria, nos termos da alínea c) do n° 2 do art" 72° do Código Penal, ter sido considerado como atenuante especial.

3. Por outro lado, ao confessar parcialmente os factos, essa confissão foi essencial para a prova produzida e consequente administração da justiça, aliado ao facto da culpa do recorrente se encontrar mitigada pelo facto de ser toxicodependente à data dos factos e de ter revelado uma média ilicitude na sua conduta,

4. São factores que justificam, no entendimento do arguido, a determinação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, sujeita, claro está ao cumprimento de deveres especiais, como a inscrição em Centro de Reabilitação de Toxicodependência, pois e bastante forte a possibilidade de a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizarem de forma justa e adequada as finalidades da punição.

5, Já que as circunstâncias atenuantes referidas devem prevalecer sobre o passado criminal do recorrente na medida em que são reveladoras da sua vontade de se reabilitar.

6. Face ao exposto, viola o Douto Acórdão recorrido os seguintes preceitos legais: n° 1 do artigo 40º, ao não optar de acordo com o previsto no art. 50º pela suspensão da execução de pena, a qual asseguraria a reintegração do agente na sociedade, e ainda o previsto na al. c) do n° 2 do art. 72º, todos do Código Penal, pelo que o mesmo deve ser revogado na parte em que condena o recorrente em prisão efectiva, que deve, assim, ser suspensa na sua execução.

Assim se fará JUSTIÇA.


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O Sr. Procurador da República junto do tribunal de Alcobaça, pugnando pela manutenção na íntegra da decisão recorrida, produziu as seguintes conclusões nas suas respostas:

1 - O arguido V... foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (p. e p. nos termos dos arts. 21.1 e 25 al. a) do DL 15/93, de 22/1), na pena de dezoito meses de prisão.

2 - Entende, o arguido, que: o seu arrependimento não foi considerado pelo tribunal; a pena deveria ter sido especialmente atenuada; deveria ser suspensa na respectiva execução.

3 - Não resulta dos factos assentes que o arguido, ao contrário do que ora afirma (embora jamais o tenha alegado antes), esteja arrependido dos factos praticados.

4 - A confissão, para mais parcial, não significa arrependimento.

5 - Um arguido pode confessar o mais horrendo dos crimes e não estar arrependido de o ter cometido.

6 - O arrependimento constitui matéria de facto.

7 - O arguido não recorreu da matéria de facto, como resulta da sua motivação.

8 - Em consequência, não pode, o arguido, pretender a consideração de facto não invocado ou considerado assente pelo tribunal "a quo".

9 - A atenuação especial da pena, com base em circunstâncias modificativas gerais como as previstas no art. 72 do C. Penal, só poderá ter lugar se delas resultar uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena,

10 - Designadamente "ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe for possível, dos danos causados".

11 - A atenuação especial tem influência na moldura penal do crime, nos termos do art. 73 do C. Penal.

12 - Consequentemente, a pena concreta será, naturalmente, diversa da que corresponderia à do crime não "atenuado".

13 - O recorrente não retira, na alegação, qualquer consequência, quanto à medida concreta da pena, da invocada atenuação.

14 - Em qualquer caso, não ficou provado qualquer arrependimento do arguido.

15 - O arrependimento previsto na al. C) do nº 1 do art. 72 do C. Penal pressupõe, por outro lado, actos demonstrativos do mesmo.

16 - Estes não só não ficaram provados como não foram sequer alegados.

17 - Não pode, assim, senão concluir-se que não se justificaria qualquer atenuação especial da pena aplicada ao arguido.

18 - "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

19 - "Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena ... bastarão para afastar o delinquente da criminalidade".

20 - "São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral... que justificam e impõem) a preferência por uma pena ... de substituição e a sua efectiva aplicação".

21 - "O tratamento de brandura ... só é de adoptar quando seja possível formular um juízo de prognose favorável, alicerçado em circunstâncias pessoais ... e, muito especialmente, a sensibilidade do arguido para ser influenciado pela pena".

22 - O tribunal não deixou de considerar designadamente a confissão do arguido e o facto de o mesmo ser toxicodependente.

23 - Não poderia, contudo, no juízo de prognose a efectuar, deixar de relevar as suas condenações anteriores (nomeadamente em pena de prisão, por crimes entre os quais se destaca o de tráfico de estupefacientes) e a ausência de qualquer actividade remunerada lícita desde seis meses antes da sua detenção.

24 - Condenações que não dissuadiram o arguido de reincidir no crime.

25 - O tribunal, face ao quadro fáctico considerado provado e às circunstâncias referidas, não poderia formular a convicção, mesmo em termos probabilísticos, de que a simples censura do crime e a mera ameaça de prisão realizariam as finalidades, designadamente de prevenção geral, da punição.

26 - Por isso, não poderia suspender a execução da pena aplicada.

27 - A propósito de caso que se nos afigura semelhante - condenação, por tráfico de menor gravidade, de arguido com antecedentes criminais e que desenvolveu actividade em circunstâncias equiparáveis (no tipo e quantidades de droga transaccionados, nos meios utilizados, no período temporal da actividade e na "extensão" pessoal da mesma) -, o STJ, em acórdão recente, entendeu, também, não se justificar a suspensão da execução da pena de prisão.

28 - Pelo exposto, e ao contrário do preconizado pelo arguido, o tribunal deliberou, de facto e de direito, correctamente e sem violação de qualquer disposição legal.

28 - O recurso interposto deve, por isso, improceder.


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A Exmª Procuradora-geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal.


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B - Fundamentação:

B.1. Pelo Tribunal recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

1) No dia 15 de Janeiro de 2008, à noite, o arguido V... pediu ao arguido A... que o transportasse no veículo deste, marca “Opel”, modelo “Astra”, de cor preta, matrícula desde Pataias até à Cova da Moura, Damaia, e regresso, com o objectivo de nessa localidade adquirir heroína e cocaína,
2) Proposta que o arguido A... aceitou, mediante a promessa feita pelo arguido V... de que lhe entregaria, quando ambos chegassem a Pataias, uma dose de heroína.
3) Na sequência do combinado, nessa mesma noite de 15 de Janeiro de 2008, ambos os arguidos se deslocaram, no identificado veículo, conduzido pelo arguido A..., à Cova da Moura,
4) Onde o arguido V... comprou a pessoa de identidade não concretamente apurada dezasseis (16) pacotes de heroína e um (1) pacote de cocaína, por preço não concretamente apurado, mas não inferior a € 100.00,
5) Após o que regressaram a Pataias,
6) Onde, pelas 22 horas dessa mesma noite, o arguido V... foi detido por militares do Núcleo de Investigação de Crimes de Droga, Grupo Territorial de Leiria da GNR, quando tinha consigo heroína e cocaína, com os pesos líquidos de 10,251 gramas e 0,386 gramas, respectivamente.
7) O arguido V..., que nesse período não exercia qualquer actividade profissional remunerada, nem recebia quaisquer outros rendimentos provenientes do seu trabalho, de subsídios ou pensões, desde, pelo menos, meados do ano de 2007 até à referida data de 15 de Janeiro de 2008, se dedicava à compra de heroína e cocaína, para posterior revenda a consumidores de tais produtos,
8) Adquirindo-os na Cova da Moura, Damaia, Amadora, onde se deslocava, pelo menos, duas vezes, por mês, a pessoa ou pessoas não concretamente identificadas.
9) Para além do dia 15 de Janeiro de 2008, durante o mesmo mês de Janeiro de 2008, o arguido V... deslocou-se à Cova da Moura mais duas vezes na companhia do arguido A..., no veículo deste, pelo mesmo conduzido, marca “Opel”, modelo “Astra”, matrícula …., após combinação entre ambos,
10) Tendo o mesmo adquirido, de cada uma dessas vezes, heroína e cocaína, pelo menos, treze pacotes, por preço idêntico ao pago no dia 15 de Janeiro de 2008,
11) Entregando ao arguido A..., após o transporte efectuado, de cada uma dessas vezes, uma dose de heroína.
12) Durante o período de tempo referido em 7), o arguido V..., pelo menos, entregou, de forma gratuita, heroína a … e …, por duas ou três vezes, pacotes de heroína e de cocaína.
13) Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, conhecendo as características dos produtos estupefacientes apreendidos, bem sabendo igualmente que a sua aquisição, detenção, transporte, cedência a outrem, por qualquer forma, eram proibidos e punidos por lei.
14) Conheciam os mesmos a natureza proibida das respectivas condutas.
15) O arguido V... consumia, em quantidade e desde data não concretamente apuradas, heroína, que fumava,
16) Destinando parte, não concretamente apurada, da que adquiria na Cova da Moura a esse seu consumo.
17) O arguido A... destinava a heroína que recebia do arguido V... ao seu próprio consumo.
18) O mesmo, à data da prática dos factos, fumava heroína há cerca de dois meses, consumindo um pacote desse produto de três em três dias, sensivelmente.
19) A troco do transporte efectuado pelo arguido A..., e para além da quantidade de heroína entregue por cada uma das deslocações efectuadas à Cova da Moura, o arguido V... custeava ainda o combustível, no valor de € 25,00 por cada viagem efectuada, e as portagens, no valor de cerca de € 15,00.
20) O arguido A... aceitou ajudar o arguido V... nas deslocações que este efectuava à Cova da Moura, conduzindo-o àquele local e trazendo-o de regresso a Pataias no seu veículo, apesar de saber que este se deslocava àquele local para adquirir produtos estupefacientes, os quais, em parte, cedia a terceiros.
21) À data da prática dos factos, o arguido A... trabalhava como pedreiro, auferindo vencimento equivalente ao ordenado mínimo, suportando o pagamento da prestação devida pelo empréstimo contraído para aquisição da sua viatura.
22) Actualmente, há cerca de dois meses, encontra-se desempregado, por ter encerrado a firma para a qual trabalhava.
23) Vive com os pais, em casa destes, que o sustentam.
24) Refere que não consome produtos estupefacientes há cerca de nove meses, estando a ser acompanhado pelo CAT da Nazaré, e achando-se medicado.
25) Tem o 6º ano de escolaridade.
26) Não lhe é conhecida prática de qualquer outra infracção.
27) O arguido V... sofreu as seguintes condenações:
28) no processo nº 315/89, do 1º Juízo, 1ª secção do Tribunal Judicial de Alcobaça, por decisão de .09.01.90, pela prática de crime de receptação, na pena de 36 dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, e 15 dias de multa;
29) no processo nº 68/91, do 2º Juízo, 2ª secção do Tribunal de Círculo de Leiria, por decisão de 23.03.92, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 8 anos de prisão e 150.000$00 de multa, da qual foi declarada perdoada metade, bem como 18 meses de prisão;
30) no processo abreviado nº 78/02.2GTALQ, do 2º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, por decisão de 10.12.2003, pela prática de condução sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, que pagou;
31) no processo abreviado nº 113/04.0GBACB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por decisão de 16.12.2004, pela prática, entre outras infracções, de um crime de desobediência qualificada e um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, que pagou;
32) no processo comum singular nº 268/05.6GBACB, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por decisão de 24.10.2008, pela prática, entre outras infracções, de um crime de desobediência, na pena de um ano e três meses de prisão, que cumpre actualmente no Estabelecimento Prisional de Leiria.
33) Refere o mesmo arguido que se acha abstinente de consumos de estupefacientes desde que deu entrada no referido Estabelecimento Prisional, encontrando-se medicado.

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E como não provados os seguintes:

- que, desde pelo menos meados do ano de 2007 até 15 de Janeiro de 2008, o arguido V... vendeu heroína a …, e que vendeu um pacote do mesmo produto a …, pelo preço de € 10,00.


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E fundamentou a sua apreciação da prova nos seguintes considerandos:

O tribunal fundamentou a sua convicção nos seguintes meios de prova, e na sua análise crítica:

Documental: auto de apreensão de fls. 6, reportagem fotográfica de fls. 13 a 15, informações de fls. 84, 85, 98, certificados de registo criminal dos arguidos de fls. 46, 112, 115 a 119;

Pericial: relatório de fls. 108 e 109;

Declarações dos arguidos, quanto aos factos e respectivas condições pessoais:

-V..., que admitiu que se deslocava, há cerca de seis meses, à Cova da Moura, duas a três vezes por mês, onde adquiria heroína e cocaína, de cada vez sensivelmente as mesmas quantidades que tinha consigo quando foi detido, pelo preço de € 100,00, que destinava ao seu consumo, mencionando que, relativamente a esses produtos, chegava a “dispensá-los” a outras pessoas, nomeadamente ao …, a quem “dispensou” por duas ou três vezes, cocaína e heroína, sendo que no dia em que foi detido o pacote de cocaína e dois de heroína eram para o referido …, mencionando ainda que cedia gratuitamente heroína a …, com quem mantinha uma relação afectiva há quatro ou cinco anos, e que fumava juntamente com ele a heroína que o mesmo adquiria; quanto à participação do arguido A..., referiu tê-lo conhecido duas a três semanas antes da sua detenção, quando o mesmo o abordou, perguntando-lhe se “tinha alguma coisa”, tendo-lhe então dito que não, mas convidando-o para irem “lá abaixo”, o que o mesmo aceitou, deslocando-se os mesmos, incluindo na data da detenção, três vezes à Cova da Moura, no veículo do A..., suportando, em contrapartida, o arguido V... os custos do combustível e das portagens, no valor de € 25,00 e cerca de € 15,00, por cada deslocação, e entregando, de cada vez, um pacote de heroína ao A.... Afirma que trabalhava, há cerca de um ano, como pedreiro, para uma sua irmã, alguns dias por semana, recebendo uma média de € 300,00 por mês, que era consumidor de heroína há cerca de trinta anos, com várias interrupções, achando-se sem consumir desde que se encontra detido;

- A..., que referiu ter conhecido o arguido V... cerca de mês e meio antes da detenção deste, através de um colega seu, tendo então consumido heroína; que cerca de um mês antes, em relação à referida data, voltou a encontrá-lo num café, em Pataias, tendo-lhe perguntado se tinha “alguma coisa” para consumir, respondendo-lhe o V... que não tinha, mas convidando-o para irem a Lisboa, para adquirir estupefacientes, o que o arguido A... aceitou, tendo aí se deslocado dois ou três dias depois no seu veículo; precisou que transportou o arguido V... três vezes a Lisboa, na sua viatura, pagando este o combustível, as portagens e entregando-lhe o mesmo, de cada vez, um pacote de heroína, não tendo chegado a receber, da última vez, a sua dose, por ter ocorrido a detenção do arguido V...;

d. Testemunhal: depoimento das seguintes testemunhas que depuseram acerca de factos que directamente conheciam e que, pela forma rigorosa como o fizeram, mereceram credibilidade:

…, cabo da GNR, na altura a prestar funções no Núcleo de Investigação de Crimes de Droga da Guarda Nacional Republicana, Brigada Territorial de Leiria que, na sequência de várias denúncias telefónicas dando notícia que o arguido V... se dedicava à venda de produtos estupefacientes, uma das quais recebida naquela Brigada no próprio dia 15 de Janeiro de 2008, cerca das 20 horas, informando que o mesmo se ia deslocar a Lisboa para adquirir produtos estupefacientes, tendo o depoente aguardado o regresso do referido arguido, onde, cerca das 22 horas, os arguidos foram por si abordados, junto à residência do arguido V..., onde também vieram a encontrar o …e o …, referenciados como toxicodependentes, bem como uma senhora. Precisou que os arguidos regressavam no veículo “Opel Astra” do arguido A..., tendo sido apreendidos os produtos estupefacientes constantes do respectivo auto, que se encontravam em poder do arguido V..., a quem, desde 2006, não conhece qualquer actividade profissional;

…, que é amiga do arguido V..., há perto de dez anos, e que conhece “de vista” o arguido A..., tendo-o visto na casa daquele, a consumir estupefacientes, duas ou três vezes: esclareceu que, sendo consumidora de heroína e de cocaína, o arguido V..., a quem nunca conheceu a trabalhar com regularidade, achando-se desempregado e fazendo alguns biscates de pedreiro, nunca lhe vendeu qualquer desses produtos, mas que lhos cedia gratuitamente, partilhando-os com a depoente, quando os fumava, o mesmo sucedendo em relação a outras pessoas que frequentavam a casa do mencionado arguido;

…, que, tendo sido consumidor de heroína e morando em Pataias, e não podendo consumir em casa por causa da família, frequentava a casa do arguido, onde consumia, chegando a “representar” esse produto um ao outro. Também referiu ter-lhe adquirido esse produto, duas ou três vezes, de cada vez um pacote de € 10,00, encontrando na casa dele outros consumidores.”


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Cumpre decidir.

B.2 – O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso, designadamente, a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.

São, assim, questões suscitadas pelo recorrente, abarcando todos os pontos referidos nas conclusões apresentadas:

1) - Da atenuação especial da pena;

4) – Da suspensão da pena.

Não está o tribunal de recurso impedido, no entanto, de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, designadamente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova.

O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.

Não ocorre, no entanto, prima facie, qualquer daqueles vícios.


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B.3 – Da Atenuação especial da pena.

O recorrente coloca o assento tónico na pretensão a uma atenuação especial na existência de arrependimento, visto o disposto no artigo 72º, nº 2, al. c) do Código Penal.

Desde logo se impõe afirmar que o recorrente motiva contra factos provados. Dito de outra forma, em lado algum se prova a existência de arrependimento do arguido.

E o recorrente não colocou em crise a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido, seja em sede de recurso sobre matéria de facto, seja em sede de alegação de erro notório, contradição ou insuficiência no apuramento dos factos provados, que implicassem a sua apreciação oficiosa.

Por outro lado, é opinião deste tribunal que a sentença recorrida se mostra formal e substancialmente adequada e dela não resultam insuficiências, erros ou contradições.

E dessa fundamentação resulta claro o processo lógico seguido pelo tribunal recorrido, quer por referência a meios de prova especificamente indicados, quer por apelo às regras de experiência comum.

Não há, pois, que censurar o tribunal recorrido na apreciação e fundamentação da prova, por ele efectuada, nem que levar em conta um “arrependimento” alegado mas inexistente.

De outra banda, o arrependimento relevante para efeitos de atenuação especial não é um simples “arrependimento declarado”, sim um arrependimento objectivado em actos demonstrativos, como o impõe o citado preceito, actos que se não vislumbram no acervo factual.

Improcede, pois, a primeira alegação fundamentadora do recurso, na medida em que a alegação de direito ( a existência de circunstância atenuante especial) supõe a prova de um facto que se não mostra provado (o arrependimento).


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B.4 – Da suspensão da pena.

Analisemos, então, a pretendida suspensão da pena. Esta pretensão ancora-se na existência de confissão parcial relevante. De forma mais completa, a pretensão à suspensão da execução da pena assenta na existência de confissão parcial, na diminuição da culpa por dependência de estupefacientes e da ilicitude da conduta.

A diminuição da culpa e da ilicitude foram já atendidas em sede de fixação da pena. Nada impede que voltem de novo a ser consideradas, já não em si mas apenas enquanto elementos coadjuvantes do juízo de prognose a fazer.

A confissão ganha pouco relevo tal como os factos se configuram e, por si só, não permite que se conclua pela suspensão da execução da pena.

Convém ter presente que a decisão de suspender a pena tem na base uma “prognose social favorável” ao arguido, prognose que implica um risco e uma esperança.

Esperança que o arguido não voltará a delinquir, risco na valoração da capacidade do arguido de entender a censura ética que lhe é feita neste momento.

O que desde logo nos reconduz para a dificuldade de basear um juízo de prognose positiva, após a opção pela pena de prisão, tendo em vista o que consta dos autos.

O arguido foi condenado – como os autos evidenciam pois que a sentença recorrida faz referência a vários outros processos nos quais o arguido foi condenado - por cinco vezes e pela prática, pelo menos, de seis crimes. De entre elas avulta uma condenação pela prática de um crime tráfico de estupefacientes e a condenação a uma pena de 8 (oito) anos de prisão (objecto de perdão parcelar).

Apenas por referência aos processos referidos na sentença recorrida, o arguido tem vindo a praticar os ilícitos penais desde Janeiro de 1990 e até Outubro de 2008.

Assim, os factos descritos e a personalidade demonstrada pelo ar­guido não nos autorizam a concluir que a sua actuação foi ocasional ou que interiorizou o desvalor da sua conduta.

Não nos parece que a não aplicação de pena de prisão efectiva assegure que o arguido não voltará a delinquir, já que o arguido demonstra não revelar capacidade de entender as censuras éticas que lhe foram feitas.

Face ao que se vem de dizer, a esperança de que o arguido sentirá a condenação como uma advertência é escassa. O risco de que o arguido volte a delinquir é elevado.

Ou seja, revela-se ser insuficiente a censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da delinquência, satisfazendo as necessi­dades de reprovação e prevenção do crime, já que a personalidade do arguido, conduziu a um resultado não desejado, a ineficácia das advertências das penas.

Tendo presente que se pretende um objectivo de prevenção especial de socialização, os autos evidenciam que o arguido não interiorizou as anteriores condenações como uma advertência.

Pelo que supra ficou exposto, nomeadamente entende o Tribunal que a prognose quanto ao futuro comportamento do arguido é altamente desfavorável, é claramente negativa, pelo que é de confirmar a sentença recorrida.


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C - Dispositivo

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em declarar improcedente o recurso interposto e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.

Coimbra, 23 de Setembro de 2009 (elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

João Gomes de Sousa

Calvário Antunes