Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2851/23.9T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: ALTERAÇÃO OFICIOSA DA MATÉRIA DE FACTO
NORMAS DE DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
VENDA DE IMÓVEL
PROVA DO CONTRATO
FORMALIDADE AD SUBSTANTIAM
INADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL E CONFISSÃO
CONTRATOS-PROMESSA DE TRANSMISSÃO DE IMÓVEL
ESTIPULAÇÃO DE CLAUSULAS ACESSÓRIAS
Data do Acordão: 03/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 270.º, 364.º, 394.º, N.º 1 E 2, 405.º, 410.º, N.º 3, E 875.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 662.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I- A rejeição do recurso no que se reporta à impugnação da matéria de facto, não obsta a que o tribunal sindique a decisão da matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando verificar que foram violadas normas de direito probatório material (artº 662, nº1 do C.P.C.).

II-A alienação de imóveis só pode ser feita por escritura pública ou documento particular autenticado (artº 875 do C.C.), sendo esta uma formalidade ad substantiam.

III-Nessa medida, a prova da alienação de um imóvel só pode ser feita pela junção do respectivo documento, não sendo admitida a prestação de prova testemunhal ou mesmo por confissão (artº 364 do C.C.)

IV- A estipulação de clausulas acessórias em relação à obrigação principal, é permitida pelo nosso ordenamento civil (artº 270 e 405 do C.C.), não estando excluída no caso da promessa de aquisição de imóvel.

V- No entanto, sendo exigida a forma escrita para os contratos-promessa de transmissão de imóveis (artº 410, nº3 do C.C.), forma efectivamente adoptada pelas partes, quaisquer clausulas acessórias, nomeadamente resolutivas, têm de seguir a mesma forma.

VI- Resulta do disposto no artº 394 nº1 e 2 do C.C. que não é admissível prova testemunhal da existência de quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento exigido para a declaração, quer estas sejam anteriores à sua formação, contemporâneas dele ou posteriores.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: *

Recorrentes: AA

                BB

Recorrida: A... Lda.

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Luís Manuel Carvalho Ricardo

                                         Hugo Meireles


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


RELATÓRIO

AA e BB, instauraram a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra A..., Lda., pedindo que, reconhecido o incumprimento da Ré, seja:

- reconhecida a validade e eficácia da resolução automática do contrato promessa de compra e venda que ajustou com a Ré, nos termos do nº 5 da sua cláusula terceira e com efeitos a partir da data de receção da missiva de 24 fevereiro 2023”, ou, subsidiariamente, “declarado resolvido tal contrato promessa, por verificação da condição resolutiva que constitui a base do negócio”, e, por essa via, a Ré condenada a devolver aos Autores a quantia de 58.000,00€, dobro do sinal que lhe entregaram por força do dito contrato, assim como no pagamento da quantia adicional de 15.000,00€ a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos;

- em alternativa a tais pedidos, e na sua improcedência, que seja declarada a validade da execução específica do contrato promessa celebrado entre AA. e Ré, e esta condenada a cumpri-lo por via de tal execução específica, com a consequente transferência da sua titularidade para os AA.

Fundamentam a sua pretensão alegando a celebração de contrato promessa com a Ré, em 28 de Junho 2021, obrigando-se a comprar e esta a vender, pelo preço de 190.000,00€, uma casa de habitação composta de rés do chão, dependências e logradouro, sito na Rua ..., ..., em ..., tendo entregue à R. a quantia de 29.000,00€ como sinal e princípio de pagamento e que, tendo sido acordado que a R. entregaria aos AA. “toda a documentação necessária para a realização da escritura”, os AA. viram-se impedidos de marcar a escritura, por erro na descrição do imóvel quanto às áreas.

Mais alegam que a R. não procedeu à correcção das áreas, pelo que no dia 6 de Fevereiro de 2023 procederam à entrega das chaves do prédio objeto do contrato, e remeteram carta à R. a solicitar a devolução do sinal em dobro, o que esta recusou, causando-lhes danos morais e patrimoniais que fixam em 15.000,00€.


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A R. apresentou contestação, alegando que os AA. não marcaram a escritura no prazo de 60 dias após a emissão da licença de utilização, conforme contratado, e que, apesar de nenhuma culpa ter no conteúdo da licença emitida, acedeu ao pedido dos AA. e pediu o averbamento da retificação da área, que foi efetuado em 09/12/2022, pelo que a escritura deveria ser realizada até 07/02/2023, o que não ocorreu, tendo a carta referida pelos AA. sido enviada muito depois da data em que estes deveriam ter procedido à marcação da escritura de compra e venda.

Em reconvenção, invoca o incumprimento dos AA. e ainda danos por estes provocados no imóvel, no valor de 3.044,24€.

Mais alega que os AA. usufruíram da casa durante 19 meses, sem que nada tivessem pago, sendo que o preço de renda de uma casa como aquela é de 500,00€/mês, que corresponde ao prejuízo da Ré caso a tivesse arrendado a terceiros.

Por último, alega que a casa foi entregue aos AA. como nova, e que depois de ter resolvido o contrato com os AA. procurou vendê-la, mas tendo sinais de uso a melhor oferta que obteve foi de 150.000,00€, muito aquém do preço acordado com os AA., pelo que teve um prejuízo de 40.000,00€, por culpa exclusiva dos AA.

Conclui pela procedência do pedido reconvencional e, em consequência peticiona que seja:

- reconhecido e, declarado que houve incumprimento do contrato-promessa e respetivos aditamentos por culpa exclusiva dos autores;

- reconhecido à ré o direito de fazer seu o sinal recebido;

- os autores condenados no pagamento da quantia de €3.044,25 referente a danos por si provocados no imóvel que habitaram;

- os autores condenados a pagar à R. o benefício que tiveram ao habitaram a casa, benefício que se computa em €9500,00;

- os autores condenados no pagamento do prejuízo sofrido pela ré pelo facto de terem desvalorizado o imóvel no montante de €40.000,00.


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Os AA. replicaram, alegando que só em 30/12/2021 foram viver para o imóvel e dele saíram a 03/12/2022; que durante o ano de 2022 lhes foi pedida diversa documentação pelo Banco para avançar com o crédito à habitação, tendo sido alertados para o erro na área do imóvel; e que antes da emissão da licença tinham alertado a Ré para tal erro, e esta nunca entregou a licença com a área retificada aos AA, nem nunca fizeram a retificação da área nas finanças e no registo predial para que a escritura de compra e venda fosse realizada; que deixaram a casa nas devidas condições, e que aquando do 2º aditamento ao contrato promessa entregaram à Ré a quantia de 10.000,00€ pela sua ocupação, que lhes seria devolvida após a realização da escritura; e que a Ré litiga de má fé, alterando a verdade dos factos, não podendo desconhecer que a razão da não realização da escritura se deveu à falta de retificação da área nas finanças e no registo predial, pelo que deve ser condenada em multa e indemnização aos AA. não inferior a 10 UC´s.

*

A Ré respondeu ao pedido de condenação em litigância de má fé, propugnando pela sua improcedência.

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Foi dispensada a audiência prévia, e proferiu-se despacho saneador, procedendo-se de seguida à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas de prova.

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Após, realizou-se audiência de julgamento, sendo proferida sentença na qual se decidiu:

1. Julgar a ação improcedente, por não provada, e, por via disso, absolver a Ré de todos os pedidos nela formulados;

2. Julgar a reconvenção parcialmente procedente, declarando-se resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado em 28/06/2021, entre Autores e Ré, e, por via disso, condenam-se os Autores:

a) a reconhecer que Ré tem direito a fazer sua a quantia de 19.000,00€ (dezanove mil euros) por eles entregue a título de sinal e princípio de pagamento;

b) a pagar à Ré a quantia de 3.044,25€ (três mil e quarenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos) referente a danos provocados pelos AA. no imóvel que habitaram e objeto do contrato promessa;

c) a pagar à Ré a quantia de 6.500,00€ (seis mil e quinhentos euros) a título de benefício que tiveram ao habitarem a casa;

d) a pagar à Ré, a título de prejuízo sofrido pela desvalorização do imóvel, em quantia a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o preço prometido comprar (190.000,00€) e o valor pelo qual foi adquirido por terceiros, nunca podendo exceder a quantia peticionada a esse título pela Ré (40.000,00€).

- Custas: na ação: pelos AA.; na reconvenção: pelos Autores [quanto às alíneas b) e c)] e por Autores e Ré. em partes iguais quanto à al. d), sem prejuízo da sua posterior correção, nesta parte, em sede de liquidação.”


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Não conformada com esta decisão, impetraram os AA. recurso da mesma relativamente à matéria de facto e de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“(…)

3º- Reza o disposto no artigo na alínea d) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direitos que justifiquem a decisão; quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão…

4º - Nos presentes autos os recorrentes, fazem assentar das suas causas de pedir da resolução do contrato de promessa de compra e venda celebrado com a recorrida, devolução do sinal em dobro e indemnização pelos danos morais e patrimoniais.

5º - Incumprimento definitivo do contrato promessa; deve ser imputado á Ré, desde logo, o Contrato de Promessa de Compra e Venda celebrado entre recorrentes e recorrida é um contrato condicional, encontrando-se a celebração da escritura pública de compra e venda sujeita à verificação da condição prévia, de natureza resolutiva, expressamente acordada na Cláusula Terceira, número 4 e ainda sujeito a termo (certo) de duração e de cessação, vide Cláusula Terceira, n.º 4, doc n.º 1 junto p.i…. “Para o efeito, os primeiros outorgantes obrigam-se a entregar aos segundos outorgantes, atempadamente, toda a documentação necessária para a realização da referida escritura.”, (sic), o que nunca veio a acontecer por parte da Recorrida.

6º- Conforme doc. n.º 1 da douta contestação, a licença de utilização foi emitida a 30 de setembro de 2022, pelo que, e de acordo com a cláusula terceira do contrato até 30 de novembro de 2022 deveria ter sido celebrada a escritura.

7º - Verificou-se um erro da descrição do imóvel e a falta da correção junto das entidades competentes, por culpa da recorrida.

8º- Esse erro, não permitiu que a instituição financeira Banco 1..., a realização da escritura de compra e venda do imóvel, pois não foi facultada a documentação necessária, nomeadamente a retificação de áreas por parte dos promitentes vendedores, conforme consta na página 7 da avaliação do Banco Banco 1..., conforme doc. 7 junto com p.i.

9º- A convicção do Tribunal ad quo sobre a matéria de facto provada e não provada, baseou-se desse logo na “posição que as partes tomaram no processo perante os factos articulados, admitindo-os ou impugnando-os, no acervo documental junto aos autos, valorado de acordo com os critérios fixados na lei substantiva para o efeito, nas declarações de parte da Autora e no conjunto da prova testemunhal produzida.” (sic)

10º- O tribunal ad quo, não valorou a prova documental, a recusa do banco Banco 1... e Banco 2... por documento (n.º 8).

11º- A prova testemunhal CC, secção gravada, dia 24.06.2024: 10:13; 10:37; 00:23:52, nomeadamente e com interesse nas suas declarações supra mencionadas e identificadas,.. “fazia a ponte com a parte vendedora. Porque, os documentos nunca chegaram ou chegaram tarde esteve aqui um dilema muito grande, portanto estamos a falar de finais de junho 2020/21 até final do ano de 2022, estamos a falar tempo enorme; Licença de utilização em primeira mão e com uma obra uma reconstrução, marcou ali edificação, houve alterações de área era necessário fazer ali constar as retificações do imóvel, nomeadamente caderneta predial e certidão permanente”. Era do conhecimento de todas as partes que os compradores iam comprar precisavam de um financiamento; que o Senhor DD em novembro ou dezembro do ano de 2022, quase final do ano, o marido da Senhora EE, contatou um sábado a perguntar se eu estava em ..., porque os compradores pretendiam devolver a chave do imóvel.

12º- A douta fundamentação do Tribunal ad quo, quanto à testemunha CC para fundamentação da douta decisão, apenas relevou…”pois tudo foi tratado pelo comercial que ficou responsável pelo negócio, ora constata-se durante o seu depoimento a sua participação foi muito mais, conforme o supra citado: … fazia a ponte com a parte vendedora, Licença de utilização em primeira mão e com uma obra uma reconstrução, marcou ali edificação, houve alterações de área era necessário fazer ali constar as retificações do imóvel, nomeadamente caderneta predial e certidão permanente.

13º- A testemunha direta, presencial quanto aos factos do litigio, o seu depoimento foi merecedor de credibilidade, pelo que não há dúvidas, que embora não estivesse clausulado, foi da vontade e de conhecimento dos Autores e Ré, que aqueles pagavam o preço do imóvel com recurso a empréstimo bancário.

14º - Também, a testemunha declarou que após emissão da primeira licença de utilização 30.09.202, houve necessidade de retificação da mesma, porque o empréstimo bancário, o exigia.

15º - Duvidas não subsistem que era do conhecimento da recorrida, que se prontificou a retificar a primeira licença de utilização, solicitando os serviços de um advogado, Testemunha: Dr.ª FF, 4:25, 14:33, 00:07:53: que alega que a retificação da área, foi o banco que exigiu, porque o banco não aceita fazer a escritura, quando havia a diferença entre área efetiva do terreno.

16º- A testemunha, carreada aos autos pela Ré, merecendo toda a credibilidade, afirmou, com

convicção que o motivo da retificação das áreas, que era uma condicionante do banco.

17º - A Testemunha: GG: 14:09,14:24, 00:15:16, alegou que antes de fazer uma escritura, por vezes tiro para ver se têm dividas; e não, segundo a fundamentação do Tribunal ad quem:…”de obter os documentos necessários para a liquidação do imposto sobe transmissões de imóveis e imposto de selo, na data agendada para a realização da escritura pela Ré” (sic).

18º - A testemunha disse que era para averiguar se existe dividas, nunca disse, foi solicitada pelos Autores e até mesmo a Ré, logo não se “trata de um procedimento normal”, mas sim da B..., pois é pratica corrente e de conhecimento geral, quando existem dividas às finanças os imóveis não são transmitidos, primeiro tem que se pagar a divida.

19º - O tribunal ad quo, devia fundamentar que o imposto foi emitido, só para ver se os Autores tinham dividas ás finanças, e não é um procedimento normal.

20º- Por outro lado, quando o Tribunal ad quo fundamenta…” fez chegar a licença de utilização ao comercial encarregue do processo e que lidava com o A. BB.” (sic), cabe esclarecer que não foi a licença retificada, mas sim a de 30.09.2022, essa que foi enviada ao banco pelos Autores, e só aí e que estes tiveram conhecimento, transmitido inclusive por email á recorrida.

21º- Quanto á marcação da escritura a testemunham ouviu por parte dos vendedores, foram feitas para uma morada que sabiam que eles não estavam lá, tinham outra morada fiscal, sabiam que não estavam lá a viver.

22º- Acresce, aos minutos 27:54, das declarações de parte da Autora: AA a 14:44,15:21,00:36:22 e em resposta de instâncias da Meritíssima Juiz, declarou, essa foi para a morada, porque eles já sabiam que não estávamos nessa morada; quando fizeram a segunda adenda janeiro 2022 eles ficaram cientes que íamos morar para a casa deles, sempre alteraram as moradas fiscais, só através de uma carta que nós enviamos a 22 fevereiro, para chegar acordo … e depois eles responderam, a 24de fevereiro.

23º- Entendem os Recorridas, a escritura foi marcada com segundas intenções, para não comparecermos, reitera-se, porque enviam para a ... e depois dizem que enviaram para a ....

24º- Não corresponde á verdade que a resposta que deram a 24 de fevereiro é a carta avisar da escritura.

25º - Os recorrentes souberam que tinha havido uma marcação da escritura, meses depois, pela testemunha CC.

26º- Duvidas devia haver no Espirito do julgador em que primeira missiva, não foi rececionada e a segunda missiva foi rececionada, para a morada fiscal dos Autores, só depois de receberem a carta datada a 22.02.2023 é que alegam enviaram a informar dia hora da escritura.

27º- Na verdade, a segunda missiva datada a 22.02.2023 não fez prova do envio e respetivo aviso de receção, ou seja, não prova que foi rececionada pelos Autores, em consequência devida ser dado como facto não provado.

28º As declarações da recorrente são merecedoras de credibilidade, pois descreveu no tempo as contrariedades para a realização da escritura, até que foi comunicado o incumprimento por parte da Recorrida.

29º- O comportamento da autora após questionada pela advogada e da Meritíssima Juíza, deve entender como um pedido de socorro, o que não estão a perceber!!!, isto para dizer que nunca foi notificada expressamente e tacitamente da retificação das áreas e muito menos do dia, hora e lugar da celebração da escritura de compra e venda.

30º- Duvidas não podem subsisti, que houve incumprimento por parte da Recorrida, pois nunca lhe fez chegar aos Recorrente, e à B..., a respetiva alteração da licença de utilização.

31º- Reitera, as declarações de parte, da Recorrente, contrariamente à douta fundamentação do Tribunal ad quo, aquela concretizou devidamente todo o processo desde á data da celebração do contrato de promessa de compra e venda, bem como explicou o fundamento do incumprimento, (falta retificação de áreas); as chaves foram entregues em janeiro, porque a Recorrida recusou-se a recebe-las em dezembro, vide testemunha CC, que corrobora ao alegra que em finais de dezembro o DD telefonou para saber se estava em ..., para receber as chaves do imóvel.

32º- Na verdade o Tribunal ad quo, após audição de todas as testemunhas, que em tudo correspondem às declarações da recorrida, dar credibilidade a uma única testemunha o DD, socio gerente da Ré, profissão bancário, nomeadamente : …”assim que foi emitida estavam criadas as condições para a realização da escritura e deu cópia aos AA.; que este.. ..” sim é verdade quando foi feita pela primeira vez, como é também verdade que …” , “solicitaram a retificação das áreas e a Ré diligenciou para tal, o que foi feito em dezembro 2022;” .

33º- O Tribunal ad quo, segundo as declarações da recorrida e o gerente da B..., nunca tiveram conhecimento e foram informados da retificação feita em dezembro do ano de 2022.

34º- Quanto á suposta venda: “entretanto foi vendida a terceiros, por 150.000,00€, notando-se que a mesma já tinha sido usada…”

35º- Entendem, os recorrentes que tal facto devia ser dado como não provado, não houve qualquer prova documental aos autos, nomeadamente a escritura de compra e venda.

36º - Entendeu o Tribunal dar como provado, para efeitos de indemnização, contrariando-se ao relegar para liquidação posterior, quando condena os recorrentes: “d) a pagar à Ré, a título de prejuízo sofrido pela desvalorização do imóvel, em quantia a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o preço prometido comprar (190.000,00€) e o valor pelo qual

foi adquirido por terceiros, nunca podendo exceder a quantia peticionada a esse título pela Ré

(40.000,00€). “(sic)

37º- Entendem os recorrentes, que da prova documental, testemunhal e depoimento de parte, os factos dados como não provados, os números vii) “que aquando da celebração do contrato promessa, os AA. ressalvaram a obtenção de financiamento bancário para a conclusão do negócio; (viii) que a Ré tivesse conhecimento que os AA. iriam recorrer a financiamento para a respetiva aquisição; x) que para a marcação da escritura fosse necessária a licença de utilização retificada; xi) que a escritura não pôde ser realizada pelo facto a Ré não ter diligenciado pela retificação da área no Serviço de Finanças; (xii) que foi falta de correção da área do imóvel junto das entidades competentes pela Ré que impediu a concessão do financiamento aos Autores pela Banco 1...;”.(sic), deviam ter sido dados como provados.

38º - A testemunha DD na qualidade de marido e sócio da Recorrida, necessariamente testemunhou no sentido, houve contrato de promessa, cumpriram todas as formalidades aí descritas, e foi marcada a escritura, independentemente de saber que os recorrentes foram inclusive morar para casa da vendedora, porque haviam vendido a casa da ..., sendo esta linha seguia pelo Tribunal ad quo, ignorando os princípios da boa fé contratual.

39º - O Tribunal a quo, violuou o princípio da boa fé contratual, entre as partes contratuais, pois duvida não subsistem que a recorrida, no dia da celebração do contrato de promessa de compra e venda, teve conhecimento que os Recorrentes iriam recorrer a um empréstimo bancário.

40º- Foram expressamente informados que a falta da entrega da documentação para juntar ao crédito, veio a caducar e posteriormente, para dar cumprimento ao contrato de promessa de compra e venda, de imediato requereram um outro financiamento, junto do banco (Banco 2...) que também sucedeu de igual modo do primeiro financiamento, ou seja, falta da entrega dos documentos solicitados e retificados, da obrigação da Ré, conforme documento n.º 8 junto à p.i.

41º - Sempre se dirá, nesta apreciação livre, há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindos da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas.

42º - Resolvido o contrato, é aplicável o previsto nos artigos 432º e seguintes do Código Civil,

entre os quais avultam a de que a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos jurídicos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico – artigo 433º - e que tem efeito retroativo – artigo 434º C.C.

43º - Mais, verificada a condição resolutiva de que as partes fizeram depender a celebração do

negócio, é-lhes conferido o direito à resolução (artigo 270º e 432º C.C.), Por essa via e consequentemente, ficaria a Ré constituída na obrigação de restituir o anteriormente prestado pelos Autores, i.e., a devolução do sinal prestado em dobro – artigos 432º, 433º, 436º e 805º, todos do C.C.).

44º- Deste modo se conclui, que o contrato de promessa de compra e venda foi validamente resolvido pelos Recorrentes, por carta registada datada a 24 de fevereiro de 2023, e rececionada pela Recorrida.

45º - Desta feita, deve a decisão recorrida ser revogada.

46º- Violou a douta sentença o Tribunal a quo os art.º 405.º 432º, 433º, 434º 436º; 270, 278º e

805º, todos do Código Cível:

TERMOS EM QUE NESTES E NOS MELHORES DE DIREITO, os quais V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida.

Assim se fazendo a Habitual e Costumada,

JUSTIÇA!”


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A R. interpôs contra-alegações, delas resultando as seguintes conclusões:

1. A douta sentença faz uma correcta interpretação da matéria levada a julgamento e dos documentos juntos.

2. Não existe qualquer nulidade da sentença, como os recorrentes invocam.

3. O tribunal não violou qualquer princípio da boa fé contratual já que o tribunal não é parte no negócio em análise, sendo essa alegação mais do que um absurdo jurídico.

4. A recorrida cumpriu tudo aquilo a que estava obrigada, no prazo de duração do contrato.

5. Não existe qualquer facto que tenha sido alegado que leve a que se possa concluir que a douta sentença não fez uma correcta leitura dos factos.

6. Nada existe que possa levar a que a sentença seja alterada ou anulada.

7. Mantendo-se a douta sentença nos seus precisos termos far-se-á Justiça.”


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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:
a) Se a sentença proferida é nula por falta de fundamentação e por contradição entre os fundamentos e a decisão;
b) Se foram cumpridos os ónus impostos ao recorrente pelo artº 640 do C.P.C. e se deve ser alterada a matéria de facto fixada em primeira instância;
c) Se o contrato promessa celebrado entre as partes foi validamente resolvido pelos AA., pela existência de uma condição resolutiva.
d) Se, resolvido o contrato-promessa tem o promitente vendedor direito a uma indemnização pelo interesse contratual positivo.


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

“A) FACTOS PROVADOS:

1. Os AA. vivem como marido e mulher, e antes de 28 junho 2021 acordaram comprar um imóvel para habitar, tendo-se deslocado, para o efeito, à Imobiliária “B... Lda.”;

2. Em 28 de junho de 2021, os AA. celebraram com a Ré um contrato promessa de compra e venda mediante o qual a Ré prometeu vender e os AA. prometeram comprar, com destino à sua habitação própria e permanente, o prédio urbano correspondente a casa de habitação composta de rés do chão, dependências e logradouro, sito na Rua ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrita na ... CRP ... sob o nº ...72, e inscrita na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo nº ...35, com origem no urbano nº ...32 da mesma freguesia ... e ... (Cláusulas 1ª e 2ª do contrato);

3. Na data da celebração do contrato, o prédio ainda estava em construção, e não tinha Licença de Habitação nem Certificado energético (Cláusula 1ª do contrato);

4. O preço estipulado era de 190.000,00€, que seria pago da seguinte forma:

- 2.0000,00€, a título de sinal e princípio de pagamento, na data da celebração do contrato promessa;

- 15.000,00€, a título de reforço de sinal, no prazo de 60 dias após a celebração do contrato promessa;

- 173.000,00€, no ato de celebração da escritura pública ou documento particular autenticado (Cláusula 2ª do contrato);

5. Nos termos do contrato promessa outorgado, o título de compra e venda seria celebrado no prazo máximo de 120 dias, ou de 60 dias após a emissão da Licença de Utilização, podendo tal prazo ser prorrogado, por acordo das partes e mediante realização de adenda ao referido contrato (Cláusula 3ª, nºs 1 e 5 do contrato);

6. Os promitentes compradores (AA.) vincularam-se a marcar a escritura e a avisar a promitente vendedora por carta registada com aviso de receção, enviada para a morada constante do contrato, com a antecedência mínima de 15 dias em relação à data da sua realização, devendo a Ré, atempadamente, enviar-lhes toda a documentação necessária para a referida escritura (Cláusula 3ª, nºs 2 e 4 do contrato);

7. Nos termos estipulados, caso os AA. não cumprissem com o referido em 5, a Ré poderia marcar a referida escritura, devendo avisar os promitentes compradores, através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada constante do contrato, com uma antecedência mínima de 8 dias em relação à respetiva data (Cláusula 3ª, nº 3 do contrato);

8. Ajustaram as partes, no referido contrato, que todas as notificações que venham a ser necessárias fazer na sua vigência, deveriam ser feitas para as moradas neles indicadas, devendo a comunicação de novas moradas de qualquer uma delas ser sempre efetuada por carta registada com aviso de receção, bastando este envio para demonstrar tal notificação, “ou seja, se realizou a interpelação daqueles para a realização da escritura, sendo este o caso” (Cláusula 8ª do contrato);

9. O contrato promessa foi celebrado com a intervenção da mediadora imobiliária "B..., Lda.”;

10. A 18 de agosto de 2021, AA. e Ré, em (1ª) adenda ao referido contrato, ajustaram que os primeiros entregariam à segunda o montante de 1.500,00€ até ao dia 28/08/2021, e o montante de 13.500,00€ até ao dia 28/09/2021 a título de reforço de sinal;

11. Em 14 de janeiro de 2022, AA. e Ré, em (2ª) adenda ao referido contrato, ajustaram que naquela data os primeiros entregavam à segunda o valor de 12.000,00€, sendo 2.000,00€ a título de reforço de sinal e 10.000,00€ a título de caução, sendo este último valor devolvido pela Ré aos AA. no dia da outorga da escritura pública ou documento particular autenticado;

12. Ajustaram ainda, em tal (2ª) adenda, que apesar de ainda não ter ocorrido a transmissão do imóvel objeto do contrato, a Ré autorizava os AA. a poder “utilizar o prédio objeto do presente negócio jurídico”;

13. Os AA., nos termos estipulados, transferiram para a conta da Ré as quantias de 2.000,00€ (em 28/06/2021), de 1500,00€ (em 20/08/2021), de 13.500,00€ (em 26/09/2021), de 2.000,00€ (em 19/01/2022) a título de sinal – e de 10.000,00€ (em (18/01/2022) a título de caução;

14. Em 29 de dezembro de 2021, o Autor BB vendeu o imóvel de que era proprietário (sito na ..., ...) e onde vivia com a Autora AA na data da celebração do contrato promessa;

15. E pelo menos desde 30 de dezembro de 2021, os AA. passaram a utilizar o imóvel prometido comprar como sua habitação, o que solicitaram à Ré, ao que esta acedeu, entregando-lhes as respetivas chaves;

16. Os AA., para adquirir o imóvel objeto do contrato promessa, pretenderam obter financiamento junto da Banco 1... e do Banco 2...;

17. A Banco 1..., em “Relatório de Avaliação” datada de 13/05/2022, prestou a seguinte informação:

«(…) - Pressupostos especiais: A documentação e o projeto apresentados e o alvará de licença de obras de alteração apresentam incoerências que necessitarão de ser clarificadas, tendo por objetivo a sua harmonização e compatibilização, designadamente descrições, áreas por tipo de uso e atualização da própria documentação.

- Reservas de análise: Encontrando-se o limite da construção no limite do lote, existindo três aberturas de vãos de janelas no sue limite poente e não se encontrando registado a favor do prédio nenhum direito de servidão de vistas, condiciona-se o presente relatório de avaliação e o valor proposto para a propriedade à apresentação de documento que comprove que a referida parcela de terreno existente a poente do prédio é pública ou de apresentação de averbamento a favor do prédio do direito de abertura dos respetivos vãos. Pretende-se salvaguardar a eventual redução do valor da garantia na possibilidade de oposição do prédio confinante à abertura dos referidos vãos (…)”;

18. A Banco 1... aprovou o financiamento dos AA., ficando a aguardar os documentos referentes às reservas emitidas;

19. Em data não apurada os AA. tentaram obter financiamento junto do Banco 2..., que também os alertou que havia um erro na descrição das áreas do imóvel prometido vender;

20. Após a celebração do contrato promessa a Ré diligenciou junto da Câmara Municipal ... pela obtenção da Licença de Utilização do imóvel;

21. A Licença de Utilização foi aprovada em 05/09/2022 e emitida em 30/09/2022;

22. A Ré, após a obtenção da Licença de Utilização, informou os AA. da sua emissão;

23. Já na posse da Licença de Utilização, os AA. informaram a Ré que o Banco onde estariam a pedir financiamento exigia que a licença fosse retificada para que nela constasse a área de 120 m2 e não de 154 m2;

24. A Ré acedeu ao pedido dos AA. e diligenciou junto da Câmara Municipal pedindo o averbamento da correção da área, o que veio a acontecer em 09/12/2022;

25. Os AA. foram informados dessa retificação e não procederam à marcação da escritura;

26. A Ré, perante o referido em 25, e face ao silêncio dos AA., como tinha interesse em realizar a venda, diligenciou pela marcação da escritura para o dia 30/01/2023, enviando aos AA. carta registada com A/R datada de 12/01/2023, enviada no dia seguinte para a morada dos AA. que constava no contrato promessa e respetivos aditamentos;

27. A carta foi devolvida ao remetente da Ré;

28. No dia 06 de fevereiro de 2023, os AA. entregaram ao mandatário da Ré, no escritório deste, as chaves do imóvel prometido vender, tendo, pelo menos nessa data, retirado os seus pertences e nela deixado de habitar (doc. fls. 79);

29. Em 23/02/2023, a Ré remeteu nova carta aos AA., para outra morada, que aí foi recebida em 28/02/2023;

30. No dia 22/02/2023 os AA enviaram à Ré a carta constante de fls. 58, informando a Ré que a escritura não tinha sido realizada por falta de entrega de documentação da Ré e que tinham procedido à entrega das chaves no escritório do respetivo mandatário, solicitando a devolução do sinal em dobro até ao dia 01 de março 2023;

31. Em 24/02/2023, a Ré respondeu aos AA. nos termos da carta constante a fls. 59, informando que não havia qualquer incumprimento da sua parte, dado terem sido disponibilizados todos os documentos que lhes haviam sido solicitados, que foram os AA. que não procederam à marcação da escritura no prazo definido nem compareceram à que foi marcada pela Ré, pelo que não havia fundamento para a devolução do sinal, considerando o contrato resolvido por incumprimento imputável aos AA;

32. A Ré, na sequência da utilização da casa pelos AA., teve de proceder à sua pintura, no que despendeu 3.044,25€;

33. A renda mensal de uma casa idêntica à do contrato promessa nunca seria inferior a 500,00€/mês;

34. A casa objeto do contrato promessa foi entregue aos AA. em dezembro 2021 como nova, por força das obras nela realizadas;

35. Depois de ter resolvido o contrato promessa com o AA. a Ré procurou vender a casa a outrem, o que conseguiu, mas por força dos sinais de uso da mesma, em virtude da utilização deles feita pelos AA., fê-lo por um preço inferior ao do contrato promessa celebrado com os AA., não concretamente apurado. (eliminado).


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B) FACTOS NÃO PROVADOS:

(i) que o contrato foi assinado sem reconhecimento das assinaturas das partes, por a Ré ter indicado não ser necessário tal reconhecimento;

(ii) que os AA. passaram a habitar o imóvel logo após a celebração do contrato promessa, em junho 2021;

(iii) que dele saíram exatamente no dia 03/12/2022, retirando todos os pertences nessa data e comunicando à Ré;

(iv) que durante o ano de 2022, antes da emissão da licença de utilização (em 30/09/2022) pediram diversa documentação à Ré, que lhes estava a ser solicitada pelo Banco para avançar com o crédito à habitação, por terem sido alertados para o erro na área do imóvel;

(v) que a Ré nunca diligenciou pela retificação da área do imóvel no serviço de Finanças e no registo predial para que a escritura de compra e venda fosse realizada;

(vi) que deixaram a casa nas devidas condições, como nova.

(vii) que aquando da celebração do contrato promessa, os AA. ressalvaram a obtenção de financiamento bancário para a conclusão do negócio;

(viii) que a Ré tivesse conhecimento que os AA. iriam recorrer a financiamento para a respetiva aquisição;

(ix) que apesar de não terem recebido a carta de 12/01/2023 enviada pela da Ré, os AA. não tivessem conhecimento da marcação da escritura para o dia 30/01/2023;

(x) que para a marcação da escritura fosse necessária a licença de utilização retificada;

(xi) que a escritura não pôde ser realizada pelo facto a Ré não ter diligenciado pela retificação da área no Serviço de Finanças;

(xii) que foi falta de correção da área do imóvel junto das entidades competentes pela Ré que impediu a concessão do financiamento aos Autores pela Banco 1...;

(xiii) que os AA. ficaram sem ter casa para viver, tendo sido obrigados a residir durante algum tempo em casa dos seus pais, por virtude do incumprimento da Ré;

(xiv) que os AA., vendo que a Ré não lhes iria vender o imóvel, passaram a viver em estado de ansiedade, entraram em pânico, passando várias noites sem dormir, tendo sido obrigados a recorrer a apoio dos familiares e de psicóloga;

(xv) que o preço obtido pela Ré com a venda da casa foi de 150.000,00€;

(xvi) que o teor da carta referida em 29 fosse idêntico ao teor da carta referida em 26.

 


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FUNDAMENTAÇÃO


Vêm os AA. invocar a nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo, invocando o disposto no artº 615 nº1, als. b) (e não d) como por lapso indicam os recorrentes) e c) do C.P.C., decorrendo da sua alegação que a nulidade que apontam à decisão recorrida decorre de, em seu entender e se bem percebemos a confusa alegação dos recorrentes, ter sido mal apreciada a prova e de o tribunal a quo ter incorrido em error in judicando.

O alegado não constitui, no entanto, qualquer fundamento de nulidade da decisão recorrida, como procuraremos demonstrar.


I-Da nulidade da sentença por falta de fundamentação e por contradição entre os factos e a decisão.

Dispõe o artº 615, nº 1 do C.P.C. que a sentença enferma de nulidade, no que ao caso importa, quando:

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”
Reportando-nos ao primeiro dos fundamentos apontados como causa de nulidade da sentença, esta apenas se verifica quando exista absoluta falta de fundamentação, seja de facto ou de direito e não apenas fundamentação medíocre, deficiente, quiçá errada.
Com efeito, ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no artº 607 nº3 e 4, aplicável ex-vi do disposto no artº 295 do C.P.C., de forma a que a decisão que profere seja perceptível para os seus destinatários.

Não cumpre esta norma, existindo falta absoluta de motivação, quando exista ausência total de fundamentos de direito e de facto.[1]

Já Teixeira de Sousa[2] referia que “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”, pelo que refere Tomé Gomes[3]a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.

Este dever geral de fundamentação dos despachos e decisões (sentenças) proferidos no processo, está de acordo com exigência constitucional, prevista no artº 205 nº1 da C.R.P., que exige que as decisões do tribunal, que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei, de molde a assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo, conforme decorre do disposto no artº 20, nº4 da C.R.P.
Ora, a sentença recorrida mostra-se fundamentada, quer indicando os factos provados e não provados, quer a solução jurídica que deles decorre, não existindo qualquer falta de fundamentação, sequer fundamentação deficiente.
Alegam ainda os recorrentes contradição entre os fundamentos e a decisão, mais uma vez, confundindo inconformismo com o teor da decisão proferida com a existência de vícios inerentes à própria decisão.

Com efeito decorre da alínea c) do nº 1 do artº 615 do C.P.C. que a sentença é nula quando “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”
A este respeito, constitui entendimento pacífico da doutrina e da nossa jurisprudência que a nulidade prevista no artº. 615º, nº. 1, al. c) do NCPC (correspondente ao artº. 668º, nº. 1, al. c) anterior à reforma introduzida pela Lei nº. 41/2013 de 26/6) só se verifica quando os fundamentos invocados na sentença devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diversa da que a sentença expressa, ou seja, o raciocínio do juiz aponta num determinado sentido e o dispositivo conclui de modo oposto ou diferente[4], sabido que essa contradição remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.
Realidade distinta desta, é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos[5].
Improcede assim a arguição de nulidade da decisão proferida.

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II-Da impugnacão da matéria de facto.

Vêm os recorrentes, na sua conclusão 37ª, requerer que as alíneas vii), viii), x), xi) e xii) sejam dadas como provadas, com fundamento na proba documental, testemunhal e por declarações de parte, invocando erro de julgamento na apreciação da prova.

Mais peticionam nas suas conclusões 34 e 35 que “Quanto á suposta venda: “entretanto foi vendida a terceiros, por 150.000,00€, notando-se que a mesma já tinha sido usada… (…) Entendem, os recorrentes que tal facto devia ser dado como não provado, não houve qualquer prova documental aos autos, nomeadamente a escritura de compra e venda.

Pretendendo os recorrentes impugnar a decisão sobre a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, devem cumprir os ónus específicos impostos pelo artº 640 do C.P.C. O nº 1 deste preceito legal, versa o seguinte:

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios estatui no seu nº 2, al. b), que «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”

No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(...) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.”[6]

Com efeito, da redacção deste preceito legal resulta a imposição de dois ónus ao recorrente: o primeiro, constante das diversas alíneas do seu nº1, de delimitar com precisão o âmbito do seu recurso, indicando os pontos concretos que reputa mal julgados, os concretos meios probatórios que deveriam ser considerados para cada ponto de facto impugnado e a resposta concreta que lhes haveria de ter sido dada pelo tribunal a quo.

O não cumprimento deste ónus principal por indispensável à reapreciação pelo tribunal ad quem da impugnação da decisão da matéria de facto determina a imediata rejeição do recurso na parte afectada, como é jurisprudência assente no nosso Supremo Tribunal[7].

O segundo ónus, exige a indicação precisa das passagens da gravação, quando a impugnação se fundamente em meios de prova gravada. Esta indicação precisa das passagens da gravação, embora possa servir de apoio à análise da impugnação, não é essencial à sua apreciação, tendo em conta o dever imposto ao tribunal ad quem, pela alínea b), do nº2, do artº 640 do C.P.C., de investigação oficiosa, embora delimitada pela concreta impugnação da parte recorrente, pelo que o seu não cumprimento, em princípio, não é sancionado com a imediata rejeição do recurso no que se reporta à impugnação da matéria de facto, salvo se coarctar de forma desproporcionada o exercício do contraditório pela parte contrária.   

Por outro lado, não basta fazer uma impugnação genérica da matéria de facto, com remissão para meios de prova igualmente genéricos e sem os delimitar em relação a cada facto. As exigências contidas neste preceito impõem que “esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos[8], de forma a habilitar o tribunal de segunda instância com os meios necessários à tomada de decisão.

Conforme defende Abrantes Geraldes[9], o cumprimento dos ónus previstos no artº 640 do C.P.C., obriga a que o “o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto, que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões (…) Deve ainda especificar na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos (…) deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.” (negrito nosso)

Não basta para que se considere cumprido este ónus, o mero inconformismo manifestado pelo recorrente em relação à matéria de facto apreciada pelo tribunal recorrido e à valoração dos meios de prova produzidos. A parte tem de indicar, ponto por ponto, os meios de prova em que fundamenta a sua discordância; se documental, identificando o documento e indicando as razões pelas quais o tribunal deveria ter decidido de outra forma; se testemunhal ou por declarações de parte, indicando, por referência às passagens da gravação concretamente identificadas, os depoimentos ou partes de depoimento que, concatenados com a restante prova produzida, impunham uma decisão diferente em relação a determinados factos. A parte tem de indicar de forma concreta as razões para a sua discordância face ao decidido.

Ora, os recorrentes, em alegação francamente confusa, efetuam uma referência genérica e vaga a partes de depoimentos, sem que se possa identificar as passagens concretas da gravação em que fundam o seu dissentimento, ou sequer as razões para este dissentimento, em relação a cada ponto de facto, efectuando uma amálgama incompreensível de partes de depoimentos parcialmente transcritos, sem deles retirar qualquer conclusão lógica.

Não cumprindo as alegações e conclusões da recorrente este ónus, não é esta omissão passível de despacho de aperfeiçoamento.

Volvendo ainda a Abrantes Geraldes[10], “A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no artº 639º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam-me a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. Resultado que é comprovado pelo teor do art. 652º, nº1, al. a), na medida em que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do nº3 do artº 639.”  

Por outro lado, em relação às conclusões 34 e 35, não está identificado o ponto de facto que os recorrentes pretendem ver não provado, sendo que este é um ónus principal a cargo dos recorrentes, cujo não cumprimento determina a imediata rejeição do recurso.

Assim sendo, rejeito o conhecimento da impugnação da matéria de facto.


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A rejeição do recurso no que se reporta à impugnação da matéria de facto, não obsta a que o tribunal sindique a decisão da matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando verificar que foram violadas normas de direito probatório material (artº 662, nº1 do C.P.C.).

Ora, em relação ao ponto 35 da matéria de facto, o tribunal a quo deu como provado que “35. Depois de ter resolvido o contrato promessa com o AA. a Ré procurou vender a casa a outrem, o que conseguiu, mas por força dos sinais de uso da mesma, em virtude da utilização deles feita pelos AA., fê-lo por um preço inferior ao do contrato promessa celebrado com os AA., não concretamente apurado.”

Para prova deste facto, indicou apenas o depoimento da testemunha DD “que os referiu de forma objetiva e com conhecimento, conjugados com a cópia da fatura junta como doc. 8 da contestação (que corresponde aos valores praticados usualmente).”

Ocorre que nem a R. alegou que alienou o imóvel, mas antes que o melhor que conseguiu quando procurou alienar este imóvel foi o preço de € 150.000,00 (artºs 81 a 84 da sua contestação), não se sabendo se, apesar disso, foi alienado este imóvel, como a alienação do imóvel aqui dada como assente não resulta da junção do documento que titularia a suposta alienação. A prova deste facto, ainda que se considerasse contido tacitamente nesta alegação, não poderia assentar em prova testemunhal, sendo exigido como meio de prova a escritura pública, ou o documento particular autenticado, conforme resulta do disposto no artº 875 do C.C.

Com efeito, o artº 364 do C.C. dispõe que “1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.

2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.”

A forma exigida para a alienação de bens imóveis constitui uma formalidade ad substantiam e não ad probationem, pelo que não pode ser substituído sequer por confissão.

Nesta medida, se elimina este ponto 35 de facto da matéria assente.


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III-Da existência de uma condição resolutiva

Alegam os recorrentes a existência de uma condição resolutiva que constituiria a base do negócio, consistente na obtenção de financiamento bancário para aquisição do imóvel em apreço, pelo que o contrato se deve ter por validamente resolvido verificada a condição.

Sem razão, no entanto, como se intentará demonstrar.

A estipulação de clausulas acessórias em relação à obrigação principal, é permitida pelo nosso ordenamento civil, não estando excluída no caso da promessa de aquisição de imóvel.

Nestes contratos, as partes podem estabelecer, ao abrigo do disposto no artº 270 do C.C. e de acordo com o princípio da autonomia privada permitido pelo artº 405 do C.C., clausulas pelas quais fazem depender a vigência do contrato a um facto futuro e incerto. A inclusão desta clausulas acessórias estipulativas de uma condição, destina-se essencialmente, conforme refere Ana Afonso[11], a servir “o interesse dos sujeitos do negócio de se precaverem quanto à evolução futura de acontecimentos que não controlam e dos quais depende a mais perfeita concretização dos seus interesses negociais”.

A estipulação de uma clausula pela qual se condiciona a celebração do contrato prometido de compra e venda de imóvel, à obtenção de empréstimo bancário, constitui exemplo desta necessidade dos contratantes de se precaverem face a um acontecimento futuro e incerto, do qual depende a concretização dos seus interesses negociais, sem que se possa afirmar que se trata de condição estipulada apenas para protecção do interessado na obtenção do empréstimo, uma vez que da sua verificação ou não verificação decorrerá a celebração do contrato ou a desvinculação das obrigações dele resultantes, para ambas as partes, incluindo o promitente vendedor que, livre da obrigação, poderá transaccionar o bem a terceiro ou dele dispor livremente. 

Nestes termos, por via destas estipulações acessórias, como nos ensina Galvão Telles[12], a “vigência do contrato está na dependência desse facto ulterior, da sua eventual ocorrência, ou porque antes dele os efeitos jurídicos não se produzem (…) ou porque depois dele cessam.”

A primeira diz-se condição suspensiva, suspendendo os efeitos do contrato até à sua verificação. A segunda denomina-se condição resolutiva porque determina a eliminação dos efeitos do contrato, retroactivamente, com a consequente restituição do que tiver sido prestado (das quantias entregues a título de sinal, do bem imóvel se tiver existido traditio, etc.).

Neste caso, acrescenta ainda este Ilustre Professor que “A incerteza do facto futuro determina um estado de pendência, os efeitos jurídicos estão pendentes porque se não sabe se virão a produzir-se (…). Estado de pendência que perdura por todo o tempo em que é possível o preenchimento da condição e cessa logo que a condição se realiza, ou falta, ou se torna certo que já não pode realizar-se.” 

No entanto, como aponta o Ac. do STJ de 03/12/2002[13]o negócio, embora condicionado, pressupõe sempre a sua existência com todos os respectivos elementos integrantes e formalizadores exigidos por lei; apenas a produção (na condição suspensiva) ou a resolução (na condição resolutiva) dos seus efeitos é que ficam dependentes da verificação do acontecimento futuro e incerto que consubstancia a condição.

Ora, o preenchimento da condição resolutiva determina a cessação automática do contrato, independentemente de qualquer acto dos contraentes nesse sentido. Conforme se refere no Ac. do TRL de 15/04/2021[14]Uma das características da condição resolutiva é a de que, verificada a condição, o efeito resolutivo surge eficaz e efetivado no plano jurídico: de forma automática, ipso juris, de conhecimento ex officio e de modo absoluto ou real, isto é, independentemente de qualquer vontade das partes (a favor ou contra).”

Assim, conforme se refere em Ac. do STJ de 03/01/2015[15], “ Tendo os promitentes compradores demonstrado, perante a promitente vendedora, a impossibilidade de obter o financiamento a que se refere a cláusula resolutiva, verificado está o facto-condição, e, por isso, operou a resolução dos contratos promessa.

Ou seja, a condição resolutiva determina a imediata destruição da relação contratual assim que o facto futuro e incerto se verifica, independentemente de qualquer comunicação, impossibilitando a sua posterior resolução por qualquer das partes.

A existir uma condição resolutiva acordada entre promitentes compradores e promitente-vendedor, verificado o facto futuro e incerto (impossibilidade de obtenção de financiamento bancário), operar-se-ia o efeito resolutivo automaticamente, não podendo assim ser posteriormente resolvido quer pelos promitentes-compradores, quer pela promitente vendedora.

Ora, os recorrentes apoiavam a sua pretensão de que teria sido acordada uma condição resolutiva deste contrato, que se verificou, no teor do facto que se deu como não provado na alínea vii). Ocorre que a alegação deste facto era inócua ao fim em vista e sobre este não poderia incidir sequer prova testemunhal, ao contrário do pretendido pelos recorrentes. 

Com efeito, resulta do disposto no artº 394 nº1 e 2 do C.C. que não é admissível a prova testemunhal da existência de quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento exigido para a declaração, quer estas sejam anteriores à sua formação, contemporâneas dele ou posteriores.[16]

A ratio da norma como assinala Pires de Sousa[17], “assenta na consideração de que a admissão de prova testemunhal de pactos contrários ou adicionais seria perigosa dados os riscos de tal prova (…) e traduzir-se-ia, praticamente na inutilização do documento, sendo ainda certo que é possível às partes munirem-se de uma prova escrita dos mencionados pactos” operando esta restrição, quer quanto às convenções contrárias ou adicionais, apenas inter partes.

Refere Vaz Serra[18], autor do anteprojecto deste preceito legal, que com esta proibição se visa evitar que seja posto em causa as declarações vertidas em documento exigido para o acto.

De igual forma, Pires de Lima e Antunes Varela[19], em anotação a esta preceito aludem a esta posição de Vaz Serra (na RLJ, ano 107, págs. 301 e segs) referindo, no entanto, que o autor do anteprojecto admite a admissibilidade da prova testemunhal apenas em determinadas “situações excepcionais: quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita; e ainda em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova.”[20]

Por sua vez Mota Pinto, Pinto Monteiro[21] e Menezes Cordeiro[22], admitem a produção de prova testemunhal quer para efeitos complementares de um princípio de prova escrita, quer para efeitos de interpretação de documento escrito.

Este último entendimento tem sido seguido pela jurisprudência em relação ao acordo simulatório, admitindo-se que, indicado como meio de prova do acordo simulatório invocado pelos simuladores, um começo de prova escrita, este seja complementado por prova testemunhal ou até por presunção judicial, ou para efeitos de interpretação ou esclarecimento de documento escrito, tendo em conta o preceituado no artº 393 nº3 do C.C. 

A respeito dos contratos promessa, estatui o artº 410 nº1 do C.C. que aplicam-se ao contrato promessa as normas disciplinadoras do contrato prometido (princípio da equiparação), excepto as relativas à forma e aquelas que, pela sua razão de ser, se não devam considerar extensivas a este contrato.

No que respeita à forma, deve distinguir-se o regime geral do contrato promessa do regime específico respeitante à promessa de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele. Neste ultimo caso, resulta do disposto no nº3 do citado preceito legal, a exigência de forma escrita e o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção.

A omissão destes requisitos respeitantes à forma determina, em regra, a nulidade do contrato (cfr. artº 220 do C.C.). No entanto, decorre do preceito acima citado que apenas pode invocar a nulidade o promitente –comprador, não podendo ser invocada pelo contraente que promete transmitir ou constituir o direito, excepto quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte, cabendo então àquele que invoca a nulidade o ónus de prova dos respectivos factos (artº 342 nº2 do C.C.).

Assim, conforme refere Menezes Cordeiro[23], o afastamento do regime geral da nulidade “…dá-se, apenas, no tocante à legitimidade para alegar a dita nulidade: o promitente-vendedor não o pode fazer, salvo se o promitente-comprador, lhe tiver dado directamente origem” pelo que “…o final do artigo 410.º, n.º 3, comina um dever, ao promitente-vendedor, de promover a realização das formalidades por ele introduzidas. Se o não fizer, há nulidade do contrato, que não pode invocar. Se o promitente-comprador obstruir a verificação das formalidades, então a sanção é a de uma comum nulidade, invocável por qualquer interessado.

Como quer que seja, a exigência de forma escrita afasta a possibilidade de serem clausuladas verbalmente outras condições que não as reflectidas no documento escrito, em especial condições resolutivas ou suspensivas.

Por outro lado, também se não pode considerar que, não existindo esta condição, mas sabendo a promitente-vendedora que os promitentes compradores careciam de recorrer a empréstimo bancário, não facultou os documentos necessários à obtenção desse empréstimo, nem procedeu à rectificação de áreas que seria exigível para esse desiderato, veio a impossibilitar o cumprimento do contrato pelos promitentes-compradores.

Tal actuação, a ter-se verificado, constituiria um manifesto abuso de direito, prevalecendo-se a promitente-vendedora de uma situação por ela criada, ou para a qual contribuíra, para por termo ao contrato. Traduzir-se-ia na prática de um acto ilegítimo, consistindo como refere Cunha de Sá[24]a sua ilegitimidade num excesso de exercício de um certo e determinado direito subjectivo”, ultrapassados os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social e económico do direito, conforme decorre do artº 334 do C.C. No entanto, tal não se provou (alíneas viii) e x) a xii).

Também não se pode considerar que a vendedora, apesar de não estar clausulada esta condição, tenha criado nos promitentes compradores a convicção de que se não prevaleceria da eventual impossibilidade de obtenção de financiamento bancário, que aliás nem sequer se provou. Dos autos resulta apenas que o empréstimo bancário solicitado junto do Banco 1... ficou pendente do esclarecimento de reservas (pontos 17 e 18), não se sabendo qual a decisão quanto ao financiamento solicitado junto do Banco 2....

Também se não se verifica nenhum venire contra factum propium que, como refere Baptista Machado,[25] consiste na adopção de uma conduta por um sujeito jurídico que, “objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também, no futuro, se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”. Ainda assim, seria necessário que esta conduta tivesse criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança fosse justificada e que, com base nessa situação de confiança, a contraparte tivesse actuado de determinada forma. Conforme refere Menezes Cordeiro[26], é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos:

“(...) 1.° Uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium);

2.° Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;

3.° Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara;

4.° Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível.

Não se provando qualquer facto nesse sentido e verificando-se que os recorrentes incumpriram definitivamente o contrato em apreço, improcede a apelação nesta parte.


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IV-Do interesse contratual positivo.

A sentença proferida pelo tribunal, citando em abono da sua posição, vários Acs. do STJ, condenou os AA. recorrentes numa indemnização a fixar em liquidação de sentença, pelo interesse contratual positivo, considerando que “No caso, parece-nos que a pretensão da Ré quanto a ser indemnizada pelo valor que deixou de auferir com o incumprimento do contrato promessa por banda dos AA., não ofende o princípio da boa fé. Também não lhe confere nenhum benefício ou vantagem injustificada, pois apenas pretende ser colocada na posição em que estaria em caso de bom cumprimento do contrato pelos Autores (cfr. art. 562º do C.Civil já citado).”, pelo que, tendo em atenção o teor do ponto 35 da matéria de facto, considerou que a “condenação dos AA. será, nesta parte (quanto ao prejuízo sofrido pela Ré pelo facto de os Autores terem, pela utilização do imóvel, desvalorizado o mesmo, não tendo conseguido obter pela sua venda o mesmo valor do que constava do contrato promessa), a liquidar posteriormente (através do incidente de liquidação previsto nos arts. 378º e ss. do Código de Processo Civil), nos termos do art. 661º, nº 2 do Código de Processo Civil – “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”, devendo apurar-se previamente qual o valor concreto pelo qual foi vendido o imóvel a terceiros, estando, de qualquer forma, o Tribunal sempre limitado, na liquidação dessa quantia, pelo disposto no art. 661º, nº 1 do Código de Processo Civil, não podendo condenar, a final, ultra petitum.”

A eliminação deste ponto da matéria de facto, conduziria sempre à revogação da sentença nesta parte, independentemente da posição que se adoptasse (questão não invocada em sede de recurso, nem sendo de conhecimento oficioso).

 


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DECISÃO


Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela A. e nessa sequência:

I-revogam a decisão recorrida na parte que condenou os AA. “d) a pagar à Ré, a título de prejuízo sofrido pela desvalorização do imóvel, em quantia a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o preço prometido comprar (190.000,00€) e o valor pelo qual foi adquirido por terceiros, nunca podendo exceder a quantia peticionada a esse título pela Ré (40.000,00€).”;

II-no mais, mantêm a decisão recorrida nos seus precisos termos.


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As custas da acção fixam-se pelos AA. e da reconvenção e recurso fixam-se na proporção do decaimento, tendo a R. decaído totalmente em relação à alínea d) (artº 527, nº1 do C.P.C.).

                                                           Coimbra 11/03/25


[1] LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2001, pág 669, Ac. do T.R.Lisboa desta 6ª secção, de 19/10/06, Proc. nº 6814/2006-6, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.95, Raul Mateus, CJ 1995 – II, p. 58, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Fernanda Isabel Pereira, 781/11., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.5.2012, Gilberto Jorge, 91/09, Ac. do T.R.P. de 29/09/2014, Proc. nº 2494/14.8TBVNG.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, lex Editora, 1997, pág. 221.
[3] GOMES, Tomé , “Da Sentença Cível”, Ebook, CEJ 2014, pág. 39.
[4] REIS, José Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 141; acórdãos do STJ de 23/11/2006, proc. nº. 06B4007 e da RE de 19/01/2012, proc. nº. 1458/08.5TBSTB e de 19/12/2013, proc. nº. 538/09.4TBELV, Ac. do T.R.E. de 25/06/2015, Proc. nº 855/15.4T8PTM.E1 todos acessíveis em www.dgsi.pt
[5] LEBRE DE FREITAS, José, A Ação Declarativa Comum À Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2000, pág. 298.

[6] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07, todos disponíveis em dgsi.pt.
[7] Neste sentido, vide ainda Ac. do STJ de 09-12-2021, proferido no proc. nº 9296/18.0T8SNT.L1.S1 - 2.ª Secção – de que foi relator Rijo Ferreira e o Ac. do STJ de 18-01-2022, proferido no proc. nº  243/18.0T8PFR.P1.S1 - 1.ª Secção – de que foi relatora Maria Clara Sottomayor, defendendo que “uma total omissão, nas conclusões do recurso, da referência à impugnação da matéria de facto não pode ser suprida pela circunstância de no corpo das alegações constarem alegadamente os elementos exigidos pelo art. 640.º do CPC.
[8] Ac. do STJ de 05/09/18, relator Gonçalves Rocha, proc. nº 15787/15.8T8PRT.P1.S2; no mesmo sentido vide Ac. do S.T.J. de 27/09/18, relator Sousa Lameira, proc. nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1.
[9] GERALDES, António S. Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª ed., 2017, Almedina, pág. 155/156.
[10] GERALDES, António Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª ed., pág. 157.
[11] AFONSO, Ana Isabel, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 661.
[12] GALVÃO TELLES, Inocêncio, Manual dos Contratos em Geral, Reimpressão, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 258.
[13] Proferido no proc. nº 03B2509, de que foi relator Fernando Girão, disponível in www.dgsi.pt.
[14] Proferido no proc. nº 12868/19.2T8LSB.L1-2, de que foi relatora Gabriela Cunha Rodrigues, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[15] Proferido no proc. nº 36/12.9TVLSB.L1.S1, de que foi relator Fonseca Ramos, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[16] Neste sentido, refere o Ac. do STJ de 07/02/2017, proferido no proc. nº 3071/13.6TJVNF.G1.S1, relatado por Sebastião Póvoas,  que “O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, independentemente da data dessas convenções.”
[17] SOUSA, Luís Filipe Pires de, Direito Probatório Material, Almedina, 2ª ed., 2021, pág. 215.  
[18] SERRA, Adriano Vaz, “Provas (Direito Probatório Material)”, BMJ nº 110, 1961, pág. 115
[19] VARELA, João de Matos Antunes e Lima, Joaquim Pires de, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4ª edição, pág. 344.
[20] Admitindo apenas a possibilidade de produção de prova testemunhal ou complementar quando junto um começo de prova escrito e opondo-se às demais excepções admitidas por Vaz Serra e Antunes Varela, veja-se a posição de CORDEIRO; A. Barreto Menezes, Da Simulação no Direito Civil, 2ª ed. Almedina, 2017, pág. 137.
[21] PINTO, Carlos da Mota e MONTEIRO, António Pinto, “Arguição da simulação pelos simuladores: prova testemunhal”, C.J. Vol. III, 1985, págs. 11.
[22] CORDEIRO, António de Menezes, Tratado de Direito Civil Português: Parte Geral, Tomo I, 3ª ed., Almedina Coimbra, 2007, pág. 851
[23] O Novo Regime do Contrato-Promessa (Comentário às alterações aparentemente introduzidas pelo Decreto-Lei nº 236/80, de 18 de Julho, ao Código Civil), Lisboa, 1981, págs. 13 e 14.
[24] CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto, Abuso de Direito, 2ª reimpressão, 2005, Almedina, pág. 103.
[25] Obra Dispersa, I, 415 e ss.
[26] Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58, Julho 1998, pág. 964