Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1094/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. GARCIA CALEJO
Descritores: FIXAÇÃO DE CAUÇÃO
MONTANTE
Data do Acordão: 05/04/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECVURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Legislação Nacional: ARTS. 693° N.º 2 DO C. P. C. E 710.º N.º 2 DO C. CIVIL
Sumário:


Tendo existido recurso de uma decisão condenatória, o apelado, não podendo obter a execução provisória da sentença (dado o efeito suspensivo que foi atribuído ao recurso) pode requerer que o apelante preste caução, a não ser que o crédito esteja já garantido por hipoteca judicial.
A fixação de caução tem aqui por objectivo assegurar o cumprimento da obrigação, por parte do condenado/obrigado judicialmente.
Equipara a lei (art. 693° n.º 2 do C. P. Civil) a caução, quanto às finalidades, à hipoteca judicial. Isto, porque tanto uma como outra visam assegurar ou garantir o cumprimento da obrigação por parte do devedor.
Estabelece o art. 710° n.º 2 do C. Civil. Que "se a prestação for ilíquida, pode a hipoteca ser registada pelo quantitativo provável do crédito". Ou seja, a lei no caso da hipoteca judicial permite o seu registo pelo montante provável do crédito o que é o mesmo que dizer-se que, em caso de condenações em quantias ilíquidas, o registo da hipoteca pode fazer-se pela soma presumível do crédito.
Existindo a aludida equiparação, nos termos ditos, entre a hipoteca judicial e a caução, somos em crer que este artigo 710° n.º 2 nos indica o caminho a seguir, em relação ao montante sobre que deve incidir a caução, quanto à quantia ilíquida. Assim e em -paralelismo com o que estabelece para a hipoteca judicial o montante da caução, nesse âmbito, deve equivaler ao quantitativo provável do crédito. Ou seja, o valor da caução deve atender não só às quantias líquidas em que o devedor foi condenado, mas também às quantias ilíquidas objecto da mesma condenação, correspondendo estas ao Quantitativo provável do crédito.
Decisão Texto Integral:
5

ag-1094/04



Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- BB, autora na acção declarativa comum com o nº 397/99l que correu seus termos no Tribunal Judicial de Pombal, veio, por apenso a esta acção, intentar a presente acção especial de prestação de caução contra CC e DD, rés na mesma acção.
Pede que as RR. sejam, solidariamente, condenadas a caucionar pelo valor de 327.000 Euros, as obrigações de pagamento de quantias certas e a liquidar em execução de sentença em que foram condenadas.
Fundamenta este seu pedido, em síntese, na circunstância de as RR. terem sido, solidariamente, condenadas a pagar-lhe as quantias que indica, acrescidas de juros moratórios, sendo que recorreram da sentença, tendo sido, ao recurso, atribuído o efeito suspensivo, o que a impede de obter a execução provisória de tal sentença, podendo, assim, requerer que as RR. prestem caução para garantia do cumprimento futuro das respectivas obrigações ( arts. 693º nº 2 e 981º do C.P.Civil ).
1-2- A requerida Capital Plus veio deduzir oposição, sustentando, também em resumo, a ineptidão da petição da A., a nulidade do pedido de caução e que no valor da caução não podem ser incluídos montantes ilíquidos. Pretende prestar caução através de garantia bancária.
Termina pedindo a sua absolvição da instância e se assim não for entendido, deve o valor da caução ser reduzido ao montante líquido em que as RR. foram condenadas e repartido em partes iguais por ambas as RR. e que se aceite a prestação de caução por intermédio de garantia bancária.
1-3- A requerida Espaço Urbano deduziu também oposição, sustentando, em síntese, que a requerente deveria ter pedido a prestação da caução por simples incidente e não através de acção especial para prestação de caução, não tendo, assim, causa de pedir para esta acção especial. Além disso o valor a caucionar será o de apenas as quantias líquidas em que foram as requeridas condenadas. O valor da caução deve ser repartido em partes iguais.
Termina pedindo a sua absolvição do pedido, ou se assim se não entender, deve o valor da caução ser reduzido a 200.227,70 Euros de forma a corresponder ao montante em cujo pagamento as RR. foram condenadas devendo tal valor ser repartido, em partes iguais, por ambas as RR., devendo ainda, ser aceite a prestação de caução através de garantia bancária.
1-4- O Mº Juiz proferiu decisão na qual julgou procedente o pedido de prestação de caução, condenando as RR. a prestá-la através de garantia bancária, fixando a caução em 210.522 Euros.
Mais condenou a requerente nas custas.
Posteriormente, em rectificação da sentença, foi reformada a decisão quanto as custas, ficando estas a cargo da requerente e das requeridas, na proporção do respectivo decaimento ( fls. 94 ).
1-5- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer a requerente, BB, recurso que foi admitido como agravo, com subida deferida e com o efeito devolutivo.
1-6- A recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- A prestação da caução prevista no art. 693º nº 2 do C.P.Civil, depende de não haver, para garantias do cumprimento da sentença condenatória, hipoteca judicial.
2ª- A hipoteca judicial, nos termos do art. 710º nº 2 do C.Civil, pode ser registada pelo quantitativo provável do crédito, quando a prestação condenatória for ilícita.
3ª- Assim, a prestação de caução, como alternativa que é à hipoteca judicial, também deve abranger a prestação ilíquida e o seu quantitativo provável.
4ª- Se assim não fosse, o apelado ficaria mais ou menos garantido conforme o apelante fosse ou não titular de bens imóveis, o que seria um rematado contra-senso.
5ª- O Mº Juiz ao determinar na sentença recorrida os juros vencidos e ao somá-los às quantias liquidas fixadas na sentença condenatória, também ele fez uma operação de liquidação, embora apenas com recurso a cálculos aritméticos.
6ª- A sentença recorrida não interpretou devidamente as normas legais acima citadas, pelo que deverá ser modificada no sentido de nela se fixar o valor da caução em 327.000 Euros ou, em alternativa, deverá ser determinado que a nova sentença a proferir leve em conta o quantitativo provável do crédito ilíquido fixado na sentença condenatória.
7ª- As requeridas no incidente de prestação de caução deduziram oposição integral à sua procedência, pelo que deveriam, nos termos do art. 449º a contrario do C.P.Civil, ser condenadas no integral pagamento das custas da decisão.
1-7- As partes contrárias responderam a estas alegações sustentando o não provimento do recurso.
1-8- O M.º Juiz recorrido manteve a sua decisão ( fls. 121 ).
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º n.º 3 do C.P.Civil ).
2-2- A requerente Empobor, Empresa Portuguesa de Borrachas Ldª, na sequência da condenação das RR. Capital Plus S.A. e Espaço Urbano S.A. na supra-indicada acção ordinária e em virtude de ao recurso, entretanto interposto pelas RR., ter sido atribuído o efeito suspensivo, veio pedir que estas prestassem caução.
Pese embora a oposição das requeridas à obrigação de prestar caução, a decisão recorrida ordenou a prestação de caução no montante acima indicado.
Estabelece o art.693º n.º 2 do C.P.Civil que “não querendo ou não podendo obter a execução provisória da sentença, pode o apelado requerer, dentro do prazo estipulado no número anterior, que o apelante preste caução, se não estiver já garantido por hipoteca judicial; a caução pode também ser requerida no prazo de 10 dias, a contar da notificação do despacho que não atribuir à apelação efeito meramente devolutivo”.
Quer isto dizer e para o que aqui interessa, que o apelado não podendo obter a execução provisória da sentença ( dado o efeito suspensivo que lhe foi atribuído) pode requerer que o apelante preste caução, a não ser que o crédito esteja já garantido por hipoteca judicial.
Significa isto que, tendo existido recurso da sentença condenatória das RR., por banda destas, ao qual foi atribuído o efeito suspensivo ( o que impede a execução provisória da sentença ), a A. tinha o direito de pedir, não existindo hipoteca judicial, que as recorrentes prestassem caução. Por isso, de forma correcta, as RR./requeridas foram condenadas a prestar caução.
A questão que se debate no presente recurso não reside, porém, aqui, mas sim no montante a que essa caução deve ascender.
Segundo a agravante/requerente o valor da caução a fixar, como alternativa que à hipoteca judicial, deve abranger, para além da prestação líquida, a prestação ilíquida.
Por sua vez as agravadas, na sequência da posição assumida na sua oposição, entendem que a caução deve tão só abranger a prestação liquida já fixada na sentença condenatória.
Na douta decisão recorrida, sobre o assunto, referiu-se que “o valor a fixar deverá abranger somente as quantias líquidas pois seriam essas que a requerente poderia, desde logo executar, caso não tivesse sido interposto recurso”. Ou seja, entendeu-se no aresto recorrido que o montante da caução deveria abranger apenas as quantias ( condenatórias ) líquidas.
Foi por discordar desta posição que a requerente, interpôs o presente recurso.
Vejamos:
Conforme se refere na decisão recorrida, por sentença proferida na acção declarativa a que os presentes autos seguem por apenso, as requeridas foram condenadas a pagar à requerente as quantias de:
-E 3.459,89 acrescida de juros moratórios supletivos comerciais, a contar da citação até integral pagamento.
-E 116.746,15 acrescida dos juros moratórios supletivos comerciais, vencidos e vincendos, desde 19-10-96 até integral pagamento sobre a quantia de 99,984,56 e ainda
- a quantia que se vier a apurar em resultado de liquidação em execução de sentença, nos termos do segmento c) da decisão condenatória.
Quer isto dizer que as RR. foram condenadas no pagamento à A. de quantias líquidas ( e respectivos juros ) e no pagamento de uma importância ilíquida, quantia que deverá ser apurada em execução de sentença.
A razão da fixação da caução, nos termos do dito art. 693º nº 2 do C.P.Civil, tem a ver com a impossibilidade de o apelado poder obter a execução provisória da sentença, em virtude de se ter sido atribuído ao recurso o efeito suspensivo. A fixação de caução tem aqui por objectivo, assegurar o cumprimento da obrigação, por parte dos já condenados judicialmente. Daí que só seja admissível quando tal cumprimento, não esteja já garantido por hipoteca judicial. Existindo hipoteca judicial, não há lugar à prestação de caução.
Equipara-se pois a caução, quanto às finalidades, à hipoteca judicial. Isto porque, como já se viu, tanto uma como outra visam assegurar ou garantir o cumprimento da obrigação por parte do devedor.
Estabelece o art. 710º nº 2 do C.Civil, que “se a prestação for ilíquida, pode a hipoteca ser registada pelo quantitativo provável do crédito”. Ou seja, a lei no caso da hipoteca judicial, permite o seu registo pelo montante provável do crédito, o que é o mesmo que dizer-se que, em caso de condenações em quantias ilíquidas, o registo da hipoteca pode fazer-se pela soma presumível do crédito.
Existindo a aludida equiparação, nos termos ditos, entre a hipoteca judicial e a caução, somos em crer que este artigo 710º nº 2 nos indica o caminho a seguir, em relação ao montante sobre que deve incidir a caução, quanto à quantia ilíquida. Assim e em paralelismo com o que estabelece para a hipoteca judicial, o montante da caução, nesse âmbito, deve equivaler ao quantitativo provável do crédito.
Ou seja, o valor da caução deve atender não só às quantias líquidas em que o devedor foi condenado, mas também às quantias ilíquidas objecto da mesma condenação, correspondendo estas ao quantitativo provável do crédito.
Aliás, visando, como já se disse, a caução assegurar o cumprimento da obrigação por parte do devedor, esse objectivo só será logrado se o respectivo montante corresponder ao total da condenação, aqui se englobando, obviamente, tanto as quantias líquidas como as ilíquidas.
É certo que em relação à parte ilíquida haverá que proceder, oportunamente, à respectiva liquidação, o que sucederá nos termos do art. 805º e segs. do C.P.Civil, sublinhando-se que à liquidação efectuada pelo exequente, pode opor-se o executado, isto é, a liquidação terá sempre que obedecer ao princípio do contraditório.
Mas desta realidade, salvo o devido respeito pela opinião contrária, não é possível partir-se para afirmação que só a quantia já liquidada pode ser objecto de caução. Tal ilíquidez obrigará sim, a realizar diligência probatórias ( que se deverão fazer de modo muito sumário ), no sentido de encontrar o valor provável do montante ilíquido. Mas estas diligências, a nosso ver, são expressamente permitidas no art. 983º nº 1 do C.P.Civil.
Claro que após se encontrar o valor provável do montante ilíquido, este tornar-se-á num valor determinado e, como tal, será possível fixar a caução num quantitativo correspondente.
Na douta decisão recorrida, como já se viu, justificou-se a fixação da caução ( somente ) em relação às quantias líquidas, “pois seriam essas que a requerente poderia, desde logo executar, caso não tivesse sido interposto recurso”.
Não podemos aceitar esta versão das coisas, visto que, a nosso ver, tanto as quantias líquidas como as ilíquidas poderiam, desde logo, ser executadas provisoriamente. Apenas se teria que proceder de forma diversa em relação àquelas e em relação estas, isto é, interpondo um processo de execução para pagamento de quantia certa para os montantes líquidos e propondo um outro processo de execução para as quantias ilíquidas, sendo que este teria ( forçosamente ) uma fase preliminar de liquidação. Mas evidentemente que a necessidade de existência desta etapa preparatória, não retira a possibilidade de se proceder, de imediato, à execução provisória. A liquidação não é mais que uma fase processual ( preliminar ) da própria execução.
Quer isto dizer que o agravo será procedente, nesta parte.
O montante da caução deve pois abranger não só a parte líquida como a ilíquida da condenação, devendo, porém, em relação a esta parte, o tribunal diligenciar, de forma sumária, no sentido de achar o quantitativo provável do crédito ilíquido.
2-3- O agravante sustenta ainda que as requeridas no incidente de prestação de caução deduziram oposição integral à sua procedência, pelo que deveriam, nos termos do art. 449º a contrario do C.P.Civil, ser condenadas no integral pagamento das custas da decisão.
Na douta decisão recorrida, o Mº Juiz condenou a ora agravante, nas custas do processo. Porém, mais tarde, reformando a sentença quanto as custas, fixou estas a cargo da requerente e das requeridas, na proporção do respectivo decaimento (fls. 94 ).
Parece-nos que, face à anulação implícita da decisão que este acórdão vai produzir, a fixação das custas pela dita decisão deixou de valer.
A nova decisão, fixando o valor da caução nos termos aqui e agora determinados, deverá, consoante o valor a fixar, atribuir a cada uma das partes ( ou só a uma ) o quantitativo das custas.
Assim, dada a posição assumida em relação à decisão recorrida, o conhecimento da questão deixou de interessar.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento parcial ao recurso, declarando-se que o montante da caução deve abranger não só a parte líquida como a ilíquida da condenação, devendo-se, em relação a esta parte, diligenciar no sentido de se encontrar o quantitativo provável do crédito ilíquido.
Custas pelas agravadas.