Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
382/2002.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: EMPREITADA
INCUMPRIMENTO
MORA
DESISTÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 217.º; 342.º; 1207; 1208; 1229.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Não tendo sido finalizadas as obras contratadas, não se provando a rejeição pelo empreiteiro do dever de as concluir, mas apenas que incorreu em mora no cumprimento da prestação, não se verifica, consequentemente, a situação do incumprimento definitivo ou do cumprimento defeituoso do contrato, mas antes a hipótese da mora da prestação.
2. Sendo lícita a desistência e produzindo a extinção da relação jurídica em discussão, não confere ao comitente o direito à indemnização solicitada, porquanto se existem razões justificativas para consagrar a excepção à regra da pontualidade do cumprimento, seria injusto não tomar em consideração os direitos do empreiteiro.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A... e os herdeiros habilitados da autora falecida, B..., residentes na Rua S. José, nº 121, Cova da Iria, Fátima, propuseram a presente acção, com processo ordinário, contra C..., residente na Rua do Chouso, nº 6, Chainça, Leiria, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a reconhecer que os autores, justificadamente, e por culpa, exclusivamente, dele, réu, rescindiram, em 19 de Junho de 2001, os contratos de empreitada celebrados, em 6 de Setembro de 1996, a pagar aos autores a quantia de 8.599,07 euros, recebidos, indevidamente, por ele, réu, para além do preço respeitante aos trabalhos executados, a pagar aos autores a quantia de 13.774,65 euros, despendida por estes para poderem isolar, agora, as paredes, o que era obrigação daquele, a pagar aos autores a quantia de 599,35 euros, a título de despesas de água e luz, pagas pelos autores, da responsabilidade do réu, a pagar aos autores a quantia de 31,92 euros, respeitante às taxas alusivas a duas notificações judiciais avulsas, a pagar aos autores a quantia de 51.000 euros, relativa a prejuízos por eles sofridos, decorrentes de perdas de exploração pelo atraso na conclusão dos trabalhos contratados e consequente atraso na conclusão geral dos edifícios, invocando, para tanto, em suma, que celebraram com o réu um contrato de empreitada, cujo prazo foi, posteriormente, prorrogado, não o tendo este cumprido, dentro do prazo acordado, o que, reflexamente, lhes conferiu o direito da sua resolução.
Na contestação, o réu alega que os autores não lhe concederam o prazo admonitório respectivo, impedindo-o, com culpa sua, de efectuar a prestação devida, porquanto concluíram as obras contratadas.
A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, declarou resolvido, por acordo, o contrato de empreitada, condenou o réu a pagar aos autores a quantia em euros equivalente a 1.724.000$00 (um milhão setecentos e vinte e quatro mil escudos), acrescida dos juros moratórios legais vencidos, desde a citação, e vincendos, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o réu dos restantes pedidos contra si formulados.
Desta sentença, os autores e o réu interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A – OS AUTORES:

1ª - A resolução do contrato de empreitada, por parte do dono da obra, confere-lhe o direito a ser indemnizado.
2ª - No caso dos autos os autores resolveram validamente o contrato.
3ª - Deveria ter-lhes sido arbitrada a indemnização peticionada.
4ª - Mostram-se incorrectamente interpretados e aplicados os artigos 432, 434/2,652,798, 801 e 1223, todos do CC.
5ª – O réu deveria ter sido condenado a pagar aos autores os montantes peticionados, caso não fosse possível fixar os lucros cessantes, deveriam estes ter sido remetidos para execução de sentença.
6ª - Devendo o montante indemnizatório ter sido fixado, pelo menos, em 22.973,00€ mais os lucros cessantes a liquidar em execução de sentença.
7ª - Mesmo que o caso configure enriquecimento sem causa, sempre o montante indemnizatório será de 30.930,06 €.
8ª - Mostrando-se incorrectamente interpretados e aplicados os artigos 473 e 480, ambos do CC.

B – O RÉU:

1ª - Tendo a autora pedido a condenação do réu a reconhecer que os autores justificadamente e por culpa dele, réu, rescindiram em 19/06/2001 o contrato de empreitada, e tendo sido declarado resolvido o contrato de empreitada por acordo, assim considerando procedente a acção, a sentença é nula porque conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento - da resolução do contrato por acordo (al. d) do n° 1 do art° 668° do CPC.
2ª - Verificou-se o excesso de pronúncia porque a causa do julgado não se identifica com a causa de pedir e o julgado não coincide com o pedido.
3ª – Por outro lado, a sentença recorrida é paradigma do erro de julgamento, desde logo, por não respeitar a lógica elementar quando se concluiu que se verificou a resolução por acordo do contrato de empreitada, pois, tendo os autores pedido o reconhecimento que eles justificadamente e por culpa exclusiva do réu rescindiram em 19/06/2001 os contratos de empreitada, opondo-se o réu ao pedido dos autores, tendo o réu deduzido reconvenção a pedir a declaração da resolução dos contratos de empreitada por culpa dos autores, tendo o réu desistido de tal pedido reconvencional, e não tendo havido contrato de transacção nos autos, era impossível entender, como se entendeu, que se está perante a resolução por acordo do contrato de empreitada, só porque o réu desistiu do pedido reconvencional.
4ª - Contrariamente à conclusão tirada na douta sentença, a desistência dos pedidos da reconvenção, jamais permite concluir que o réu aceitou a resolução do contrato, embora não a si imputável, impõe sim, que se extraia a conclusão que o réu desistiu dos seus pedidos, precisamente, porque pretendeu evitar a declaração da resolução do contrato de empreitada.
5ª - E os factos alegados - e não tendo havido nos autos contrato de transacção - não são idóneos a provar a resolução do contrato de empreitada por acordo.
6ª - Na douta sentença, ao entender-se que o réu ao desistir dos seus pedidos da reconvenção aceitou a declaração da resolução do contrato, foi violado, para além do mais, o disposto no n° 1 do art° 295° do CPC.
7ª - Tendo o réu desistido dos seus pedidos formulados na reconvenção, o pedido dos autores - da declaração da rescisão em 19/06/2001, dos contratos - só podia ser atendido se fosse provado, nomeadamente, que foi dado ao réu o prazo admonitório para que este concluísse a obra, ou que a autora já não tinha interesse na obra, o que, manifestamente, não é o caso.
8ª - A douta sentença, viola, substantivamente, o disposto no artigo 808° do CC, pelo que deve ser declarada nula e, se assim não acontecer, revogada, absolvendo-se o réu do pedido.
Em contra-alegações, que, apenas, o réu apresentou, este sustenta que a apelação dos autores deve improceder.
Na sentença recorrida, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
Entre a autora Maria de Jesus e o réu foram celebrados os acordos consubstanciados nos escritos de folhas 12 e 13, cujo teor a sentença deu por, integralmente, reproduzido, para todos os efeitos legais – A).
Entre a autora Maria de Jesus e o réu foi celebrado o acordo consubstanciado no escrito de folhas 14, cujo teor a sentença deu por, integralmente, reproduzido, para todos os efeitos legais – B).
A autora Maria de Jesus elaborou o requerimento que faz folhas 15 dos autos, cujo teor a sentença deu por, integralmente, reproduzido, para todos os efeitos legais – C).
A autora enviou ao réu e este recebeu-a a carta que faz folhas 21 dos autos, ­cujo teor a sentença deu por, integralmente, reproduzido, para todos os efeitos legais - D).
O réu recebeu dos autores 3.000.000$00, em finais de Abril princípios de Maio de 2001, através de cheque depositado na conta do réu, por Maria de Fátima Frazão Gonçalves, tendo estes pago, no final, a quantia de 55.600.000$00 - E).
A sentença deu por, integralmente, reproduzido o teor dos documentos juntos aos autos de folhas 26 a 44 – F).
A sentença deu por, integralmente, reproduzido o teor do documento 27 - notificação judicial avulsa de folhas 45/46 – G).
Os trabalhos, a cargo do réu, que ficaram por executar foram: o isolamento das paredes, muros de encosto aos terrenos do Padre e Irmãs religiosas e a cobertura dos dois prédios - H).
O réu enviou à autora Maria de Jesus o documento que faz folhas 60, que a sentença deu por, integralmente, reproduzido - I).
O réu não concluiu os trabalhos, no prazo acordado de 10 de Maio de 20011 – 1º.
Nem executou, após 28 de Dezembro de 2000, os trabalhos respeitantes à empreitada, por forma a ficarem concluídos – 2º.
Os autores mandaram vistoriar e medir os trabalhos efectuados pelo réu, tendo-se apurado que as paredes exteriores não se encontravam preenchidas com material isolante – 3º.
Havia trabalhos na cobertura, mas não foram considerados porque a sua conclusão iria trazer para o proprietário custos preparatórios – 5º.
Os trabalhos respeitantes ao isolamento das paredes, muros e cobertura foram orçados em 11.068.000$00 – 6º.
Os trabalhos prestados pelo réu perfaziam, pelo menos, o valor de 48.612.000$00 – 7º.
Os autores despenderam, em 15 de Fevereiro de 2002, a quantia de 3.539.570$00, em isolamento das paredes – 8º.
Só após 10 de Maio de 2001, os autores puderam desencadear os procedimentos tendentes a afastar o réu da empreitada – 15º.
Os trabalhos em falta não foram realizados, até 19 de Junho de 2001 – 16º.
Os autores suportaram um atraso de seis meses na conclusão dos edifícios – 17º.­
Só iniciaram a exploração das lojas e apartamentos dos edifícios seis meses mais tarde – 18º.
No período de seis meses, os apartamentos e lojas poderiam gerar um lucro mensal, calculado a cerca de 4 a 5 mil escudos o m2, para comércio, um T1, cerca de 50 a 65 mil escudos, um T2 cerca de 60 a 70 mil escudos, um T3 cerca de 70 a 80 mil escudos (mensais) – 19º.
O réu, de Dezembro de 2000 a Maio de 2001, manteve grua, andaimes, betoneira, para além de outros utensílios, na obra – 20º.
Após 10 de Maio de 2001, os autores não fixaram ao réu qualquer outro prazo para a conclusão das obras, antes deram seguimento à mesma, concluindo-a – 25º e 26º.
Os autores pagaram, pela ligação da água para a obra e consumo de água na obra, a quantia de 27.091$00, e pagaram de electricidade a quantia de 93.067$001.
Com a notificação judicial do réu para entrega do livro de obras os autores gastaram 3.200$00.
Em virtude do acordo, aludido em A) dos "Factos Assentes", os autores aceitaram que o réu se mantivesse como empreiteiro, até 10 de Maio de 2001.
O fornecimento de luz eléctrica foi contratado, junto da E.D.P., pela autora.
O réu emitiu facturas, em nome dos autores, totalizando 56.058.806$00, com IVA à taxa de 17%.
Dessa quantia de 56.058.806$00 facturada pelo réu, 8.145.296$00 correspondem a IVA e 47.913.510$00 correspondem ao valor dos serviços facturados.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto dos recursos, considerando que o «thema decidendum» dos mesmos é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da nulidade da sentença.
II – A questão da resolução do contrato.

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DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO

Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou demonstrada, importa reter que a autora e o réu celebraram um acordo, em 28 de Dezembro de 2000, em que ficou estabelecido, em complemento dos dois contratos, anteriormente, realizados, e com o objectivo de prevenir ulteriores desentendimentos na execução dos trabalhos de empreitada do edifício de dois blocos, em construção pelo réu, cujo preço, sem IVA, se fixou em 49.390.000$00, já que este recebera, até então, uma importância total de 50.600.000$00, excedendo, assim, aquele preço, em 1.210.000$00, que, por isso, seria levada, à conta de IVA, que lhe faltava receber, a este título, a importância de 6.471.000$00, quando acabasse a obra do contrato.
Por outro lado, com referência ao contrato que tinha como objecto a cobertura dos dois referidos blocos com duas camadas de tela, ladrilho a mosaico e isolamentos, bem como a construção de um muro de encosto aos terrenos do Padre e das Irmãs Religiosas, o réu recebeu da autora, na mesma data, a importância de 5.000.000$00, obrigando-se esta, findos os trabalhos acabados de referir, a pagar o preço e o IVA devidos.
Finalmente, o réu obrigou-se a concluir as obras contratadas, até ao dia 10 de Maio de 2001, o que não aconteceu, encontrando-se, à altura, por executar o isolamento das paredes exteriores, muros de encosto aos terrenos do Padre e Irmãs religiosas e a cobertura dos dois prédios, o que acontecia, também, em 19 de Junho de 2001, data em que o réu foi notificado, judicialmente, por iniciativa da autora, que lhe comunicou a desistência da empreitada que tinha por objecto a construção da obra, a partir de então.
Porém, quer nesta notificação judicial, quer, posteriormente, os autores não fixaram ao réu qualquer outro prazo para a conclusão das obras, mas antes prosseguiram a sua execução, tendo-a concluído, sendo certo, outrossim, que o réu manteve a grua, os andaimes e a betoneira, para além de outros utensílios, no local da realização da obra, desde Dezembro de 2000 a Maio de 2001.
Está em discussão nos autos o cumprimento de um contrato de empreitada, que a lei qualifica como aquele em que uma das partes se obriga, em relação à outra, a realizar certa obra, mediante um preço, nos termos do disposto pelo artigo 1207º, e que regula nos artigos 1208º e seguintes, todos do Código Civil (CC).
Com efeito, logo o respectivo artigo 1208º, preceitua que o empreiteiro deve executar a obra, em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
A obrigação principal do empreiteiro consiste em realizar uma obra, em obter um certo resultado, em conformidade com o convencionado e sem vícios, cumprindo, pontualmente, a prestação a seu cargo, e de boa fé, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1207º, 1208º, 406º e 792º, nº 2, todos do CC.
Na situação em apreço, ficou provado que o réu executou, parcialmente, uma obra, porquanto deixou de concluir alguns dos trabalhos a que se encontrava, contratualmente, obrigado.
Com efeito, a execução parcial distingue-se da execução defeituosa ou do cumprimento defeituoso, na medida em que, naquele caso, o devedor realiza, apenas, uma parte de uma prestação indivisível, enquanto que, neste último, efectua toda a prestação, mas, em termos defeituosos, isto é, fora das condições devidas Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 25 a 27..
Tendo-se o réu obrigado a executar a empreitada, até ao dia 10 de Maio de 2001, que compreendia, igualmente, o isolamento das paredes exteriores, a realização dos muros de encosto aos terrenos do Padre e Irmãs religiosas e a cobertura dos dois prédios, mas que não provou ter ultimado, como lhe impunha o disposto pelo artigo 342º, nº 1, do CC, de que dependia a conclusão da obra e, consequentemente, o cumprimento integral das obrigações do empreiteiro, ou seja, a construção do edifício habitacional e comercial, tendo sido ultrapassado o prazo convencionado para a sua execução, será razoável interpretar este comportamento do réu no sentido de que, de modo voluntário, desistiu de a terminar, ou, dito de uma forma mais singela, que abandonou a obra que se comprometera construir?
Efectivamente, estando-se perante uma situação de inconclusão da obra acordada, não se provou o seu abandono, por parte do réu, mas, tão-só, a mora deste no cumprimento da prestação a que se encontrava adstrito, porquanto ficou demonstrado que se tinha obrigado a terminar os trabalhos, em 10 de Maio de 2001, sendo certo que, nem sequer em 19 de Junho seguinte a obra estava concluída, muito embora mantivesse a grua, os andaimes e a betoneira, para além de outros utensílios, no local da sua realização, desde Dezembro de 2000 a Maio de 2001.
Assim sendo, não tendo sido finalizadas as obras contratadas, não se provando a rejeição pelo empreiteiro do dever de as concluir, mas apenas que incorreu em mora no cumprimento da prestação, não se verifica, consequentemente, a situação do incumprimento definitivo ou do cumprimento defeituoso do contrato, mas antes a hipótese da mora da prestação, a ponto de os autores terem prosseguido a sua execução, concluindo-a, por sua iniciativa.
Resulta, aliás, da própria declaração expressa dos autores, ao notificarem, judicialmente, o réu da desistência da empreitada e ao adjudicarem a uma terceira entidade ou ao empreenderem, por administração directa, a execução dos trabalhos que faltava realizar, a sua intenção de não pretenderem a conclusão da obra, por parte daquele Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, 1990, 457..
Com efeito, estipula o artigo 1229º, do CC, que “o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”.
Trata-se, de facto, de uma faculdade concedida ao comitente, que ressalva da regra geral da pontualidade do cumprimento dos contratos, contida no artigo 406º, nº 1, do CC, as situações em que “o contrato...pode extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”.
Podendo o dono da obra perder o interesse na obtenção do resultado visado com a celebração do contrato, como resulta, explicitamente, do teor da notificação judicial promovida pelos autores, não se justificando que continuem vinculados à sua observância, até porque, declaradamente, pretendiam que a mesma fosse concluída por pessoa diversa do réu empreiteiro, gozam da faculdade de desistir da empreitada, instituto este que, assim, consubstancia uma figura jurídica distinta da resolução, da revogação e da denúncia Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 908..
A desistência consiste numa faculdade discricionária do comitente, que não carece de fundamento, nem de pré-aviso, nem de forma especial, podendo ser realizada, por qualquer um dos meios admitidos por lei, atento o teor do artigo 217º, do CC Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 908, citado. , sendo insusceptível de apreciação judicial Ferrer Correia e Henrique Mesquita, ROA, 45 (1985), Anotação ao Acórdão do STJ, de 3-11-83; 148 e 149. e operando com eficácia, «ex nunc» Vaz Serra, Empreitada, BMJ nº 146, 131..
Ora, sendo lícita a desistência e produzindo a extinção da relação jurídica em discussão, não confere aos autores o direito à indemnização solicitada, isto é, à condenação do réu no pagamento da quantia peticionada de 8599,07€ que, alegadamente, por aqueles foi entregue em excesso, porquanto, se existem razões justificativas para consagrar a excepção à regra da pontualidade do cumprimento, seria injusto não tomar em consideração os direitos do empreiteiro, tanto mais que ficaram por demonstrar as razões que determinaram o impasse no normal desenrolar da execução do contrato.
Além do mais, não tendo a desistência eficácia retroactiva, porquanto opera, «ex nunc», nada justificaria que o réu empreiteiro restituísse aos autores as quantias que destes recebeu, a título de prestações a que se vincularam e pagaram, nos termos do contrato.
Por isso, relativamente às prestações avançadas pelos autores, em cumprimento da sua obrigação contratual, inexiste fundamento legal para a sua restituição, atento o estipulado pelo artigo 1229º, do CC.
Aliás, a licitude da desistência, por parte do comitente, conduz, antes, a uma obrigação de indemnizar que sobre ele incide, a favor do empreiteiro, tal como se houvesse resolução pelo não cumprimento da obrigação imposta ao desistente, que compreende “os seus gastos e trabalho e o proveito que poderia tirar da obra”, ou seja, que abrange, não só os danos emergentes, como ainda os lucros cessantes, mas tal não será apreciado nesta apelação, por não fazer parte do objecto do recurso interposto pelo réu.
Os autores, enquanto comitentes, não gozam, assim, da faculdade de resolver o contrato de empreitada, como vem peticionado, sendo, aliás, contraditório que pretendessem resolver o contrato e, simultaneamente, pedir uma indemnização pelo interesse contratual positivo relativo ao prejuízo que, normalmente, lhe daria a execução do negócio, como se o contrato tivesse sido cumprido, o que, desde logo, afastaria as reclamadas perdas decorrentes do atraso na exploração, mas, apenas, pelo interesse contratual negativo ou de confiança, com a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 1974, 104..
Não se mostram violadas as disposições legais invocadas pelos autores, inexistindo ainda a arguida nulidade da sentença, como consta das alegações do réu.
Improcedem, assim, as conclusões constantes das alegações dos autores, procedendo, porém, a apelação do réu, embora com fundamentos distintos dos invocados.

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CONCLUSÕES:

I - Não tendo sido finalizadas as obras contratadas, não se provando a rejeição pelo empreiteiro do dever de as concluir, mas apenas que incorreu em mora no cumprimento da prestação, não se verifica, consequentemente, a situação do incumprimento definitivo ou do cumprimento defeituoso do contrato, mas antes a hipótese da mora da prestação.
II - Sendo lícita a desistência e produzindo a extinção da relação jurídica em discussão, não confere ao comitente o direito à indemnização solicitada, porquanto se existem razões justificativas para consagrar a excepção à regra da pontualidade do cumprimento, seria injusto não tomar em consideração os direitos do empreiteiro.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação interposta pelos autores, mas procedente a apelação interposta pelo réu, embora com base em fundamentação diversa da apresentada e, em consequência, revogam, nesta parte, a sentença recorrida, absolvendo, assim, o réu da totalidade do pedido formulado pelos autores.

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Custas, a cargo dos autores.