Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
162/06.3TTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
TRABALHADOR
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
COMPENSAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DOENÇA
Data do Acordão: 12/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CL.ª 84ª, NºS 1 E 4, DO IRCT PARA OS TRABALHADORES DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS DO CENTRO; ARTº 6º, Nº 1, AL. E), DO DEC. LEI Nº 519-C1/79, DE 29/12, NA REDACÇÃO DADA PELO D.L. Nº 209/92
Sumário: I – A cl.ª 84ª, nºs 1 e 4, do IRCT para os Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Centro, estipula que “em caso de doença a empresa pagará aos trabalhadores a diferença entre a remuneração líquida da sua categoria profissional e o subsídio atribuído pela Previdência”

II – Quando exista tal obrigatoriedade de pagamento, o mesmo deve ter em conta a remuneração líquida tabelar correspondente à categoria profissional do trabalhador e não a remuneração efectivamente recebida.

III – O artº 6º, nº 1, al. e), do Dec. Lei nº 519-C1/79, de 29/12, na redacção dada pelo D.L. nº 209/92, não é inconstitucional, quando dispõe que “os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, salvo ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares de segurança social ou equivalentes, bem como aqueles em que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras”.

IV – Donde decorre que são proibidos os esquemas complementares de segurança social instituídos em contratação colectiva desde que estabelecidos para serem geridos pelos respectivos outorgantes.

Decisão Texto Integral:                        Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra

A...(processo 111/06.3TTCTB) e B...(processo 000/06.6TTCTB), ambos litigando com apoio judiciário, intentaram cada um acção sob a forma de processo comum contra C.... pedindo que esta fosse condenada ao pagamento das diferenças de remuneração diária pagas pela Segurança Social e a remuneração diária a que teriam direito se não estivessem a trabalhar.

 Estribaram a sua pretensão no facto de terem estado de baixa médica, durante certos lapsos de tempo, tendo recebido parte da remuneração devida pela Segurança Social e devendo o remanescente dessa remuneração – em ordem a receber a sua totalidade – ser pago pela entidade patronal, ora ré, ao abrigo do que vai no artº 84º do AE.

Realizada a audiência de partes a que se reporta o artº 54º, nº 2 do Código de Processo de Trabalho, não foi obtida conciliação tendo os autos prosseguido os seus trâmites legais foi designada data para julgamento tendo, ainda, sido ordenada a apensação de processos.

Oportunamente, foi oferecida contestação na qual a ré, por excepção, se defende alegando, em suma, que nada tinha de pagar a título do reclamado pelos autores, porquanto o AE invocado não era aplicável às relações mantidas entre ela e aqueles.

Mais alegou que, caso assim não se entendesse, sempre o contrato entre ela e os autores estaria ferido de nulidade por impossibilidade do objecto negocial.

Concluiu pedindo a absolvição do pedido.

Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida decisão que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré dos pedidos formulados pelo A.

Discordando apelaram os AA, alegando e concluindo:

[………………………………………………………….]

Não houve contra alegações.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

DOS FACTOS

É a seguinte a factualidade dada como assente

[………………………………………………………….]

                                                              

DO DIREITO
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação - artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC
Pelo que a única questão que importa solucionar é a de saber se se encontra ou não a ré obrigada ao pagamento das quantias peticionadas pelos autores.
Vejamos então.

Como se viu os AA pretendem com base no plasmado no AE celebrado entre o Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Centro, o qual se encontra filiado na FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos/CGTP-IN que a aqui apelada tem que lhes pagar a diferença entre o que perceberam da Segurança Social e a remuneração líquida que lhes era devida pela empregadora, nos períodos que estiveram de baixa por doença e que acima se indicaram.

E fundamentam a sua pretensão no estatuído na  cláusula 84º, nº 1  do aludido IRCT que refere” Em caso de doença a Empresa pagará aos trabalhadores a diferença entre a remuneração líquida da sua categoria profissional e o subsídio atribuído pela Previdência”.

Acresce que o nº 4 da mesma cláusula estipula que:

Quando seja devido o complemento a que se refere esta cláusula, o trabalhador receberá a remuneração por inteiro nos termos desta cláusula, reembolsando a empresa no quantitativo da Previdência, quando e se o receber.

É de notar desde já que a existir obrigatoriedade de pagamento de tal complemento, o mesmo deve ter em conta a remuneração líquida  tabelar( constante logicamente do tal AE) correspondente à categoria profissional dos AA e não à remuneração que efectivamente percebiam.

É o que resulta da interpretação  da tal Clª  84º nº 1, pois ali expressamente se refere que “ a empresa pagará aos trabalhadores a diferença entre a remuneração líquida da sua categoria profissional…”( itálico nosso).

Utilizando os legais princípios de interpretação dos negócios jurídicos que se encontram estabelecidos no artº 236º nº 1 do CCv (que como se sabe consagra a teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele), não pode a nosso ver,  ser outra a conclusão a tirar.

Acresce que quer segundo o disposto no artº 7º nº 1 do D.L. 519º C1/79 de 29/12, quer conforme o plasmado no artº 552º nº 1 do C.T/03 (também aplicável por força do determinado no artº 8º nº 1 da L. 99/03 de 27/8), as convenções colectivas obrigam os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadoras signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes ( princípio da filiação).

Ora provado ficou que a Ré A ré nunca outorgou o acordo de empresa para os trabalhadores da C...., publicado no BTE nº 45, de 8 de Dezembro de 1983, com as alterações publicadas no BTE nº 12, de 28 de Março de 1985 e nº 12, de 29 de Março de 1986 e sucessivas alterações salariais e também que nunca houve qualquer intervenção administrativa a operar a extensão de tal acordo de empresa – via PRT ou Regulamento de Extensão -.

E é exactamente com base em tal AE que os AA fundam o seu pedido.

Poder-se-ia então sem mais concluir que, como o decidido na 1ª instância a demandada nada tinha a pagar aos aqui recorrentes.

Todavia a questão não se apresenta ( salvo o devido respeito) tão simples assim.

Desde logo  deve - se ter em conta que contrariamente ao que pretende a Ré na sua contestação,  o artº 6º nº 1 e) do citado D.L. 519/-C1/79 de 29/12 ( na redacção que lhe foi dada pelo D.L. 209/92) não é inconstitucional, como já por várias vezes o tem decidido o T. Constitucional

Dispõe esta norma  na redacção introduzida por este último diploma, que «Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem: … e) Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, salvo se ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares de segurança social ou equivalentes, bem como aqueles em que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras».
Tal como se verificava na versão originária do mesmo normativo e já antes dela no disposto no art. 4º n.º 1 al. e) do Dec. Lei n.º 164-A/76 de 28-02, decorre do enunciado preceito que são, efectivamente, proibidos os esquemas complementares de segurança social instituídos em contratação colectiva
desde que estabelecidos para serem geridos pelos respectivos outorgantes, ou seja, se a responsabilidade pela atribuição das prestações complementares for assumida pela própria empresa empregadora, como se refere a dado passo do douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 517/98 e, portanto, poderia ter de se concluir que a subvenção estabelecida na cláusula contratual a que vimos fazendo referência, na medida em que instituída para ser assumida pela empregadoras outorgantes, era contrária ao estipulado na aludida norma do art. 6º n.º 1 al. e) do Dec. Lei n.º 519-C1/79.

Acontece que, sendo o AE a que vimos fazendo referência, de Dezembro1983, não pode deixar de levar em consideração o que estabelece o n.º 2 do art. 6º do Dec. Lei n.º 519-C1/79, ao estipular que «A restrição constante da alínea e) do número anterior não afecta a subsistência dos benefícios complementares anteriormente fixados por convenção colectiva, os quais se terão por reconhecidos, no mesmo âmbito, pelas convenções subsequentes, mas apenas em termos de contrato individual de trabalho».
 Como  se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2005, publicado na Col. Jur./STJ/Ano III, Tomo III, 2005, pág. 252, «este n.º 2 não é mais do que uma disposição de direito transitório material, destinada a regular especialmente o regime de aplicação da lei no tempo, no que concerne à proibição fixada na al. e) do número anterior, e que tem o sentido útil de explicitar que os benefícios complementares existentes à data da entrada em vigor da nova redacção desse preceito se mantêm apenas relativamente aos contratos de trabalho que tenham sido celebrados na vigência da convenção que os preveja, passando a integrar esses contratos quando entretanto venha a ser celebrada uma nova convenção» e, explicitando melhor esta asserção refere ainda o mesmo Aresto «ou seja, por força das disposições conjugadas da al. e) do n.º 1 e do n.º 2 do artº 6º do Dec. Lei n.º 519-C1/79 (na redacção do Dec. Lei n.º 209/92), as convenções colectivas de trabalho não poderão mais prever benefícios complementares fora do condicionalismo previsto nessa al. e); e os benefícios complementares estabelecidos em convenções anteriores apenas se tornam aplicáveis aos contratos de trabalho existentes no momento da entrada em vigor da nova lei (ou que venham a ser outorgados durante a vigência da convenção) e não a quaisquer outros que tenham já sido celebrados no domínio de uma nova convenção subsequente»-neste ponto seguimos de perto o Ac da Rel. Lisboa  de 26/10/06, Processo 5352/06-4-

O C.T /03 por seu turno permite que os IRCT instituam regimes complementares contratuais, que atribuam prestações complementares do subsistema previdencial, na parte não coberta por este, nos termos da lei.

Em conclusão, a dita cláusula contida no AE invocado pelos AA, não é nula, sendo certo que os contratos de trabalho que ligam AA à Ré datam, como se provou,  de muito antes do próprio AE de 1983.

Portanto não será por essa via que se pode negar o pretendido pagamento das prestações em causa.

Haverá que atender por outro lado, que quer no domínio do mencionado D.L. 519-C1/79, quer no do C.T/03 , em caso de transmissão da titularidade da empresa ou parte dela, o IRCT que vincula o transmitente é aplicável ao adquirente até ao termo do respectivo prazo de vigência e no mínimo de 12 meses a contar da data da transmissão, salvo se entretanto outro IRCT negocial passar aplicar-se ao adquirente.

No caso concreto o dito AE foi celebrado entre a então D... e a FESTRU e publicado no BTE nº 45 de 8/12/83.

Por seu turno a D... passou de E.P. para sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, através da publicação do D.L. 12/90 de 6/1 ( seu artº 1º), com a denominação de E....

E a Ré foi constituída por cisão da E.... em 1/1/91( ponto H da fundamentação de facto) e de acordo com  o determinado pelo artº 9º nº 1 do aludido D.L. 12/90.

Ora é indubitável que de acordo com o artº 14º nº 1 do já mencionado D.L. 12/90 de 6/1, os trabalhadores e pensionistas da D.... mantêm todos os direitos e obrigações que detenham à  data da entrada em vigor deste diploma, isto aliás em consonância com o que o então artº 296º c) da CRP que determinava que a lei quadro da reprivatização dos bens nacionalizados mantivesse todos os direitos e obrigações de que os trabalhadores das respectivas empresas fossem titulares”.  

O que poderia significar que ainda que não outorgando no dito AE, a Ré( que nem sequer existia nessa altura), estava obrigada por força de lei a reger-se por esse IRCT.

Mas mesmo que assim se entenda ( e propendemos para tal) e ainda que se admita( o que é controverso - ver p. ex. o A do STJ , publicado in CJ/STJ, 1995, Tomo III; pág. 275 – que o AE seria sempre aplicável aos AA, independentemente do seu período de vigência), o certo é que, no caso concreto os AA não têm direito a qualquer quantia a título de “ subsídio de doença” a pagar pela recorrida.

É que está provado ( ambas as partes o aceitam - pág.56 do processo - ) que  a última remuneração mensal publicada no BTE, pelo AE que os AA invocam data de 29/3/86 e estabelece as remunerações de 50.100$00 e  36.160$00, respectivamente para as categorias de empregado metalúrgico C ( caso do A A...) e de Pintor de 1ª ( caso do A B...).

Ora como o valor a considerar como supra se disse,  para determinar a obrigação de pagamento por parte da Ré da dita diferença relativa ao pagamento do salário quando os trabalhadores estão “ de baixa” por doença relativamente ao que percebem da S. Social, é a remuneração correspondente à “ categoria profissional” e não àquela que na realidade os trabalhadores recebem ( que até pode ser superior) e como por outro lado, os AA não alegaram( nem em parte alguma do processo se menciona seja o que for a esse respeito) que depois de 1986 outro IRCT tenha sido acordado e que obrigasse – e  se aplicasse – a ambas as partes, ou então que de qualquer forma houvesse uma tabela categorial - sendo que tal ónus sobre eles impendia, por ser elemento constitutivo do direito que alegam (artº 342º nº 1 do CCv)   então o valor a considerar só pode ser o último que foi convencionalmente estabelecido  - ou seja os tais 50.100$00 e 36.160$00/mês ( naturalmente convertidos em euros após a entrada em vigor desta moeda).

E assim sendo, contabilizando os tempos “ de baixa” dados como provados, tendo em conta aqueles montantes (porque outros não podem ser levados em consideração, já que não é a remuneração efectiva que vale, mas sim - repete-se - a categorial e que constava do referido AE) e computando os quantitativos que os Recorrentes receberam da S. Social em virtude das suas “ baixas” por doença, chega-se facilmente à conclusão de que aquilo que receberam desta entidade é superior ao valor total dos salários por inteiro ( e ainda que ilíquidos) relativos aos tempos do doença.

O que significa que a Ré nada tem a pagar-lhes.

Pelo que e sem necessidade de maiores considerações, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com diversa fundamentação, se julga improcedente a apelação.

                         Custas pelos AA sem prejuízo do apoio judiciário de que gozam.