Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/08.0TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
NATUREZA PROCESSUAL DO PRAZO
Data do Acordão: 01/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 59º, Nº 3,60º, 62º DO DL Nº 433/82, DE 27.10 E 72º DO CÓD. PROC. ADMINISTRATIVO
Sumário: 1. Do princípio da revogabilidade dos actos praticados por autoridade administrativa, decorre que o processo administrativo instaurado para aplicação de uma coima por violação de um preceito de natureza contra-ordenacional, se mantém na esfera do poder, direcção e regime do foro administrativo até ao momento em que é enviado para o Ministério Público, isto é, até cinco dias depois de haver sido recebida a impugnação da decisão que impôs uma coima ao administrado/arguido.
2. Até o momento em que o processo é recebido no Ministério toda a actividade jusprocessual se desenrola e tramita segundo as regras e procedimentos do direito administrativo.
3. E neste caso a contagem dos prazos há-de ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas no art. 72º do Cód. Proc. Administrativo, a saber: “a) - não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; b) - o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados; c) - o termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
Decisão Texto Integral: I. – Relatório.
Em dissensão com o despacho prolatado a fls. 55 e 55 vº que decidiu rejeitar, por intempestividade, o recurso interposto pelo arguido da decisão da entidade administrativa - cfr. fls. 33 a 37 - que o havia condenado pela prática da contra-ordenação previsto e punido pela alínea p) do n.º 2 do artigo 21.º-A do Decreto-Lei n.º 278/87, de 7.7, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 383/98, de 27.11, na coima de € 1.500,00, recorre o arguido P..., tendo despedido a motivação apresentada com o lote conclusivo que a seguir se deixa transcrito.
“1. As alegações do recorrente no recurso de impugnação judicial da autoridade administrativa são claras e visam o afastamento da sua culpabilidade com base nos factos que relata e que apontam não ter sido ele que cometeu a contra-ordenação dos autos.
2. As conclusões contêm toda a matéria e fundamentos necessários explanando o que o recorrente pretende que o juiz decida.
3. Esta estruturação do recurso de impugnação judicial da autoridade administrativa cumpre assim todos o requisitos substanciais e de forma previstos no artigo 59.º n.º 3 do Regime Geral das Contra Ordenações (RGCO) com a redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei 244/95 de 14.9.
4. Ao decidir rejeitar o recurso a decisão recorrida o tribunal a quo violou a letra e o espírito das normas legais ínsitas nos artigos 41.º n.º 1 e 59.º n.º 2 e 3 do Regime Geral das Contra Ordenações (RGCO) com a redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei 244/95 de 14.9, bem como o artigo 412.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal.
5. Também errou o tribunal quo ao indeferir liminarmente o recurso apresentado, por extemporâneo, violando dessa forma o artigo 41.º n.º 1 e 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e o n.º3 do Dec. Lei 28/92 de 27.02 que determina a aplicação em processo penal do uso da telecópia na prática de actos processuais.
6. Essas normas deveriam ser interpretadas e integradas pelo tribunal a quo, por analogia, no sentido de aceitação pela autoridade administrativa de peças processuais via fax, como o recurso de impugnação do recorrente.
7. A jurisprudência é também unânime na aceitação deste desiderato nomeadamente no Assento 2/2000 do Supremo Tribunal de Justiça de 09.12.1999 e Ac. do TRP de 16.05.2001.
8. O recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa foi proposto em tempo e por quem detinha legitimidade.
9. Pelo que a decisão recorrida deverá ser substituída por outra que admita o recurso de impugnação judicial da autoridade administrativa, assim se fazendo a esperada JUSTIÇA!”
Na instância e deserto de conclusões, o Ministério Público – cfr. fls. 74 a 76 - estima que: “O despacho em causa tem, na parte que ora nos interessa, o seguinte teor: “a decisão da autoridade administrativa data de 12-03-2007 (vide folhas 82 a 87), tendo o arguido sido notificado pessoalmente no dia 29 de Outubro de 2007 da decisão administrativa condenatória (fls. 43), sendo que o presente recurso foi apresentado à autoridade administrativa em 29 de Novembro de 2007 (fls. 54), dois dias depois do termo do prazo de 20 dias já referido, visto que o mesmo atingia o seu termo a 27 de Novembro de 2007.
Ora, na medida em que está em causa um acto administrativo e que a fase de impugnação do mesmo é uma fase ainda administrativa, salvo melhor opinião, não está prevista para esta situação a possibilidade da prática do acto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, prevista no artigo 145.º, n.ºs 5 e 6, do C.P.Civil aplicável ex vi artigo.107.º, n.º 5 do C. Penal, desde logo por não a prever o Código de Procedimento Administrativo (cfr. neste sentido, a título exemplificativo o Ac. da Relação do Porto de 21-03-2001, processo 0010377in www.dgsi.pt)”.
Estabelece o referido artigo 59,º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, que o recurso da decisão de autoridade administrativa terá que ser interposto no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido.
Conforme consta da decisão objecto de recurso, o arguido foi notificado a 29 de Outubro de 2007 da decisão administrativa proferida (vide folhas 43) e quando o recurso de impugnação dessa decisão foi apresentado – 29/11/2007 - já tinham decorrido mais de 20 dias, sendo consequentemente intempestivo.
Na perspectiva do recorrente o seu recurso era tempestivo e deveria ter sido recebido.
Embora o recorrente junte aos autos cópia de documento que se destina a comprovar o envio via fax do recurso no último dia do prazo (27/11/2007) a verdade é que dos autos nada consta que o comprove.
No que respeita à invocada possibilidade de dar entrada ao recurso da decisão administrativa nos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo, prevista no artigo 145.º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil (aplicável ao processo penal ex vi artigo 107.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, ela não é aplicável aqui porque, tal como refere a Mma. Juiz, “está em causa um acto administrativo e … a fase de impugnação do mesmo é uma fase ainda administrativa” e o Código de Procedimento Administrativo não prevê essa possibilidade.
O processo nesta fase assume uma natureza administrativa e o prazo para recorrer dessa decisão administrativa é um prazo de natureza administrativa, como resulta, para além do mais, das regras da sua contagem, de acordo com as regras previstas no Código de Procedimento Administrativo, diferentes das regras de contagem dos prazos judiciais que resultam da conjugação dos artigos 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e 144.º do Código de Processo Civil.
A diferença de regimes justifica-se, pois, pela diferente natureza do processo, o qual, antes da sua remessa a juízo, nos termos do artigo 62.º do R.G.C.O., assume uma natureza meramente administrativa e pode, inclusive, não passar disso mesmo, de um processo administrativo, se a autoridade administrativa, na sequência da impugnação, usar da faculdade de revogar a decisão e, desse modo, fazer terminar o processo – cfr. artigo 62.º, n.º 2 ,do R.G.C.O.
A decisão recorrida não violou qualquer preceito legal, nomeadamente aqueles a que se refere o recurso apresentado.
Por tudo isto, deve ser mantido o despacho proferido pela Mma. Juíza, que rejeitou o recurso interposto da decisão condenatória proferida pela Direcção-Geral das Pescas e Agricultura.”
Já nesta instância o preclaro Procurador-geral Adjunto, em proficiente parecer, expende argumentos que confluem na procedência do recurso.
(“Como fundamento para o seu recurso do despacho que lhe rejeitou liminarmente o recurso interposto da decisão final, invoca o recorrente que apresentou o seu recurso via fax no último dia do prazo, 27/11/2007, ou seja, atempadamente, porquanto, sendo o mesmo notificado pessoalmente em 29110/2007, o prazo de 20 dias úteis para o recurso terminaria naquela data de 27/11/2007.
De facto, nos autos não foi junto nem foi encontrada qualquer remessa via fax do referido recurso, tendo o mesmo dado tão só entrada fisicamente em 29/11/2007, ou seja dois dias após o termo daquele prazo.
Assim, tendo o arguido sido notificado pessoalmente em 29/10/2007, o seu recurso, a ser tão só apresentado no dia 29/11/2007, estaria efectivamente para além do prazo concedido para o efeito pelos artigos 59.º e 60.º do D.L. 433/82, de 27/10, onde se estipula um prazo de 20 dias para a sua interposição junto da entidade administrativa, suspendendo-se a contagem do mesmo aos Sábados, Domingos e Feriados.
Pois que o referido prazo de 20 dias úteis para o recurso, previsto nos referidos artigos 59.º e 60.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, terminava no dia 27/11/2007, pelo que a outra conclusão não poderia chegar-se se não a de que naquela data de efectiva interposição do recurso 29/11/2007 – estaria excedido aquele prazo de recurso da decisão administrativa.
E isto porque, estando-se ainda em fase administrativa do processo, os prazos são contados de acordo com as regras do Código do Procedimento Administrativo,
“I – Na fase administrativa do Processo contra-ordenacional, os prazos são contados de acordo com o estipulado no Código de Procedimento Administrativo, e suspendem-se nos Sábados, Domingos e Feriados” (Ac. R. P. de 01/06/2005, Col. Jur. M – 208);
Nem sequer podendo, a pretexto das disposições conjugadas dos artigos, 41.º n.º 1 do D.L. n.º 433/82, de 27/10, 107.º n.º 5 do C.P.P., aplicar-se o acrescento de prazo do artigo 145.º n.ºs 5 e 6 do C.P.C., ou mesmo a suspensão das férias judiciais, já que tal só tem aplicação na contagem de prazos judiciais, o que não é o caso.
Neste sentido aliás, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 02/94, de 10/03/94, no domínio da alteração introduzida pelo D.L. n.º356/89, de 17/10, bem cedo fixou jurisprudência no sentido de que “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do D.L. n.º 433/82, de 17/10, alteração introduzida pelo D.L. n.º 356/89, de 17/10”.
Não sendo este entendimento considerado inconstitucional,
“Assim sendo, há que concluir que a norma que se extrai da conjugação dos artigos 41.º n.º1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5, do Código de Processo Penal e 145.º n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, segundo a qual não se considera aplicável o disposto o artigo 145.º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil ao prazo para interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação, não viola normas ou princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade ou o da tutela jurisdicional efectiva.” (Ac. Tribunal Constitucional n.º 293/2006, de 04/05/2006 – DR II Série, n.º 110, de 07/06/2006).
Mantendo-se ainda pacífico, vigente e actual esse entendimento, apesar das novas alterações posteriores produzidas naquele Diploma Regulamentador, como pode ver-se designadamente do Ac. R. L. de 08/11/2005, Col. Jur. V – 129, onde se decidiu que,
“I – o prazo para deduzir impugnação judicial da decisão de autoridade administrativa não tem natureza judicial ou processual antes sendo de natureza administrativa.
II – Assim, não é aplicável o disposto nos artigos 145.º n.º 5 do CPCível e 107.º n.º 5 do Código de Processo Penal”.
Nesse mesmo sentido, aliás, bem recentemente decidiu este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra por Acórdãos, de 09/05/2007 (Processo n.º 715/06.0TBCNT.Cl), e de 30/01/2008 (Processo n.º 2081/06.4TALRA.Cl).
Porém, o recorrente vem invocar que a interposição do recurso se processou, via fax, em 27/11/2007, juntando para o efeito o documento de fls. 70, o qual constitui relatório de envio com OK, efectivamente enviado para o n.º de FAX que consta como sendo o da entidade Administrativa (213025101 – cfr. Designadamente fls. 39-40), resultando ainda do mesmo que a remessa foi de 4 páginas, a primeira das quais ali impressa que corresponde efectivamente à 1.ª página da motivação física junta em 29/11/2007 (cfr. fls. 47 e 54).
Em face de tal, importando ora menos apurar e esclarecer das razões pelas quais aquela remessa via fax não foi junta aos autos, importará sim concluir que naquela data da remessa fax se estava no último dia do prazo para a interposição do recurso, pelo que só restará concluir pela sua tempestividade.
Face ao exposto, pese embora o muito devido e merecido respeito pela posição do Ministério Público na 1.ª instância, somos de parecer que o recurso do arguido deverá obter procedência.
Para a decisão peticionada a este tribunal sobra como tema em disquisição apurar se o prazo para impugnação da decisão administrativa reveste natureza processual (penal) ou se configura um prazo administrativo e se a remessa, via fax, da peça processual (contendo a motivação de recurso) deve ser, validamente, tida em consideração para efeitos da interposição do recurso – cfr. Decreto-Lei n.º 28/92, de 27.02.
II. – Fundamentação.
II.A. – Elementos Pertinentes para a decisão.
I. - Despacho de fls. 55 e 55 vº.
“Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação, veio o arguido P... recorrer judicialmente da decisão condenatória proferida pela Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura, que lhe aplicou uma coima de €1.500,OO pela prática da contra-ordenação revista e punível pelo artigo 21.º-A, n.º 2, alínea p) do Decreto-Lei n.º 278/87, de 07.07, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 383/98, de 27-11.
O Ministério Público pugna pelo não recebimento do recurso interposto pelo arguido, por entender que o mesmo é intempestivo.
Nos termos do artigo 59.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (Decreto-Lei n.º 433/82 de 27-10 – doravante R.G.C.C.), o recurso da decisão da autoridade administrativa terá que ser interposto no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido.
Na contagem do prazo, não se inclui o dia em que se efectua a notificação (artigo 279.º, alínea b), do Código Civil) e suspende-se aos sábados, domingos e feriados (artigo 60.º, n.º 1, do R.G.C.O.).
Ora, a decisão da autoridade administrativa data de 12-03-2007 (fls. 82 a 87), tendo o arguido sido notificado pessoalmente no dia 29 de Outubro de 2007 da decisão administrativa condenatória (fls. 43), sendo que o presente recurso foi apresentado à autoridade administrativa em 29 de Novembro de 2007 (fls. 54), dois dias depois do termo do prazo de 20 dias já referido, visto que o mesmo atingia o seu termo a 27 de Novembro de 2007.
Ora, na medida em que está em causa um acto administrativo e que a fase de impugnação do mesmo é uma fase ainda administrativa, salvo melhor opinião, não está prevista para esta situação a possibilidade de prática do acto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo prevista no artigo 145.º, n.ºs 5 e 6, do C.P.Civil aplicável ex vi artigo 107.º, n.º5s do C.P.Penal, desde logo por não a prever o Código de Procedimento Administrativo (cfr leste sentido, a título exemplificativo o Ac RP de 21-03-2001, processo 0010377, in www.dgsi.pt).
Pelo exposto, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, do R.G.C.O., por intempestivo, rejeita-se liminarmente o presente recurso.”
II. – Relatório de Chamada de Fax – cfr. fls. 70 onde se inscreve a data (27.11.2007); hora (20:10:52) e a identificação do nº de fax receptor (213025101);
III. – Oficio de fls. 39 e 40 donde consta o n.º de fax da entidade decisora (213025101).
II.B. – De Direito.
II.B.1. – Natureza processual do prazo para impugnação Judicial da decisão administrativa.
Preceitua a art. 59º, nº 3 do DL nº 433/82, de 27.10, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 244/95, de 14.9 que “o recurso é feito por escrito e apresentado á autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegação e conclusões”.

E o n.º1 do art. 60.ºdo RGCO (DL nº 433/82, de 27.10, com as alterações introduzidas pelos DL nº 244/95, de 14.9, 323/de 17.12 e Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro), prescreve que “o prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados” e o nº2 do mesmo normativo legal que: “O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.

“Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar ao autos ao Ministério Público, que ao tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação” – cfr. nº1 do art. 62º. “Até ao envio dos autos, pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima” – cfr. nº2 do mesmo preceito legal.

Os actos administrativos válidos – cfr art.140º do Código de Procedimento Administrativo – e inválidos – cfr art. 141º do mesmo livro de leis – podem ser revogados, pelos seus autores e respectivos superiores hierárquicos, “desde que não se trate de acto da competência exclusiva do subalterno” – cfr. art. 142º do CPA.

Do princípio da revogabilidade dos actos praticados por autoridade administrativa, decorre que o processo administrativo instaurado para aplicação de uma coima por violação de um preceito de natureza contra-ordenacional, se mantém na esfera do poder, direcção e regime do foro administrativo até ao momento em que é enviado para o Ministério Público, isto é, até cinco dias depois de haver sido recebida a impugnação da decisão que impôs uma coima ao administrado/arguido. Até o momento em que o processo é recebido no Ministério toda a actividade jusprocessual se desenrola e tramita segundo as regras e procedimentos do direito administrativo.

Só quando se constate a existência de uma lacuna no ordenamento que rege para a aplicação de uma coima é que será legítimo o recurso subsidiário aos preceitos reguladores do processo criminal – cfr. art. 41º, nº1 do DL nº433/82, 27.10.

Não constitui, em nosso juízo, matéria conceptual controversa a natureza administrativa do procedimento vigente e ordenador da aplicação de uma coima, ainda que caldeada ou matizada de injunções preceptivas do ordenamento jusprocessual penal. Pelo menos enquanto o processo estiver sob a tutela da autoridade administrativa, ou seja até ao momento da remessa dos autos ao Ministério Público.

Para a dessumida asserção concorre a ideia de que as sucessivas alterações introduzidas no ordenamento contra-ordenacional foram no sentido de conformar os prazos que estavam inscritos nos preceitos adrede do diploma regulados do regime contra-ordenacional, por forma a adequá-los às alterações que foram sendo introduzidas no ordenamento administrativo, nomeadamente a continuidade do prazo, e a sua suspensão aos sábados, domingos e feriados, precisamente os dia em que os serviços não estariam em funcionamento e por isso seria impraticável, para os administrados, procederem à entrega da documentação com que pretendessem impugnar a decisão da autoridade administrativa.

E neste caso a contagem dos prazos há-de ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas no art. 72º do Cód. Proc. Administrativo, a saber: “a) - não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; b) - o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados; c) - o termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.

O arguido foi notificado, pessoalmente, no dia 29 de Outubro de 2007. O prazo para impugnar a decisão da autoridade administrativa tendo apresentado a impugnação judicial no dia 27 de Novembro de 2007 – cfr. fls. 70.

Tratando-se de um prazo administrativo não lhe é aplicável o regime contemplado no art. 145º, n.º 5 do CPC, dado este regime ser privativo dos actos praticados perante os tribunais judiciais. [ No sentido que defendemos vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Novembro de 2005, publicado na Col. Jur. Ano XXX, T. V/2005, 129 a 132.]

Não colide com os princípios da legalidade, da unidade do sistema e do acesso ao direito, o facto de não ser aplicável ao prazo de impugnação da decisão da autoridade administrativa o regime de dilação da prática de actos processuais para além dos prazos preclusivos fixados nos ordenamentos processuais penais e civis. O quadro em que se desenvolve a actividade instrutória do processo tendente à aplicação de uma coima, embora revestindo e assumindo características que colimam com os procedimentos processuais penais, não se confunde com eles, pelo menos na sua organicidade, nem atinge foros de dignidade sistémica que permita equiparar a natureza dos actos administrativos que neste tipo de procedimento hajam de ser praticados. A diferença de densificação preceptiva decorre da natureza dos ilícitos concursantes e desprende-se do alcance ético-social que se visa com cada um dos ordenamentos.

Afigura-se-nos incontroverso que, tendo o requerimento para impugnação da decisão administrativa dado entrada nos serviços competentes aptos à recepção do requerimento – cfr. n.º 3 do artigo 59.º do Regime Geral das Contra-Ordenações – no dia em que expirava o prazo para a prática do acto, a sua tempestividade se encontra verificada.

Ocorreu uma deficiente leitura do prazo pelo que o recurso deverá obter provimento.

III. – Decisão.

Na decorrência do exposto decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em:

- Julgar procedente o recurso interposto pelo recorrente P... e, consequentemente, revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outro que receba o recurso tempestivamente apresentado.

- Sem tributação.

Coimbra, 28 de Janeiro de 2009

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(Gabriel Catarino, relator)

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(Barreto do Carmo)