Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
475/23.0T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: OMISSÃO DE DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
PRAZO DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE
DESCRIÇÃO PREDIAL DUPLICADA
NULIDADE DE REGISTO
Data do Acordão: 12/30/2023
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 247.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 16.º, A) A C); 86.º; 87.º, 1 E 120.º E SEG.S, DO CRPREDIAL
ARTIGOS 6.º; 195.º; 197.º; 199.º A 201.º; 552.º, 1 E) E 590.º, 2 A 4, DO CPC
Sumário: i) A arguição legal de uma nulidade processual, por omissão de despacho de determinado aperfeiçoamento, cometida aquando da prolação do despacho pré-saneador, deve ser feita na 1ª instância e no prazo legal de 10 dias a contar da notificação de tal despacho;
ii) Inexiste legalmente a figura da nulidade da descrição predial e consequente cancelamento, por duplicação de descrições, cuja ocorrência origina apenas a sua inutilização, não sendo a descrição susceptível de cancelamento;

iii) Só os registos são nulos, nos termos do art. 16º do C. R. Predial.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 

1. Banco 1...), CRL, com sede em ..., intentou acção declarativa de condenação com processo comum, contra AA e BB, residentes em ..., peticionando:

a) a declaração da nulidade da descrição predial com o nº ...36 da freguesia ..., por constituir uma duplicação da descrição predial prioritariamente efectuada com o nº ...83, da mesma freguesia ...;

b) em consequência, que se ordene o cancelamento na Conservatória do Registo Predial ... daquela sobredita descrição predial aberta com o nº ...36;

c) que se ordene a rectificação na Conservatória do Registo Predial ... da área do prédio descrito com o nº ...83 e averbadas as construções ali existentes, do seguinte modo: Prédio Urbano com a área total de 985,000m2, área de implementação do edifício de 307,2200 m2, área bruta de construção de 562,300m2, área bruta dependente 349,0800 m2 e área privativa de 213,2200 m2, sito na Rua ..., Bairro ..., freguesia e concelho ..., que se compõe por edifício destinado a habitação de rés-do-chão e andar, com anexos e logradouro, a confrontar a norte e a nascente com a Rua, a sul com CC e a poente com DD, inscrito na Matriz Predial Urbana respectiva sob o artigo ...16 e Descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o número ...83 da mesma freguesia ....

Para tanto alegou, e em síntese, que: a autora concedeu empréstimo aos réus e que estes, em garantia desse empréstimo, constituíram hipoteca voluntária sobre os prédios referidos no art. 5º da petição inicial (descrições nºs ...83 e outro); o imóvel com o nº ...83 encontrava-se registado a favor dos réus; a autora intentou acção executiva contra os réus, tendo logrado a penhora dos imóveis e respectivo registo; existe, ainda, o art. matricial 15.516º, inscrito na matriz predial a favor do réu, e aberta por via do modelo 1 de IMI, mas não descrito predialmente; a autora requereu a penhora desse último prédio, e a Sr.ª AE diligenciou pela abertura de nova descrição predial, nº 11.836, que decorreu por necessidade de registo da penhora efectuada através da AP. ...46 de 2015/01/09; veio-se a verificar que o prédio com o nº ...83 corresponde na íntegra ao prédio onde foi edificado o imóvel descrito na matriz sob o referido art. ...16º; por sentença transitada em julgado proferida em apenso da execução anteriormente referida, deu-se aí como provado que, devido a duplicação de inscrições matriciais, o prédio correspondente ao nº ...83 coincide e integra o prédio urbano relativo ao art. 15.516º; o réu requereu junto da Secção de Obras Particulares da Divisão de Obras Particulares do Departamento Técnico Operacional da Câmara Municipal do Concelho de ..., o licenciamento da construção edificada no prédio urbano descrito sob o nº ...83; a realidade da duplicação está evidenciada na caderneta predial actualizada do imóvel com o nº ...36 de cujo conteúdo se extrai que o prédio teve origem no prédio de raiz correspondente ao nº ...83; que a Câmara Municipal ..., também já reconheceu essa correspondência dos dois nºs de prédio e a designação toponímica das ruas; o executado deveria ter requerido a extinção do artigo matricial respectivo; as declarações exaradas na participação do IMI que determinou a inscrição matricial do art. 15.516º, correspondente ao nº ...36 são omissas e inexactas; que no caso vertente a duplicação registral efectuada por via da abertura da descrição com o nº ...36 configura uma situação de nulidade prevista nas alíneas b) e c) do art. 16º do Cód. Reg. Predial; por último, a autora alega, nos exactos termos decorrentes do levantamento topográfico, a actual composição do prédio descrito com o nº ...83, pelo que deverá ser ordenada a rectificação das áreas do imóvel em conformidade.

Os réus não apresentaram contestação, pelo que foram considerados confessados os factos constantes da petição inicial.

*

Foi proferida decisão que:

- julgou verificada a excepção dilatória de erro na forma do processo, determinando-se a absolvição dos RR da instância quanto ao pedido vertido sob a alínea c).

- julgou a acção improcedente e, em consequência, decidiu absolver os RR do peticionado pela A.  

*

2. A A. apelou, concluindo que:

I. A presente Apelação é interposta da douta Sentença de proferida em 14 de agosto de 2023, que julgou improcedente a acção de processo comum instaurada pela Banco 1...), CRL, contra AA e BB, que absolveu os Réus do pedido de declaração de nulidade do registo que originou a duplicação de descrições prediais;

II. A abertura da descrição predial duplicada sob o número ...36, da freguesia ... e que representa a mesma realidade física já ínsita na descrição predial registada com o número ...83 da mesma freguesia ..., teve origem no processo executivo instaurado pela recorrente contra os Réus, ali na qualidade de executados, para registo de penhora do imóvel inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo ...16;

III. Para o efeito, a Senhora Agente de Execução procedeu à penhora do imóvel, exarando no pedido de registo as seguintes declarações: “EE, agente de execução com a cédula profissional nº ...45 e escritório na Rua ..., ..., em ..., agente de execução nomeada no processo executivo nº ...2..., que corre termos na Secção Cível – J1 – Inst. Central, Comarca e ..., vem requerer, ao abrigo do disposto no artigo 755º do CPC, que se proceda a penhora do prédio indicado no rosto desta requisição para garantia do pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução as quais se presumem, para o efeito da realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 5% da quanto exequenda, nos termos do nº 3 do artigo 735º do CPCivil. Exequente: Banco 1...), CRL, nif ...10, sede no Largo ..., .... Executados: AA, NIF ...30 e mulher BB, NIF ...94, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., Bairro ..., .... Imóvel: Prédio Urbano destinado a habitação composto por dois pisos, com logradouro, sito na Rua ... em ..., a confrontar a norte e a poente com a rua pública e a sul e nascente com herdeiros de CC, com a área total de 937,00 m2 a que corresponde a superfície coberta de 205,62 m2, a superfície descoberta de 731,38m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...16 e não ....

Desconhecem-se os antepossuidores por não ter elementos no processo nem o executado fornecer a identificação dos mesmos, bem como qualquer correspondência entre o actual artigo e quaisquer artigos matriciais. Mais declara que o prédio não é nem faz parte dos descritos sob os nºs ...98 e ...21 da freguesia .... Quantia Exequenda: 170.487,18”

IV. A factualidade supra transcrita encontra-se suportada em documento idóneo dado como provado na douta sentença recorrida;

V. De igual modo a douta sentença proferida consigna que as descrições prediais sob os números ...83 e ...36 se referem à mesma parcela de terreno e nessa conformidade existe uma duplicação de registos, dos prédios descritos com o número ...83 (correspondente a inscrição matricial ...20) e do prédio descrito com o número ...36 (correspondente ao artigo matricial ...16) provindo este último do registo de penhora efectuado através da AP. ...46 de 2015/01/09, que originou a abertura da descrição em duplicado;

VI. Para efectuar o registo da penhora e consequente abertura da descrição predial a Senhora Agente de Execução declarou que o prédio em causa se encontrava omisso na Conservatória do Registo Predial;

VII. Ora tal declaração é falsa, como se viria a apurar por decorrência da própria tramitação dos Autos, o que conduz à falsidade do título que deu causa à abertura da descrição predial efectuada em duplicado;

VIII. Tal declaração falsa é subsumível à falsidade prevista na alínea a) do artigo 16º do Código de Registo Predial, que elenca os registos nulos;

IX. De igual modo o título que serviu de base ao registo que culminou na duplicação da descrição registal duplicada carece de força probatória do facto a registar e enferma de inexactidão quanto ao objecto a que reporta o registo;

X. Encontram-se, assim, preenchidos os pressupostos ínsitos nas alíneas a),b) e c) do artigo 16º do Código de Registo Predial, de que depende a apreciação substantiva da declaração de nulidade do registo pelo Tribunal;

XI. Arredando-se em consequência a possibilidade de rectificação do registo nos termos dos artigos 120º e seguintes do Código de Registo Predial, por se estar perante uma situação inequívoca de nulidade do registo que por inerência não é susceptível de rectificação;

XII. O Meritíssimo Juiz “a quo” na douta sentença proferida entende que não se encontram preenchidos os pressupostos da declaração de nulidade do registo, por considerar que o pedido formulado pela autora não os consubstancia, designadamente no que concerne ao preceituado no artigo 16º, alínea a) do Código de Registo Predial;

XIII. Sobre o Juíz do processo impende o dever de convidar as partes a suprir eventuais irregularidades (artigo 590º, nº 3 do Código de Processo Civil);

XIV. No caso vertente foi proferido despacho pré-saneador e a Autora apenas foi convidada a pronunciar-se quanto à eventual verificação da excepção dilatória inominada de erro na forma do processo e incompetência material para conhecimento do pedido efectuado em c) da petição inicial;

XV. Quando aos demais pedidos verifica-se uma omissão desse dever de convite ao aperfeiçoamento, circunstância que consubstancia a violação do princípio da cooperação processual e do dever de gestão processual imposto pelos artigos 6º e 590º, nº 2, 3º e 4º do Código de Processo Civil;

XVI. Tal omissão culminou na prolação da presente decisão recorrida que se reconduz a uma decisão surpresa;

XVII. Por outro lado a sobredita omissão constitui nulidade processual subsumível ao regime previsto nos artigos 195º, 197º, 199º, 200º e 201º todos do Código de Processo Civil, que ora se invoca;

XVIII. A douta sentença recorrida subsume erradamente a facticidade dada como provada ao regime da rectificação predial previsto nos artigos 120º e seguintes do Código de Registo Predial ao invés do regime de nulidade do registo previsto no artigo 16º, alíneas a), b) e c) do mesmo diploma legal;

XIX. No mais, viola o princípio da cooperação processual e deve de gestão processual previsto nos artigos 6º e 590º, nº 2, 3 e 4º do Código de Processo Civil, o que constitui nulidade processual nos termos previstos nos artigos 195º, 197º, 199º, 200º e 201º, do mesmo diploma legal.

Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exa. (s) doutamente suprirão, deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência ser revogada a douta sentença que absolveu os Réus do pedido de declaração de nulidade do registo predial efectuado com o número ...36, por duplicação do registo predial exarado na Conservatória do Registo Predial ... com o número ...83, da freguesia ....

Assim se fazendo Justiça,

3. Inexistem contra-alegações.

 

II – Factos Provados  

1) A Autora é uma instituição especial de crédito sob a forma de cooperativa, cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola a favor dos seus associados e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária nos termos da legislação aplicável e, ainda, o exercício da actividade de agente da Caixa Central, nos termos previstos na lei e no contrato de agência celebrado entre ambas.

2) Em 12-09-2022, no exercício do respectivo objecto social, a Autora e os Réus, a pedido e no interesse destes, celebraram um contrato de empréstimo designado “Contrato de Empréstimo em Conta Corrente”, operação de crédito que para todos os efeitos é identificada como empréstimo número ...11, por via do qual, lhes mutuou € 100.000,00.

3) O sobredito contrato de empréstimo foi celebrado por Escritura Pública denominada «Hipoteca e Procuração», outorgada no mesmo dia 12-09-2022, no Cartório Notarial ..., a cargo da Notária FF, perante a mesma, lavrada de fls. 91 verso a fls. 93 do Livro de Notas para Escrituras Diversas, nº 73-E, daquele cartório Notarial, do qual faz parte integrante o documento complementar anexo. (cfr. doc. 2 - Escritura de Mútuo)

4) Os Réus, em garantia designadamente do supra aludido empréstimo, constituíram a favor da Autora hipoteca voluntária nos termos que se transcrevem: «para garantir o bom e integral pagamento de: quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir perante a referida Caixa, seja qual for a sua natureza ou origem e nas quais os hipotecantes intervenham em qualquer qualidade, quer derivem, designadamente de letras, saques para aceite bancário, livranças, extractos de factura, saldos devedores ou descobertos de contas de depósitos à ordem ou descontos de qualquer natureza, sendo bastante para justificação da dívida dos saldos devedores a apresentação do extracto das contas devedoras, de garantias bancárias, prestações de fiança ou avales. De comissões, empréstimos, concedidos ou a conceder por qualquer forma, em euros ou outra moeda, que derivem de quaisquer outras operações ou títulos, até ao montante de €100.000,00; juro anual: 8,75%, acrescido da sobretaxa de 4% em caso de mora; despesas: €1.000,00 – Montante Máximo Assegurado: €139.250,00».

5) A hipoteca voluntária foi registada na Conservatória do Registo Predial ..., através das inscrições G-1, Ap. ...02 e G-1, Ap. ...99, respectivamente, sobre os seguintes imóveis:

1 – Prédio Urbano composto por lote de terreno destinado a construção urbana sito no Bairro ..., freguesia e concelho ..., inscrito na Matriz Predial Urbana respectiva sob o artigo ...20 e Descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o número ...83, da freguesia .... (cfr. doc. 3)

2 – Prédio Urbano composto por talhão de terreno destinado a construção urbana sito no Bairro ..., ..., freguesia e concelho ..., inscrito na Matriz Predial Urbana respectiva sob o artigo ...43 e Descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o número ...14, da mesma freguesia. (cfr. doc. 4)

6) Aquando da celebração do contrato de empréstimo concedido pela Autora aos Réus, o imóvel aludido no facto provado 5), ponto 1, encontrava-se registado a favor de AA e BB.

7) Por seu turno, o imóvel melhor identificado no facto provado 5), ponto 2, adveio a titularidade dos Réus, por compra, devidamente outorgada por Escritura Pública denominada “Justificação e Compra e Venda”, outorgada no dia 28-09-1999 no ... Cartório Notarial de  a cargo da Notária GG e perante a mesma, lavrada de fls. 46 verso a fls. 47 verso, do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 63-F, do referido Cartório Notarial. (cfr. doc. 6 e mesmo doc. 4)

8) Em 18-07-2012, a Autora instaurou acção executiva, que corre termos sob o n.º 1227/12...., no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ... – Juiz ..., contra os Réus para cobrança do montante de € 170.487,18, correspondente ao montante em dívida emergente do empréstimo contratado 12-09-2002 (...66).

9) Através da Ap. ...64 de 2013/02/26, foram registadas a favor da Autora a penhora dos dois imóveis identificados no facto provado 5), na Conservatória do Registo Predial ....

10) Das diligências realizadas com vista ao apuramento de outros bens susceptíveis de penhora na titularidade dos executados, constatou-se por via dos resultados facultados pela Autoridade Tributária que os Executados, ora Réus, ali figuravam enquanto titulares de três artigos matriciais urbanos destintos, a saber, artigos ...20, ...43 e ...16.

11) Os artigos matriciais ...20 e ...43 correspondem aos prédios sobre os quais foi constituída hipoteca voluntária a favor da Autora.

12) O prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ...16 encontrava-se inscrito a favor do Réu AA e configurava um prédio urbano composto por casa de habitação de dois pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia e concelho ..., com um valor patrimonial tributário de € 194.475,26.

13) A referida inscrição matricial do artigo 15516 foi efectuada em 2012 e aberta por via da entrega do Modelo 1 de IMI, com o nº ...57, entregue em 03-11-2011, apresentada pelo Réu AA.

14) Nas declarações exaradas na referida participação de Imposto Municipal sobre Imóveis que determinou a inscrição matricial n.º ...16 da freguesia ..., o que o Réu pretendia inscrever na matriz era apenas a construção que se encontrava implantada no prédio inscrito na matriz sob o artigo ...20 da freguesia ....

15) Tal prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... não se encontrava Descrito na Conservatória do Registo Predial ....

16) A Autora, convicta de que os Réus haviam adquirido um terceiro prédio urbano, requereu de imediato à Senhora Agente de Execução que diligenciasse pela respectiva penhora.

17) A Senhora Agente de Execução requereu em 15-01-2015 a abertura de nova descrição predial, única e exclusivamente para registo da penhora, conforme exarado pela Senhora Agente de Execução no campo destinado a aposição de outras declarações, onde se pode ler:

«HH, agente de execução com a cédula profissional nº ...45 e escritório na Rua ..., ..., em ..., agente de execução nomeada no processo executivo nº ...2... que corre termos na Secção Cível – J1 – Inst. Central, Comarca ..., vem requerer, ao abrigo do disposto no artigo 755º do CPC, que se proceda à penhora do prédio indicado no rosto desta requisição para garantia do pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução as quais se presumem, para o efeito da realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 5% da quantia exequenda, nos termos do nº 3 do artigo 735º do CPCivil. Exequente: Banco 1...), CRL, nif ...10, sede no Largo ..., .... Executados: AA, NIF ...30 e mulher BB, NIF ...94, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., Bairro ..., .... Imóvel: Prédio Urbano destinado a habitação, composto por dois pisos, com logradouro, sito na Rua ... em ..., a confrontar a norte e poente com a rua pública e a sul e nascente com herdeiros de CC, com a área total de 937,00 m2 a que corresponde a superfície coberta de 205,62 m2, a superfície descoberta de 731,38 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...16 e não .... Desconhecem-se os antepossuidores por não ter elementos no processo nem o executado fornecer a identificação dos mesmos, bem como qualquer correspondência entre o actual artigo e quaisquer artigos matriciais. Mais declara que o prédio não é nem faz parte dos descritos sob os n.ºs ...98 e ...21 da freguesia .... Quantia Exequenda: 170.487,18€”. (cfr. doc. ...0 – Requisição de registo)».

18) A sobredita requisição de registo originou a abertura na Conservatória do Registo Predial de ... da Descrição Predial n.º ...36, da freguesia ....

19) A abertura da descrição predial referente ao imóvel Descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...36 verificou-se por mera decorrência da necessidade de registo de penhora ali efectuada através da AP. ...46 de 2015/01/09.

20) Na presente data os únicos ónus que incidem sobre o referido imóvel são:

1 – AP. ...46 de 2015/01/09, correspondente à penhora lograda no âmbito do processo executivo nº ...2...; (cfr. doc. 12 – Auto de Penhora datado de 21 de janeiro de 2015)

2 – Ap. ...36 de 2018/10/16, Acção de Processo Comum com o nº 1517/18...., que correu os respectivos termos pelo Juízo Central Cível ... – Juiz ..., julgada deserta por douto despacho proferido em 7 de dezembro de 2021, já transitado em julgado. (cfr. doc. 13 - despacho)

3 – Ap. ...19 de 2019/01/18, correspondente a penhora lograda no processo n.º 1773/08...., em que é Exequente II.

21) Uma parcela de 1.444,00 m2 do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...43 e Descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...14 foi objecto de cedência graciosa à Câmara Municipal ... com vista à construção de via de comunicação.

22) No prédio urbano composto por lote de terreno destinado a construção urbana sito no Bairro ..., freguesia e concelho ... inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo ...20 e ... com o número ...83 da freguesia ..., encontram-se implantadas duas construções, sendo uma casa destinada a habitação e um anexo, tudo inserido no mesmo espaço devidamente delimitado e murado.

23) Em 15-03-2005 e 22-09-2005, identificados respectivamente por PLOP ...6/...05 e PLOP ...9/...05, o Réu AA requereu junto da Secção de Obras Particulares da Divisão de Obras Particulares do Departamento Técnico Operacional da Câmara Municipal do Concelho de ..., o licenciamento da construção edificada no prédio urbano prédio hipotecado à Autora, a saber prédio urbano composto por terreno destinado a construção urbana sito no Bairro ..., a confrontar a norte e a nascente com a Rua, a sul com CC e a poente com DD, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo ...20 e Descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...83, da mesma freguesia.

24) Da caderneta predial actualizada do imóvel ...16, consta que o prédio (edificação) teve origem no prédio de raiz inscrito na matriz sob o artigo ...20, da freguesia ....

25) A 07-12-2021, a Secção de Obras Particulares do Departamento Técnico Operacional da Câmara Municipal de ... emitiu certidão com o seguinte teor: «certifica-se que da análise dos elementos instrutórios que constam nos processos PLOP ...9/...05 e PLOP ...6/...05, nomeadamente as certidões da descrição e de todas as inscrições em vigor emitidas pela Conservatória do Registo Predial ..., e as plantas de localização, podemos concluir que o prédio urbano localizado na Rua ... do Bairro ..., corresponde ao prédio urbano sito na Rua ... de .... Ou seja, existe uma correspondência entre a designação toponímica das Ruas atrás mencionadas».

26) A coexistência simultânea dos artigos matriciais ...20 e ...16 originou uma convicção falsa da existência de um terceiro imóvel e por decorrência de tal erro, a Autora através da Senhora Agente de Execução em funções no processo executivo originou a abertura de Descrição Predial em duplicado como forma de obter o registo de penhora.

II - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as únicas questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade processual e por isso decisão surpresa.

- Nulidade da descrição predial com o nº ...36, por constituir uma duplicação da descrição predial inicialmente efectuada com o nº ...83, e consequente cancelamento daquela descrição.

2. A recorrente defende que o tribunal a quo, na sentença proferida, entendeu que não se encontram preenchidos os pressupostos da declaração de nulidade do registo, por considerar que o pedido formulado pela A. não os consubstancia, pelo que, impendendo sobre o juíz do processo o dever de convidar as partes a suprir eventuais irregularidades, no despacho pré-saneador que proferiu - em que se convidou a A. a pronunciar-se quanto à eventual verificação da excepção dilatória inominada de erro na forma do processo e incompetência material para conhecimento do pedido efectuado em c) da p.i.) -, omitiu, quanto aos demais pedidos, esse dever de convite ao aperfeiçoamento, circunstância que consubstancia a violação do princípio da cooperação processual e do dever de gestão processual, imposto pelos arts. 6º e 590º, nº 2, 3º e 4º, do NCPC, omissão essa que culminou na prolação da presente decisão, uma decisão surpresa, e, por outro lado, a sobredita omissão constitui nulidade processual subsumível ao regime previsto nos arts. 195º, 197º, 199º, 200º e 201º, todos do mesmo Código (cfr. conclusões de recurso XII. a XVII e XIX.).

Concorda-se com a recorrente quando afirma que o juíz tem, abstractamente, o dever de proferir tal despacho de aperfeiçoamento, nos termos do referido artigo e número 590º, nº 2, sua b). Trata-se de um despacho vinculado, pelo que se não o fizer tal omissão constitui nulidade processual (vide L. Freitas, em A Ação Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., pág. 164).

Todavia, no caso concreto, ele não se justificava, à sombra do nº 2, b) e nº 3, de tal normativo, como a recorrente defende, pois quando a lei fala em suprir-se as irregularidades dos articulados, designadamente carecerem de requisitos legais, ou falta de apresentação de documento essencial ou que a lei faça depender o prosseguimento da causa, está-se a referir a falta de requisitos formais.

Mas daqui não pode retirar-se que o tribunal deva, nesse eventual despacho de aperfeiçoamento, convidar o autor a modificar/alterar ou ampliar o pedido porque, como a A. afirma, entendeu que não se encontram preenchidos os pressupostos da declaração de nulidade do registo, por considerar que o pedido formulado pela A. não os consubstancia. O pedido está na inteira disposição do demandante e só a ele cabe formular (art. 552º, nº 1, e), do NCPC).

A A. também refere o nº 4 do art. 590º, já mencionado, mas este preceito queda inaplicável, pois reporta-se a insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, o que nada tem a ver com o pedido que formulou.

Portanto, no nosso caso específico, não existe qualquer nulidade processual.

Também se concorda com a recorrente que a eventual violação do dever de gestão processual, conduz a uma nulidade processual (vide o mesmo autor, em Introdução ao Proc. Civil, 4ª Ed., pág. 234).

Mas, mais uma vez, se conclui que tal dever de gestão processual, face ao teor do art. 6º, nº 1, do NCPC, nada tem a ver com convites ao autor para modificar ou alterar o pedido.

Portanto, de novo se dirá, que no nosso caso específico, não existe qualquer nulidade processual.

Ainda que houvesse, a A. não poderia obter o reconhecimento de qualquer nulidade processual, agora, em recurso. Na verdade, das nulidades processuais reclama-se e não se recorre, de acordo com o velho aforismo jurídico que assim o dita. Ou seja, a A. devia ter arguido a eventual nulidade processual na 1ª instância, perante o juiz que, ao proferir o despacho pré-saneador indicado, terá praticado tal nulidade processual, no prazo geral de 10 dias após a notificação do mesmo, o que não aconteceu (arts. 195º, nº 1, 197º, nº 1, 199º, nº 1 e 200º, nº 3, do NCPC).          

Em recurso, é que não poderia deduzir tal nulidade processual.

Finalmente, por falta de causa - efeito, não pode uma nulidade processual, por omissão, que inexiste, culminar na prolação de uma decisão surpresa, a decisão recorrida, como a recorrente pugna.

Não procede, por isso, esta parte do recurso.

3. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“A causa de pedir da presente acção é complexa e desdobra-se em duas realidades: i) que através das declarações exaradas na participação do IMI, que determinou a inscrição matricial n.º ...16, se pretendia inscrever na matriz a construção que se encontrava implantada no prédio inscrito na matriz sob o artigo ...20 e não a realização daquela inscrição nos moldes em que foi feita; ii) quanto à inscrição matricial do artigo 15516, referente ao prédio urbano composto por casa de habitação de dois pisos e logradouro, sito na Rua ..., no âmbito do processo executivo movido contra os Réus, realizou-se uma nova descrição predial, n.º ...36, que decorreu por mera necessidade de registo da penhora efectuada através da AP. ...46 de 2015/01/09, tendo-se vindo a verificar que o prédio sob o artigo ...20 corresponde na íntegra ao prédio onde foi edificado o imóvel descrito na matriz sob o artigo ...16 da freguesia ....

Existe duplicação de descrições prediais, independentemente de o prédio não estar rigorosamente descrito da mesma forma nas duas descrições diferentes, se se provou reconduzirem-se à mesma realidade física.

Ocorreu uma duplicação de descrições no registo predial, situação que é ilícita, face ao disposto no artigo 79.º, n.º 2, do Código do Registo Predial, onde se dispõe que, «de cada prédio é feita uma descrição distinta».

Sobre esta situação, o Código de Registo Predial não prevê a eliminação directa das situações contraditórias.

O artigo 86.º do Código de Registo Predial prevê apenas que:

«1 – Quando se reconheça a duplicação de descrições, reproduzir-se-ão na ficha de uma delas os registos em vigor nas restantes fichas, cujas descrições se consideram inutilizadas.

2 – Nas descrições inutilizadas e na subsistente far-se-ão as respectivas anotações com remissões recíprocas.»

O registo predial publicita a situação jurídica do prédio, ainda que prestando informações incompatíveis, cumprindo aos interessados dirimir, em sede de direito substantivo, a incompatibilidade que ocorra (assim, o Parecer do Instituto dos Registo e Notariado n.º R.P. 87/20..., disponível na internet).

A resolução do problema ou é acordada pelos interessados ou é resolvida pela via judicial.

Provou-se que as descrições sob os n.ºs ...05 e ...09 se referem à mesma parcela de terreno.

Ou seja, existe uma duplicação de registos, em concreto os atinentes aos prédios descritos no registo predial sob os n.ºs ...05 (correspondente ao artigo matricial ...20) e ...09 (correspondente ao artigo matricial n.º ...16), e tendo o último sido feito por mero lapso e por mera decorrência da necessidade de registo de penhora ali efectuada através da AP. ...46 de 2015/01/09.

Como refere J. A. MOUTEIRA GUERREIRO (Noções de Direito Registral, Coimbra Editora, 1994, p. 199), «as duplicações foram sempre indiscutida e genericamente criticadas porque violam o princípio da especialidade e são objectivamente prejudiciais e perigosas, acabando por frustrar os próprios fins de certeza e segurança do registo, porque sobre o mesmo prédio podem afinal vir a incidir diversas e opostas situações jurídicas».

Tal entendimento foi também vertido no segmento uniformizador e na fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J. nº 1/2017, de 23/2/2016 (D.R. Is., de 22/2/2017): «a dupla descrição do mesmo prédio mina a pedra angular do registo e compromete inelutavelmente a função da descrição, criando uma aparência contraditória em que o registo profere simultaneamente uma afirmação e o seu contrário (podendo resultar das inscrições, por exemplo, que A é proprietário pleno do prédio, mas que B também o é no mesmo período). Perante uma falha de tal magnitude, a melhor solução foi a encontrada pelo Acórdão recorrido: as duas presunções de sentido oposto destroem-se mutuamente».

Diferente realidade é reportar-se à nulidade do registo (a Autora peticiona erradamente a nulidade da descrição, quando o que quereria peticionar seria certamente a nulidade do registo que deu origem à descrição predial com o n.º ...36/...09).

Dispõe o artigo 16.º do Código do Registo Predial:

«O registo é nulo:

a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos;

b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado;

c) Quando enfermar de omissões ou inexatidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere;

d) Quando tiver sido efetuado por serviço de registo incompetente ou assinado por pessoa sem competência, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil e não possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte;

e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo».

Está completamente fora de questão a mobilização das alíneas a), d) e e) do artigo 16.º do Código do Registo Predial.

A Autora convoca as alíneas b) e c).

Quanto à alínea b), esta situação concretiza-se sempre que faltem elementos de natureza processual e fiscal de importância tal que o princípio da legalidade e normas de referência tributária expressa impusessem, com firmeza, ao responsável pelo registo que controlasse.

Nada nos factos provados sugere que os documentos apresentados para fundar o registo em apreço (...36/...09) fossem insuficientes para a prova legal do facto registado, uma vez que se procedeu à abertura dessa nova descrição predial, única e exclusivamente para registo da penhora.

O agente de execução tem legitimidade para requerer a descrição, no registo predial, de prédio urbano omisso no registo predial, mas inscrito na matriz, tendo em vista inscrever no registo predial a penhora desse prédio. Mais, a efectivação do registo da penhora não carece de qualquer prévia inscrição do bem a favor do sujeito passivo (aqui Réus) – isto é, não carecia de diligenciar pela demonstração da legitimação do direito dos Réus, para além do que já constava na matriz, face à norma excepcional prevista no art.º 9.º, n.º 2, alínea a) do Código do Registo Predial:

«Artigo 9.º

Legitimação de direitos sobre imóveis

1– Os factos de que resulte transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo.

2– Exceptuam-se do disposto no número anterior:

a) A partilha, a expropriação, a venda executiva, a penhora, o arresto, a apreensão em processo penal, a declaração de insolvência e outras providências ou atos que afetem a livre disposição dos imóveis».

Por isso, o registo da penhora não é nulo nos termos dos artigos 9.º, n.º 2, e 16.º, al. b), do Código do Registo Predial, sendo incorrecto fazer-se referência a uma nulidade de descrição predial como faz a Autora, sendo certo que dos autos constam elementos que comprovam a existência e validade do título referente a tal registo (auto de penhora, certidão da matriz predial quanto a tal prédio, não tendo sido alegado que os mesmos não foram apresentados ao conservador).

Já no que respeita à circunstância de saber se o registo (entenda-se aquele que se quer declarar nulo – o registo da penhora pela AP. ...46 de 2015/01/09) enferma de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere, dos factos provados nada consta que permita inferir a existência de tais omissões ou inexactidões e que haja incerteza sobre os sujeitos (são Autora e Réus) ou sobre o objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere (penhora, que afecta a livre disposição do imóvel em apreço, e que naturalmente se extrai que a mesma se processou no âmbito de uma acção executiva movida pela Autora, sendo esta credora dos Réus).

Pois bem, aqui chegados vemos que, em primeiro lugar, inexiste a figura da nulidade de descrições prediais, existindo, sim, a nulidade de registos, e só podendo estes ser cancelados (artigos 10.º, 13.º, 16.º, 87.º, n.º 1, do Código do Registo Predial).

Em segundo lugar, não se verifica qualquer causa de nulidade de registo a que alude o artigo 16.º do Código do Registo Predial e por referência à descrição n.º ...36/...09. Não se ignora que o primeiro facto registado quanto à descrição n.º ...36/...09 é uma penhora (por via da AP. ...46 de 2015/01/09 e registada a favor da Autora), mas tal registo era possível nos termos do artigo 9.º, n.º 2, Código do Registo Predial (isto é, ainda que tal bem não estivesse definitivamente inscrito a favor dos Réus).

(…)

Posto isto, é por de mais evidente que o pedido a) terá de soçobrar, por falta de verificação de qualquer nulidade nos termos do artigo 16.º do Código do Registo Predial, sendo certo que a declarar nulo seria sempre um registo e não uma descrição predial.

No mais, as descrições não podem ser canceladas (artigo 87.º, n.º 1, do Código do Registo Predial), o que implica sem carecer de maior explicitação que soçobrasse o pedido vertido sob a alínea b), o que é distinto de peticionar o cancelamento do registo. As descrições apenas podem ser inutilizadas quando ocorra alguma das causas previstas no artigo 87.º, n.º 2, do mesmo diploma legal: «trata-se de fazer cessar a publicitação registral relativamente àquele prédio descrito, visto que ele deixou de ter qualquer autonomia descritiva, isto é, perdeu a sua identidade» (J. A. MOUTEIRA GUERREIRO, Notas de Direito Registral: O Pedido, o Processo e os Actos de Registo, in Temas de Registos e de Notariado, Almedina, 2010, p. 79).

Improcederá, assim, igualmente o pedido b).”.

A recorrente discorda, conforme resulta das suas conclusões de recurso (I. a XII. e XVIII.). Mas não vemos razão para a acompanhar na sua insurgência.

Desde logo, e seguindo a fundamentação jurídica da decisão recorrida, temos dois pontos por assentes: não existe juridicamente a figura das nulidades das descrições prediais, por duplicação, o que inviabiliza logo o pedido formulado sob a a), já que o remédio dessa anormalidade reside na inutilização das mesmas (art. 86º do C. R. Predial), como se deixou dito na sentença apelada; as descrições não são susceptíveis de cancelamento, como resulta do art. 87º, nº 1, do mesmo Código, o que igualmente inviabiliza o pedido da A. formulado sob b). Só por aqui, a acção tinha de improceder.

Mas improcederia à mesma se tratássemos hipoteticamente a situação como nulidade do registo e consequente cancelamento.

Vejamos, a argumentação da A.

- diz a mesma que a abertura da descrição predial duplicada sob o nº ...36, e que representa a mesma realidade física já ínsita na descrição predial registada com o nº ...83, teve origem no processo executivo instaurado pela recorrente contra os RR, ali executados, para registo de penhora do imóvel inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artº ...16, tendo, para o efeito, a AE exarado no pedido de registo o que consta do facto 17); de igual modo a sentença proferida consigna que as descrições prediais sob os nºs 7.083 e 11.836 se referem à mesma parcela de terreno, provindo o registo sobre este último prédio de penhora efectuada através da AP. ...46 de 2015/01/09, que originou a abertura da descrição em duplicado; e que para efectuar o registo da penhora e consequente abertura da descrição predial a AE declarou que o prédio em causa se encontrava omisso na C. R. P. Ora tal declaração é falsa, o que conduz à falsidade do título que deu causa à abertura da descrição predial efectuada em duplicado, pelo que tal declaração falsa é subsumível à falsidade prevista na alínea a) do art. 16º do C. R. P.

Cabe dizer, a este propósito, que em lado algum da p.i. a A. invocou, como causa de pedir, a nulidade do registo a coberto dessa a), fê-lo tão só quanto à b) e c), e coerentemente não alegou que a AE tenha feito declarações falsas ! Daí, também, que o juiz a quo não tenha apreciado essa nulidade que só agora em recurso vem invocada.

De qualquer maneira sempre se dirá que tal nulidade não existe, pois o registo da penhora incidente sobre o prédio descrito sob o nº ...36 não é falso nem foi lavrado com base em títulos falsos.

Quanto à 1ª parte a recorrente nem justifica essa falsidade.

Quanto à 2ª parte, o que a alegação da A. na p.i. evidencia é coisa diferente. Aí a A. alega nos arts. 19º a 21º, 43º e 44º é que: a A. convicta erradamente que os ali executados, ora RR, haviam adquirido um terceiro prédio urbano, requereu de imediato à Agente de Execução que diligenciasse pela respectiva penhora, tanto mais que o valor patrimonial tributário declarado seria suficiente para liquidação da dívida existente à data, o que a AE diligenciou em conformidade, requerendo a abertura de nova descrição predial, única e exclusivamente para registo da penhora, declarando que o art. matricial 15.516º (que corresponde ao apontado nº 11.836) não estava descrito na C. R. P., requisição de registo que originou a abertura na Conservatória da indicada descrição nº ...36. Impondo-se, promover pela declaração de nulidade da Descrição Predial que, nos exactos termos, demonstrados e documentados, teve origem na penhora lograda à ordem da acção executiva instaurada pela aqui A., cuja promoção assentou no pressuposto falacioso da existência de três imóveis distintos registados a favor dos RR, e a A. no prosseguimento do desiderato maior da acção executiva acabaria por desencadear uma duplicação registral na C. R. P., irremediavelmente ferida por um erro na declaração (art. 247º do Código Civil).

Ou seja, deste discurso decorre que a A. pretende e pretendia apenas a declaração de nulidade da descrição predial e não do registo da penhora. E, por outro lado, que não se verifica a ocorrência do registo ter sido lavrado com base em títulos falsos. Qual seria o título falso para o registo da penhora ?

A dar-se alguma anomalia registral, ela foi desencadeada pela A. que requereu à AE que diligenciasse pela penhora e registo, o que esta fez em conformidade. Reconhecendo até a A. que foi ela própria, que, por erro na declaração, fez duplicar a descrição predial. Mais uma vez, reconhecendo a A. que para ela apenas estava em jogo uma nulidade da descrição predial e não no registo da penhora, que acaso houvesse não se basearia em títulos falsos.

- diz, igualmente, a recorrente que de igual modo o título que serviu de base ao registo que culminou na duplicação da descrição registal duplicada carece de força probatória do facto a registar e enferma de inexactidão quanto ao objecto a que reporta o registo, encontrando-se, assim, preenchidos os pressupostos ínsitos nas alíneas b) e c) do art. 16º do C. R. P., para declaração de nulidade do registo.

Ora, esta argumentação já exposta na p.i., e agora repetida em recurso, já foi objecto de apreciação na fundamentação jurídica da sentença recorrida, e onde acertadamente se justificou, da maneira que segue:

“Quanto à alínea b), esta situação concretiza-se sempre que faltem elementos de natureza processual e fiscal de importância tal que o princípio da legalidade e normas de referência tributária expressa impusessem, com firmeza, ao responsável pelo registo que controlasse.

Nada nos factos provados sugere que os documentos apresentados para fundar o registo em apreço (...36/...09) fossem insuficientes para a prova legal do facto registado, uma vez que se procedeu à abertura dessa nova descrição predial, única e exclusivamente para registo da penhora.

O agente de execução tem legitimidade para requerer a descrição, no registo predial, de prédio urbano omisso no registo predial, mas inscrito na matriz, tendo em vista inscrever no registo predial a penhora desse prédio. Mais, a efectivação do registo da penhora não carece de qualquer prévia inscrição do bem a favor do sujeito passivo (aqui Réus) – isto é, não carecia de diligenciar pela demonstração da legitimação do direito dos Réus, para além do que já constava na matriz, face à norma excepcional prevista no art.º 9.º, n.º 2, alínea a) do Código do Registo Predial:

«Artigo 9.º

Legitimação de direitos sobre imóveis

1– Os factos de que resulte transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo.

2– Exceptuam-se do disposto no número anterior:

a) A partilha, a expropriação, a venda executiva, a penhora, o arresto, a apreensão em processo penal, a declaração de insolvência e outras providências ou atos que afetem a livre disposição dos imóveis».

Por isso, o registo da penhora não é nulo nos termos dos artigos 9.º, n.º 2, e 16.º, al. b), do Código do Registo Predial, sendo incorrecto fazer-se referência a uma nulidade de descrição predial como faz a Autora, sendo certo que dos autos constam elementos que comprovam a existência e validade do título referente a tal registo (auto de penhora, certidão da matriz predial quanto a tal prédio, não tendo sido alegado que os mesmos não foram apresentados ao conservador).

Já no que respeita à circunstância de saber se o registo (entenda-se aquele que se quer declarar nulo – o registo da penhora pela AP. ...46 de 2015/01/09) enferma de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere, dos factos provados nada consta que permita inferir a existência de tais omissões ou inexactidões e que haja incerteza sobre os sujeitos (são Autora e Réus) ou sobre o objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere (penhora, que afecta a livre disposição do imóvel em apreço, e que naturalmente se extrai que a mesma se processou no âmbito de uma acção executiva movida pela Autora, sendo esta credora dos Réus).

Pois bem, aqui chegados vemos que, em primeiro lugar, inexiste a figura da nulidade de descrições prediais, existindo, sim, a nulidade de registos, e só podendo estes ser cancelados (artigos 10.º, 13.º, 16.º, 87.º, n.º 1, do Código do Registo Predial).

Em segundo lugar, não se verifica qualquer causa de nulidade de registo a que alude o artigo 16.º do Código do Registo Predial e por referência à descrição n.º ...36/...09. Não se ignora que o primeiro facto registado quanto à descrição n.º ...36/...09 é uma penhora (por via da AP. ...46 de 2015/01/09 e registada a favor da Autora), mas tal registo era possível nos termos do artigo 9.º, n.º 2, Código do Registo Predial (isto é, ainda que tal bem não estivesse definitivamente inscrito a favor dos Réus).” – os sublinhados são nossos.

O que, por merecer a nossa concordância, há que chancelar.

- por fim, a A. ainda se estende em considerações sobre a impossibilidade de rectificação do registo nos termos dos arts. 120º e segs. do C. R. P. por se estar perante uma situação de nulidade do registo, que por inerência não é susceptível de rectificação, tendo a sentença recorrida subsumido erradamente a facticidade dada como provada ao regime da rectificação predial.

Não é verdadeiro este argumento, pois a sentença recorrida, como resulta da fundamentação jurídica acima por nós transcrita, decidiu apenas com base na análise da falta de pressupostos legais para verificar, concluir e decidir que não existiam as nulidades do registo convocadas pela A./recorrente, as previstas nas b) e c) do referido art. 16º. Nada mais.

A alusão que faz ao regime da rectificação predial não serviu para decidir o fundo da questão, para decidir de mérito, mas apenas como hipótese de solução, como resulta do uso da seguinte passagem de texto “Afastada a figura da nulidade do registo, o presente caso parece reconduzir-se à figura da rectificação do registo, por se estar perante registo indevidamente lavrado …”.      

(…)

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.  

*

Custas pela recorrente.

*

                                     Coimbra, 30.12.2023

                                      Moreira do Carmo