Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
382/21.0T8SPS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: NOMEAÇÃO DE PATRONO
PEDIDO DE ESCUSA
INTERRUPÇÃO DO PRAZO EM CURSO
Data do Acordão: 09/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SÃO PEDRO DO SUL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: INDEFERIMENTO POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 34.º, N.ºS 1, 2 E 3, DA LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO
Sumário:
I – Decorre do art. 24º, nº4 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, que incumbe ao requerente do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, e parte interessada na interrupção do prazo que estava a correr, juntar cópia do respetivo pedido ao processo para o qual requereu aquele benefício, pelo que os prazos em curso só se interrompem com a junção aos autos, pelo requerente de apoio judiciário que pretende a nomeação de patrono, do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o respetivo procedimento administrativo.

II – No caso de o patrono nomeado pedir escusa à Ordem dos Advogados (art. 34º, nº 1 do citado diploma), e havendo já procedimento pendente, interrompe-se o prazo que estiver em curso – art. 34º, nº 2 –, quando o patrono comunique e comprove no processo, por qualquer forma, a apresentação do pedido de escusa – art. 34º, nº 3, ambos do mesmo diploma, sendo para o mesmo um “dever”.

III – Mas na falta de comunicação dessa situação por parte do Patrono nomeado, se tiver lugar a certificação junto do processo, pelo SINOA, de que teve lugar um tal pedido de escusa, com base nesta informação, pode-se considerar interrompido o prazo em curso, contanto que tal informação tenha chegado ao processo antes de decorrido o prazo.

IV – É que para efeitos da dita interrupção do prazo em curso, o art. 34º, nº 2 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho não impõe ou determina que seja o patrono nomeado a comprovar o pedido de escusa, ou que só possa ser ele a fazer a “junção” do “documento comprovativo do pedido de escusa”.»

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            A decisão singular do Juiz Relator nesta instância de recurso, de apreciação e decisão sobre o recurso da Requerente que pugnava pela extemporaneidade da Oposição apresentada pelos Requeridos, por falta de apresentação de comprovativo de formulação de pedido de escusa por banda do Patrono Oficioso nomeado, dentro do prazo legal para apresentação da Oposição, foi no sentido de «a falta da comunicação ao processo, por parte dos Exmos. Patronos que sucessivamente foram pedindo escusa, se encontra suprida quando está adquirido no processo – por informação prestada pela entidade que aprecia e decide esses pedidos de escusa – que os pedidos de escusa foram formulados e que, com base nesta informação, seja de considerar interrompido o prazo em curso.».

Notificada que foi da dita decisão singular, veio a Requerente, AA,RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA” – fundamentando esta sua pretensão com base, em síntese, no seguinte:

«a) Nos presentes autos foi decidido de forma singular que “Mas é de admitir que a falta de comunicação dessa situação, por parte do Patrono nomeado, possa considerar-se suprida quando seja paralelamente comunicado ao processo pelo SINOA que esse pedido de escusa foi formulado e que, com base nesta informação, se possa considerar interrompido o prazo em curso, desde que tal informação tenha chegado ao processo antes de decorrido o prazo”;

b) A decisão em causa não tem suporte legal ;

c) A contagem do prazo para deduzir oposição ao procedimento cautelar com a nomeação do Sr. Dr. BB, em 9 de Março, o qual não juntou aos autos qualquer pedido de escusa;

d) O prazo interrompido começa a correr de novo, por inteiro, a partir da notificação do patrono nomeado, desde que o requerente do apoio judiciário conheça essa nomeação, por dela ter sido entretanto notificado. Nesse sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2020 (Série I de 18/11/2020);

e) In casu os Requeridos/Recorridos não alegaram qualquer dificuldade de conhecimento ou de contacto com o Patrono Nomeado;

f) A decisão em crise configura um caso de recurso à analogia, de forma a considerar a interrupção do prazo pela junção aos autos de nova nomeação de patrono, no entanto, está arredada a possibilidade de integração de eventual lacuna da lei (por falta de qualquer referência a essa concreta interrupção) com base em norma a criar, análoga à dos arts. 24.º, n.º 4 e n.º 5 e 34.º, n.º 2 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho.

g) As normas excepcionais, como é o caso do disposto no artigo 34.º, n.º 2 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, não admitem o recurso à aplicação analógica (art 11º do Código Civil) ;

h) “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. “, artigo 9º, nº 3 do Código Civil.»

                                                           *

            Consabidamente, tal corresponde a uma reclamação para a conferência, nos termos da parte final do nº3 do art. 652º do n.C.P.Civil,

                                                                       *

            A esta reclamação não foi apresentada qualquer resposta.

                                                                       *

            Cumpre pois decidir, uma vez que tanto se impõe e a tal nada obsta.

                                                                       *

            ..., o teor da decisão singular em referência:

            «(…)

               1 – RELATÓRIO

               AA intentou procedimento cautelar comum contra CC, DD, EE e EE, pedindo a final que:

               «Nestes termos, e nos melhores de Direito, requer - se a V. Exa se digne;

a) Admitir o presente procedimento cautelar, sem audiência dos Requeridos, a fim de não comprometer o efeito util deste procedimento;

b) Julgar o presente procedimento cautelar procedente por provado e em consequência ser proferida decisão que ordene a ímediata desocupação dos Requeridos da propriedade designada “...”, sito no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., distrito ..., o qual se encontra inscrito na matriz rústica sob o artigo ...36º da mencionada freguesia ..., o qual se encontra inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...55 e que actualmente tem entrada pela Avenida ....

c) Caso se mostre necessário que seja autorizado o arrombamento das portas convocando-se para o efeito as autoridades policiais da área;

d) Mas se requer que seja proferida decisão no sentido de proibir os requeridos de entrarem na referida propriedade até o trânsito em julgado da acção principal;

e) Que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória no montante de 100 € por cada dia em que os requeridos acessem ao interior da propriedade.»

                                                                                         *

               Tendo sido indeferida a dispensa da prévia audição dos Requeridos, foram estes notificados para, querendo, deduzir oposição em 10 dias – o que foi operado em 15.02.2022.

               Na sequência, por requerimento que deu entrada nos autos em 21.02.2022, os Requeridos pugnaram no sentido de que fosse aproveitado para os presentes autos o pedido de apoio judiciário, nomeadamente de nomeação de advogado para os patrocinar, de que ainda não lhes fora comunicada resposta definitiva, «(…) iniciando-se, também aqui, o prazo para contestar quando do deferimento/indeferimento de tal Apoio Judiciário.»

                                                                                         *

               Por requerimento entrado nos autos em 4.03.2022, o Exmo. Advogado FF, enquanto patrono nomeado a CC e DD, comunicou que havia pedido “dispensa de patrocínio/escusa”.

                                                                                         *

               Por requerimento igualmente entrado nos autos (principais) em 10.03.2022, o Exmo. Dr. GG, na qualidade de “patrono nomeado nos presentes autos”, veio informar que tendo sido nomeado nesses autos aos ditos Requeridos CC e DD, no dia 07.03.2022, no dia 08.03.2022 havia pedido escusa destas nomeações.

                                                                                         *

               Por outro lado, resulta da consulta dos autos (principais), que a 10.03.2022 foi comunicado, pelo SINOA, aos autos, a nomeação em 9.03.2002 aos ditos Requeridos CC e BB em substituição do Dr. GG, que a 15.03.2022 foi comunicado, pelo SINOA, aos autos, a nomeação aos mesmos Requeridos CC e DD em substituição do Dr. BB, que a 16.03.2022 foi comunicado, pelo SINOA, a nomeação, aos ditos Requeridos CC e DD, da Dra. HH como sua patrona (de ambos), e, em relação aos mesmos Requeridos, a 21.03.2022 é comunicada aos autos a nomeação do Dr. II em substituição da Dra. HH.

                                                                                         *

Na oportuna sequência, a Requerente AA, notificada das JJ deduzidas pelos Requeridos, veio pugnar pelo seu indeferimento liminar, por serem extemporâneas, mais concretamente quanto à apresentada pelos Requeridos CC e DD em 31.03.2022, com a argumentação de que «Nos autos principais e no dia 9 de Março, foi nomeado patrono aos Requeridos DD e CC, o Ilustre Advogado, Sr Dr. BB, cfr oficios da Ordem dos Advogados juntos aos autos em 10 de Março; b) Até à presente data não foi junto aos autos qualquer comprovativo de ter sido requerida escusa do respectivo patrocínio, motivo pelo qual se requer que seja declarado precludido o prazo para deduzir oposição no presente apenso.»

                                                                                         *

Versando sobre tal requerimento, veio a ser proferido o seguinte despacho judicial:

«Requerimento de fls. 60 e s. (de 28 de Março):

Através daquele veio a requerente pugnar pela declaração de preclusão da possibilidade de os requeridos CC e DD apresentarem oposição, pois que, tendo-lhes sido nomeado, a 9 de Março, como patrono, no âmbito do benefício do apoio judiciário que lhes fôra concedido, o Dr. BB, até à data da apresentação do requerimento em apreço ainda não fôra junto ao processo qualquer comprovativo de formulação de eventual pedido de escusa por banda daquele Ilustre causídico. Refere a requerente que somente tal apresentação poderia fundamentar a interrupção do prazo em curso, que seria, entenda-se, aquele de 10 dias para apresentação de oposição.

Trata-se, salvo o devido respeito, de uma falsa questão suscitada pela requerente.

Assim, certo é que até à data da apresentação da oposição deduzida pelos requeridos CC e DD (a 31 de Março cfr. fls. 91 e ss.) nenhum comprovativo de pedido de escusa se mostra junto aos autos.

Todavia, como se observa da compulsa do processo electrónico, a 16 de Março foi comunicado, pelo SINOA, a nomeação, aos ditos requeridos, da Dra. HH como sua patrona (de ambos). E a 21 de Março é comunicada aos autos a nomeação do Dr. II em substituição da Dra. HH.

Ou seja, mostram-se comunicadas e comprovadas, nos autos, circunstâncias interruptivas do prazo para apresentação de oposição pelos requeridos em causa, nunca esse prazo se tendo completado entre comunicações/nomeações.

E a oposição daqueles requeridos vem a ser apresentada no 10º dia posterior à nomeação do respectivo Ilustre subscritor/patrono (sem contabilizar, como seria devido, uma dilação paralela à prevista no artº 255º do CPC).

Termos em que julgo improcedente a invocada preclusão para apresentação de oposição por banda dos requeridos CC e DD.

*

Custas do incidente pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

*

Notifique.»

                                                                                         *

Inconformada, apresentou a Requerente recurso de apelação contra tal decisão, sendo que as alegações terminam com as seguintes conclusões:

«a) O presente recurso visa sindicar o douto despacho que julgou tempestiva a apresentação da Oposição por banda dos Requeridos CC e DD;

b) Porquanto os mesmos juntaram aos autos principais o comprovativo de terem requerido o beneficio do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, facto que interrompeu os prazos em curso, nos termos do disposto no nº 4 do art 24º da Lei n.º 34/2004,

c) Dispoe o nº 5 do referido artigo 24º que “ O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; “

d) Depois de dois pedidos de escusa, juntos aos autos por dois patronos nomeados, foi nomeado aos Recorridos o Sr Dr BB, em 9 de Março.

e) Com esta nomeaçao reiniciou-se a contagem do prazo, por força do nº 5 do referido artigo 24º;

f)) As sucessivas nomeações de patrono não tiveram a virtualidade de fazer fazem interromper o prazo, pois a Lei não lhes atribui essa função;

g) Está arredada a possibilidade de integração de eventual lacuna da lei (por falta de qualquer referência a essa concreta interrupção) com base em norma a criar, análoga à dos arts. 24.º, n.º 4 e n.º 5 e 34.º, n.º 2. da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho. “

Termos em que, revogando -se o douto despacho recorrido e substituindo –o por outro que declare extemporânea a oposição apresentada, farâo V. Exas, a costumada

Justiça!»

                                                                                         *

               Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                                                         *

Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                                         *

               2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do N.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine”, do mesmo N.C.P.Civil):

- desacerto da decisão proferida, atenta a extemporaneidade da Oposição apresentada pelos Requeridos, por falta de apresentação de comprovativo de formulação de pedido de escusa por banda do Patrono Oficioso nomeado, dentro do prazo legal para apresentação da Oposição?

                                                                                         *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em conta para a presente decisão são os que decorrem do Relatório supra.

                                                                                         *

               4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Questão do desacerto da decisão proferida, atenta a extemporaneidade da Oposição apresentada pelos Requeridos, por falta de apresentação de comprovativo de formulação de pedido de escusa por banda do Patrono Oficioso nomeado, dentro do prazo legal para apresentação da Oposição:

Que dizer?

De referir que a argumentação da Requerente/recorrente é feita essencialmente com referência à nomeação do Dr. BB como Patrono oficioso aos Requeridos ora recorridos, sendo certo que essa nomeação teve lugar em 9 de Março de 2002, e que o prazo de Oposição era de 10 dias, sendo que a Oposição deu entrada nos autos a 31 de Março de 2022, e que o prazo da oposição havia (re)começado a correr por força do disposto nº 4 do art 24º da Lei n.º 34/2004, com aquela nomeação, não tendo sido interrompido, designadamente com as sucessivas nomeações de Patrono, porquanto não comunicadas ao processo.

Vejamos, em primeiro lugar, o que nos dizem os normativos aplicáveis.

Consabidamente, a concessão do apoio judiciário é da competência do Instituto da Segurança Social em procedimento administrativo, autónomo, regulado nos art.os 19º a 38º da Lei n.º 34/2004, de 20.7..

Ora, quanto deduzido na pendência de procedimento judicial «e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo» – art. 24º, nº 4 desse diploma legal.

Por sua vez, o prazo interrompido renova-se «conforme os casos: a) a partir da nomeação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono» – art. 24º, nº 5 do mesmo diploma.

Sucede que o patrono nomeado pode pedir escusa à Ordem dos Advogados (em requerimento fundamentado) – art. 34º, nº 1 do mesmo diploma.

Fazendo-o, e havendo, já, procedimento pendente, interrompe-se o prazo que estiver em curso – art. 34º, nº 2 –, desde que o patrono comunique e comprove no processo a apresentação do pedido de escusa – art. 34º, nº 3, ambos do mesmo diploma.

E, sendo concedida a escusa é nomeado e designado novo patrono – art. 34º nº 5 – (re)iniciando-se o prazo interrompido no momento em que lhe seja notificada a sua designação – art. 24º, nº 5, por remissão do art. 34º, nº 2, in fine, todos do citado diploma legal.

Face a este quadro legal, resulta preceituado que, em caso de pedido de escusa por parte do Patrono nomeado, só se interrompe o prazo que estiver em curso, desde que o mesmo comunique aos autos esse pedido de escusa.

No caso dos autos temos que ocorreram sucessivas nomeações de Patrono – dadas os sucessivos pedidos de escusa por parte de quem era nomeado – sendo que, mais concretamente, nem por parte do Dr. BB (nomeado em 9.03.2022), nem dos que se lhe seguiram houve qualquer comunicação aos autos de pedido de escusa.

Neste conspecto, será que se podia considerar interrompido o prazo (de Oposição) em curso até que teve lugar a nomeação do último dos Patronos (o Dr. II, em 21.03.2022) e que veio a apresentar o articulado de Oposição em nome dos Requeridos ora recorridos (em 31.03.2022)?

Na decisão recorrida respondeu-se afirmativamente a uma tal questão, argumentando-se que o SINOA comunicou aos autos (principais) as sucessivas nomeações, isto é, que se mostravam «(…) comunicadas e comprovadas, nos autos, circunstâncias interruptivas do prazo para apresentação de oposição pelos requeridos em causa, nunca esse prazo se tendo completado entre comunicações/nomeações».

E, em nosso entender, bem.

Atente-se que quanto à interrupção dos prazos em curso, nos termos do art. 24º nº 4 da Lei nº 34/2004, o entendimento maioritário (e também por nós perfilhado) é no sentido de que os prazos em curso só se interrompem com a junção aos autos, pelo requerente de apoio judiciário que pretende a nomeação de patrono, do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o respetivo procedimento administrativo.[2]

Sucede que essa citada jurisprudência maioritária – porventura em alguma medida sensível aos argumentos de sentido contrário[3], e face a situações de injustiça mais clamorosa! – ressalva desse entendimento situações em que o tribunal vem a obter conhecimento, durante a pendência do prazo de defesa, de que fora pedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.

Cremos que se pode e deve fazer uma interpretação paralela para a situação ajuizada.

Na verdade, foi comunicado aos autos pelo SINOA as sucessivas nomeações (naturalmente consequentes de pedidos de escusa), pelo que a situação foi oficial, e de forma certificada, conhecida nos autos.  

Isto é, importa concluir que a falta da comunicação ao processo, por parte dos Exmos. Patronos que sucessivamente foram pedindo escusa, se encontra suprida quando está adquirido no processo – por informação prestada pela entidade que aprecia e decide esses pedidos de escusa – que os pedidos de escusa foram formulados e que, com base nesta informação, seja de considerar interrompido o prazo em curso. [4]

Mormente porque tal informação/comunicação aos autos teve lugar antes de decorrido o prazo que estava em curso!

Com paralelismo, s.m.j., já foi doutamente sustentado em douto aresto que «(…) só um espúrio rigorismo formalista pode levar a sustentar que ainda não está preenchida a essencial razão de ser subjacente à imposição do acima aludido dever».[5]

Deste modo improcedendo inapelavelmente a argumentação recursiva e o recurso.

                                                                                         *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Decorre do art. 24º, nº4 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, que incumbe ao requerente do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, e parte interessada na interrupção do prazo que estava a correr, juntar cópia do respetivo pedido ao processo para o qual requereu aquele benefício, pelo que os prazos em curso só se interrompem com a junção aos autos, pelo requerente de apoio judiciário que pretende a nomeação de patrono, do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o respetivo procedimento administrativo.

II – No caso de o patrono nomeado pedir escusa à Ordem dos Advogados (art. 34º, nº 1 do citado diploma), e havendo já procedimento pendente, interrompe-se o prazo que estiver em curso – art. 34º, nº 2 –, desde que o patrono comunique e comprove no processo a apresentação do pedido de escusa – art. 34º, nº 3, ambos do mesmo diploma.

III – Mas é de admitir que a falta de comunicação dessa situação, por parte do Patrono nomeado, possa considerar-se suprida quando seja paralelamente comunicado ao processo pelo SINOA que esse pedido de escusa foi formulado e que, com base nesta informação, se possa considerar interrompido o prazo em curso, desde que tal informação tenha chegado ao processo antes de decorrido o prazo.

*

6 – DISPOSITIVO

               Pelo exposto, decide-se a final julgar totalmente improcedente o recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

Custas do recurso pela Requerente ora recorrente.»

                                                           *

Que dizer do argumento de que a decisão singular “carece de fundamento legal”?

Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à Requerente ora Reclamante, aliás, só se compreendendo esta linha de argumentação como fruto de uma deficiente interpretação dos normativos legais atinentes.

Senão vejamos.

O que o nº 2 do art 34º da Lei n.º 34/2004 nos diz, na sua literalidade, é o seguinte:

«2. O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no nº 5 do artigo 24º.» [sublinhados nossos]

Ora se assim é, esta norma não impõe ou determina que seja o patrono nomeado comprovar o pedido de escusa …

Ou que só possa ser ele a fazer a “junção” do “documento comprovativo do pedido de escusa”…

É certo que o nº3 deste mesmo dispositivo complementa a situação, preceituando que «O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.» [sublinhado nosso]

Acontece, desde logo, que essa “comunicação” pode ter lugar sem que seja junto “documento comprovativo do pedido de escusa”…

Acresce que se a comunicação por parte do patrono cumpre naturalmente um objetivo de boa ordem processual e de mais fácil controlo dos termos processuais, tal não retira que, s.m.j., esse “dever”, precisamente enquanto tal, releva mais propriamente para efeitos deontológicos e disciplinares do próprio.

Atente-se que o nº2 pré-citado alude mais propriamente à “junção” aos autos do documento comprovativo do pedido de escusa, o que tem o significado mais amplo do que “comunicação pelo patrono”, isto é, permite e contempla a interpretação de que a certificação da situação possa ter lugar, nomeadamente, pela própria entidade a quem foi formulado o pedido de escusa pelo patrono, a saber e na circunstância, pelo “SINOA” [como resulta do nº1 do mesmo normativo].

Esta é uma interpretação que, no limite, configura uma interpretação extensiva deste normativo.

Na verdade, sobre a distinção entre interpretação extensiva e analogia, já nos foi doutamente ensinado que «interpretação extensiva é o alargamento da letra da lei, a analogia é o alargamento do seu espírito».[6]

«Com efeito, e quanto à interpretação extensiva, pressupõe a mesma que, por via interpretativa, se conclua que o legislador minus dixit quam voluit, ou seja, não podem restar dúvidas que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, que o legislador disse menos do que queria; e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo (Sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, vide, de novo, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, págs. 185-186). Contudo, isso terá que ser feito sem esquecer que «não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (conforme art. 9.º, n.º 2, do CC)»[7]

Dito de outra forma: a interpretação extensiva limita-se a esclarecer o pensamento legislativo de certa norma, em face de uma redação demasiado restrita, mas sem pretender aplicá-la a casos que ela não previu, como já sucede no processo analógico.

E com isto já se respondeu ao outro grande argumento da Requerente/Reclamante, qual seja, o de que o nº2 do art. 34º da Lei n.º 34/2004, como norma excecional que é, não permite aplicação analógica [cf. art. 11º do C.Civil].

Posto que não se trata de uma qualquer aplicação analógica, sendo certo que essa mesma norma legal, o dito art. 11º do C.Civil, ressalva/permite a interpretação extensiva!       

Por outro lado, importa não olvidar que a informação/comunicação aos autos teve lugar antes de decorrido o prazo que estava em curso, pelo que, como oportunamente se sublinhou na decisão singular sob reclamação «(…) só um espúrio rigorismo formalista pode levar a sustentar que ainda não está preenchida a essencial razão de ser subjacente à imposição do acima aludido dever»[8].

Nesta linha de entendimento, a “síntese conclusiva” anteriormente formulada e constante da decisão singular sob reclamação, poderia ser reformulada/complementada pela seguinte forma:

(…)

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, se conclui no sentido do indeferimento desta reclamação. 

                                                                       *

            Decisão:

            Assim, no indeferimento da reclamação apresentada, mantém-se a decisão singular do Juiz Relator sob reclamação.

            Custas do incidente da reclamação pela Reclamante/Requerente, que se fixam em 1 UC.

                                                                       *

Coimbra, 28 de Setembro de 2022

Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro

 Carlos Moreira



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] Cf. a cuidadosa recensão da jurisprudência dos Tribunais da Relação de Lisboa, Porto, Coimbra e Guimarães neste sentido, constante do acórdão do TRL de 24.09.2019, proferido no proc. nº 8309/16.5T8LRS-B.L1-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl, no qual se procede, ainda, à crítica negativa do acórdão do mesmo TRL de 8.06.2017, proferido no proc. nº 13177/10.8T2SNT-A.L1-2 (também ele acessível no mesmo site), cuja argumentação veio a ser reproduzida no acórdão do TRC de 26.10.2020 (proferido no proc. nº 2511/19.5T8CBR-A.C1), crítica essa que subscrevemos inteiramente.
[3] Nomeadamente os elencados nos dois acórdãos citados na precedente nota, a saber, o do TRL de 8.06.2017, e do TRC de 26.10.2020…
[4] Cf., neste sentido, inter alia, o acórdão do TRC de 20.11.2012 (proferido no proc. nº 1038/07.2TBGRD-A.C1 e o acórdão do TRP de 09/02/2012 (proferido no proc. nº 5406/10.4TBMAI-A.P1), ambos igualmente acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Trata-se do acórdão do TRC de 05.05.2015, proferido no proc. nº 50/14.0T8CNT.C1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[6] Assim por INOCÊNCIO GALVÃO TELES, in “Introdução ao Estudo do Direito”, Volume 1, 1ª edição, Coimbra Editora, págs. 261-262.
[7] Citámos agora o acórdão do TRC de 03.11.2020, proferido no proc. nº 1097/19.5T8PBL-A.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, o qual, aliás, foi invocado pela Requerente/reclamante, sendo certo que a situação factual sobre o qual este versou – a substituição do patrono oficiosoé diversa da da escusa do patrocínio oficioso, nestes autos em causa…
[8] Aqui se reproduzindo, uma vez mais, o aduzido no acórdão do TRC de 05.05.2015, proferido no proc. nº 50/14.0T8CNT.C1, o qual se louva, inter alia, no acórdão do TRC de 20.11.2012 (proferido no proc. nº 1038/07.2TBGRD-A.C1 e no acórdão do TRP de 09/02/2012 (proferido no proc. nº 5406/10.4TBMAI-A.P1), todos eles acessíveis em www.dgsi.pt.