Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5130/20.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
TRACTOR AGRÍCOLA
RISCOS PRÓPRIOS DO VEÍCULO EM CIRCULAÇÃO
RISCOS PRÓPRIOS DA LABORAÇÃO AGRÍCOLA
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: D.L. Nº 291/2007 DE 21 DE AGOSTO, DIRECTIVA 72/166/CEE, ARTº 108, NºS 1 E 2, DO C. DA ESTRADA E 7º, Nº1 E 2, DO REGULAMENTO DA HABILITAÇÃO LEGAL PARA CONDUZIR, APROVADO PELO DL Nº 138/2012, (NA REDACÇÃO DO D.L. 40/2016 DE 29 DE JULHO
Sumário: I - O D.L. nº 291/2007 de 21 de Agosto, que transpôs para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho e a Directiva nº 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, no seu artº 4, nº1,  estipula a obrigatoriedade de celebração de um seguro de responsabilidade civil que cubra os riscos próprios da circulação de veículos automóveis, para os quais seja exigida um licença de condução, por forma a conferir, como decorre expressamente do preâmbulo deste diploma, um elevado e completo “sistema de protecção dos lesados por acidentes de viação”.

II - O conceito de veículo em circulação, constante do artº 3 §1 da Directiva 72/166/CEE, foi objecto de interpretação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em jurisprudência obrigatória para os Tribunais nacionais, por via do disposto nos dos artºs 2, 4, nº3, 5, nº1 e 19, nº3, do TUE,  no sentido de abranger “qualquer utilização de um veículo em conformidade com a função habitual desse veículo” (Acórdão VNUCK), excluindo, no entanto, deste conceito “uma situação em que um tractor agrícola esteve envolvido num acidente quando a sua função principal, no momento em que este acidente ocorreu, não consistia em servir de meio de transporte, mas em gerar, como máquina de trabalho, a força motriz necessária para accionar a bomba de um pulverizador de herbicida.” (Acórdão Rodrigues de Andrade).

III - A Directiva nº 2009/103/CE de 16 de Setembro de 2009, embora tenha revogado a Directiva nº 72/166/CEE, referente ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, nos seus artºs 1, nº1 e 3º, §1, manteve a definição de veículo constante daquela Directiva e a obrigatoriedade de constituição de um seguro de responsabilidade civil que cobrisse os riscos decorrentes da circulação de veículos.

IV- Um tractor, sendo um veículo terrestre dotado de um motor de propulsão a gasóleo, com dois eixos e quatro rodas, que exige para a sua condução um título específico (artº 108, nºs 1 e 2, do C. da Estrada e 7º, nº1 e 2, do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado pelo DL nº 138/2012, (na redacção do D.L. 40/2016 de 29 de Julho), integra o conceito de veículo, para efeitos do disposto no artº 4 nº1 do D.L. 291/2007 e 1º nº1 da Directiva 2009/103/CE.

V - No entanto, só devem ser considerados incluídos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, os eventos danosos em que se possa afirmar a existência de um nexo causal com os riscos próprios do veículo/tractor, excluindo aqueles em que o evento decorra dos riscos próprios da laboração de uma alfaia agrícola a ele acoplada, por via do disposto no nº4 do artº 4 do D.L. 291/2007 e 3º § 1 da Directiva 2009/103/CE.

VI- Resultando o evento danoso do funcionamento de uma fresa acoplada a um tractor agrícola, que atingiu a vítima quando esta se encontrava entre a roda traseira desse tractor e a fresa, consistindo a função do tractor, nesse momento, em gerar, através do seu motor, a força motriz necessária à laboração desta alfaia agrícola para semear um campo de milho, deve considerar-se excluído do âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil, por não se integrar nos riscos próprios do veículo, mas antes nos riscos próprios de laboração agrícola.

Decisão Texto Integral:
Relator: Cristina Neves
Adjuntos: Teresa Albuquerque
Falcão de Magalhães

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO


 AA e BB, intentaram a presente ação contra Seguradoras U..., S.A., peticionando a sua condenação a pagar aos autores a quanta de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos danos não patrimoniais sofridos por si e pela sua falecida mãe, CC, quantia essa acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento, bem como no pagamento das custas e encargos com o processo.

Para fundamentarem o seu pedido alegam que o falecimento de sua mãe ocorreu na sequência de um acidente com um tractor munido de uma fresa mecânica que, por culpa do condutor deste tractor, foi posta em funcionamento quando a vítima se encontrava entre a roda traseira do tractor e a fresa, causando-lhe a morte.


*

Contestou a R., por excepção, alegando que o acidente em causa constitui acidente de laboração, por essa via excluído, bem como os respectivos danos, das garantias do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...37 e ainda a preterição de litisconsórcio necessário no que se reporta à indemnização pelo dano morte.

Impugnou, ainda, os factos relativos ao acidente, cuja culpa imputa à vítima, bem como os danos invocados.


*

Foi proferido despacho saneador, identificando-se o objeto do litígio, enunciando-se os temas da prova e admitindo-se a prova apresentada pelas partes, após o que teve lugar a audiência final, sendo proferida sentença na qual o Juiz a quo, considerando incluir-se este acidente nos riscos decorrentes da circulação do veículo, decidiu

1– Condeno a Ré Seguradoras U..., S.A. a pagar à autora AA, a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a títulos de danos não patrimoniais, quantias essas acrescidas dos juros legais contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.

2 - Condeno a Ré Seguradoras U..., S.A. a pagar ao autor BB, a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a títulos de danos não patrimoniais, quantias essas acrescidas dos juros legais contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.

3– Condeno a Ré Seguradoras U..., S.A. a pagar aos autores AA e BB a quantia de 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima CC e a quantia de € 70.000 (setenta mil euros) pela perda do direito à vida da vítima CC, quantias essas acrescidas dos juros legais contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.

4 - Custas da ação a cargo dos autores e Ré, na proporção do respetivo decaimento.”

 


*

Não conformada com esta decisão, impetrou a R. recurso da mesma, restrito à matéria de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. O acidente em causa nos presentes autos ocorreu quando a infeliz sinistrada foi colhida pelas lâminas de uma fresa em funcionamento, acoplada a um tractor agrícola, de matrícula ..-0D-.., no decurso de trabalhos de sementeira num campo de cultivo.

2. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...37, DD, na qualidade de proprietário e tomador do seguro, transferiu para a recorrente a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação do trator agrícola da marca ..., modelo ..., de matrícula ..-OD-...

3. Nos termos do disposto no nº 4 do art.º 4º do DL 291/2007, de 21 de Agosto, a obrigação de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel é afastada nas situações em que os veículos são utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais.

4. Um seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel tal como o titulado pela apólice nº ...37 só cobre ou garante acidentes qualificados como acidentes de viação, isto é, quando o veículo envolvido tenha sido causa do evento enquanto na sua função de veículo circulante, o que manifestamente não sucedeu no caso dos presentes autos, pois o tractor agrícola ao qual se encontrava acoplada a fresa encontrava-se na sua função de laboração agrícola e a sua movimentação tinha como fim único e exclusivo a realização de uma tarefa agrícola.

5. A utilização da fresa constitui actividade notoriamente perigosa, como para além do mais se conclui da matéria de facto dada como provada: O condutor não podia ter ligado a fresa sem que antes se tivesse assegurado que a vítima tivesse saído de junto da traseira do trator e de junto da fresa, tanto mais que o condutor bem sabia que a fresa tem lâminas com forte e rápida rotação e que, por isso, constitui um mecanismo perigoso – 1.12 dos factos provados; A fresa em causa era dotada de lâminas que funcionavam de forma rotativa e que, com ela ligada, passaram a estar em movimento – 1.33 dos factos provados; A fresa que se encontrava acoplada ao OD, da marca ..., modelo ..., com 1,70 metros de largura, era constituída por um conjunto de 8 grupos de facas rotativas, 4 do lado esquerdo e 4 do lado direito; cada um daqueles 8 grupos possuía 4 facas, totalizando assim 32 facas no total – 1.37 dos factos provados.

6. O caso cai assim sob a alçada no disposto no art.º 493º, nº 2, do CCivil e excluído dele está aplicação do disposto no art.º 503º do mesmo diploma legal: O disposto no artigo 493, nº 2 do Código Civil não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre – cfr. Assento nº 1/80, publicado no Diário da República I Série, de 20 de Janeiro.

7. A utilização de uma máquina agrícola “capinadeira”, ainda que atrelada a um tractor para a sua locomoção, consiste em «actividade perigosa» para efeitos de aplicação do regime predisposto pelo art. 493.º, n.º 2, do CC, sempre que os danos produzidos se devem em exclusivo ao perigo típico (que deveria ter sido antecipado e neutralizado pela tomada de acções preventivas adequadas e necessárias por um utilizador diligente) resultante de um “evento de laboração ou exploração” da máquina, no âmbito de actuação das suas funções específicas e funcionamento próprio, ainda que na dependência da circulação devida ao tractor associado e promotor dessas funcionalidades – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.04.2022, no qual foi Relator o Exmo Senhor Juiz Conselheiro Ricardo Costa, disponível em www.dgsi.pt.

8. O sinistro em causa nos presentes autos não constitui acidente de viação, antes acidente de laboração, pelo que dele se encontra excluída a cobertura e garantias do seguro de responsabilidade civil automóvel contratado entre a recorrente e o proprietário do tractor agrícola ao qual se encontrava acoplada a fresa.

9. A recorrente deve assim ser absolvida de todos os pedidos formulados.

Sem Prescindir,

10. Caso assim se não entenda – o que não se concede – sempre será de imputar à infeliz sinistrada uma quota parte de responsabilidade na produção dos danos por ela sofridos.

11. Considerando a imprevidência da actuação da sinistrada, conhecedora do perigo que representava a fresa em laboração, deverá à mesma ser imputada 30% da responsabilidade na produção dos danos que vieram a resultar na sua morte, cfr. art.º 570º do CCivil, devendo ser deduzida a percentagem de 30% ao valor global da condenação.

12. Na douta sentença fez-se incorrecta interpretação dos factos e menos acertada aplicação da Lei, designadamente dos art.ºs 483º, 493º, 503º e 570º, todos do CCivil e do art.º 4º do DL 291/2007, de 21 de Agosto.

Pelo exposto,

Na procedência das conclusões do recurso da recorrente, deve a douta sentença recorrida ser revogada nos termos supra descritos, assim se fazendo JUSTIÇA.”


*

Os AA. interpuseram contra-alegações, delas constando as seguintes conclusões:

“1) O veículo ..., tractor agrícola melhor identificado nos autos (ponto 1.25. dos factos provados), constitui um veículo para o qual existe obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, nos termos impostos pelo DL nº 291/2007, de 21/08 (Regime do Seguro Automóvel Obrigatório), e conforme resulta designadamente do disposto no art. 4º, nº 1 daquele diploma legal;

2) No cumprimento de tal obrigação legal, o proprietário e condutor do referido veículo, DD, celebrou com a Ré/Apelante o contrato de seguro melhor identificado nos autos (ponto 1.23. dos factos provados), segundo o qual foi transferida para a Ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação daquele veículo;

3) Consta das Condições Particulares da respectiva apólice de seguro a menção de que “De acordo com a presente Cláusula Particular, a cobertura de Responsabilidade Civil Obrigatória deste Contrato produzirá igualmente efeitos em relação à unidade (reboque) que no momento do sinistro se encontre atrelado ao veículo seguro”, querendo isso significar que as partes contratantes do seguro quiseram e contrataram que a cobertura de Responsabilidade Civil Obrigatória produzisse igualmente efeitos em relação à unidade que no momento do sinistro se encontrasse atrelada ao veículo seguro, incluindo qualquer alfaia (fresa ou outra) que a ele estivesse atrelada;

4) O acidente dos autos constitui um verdadeiro acidente de viação, conforme resulta da factualidade provada nos pontos 1.1., 1.2., 1.3., 1.4., 1.6., 1.9., 1.11., 1.13., 1.21., 1.25., 1.28. e 1.34., uma vez que na altura do acidente o veículo ... estava em movimento e circulação e estava a ser utilizado na sua função habitual de locomoção- transporte, sendo tal entendimento protegido pela Legislação Portuguesa (art. 483º do Código Civil, art. 4º, nº 1 e art. 4º, nº 4 a contrário, do DL 291/2007, de 21/08), pelo Direito Comunitário (art. 3º, nº 1, da Diretiva nº 72/166/CEE, arts. 1º, 3º, nº 1, e 4º da Diretiva 2009/93/CE e art. 7º da Diretiva 2009/103/CE), pela Jurisprudência do TJUE (acórdão de 04/09/2014) e pela maioria da Jurisprudência Portuguesa sobre a matéria (entre outros, ac. do STJ de 17/12/2015 no processo 312/11.8TBRGR.L1.S1 e demais acórdãos que nele foram citados, ac. do STJ de 18/01/2000 no processo 99A979, ac. do TRG de 15/02/2018 no processo 535/14.8TBPTL.G1, ac. do TRL de 23/09/2010 no processo 1138/04.0TBBNV-L1-8, ac. do TRE de 11/01/2018 no processo 187/13.2TBMRA.E1, ac. do TRG de 23/06/2016 no processo 6/11.6TBSBR.G1, e ac. do TRG de 17/01/2019 no processo n.º 1341/16.0T8VRL.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt);

5) O acidente (de viação) dos autos está pois coberto pelas coberturas e garantias da referida apólice de seguro, cuja cobertura de Responsabilidade Civil Obrigatória abrange o tractor, e produz igualmente efeitos em relação à unidade (fresa) que no momento do sinistro se encontrava atrelada ao veículo seguro, nos termos que melhor constam da Cláusula Particular sobre essa matéria que se mostra inserida nas Condições Particulares da apólice em referência, conforme resulta do doc. 5 da contestação;

6) Do que se retira que mesmo que o acidente dos autos não fosse considerado de viação (o que não se concede), e sim um acidente exclusivamente provocado pela referida unidade (fresa) atrelada ao tractor, ainda assim a Ré seria obrigada a ressarcir os Autores dos danos peticionados, ao abrigo da referida apólice de seguro, cuja cobertura de Responsabilidade Civil Obrigatória abrange igualmente os danos provocados pela referida fresa;

7) Defendendo o contrário de forma leviana e dilatória, a Ré/Apelante litiga de forma nitidamente temerária, senão mesmo próxima da má fé;

8) Em resultado do que, sempre será de concluir que o acidente dos autos está protegido pelo referido contrato de seguro, cabendo à Ré a responsabilidade de ressarcir os danos dos Autores, fracassando assim o primeiro argumento da Ré em sentido oposto;

9) Por outro lado, resulta igualmente da factualidade provada, e designadamente dos pontos 1.3., 1.4., 1.5., 1.6., 1.9. e 1.11., e ainda da factualidade não provada, e designadamente dos pontos 2.2., 2.3., 2.4. e 2.5., que o acidente dos autos se deveu exclusivamente à falta de atenção e de cuidado do condutor do tractor, nenhum reparo ou censura podendo ser apontado ao comportamento da infeliz vítima por forma a poder ser acionada a disciplina do art. 570º do Código Civil (culpa do lesado), muito menos o reparo de comportamento imprevidente;

10) Sendo certo ainda que, nem sequer era previsível para a infeliz CC (e também não o sendo para qualquer homem médio colocado na mesma situação dela) que o condutor do OD, seu marido, fosse arrancar com o tractor e ligar a fresa no momento em que ela se encontrava entre a traseira do tractor e a fresa, para recolha da saca de milho (que nem sequer teve tempo para recolher);

11) Em face do que, terá também de soçobrar in totum o segundo argumento recursivo da Ré/Apelante, quando pretende a imputação à infeliz vítima de uma quota-parte de responsabilidade na produção do acidente dos autos e dos danos dele resultantes, devendo fracassar a pretendida quota-parte de 30% ou qualquer outra quota-parte de responsabilidade da infeliz vítima;

12) Em face do exposto, deverá manter-se a posição assertiva e sapiente assumida pelo Digníssimo Tribunal a quo, que por um lado considerou que o acidente em causa e os danos dele decorrentes estão cobertos pelo seguro titulado pela apólice n.º ...37, por eles respondendo a Ré/Apelante, e por outro lado entendeu que ficou afastada qualquer culpa ou responsabilidade da vítima na produção do acidente e dos danos dele resultantes, devendo assim manter-se na íntegra a douta decisão recorrida.

TERMOS EM QUE, E CONSIDERANDO AINDA TODOS OS DEMAIS TERMOS DE DIREITO QUE V. EX.AS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO IMPROCEDER NA TOTALIDADE, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO MESMO E MANTENDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA IN TOTUM, COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS E EFEITOS LEGAIS.

ASSIM SE FAZENDO A MELHOR E COSTUMADA JUSTIÇA”


***

QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:

a) se o acidente descrito nos autos se integra no âmbito da “circulação de veículos”, ou pelo contrário se constitui um “acidente de laboração”, não abrangido pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel;
b) se, em caso de se entender abrangido pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, existe culpa concorrencial da lesada na produção do sinistro;


*

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

1. Factos Provados

(Da petição inicial)

1.1. No dia 14/05/2019, pelas 08h:40m, no Lugar ..., ..., ..., União de Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., ocorreu um acidente, em que foi interveniente um trator, com a matrícula ..-OD-.., conduzido por DD, e do qual veio a resultar a morte de CC, esposa do condutor, tendo sido elaborada a participação de acidente de viação.

1.2. Na referida data e hora, DD conduzia o identificado trator, onde seguia também a infeliz vítima, CC, mãe dos Autores, dirigindo-se ambos para um terreno agrícola para aí semear milho.

1.3. Ao chegar ao terreno em questão e local do acidente, o condutor parou a marcha e CC desceu do trator com o propósito de retirar de cima da fresa a saca de milho ali transportada para sementeira, a qual se encontrava amarrada com uma corta à fresa.

1.4. Com esse intuito, a infeliz vítima colocou-se entre a roda traseira esquerda do trator e a fresa.

1.5. O condutor sabia que a saca de milho era transportada na fresa, tal como sabia que a infeliz vítima tinha intenção de retirar a saca da fresa, sabendo ainda que, para retirar a saca, a vítima tinha que se aproximar da traseira do trator e da fresa.

1.6. Em ato contínuo à descida da infeliz vítima e à aproximação desta da fresa, o condutor ligou a fresa e arrancou com o trator, tendo a infeliz vítima sido apanhada pela fresa quando esta começou a funcionar, o que lhe causou ferimentos e lesões graves.

1.7. Lesões essas que, não obstante todos os tratamentos médicos prestados logo no local por equipa do INEM do ... e posteriormente nos Hospitais da Universidade de Coimbra, para onde a infeliz vítima foi transportada de helicóptero, foram causa direta e adequada da sua morte no dia seguinte, 15 de Maio de 2019.

1.8. Realizada autópsia médico-legal à infeliz vítima, concluiu o Perito do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciência Forenses, I.P., que a morte se deveu a lesões traumáticas abdómino-pélvicas e do membro inferior direito, sendo que tal quadro constitui causa adequada de morte, as quais denotam, haver sido produzidas por instrumento de natureza contundente ou atuando como tal, podendo ter sido devidas ao mecanismo descrito na informação.

1.9. Antes de ligar a fresa e arrancar, não cuidou o condutor, DD, de olhar para trás para verificar se a infeliz vítima já tinha retirado a saca de milho, e bem assim, se já tinha saído de junto da traseira do trator e de junto da fresa.

1.10. Apesar de ter a obrigação e a possibilidade de o fazer, o condutor ligou a fresa sem cuidar de saber se a vítima já tinha retirado a saca de milho e se já tinha saído de junto da traseira do trator e de junto da fresa.

1.11. O condutor, que tinha a direção, controlo e comando efetivos do trator e da fresa, não adotou o cuidado e atenção necessários, e que lhe eram exigíveis, para evitar o trágico acidente.

1.12. O condutor não podia ter ligado a fresa sem que antes se tivesse assegurado que a vítima tivesse saído de junto da traseira do trator e de junto da fresa, tanto mais que o condutor bem sabia que a fresa tem lâminas com forte e rápida rotação e que, por isso, constitui um mecanismo perigoso.

1.13. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo com a matrícula ..-OD-.. encontrava-se transferida para a Ré, através de contrato de seguro com a apólice n.º ...37.

1.14. À data do acidente a infeliz vítima, CC, tinha 65 anos de idade, era uma pessoa saudável, ativa e trabalhadora, sem qualquer limitação física ou mental, que encarava a vida de forma positiva e alegre.

1.15. Apesar de não exercer atividade profissional, cuidava da sua casa, de todos os afazeres domésticos. bem como da criação de animais e do amanho das terras agrícolas, nas quais cultivava produtos hortícolas e frutícolas para consumo doméstico da família.

1.16. Os Autores mantinham uma relação familiar próxima e profícua com a sua mãe, a infeliz vítima, existindo entre mãe e filhos laços de verdadeiro amor, respeito, amizade e proximidade, convivendo assiduamente e ajudando-se reciprocamente na resolução dos seus problemas, sempre partilhando os momentos mais importantes das suas vidas.

1.17. Mesmo após os Autores terem casado e formado família, a mãe continuou a ser o pilar de toda a família, a base e sempre conselheira de ambos os filhos.

1.18. A trágica, inesperada e repentina morte de uma mãe constituiu uma perda irreparável, que causou aos Autores enorme choque e uma dor, desgosto, tristeza e angústia permanentes, que os marcarão para sempre.

1.19. Na sequência do acidente, a vítima CC sofreu graves lesões traumáticas abdómino-pélvicas e do membro inferior direito, tendo sido helitransportada para os Hospitais da Universidade de Coimbra, onde foi intervencionada cirurgicamente, vindo a falecer no dia seguinte à ocorrência dos factos, em consequência das lesões sofridas

1.20. Durante mais de 24 horas, a infeliz vítima esteve em pleno sofrimento físico e psicológico, viveu momentos de pânico e horror, horas a fio com intensa dor e sofrimento.

(Da contestação)

1.21. O acidente em causa nos presentes autos ocorreu num terreno agrícola, estando uma alfaia agrícola (fresa) acoplada ao trator agrícola e quando a fresa e o trator estavam em funcionamento.

1.22. As lâminas da fresa, em movimento rotativo, colheram a infeliz CC, provocando-lhe as descritas lesões.

1.23. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...37, DD, na qualidade de proprietário e tomador do seguro, transferiu para a ré (na altura denominada de Companhia de Seguros T..., S.A.) a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação do trator agrícola da marca ..., modelo ..., de matrícula ..-OD-.. (adiante abreviadamente designado por OD).

1.24. O contrato teve o seu início às 00h00m do dia 9 de Novembro de 2015 e encontrava-se em vigor à data do acidente, ou seja, em 14 de Maio de 2019.

1.25. O OD é um trator agrícola, sendo dotado de um motor de propulsão a gasóleo, com dois eixos e quatro rodas.

1.26. Cerca das 8h30m do referido dia 14 de maio de 2019, DD, conduzindo o OD, dirigiu-se a um terreno agrícola propriedade de um seu cunhado, onde, com o consentimento e autorização deste, pretendia semear milho.

1.27. Levava para o efeito, acoplada ao OD, uma fresa, desligada e levantada.

1.28. Sobre a fresa ia um saco de milho.

1.29. Juntamente com o condutor do OD e transportada no trator, seguia a infeliz vítima, CC, sua mulher, com vista a auxiliar na tarefa.

1.30. Para aceder ao terreno agrícola referenciado, localizado no meio de outros terrenos particulares, o condutor do OD utilizou um caminho de serventia.

1.31. Quando chegou ao terreno agrícola, o condutor do OD imobilizou o trator, sempre com a fresa levantada e desligada.

1.32. Após, ligou a fresa, colocou-a a funcionar e baixou-a para o terreno, o que fez através de um mecanismo próprio ligado ao OD e com o OD imobilizado.

1.33. A fresa em causa era dotada de lâminas que funcionavam de forma rotativa e que, com ela ligada, passaram a estar em movimento.

1.34. Entre a fresa e a parte traseira do OD existia um espaço não superior a um metro.

1.35. Imediatamente antes dessa altura, a infeliz CC desceu do OD e colocou-se entre a roda traseira esquerda do trator e a fresa para retirar o saco de milho, sendo colhida pelas lâminas da fresa quando esta começou a funcionar.

1.36. O acidente em causa nos presentes autos ocorreu quando o OD estava a iniciar a sua utilizado na sua função agrícola.

1.37. A fresa que se encontrava acoplada ao OD, da marca ..., modelo ..., com 1,70 metros de largura, era constituída por um conjunto de 8 grupos de facas rotativas, 4 do lado esquerdo e 4 do lado direito; cada um daqueles 8 grupos possuía 4 facas, totalizando assim 32 facas no total.

1.38. Com a fresa ligada, o movimento das facas processa-se em rotação.

2. Factos Não provados

2.1. Que, para semear o milho, era necessário, na data dos factos, desbastar o terreno onde ocorreu o acidente.

2.2. Que a vítima, por descuido, se tenha aproximado demasiado da fresa e que esta, na altura, estivesse já a trabalhar.

2.3. Que, na altura em que a infeliz CC foi colhida pelas lâminas da fresa, o condutor do OD, com o trator imobilizado, havia momentos antes iniciado o trabalho de limpeza do terreno com vista a proceder à sementeira de milho.

2.4. Que quando a fresa se encontrava baixada e já em funcionamento a infeliz CC, apesar de para ela ser bem visível o funcionamento daquelas facas, se tenha posicionado entre a roda traseira do lado esquerdo do OD e a dita fresa.

2.5. Que o condutor do OD nada pudesse ter feito para evitar o acidente


*


FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Funda a recorrente, nas suas conclusões, a sua discordância relativamente à decisão objecto de recurso, essencialmente nos seguintes argumentos:

-o acidente em apreço constitui acidente de laboração, excluído do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel pelo artº 4, nº4, do D.L. 291/2007;

-em caso de assim se não entender, existe culpa concorrencial da infeliz vítima.

A resposta a estas questões, resulta da definição do que constitui um veículo em circulação para efeitos do artº 3 §1 da Directiva 2009/103/CE, de 16 de Setembro e 4 nº1 do D.L. 291/2007 de 21 de Agosto, que regula o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.  

O D.L. nº 291/2007 de 21 de Agosto, transpôs para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho e a Directiva nº 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio (5ª Directiva sobre o seguro automóvel) e, à semelhança do que já ocorria no âmbito do D.L. 522/85 de 31/12 (no seu artº 1º), estipula a obrigatoriedade de celebração de um seguro que cubra os riscos decorrentes da circulação de veículos automóveis de forma a conferir, como decorre expressamente do preâmbulo deste diploma, um elevado e completo “sistema de protecção dos lesados por acidentes de viação”, baseado em dois pilares essenciais: o pilar-seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e o pilar-FGA, para os casos em que esta obrigação não seja cumprida, ou seja desconhecida a pessoa do responsável civil.

Nesta medida, por forma a garantir a protecção dos lesados por acidentes de viação, o artº 4 do referido diploma legal impôs a obrigação para todas as pessoas que possam ser civilmente responsáveis pela reparação de danos corporais, ou materiais, causados a terceiros por um veículo terrestre a motor, para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, de contratação de um seguro que cubra os riscos da circulação desse veículo, sem o qual o referido veículo não poderá circular.

No entanto, porque a exigência de seguro obrigatório se aplica apenas aos veículos em circulação, o nº4 deste preceito exclui do âmbito deste seguro obrigatório, as “situações em que os veículos são utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais”, caso em que não se podem considerar como estando em circulação, mas antes em laboração.

A obrigatoriedade de um seguro de responsabilidade civil que cobrisse os danos decorrentes da “circulação de veículos” resultava já da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, na qual se estabelecia a obrigatoriedade para cada Estado-membro de “adoptar todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro”, salvo os casos de derrogação referidos no artº 4 desta Directiva e que não têm aplicabilidade ao caso dos autos.

Veículo para efeitos desta directiva, conforme resulta da definição constante do seu artº 1, nº1, é todo aquele “destinado a circular sobre o solo, que possa ser accionado por uma força mecânica, sem estar ligado a uma via férrea, bem como os reboques, ainda que não atrelados.

As Directivas europeias que vieram posteriormente a regular esta matéria, não alteraram esta definição de veículo, nem o objecto da obrigação de seguro obrigatório, pois que embora a Directiva 72/166/CEE, tenha sido revogada pela Directiva 2009/103/CE de 16 de Setembro de 2009, esta última, nos seus artºs 1, nº1 e 3º §1 manteve a exigência de seguro que cobrisse a responsabilidade civil dos veículos em circulação.

O que constitui veículo terrestre, objecto da obrigação de seguro imposta pelo D.L. nº 291/2007, resulta das normas constantes do Código da Estrada. No que se reporta aos tractores, o art. 108.º deste diploma legal, nos seus n.ºs 1 e 2, estabelece uma distinção entre tractor agrícola ou florestal e máquina agrícola ou florestal, caracterizando o primeiro como "o veículo com motor de propulsão, de dois ou mais eixos, cuja função principal reside na potência de tracção, especialmente concebido para ser utilizado com reboques, alfaias ou outras máquinas destinadas a utilização agrícola ou florestal", e o segundo como "o veículo com motor de propulsão, de dois ou mais eixos, destinado exclusivamente à execução de trabalhos agrícolas ou florestais, que só excepcionalmente transita na via pública."

A necessidade de uma licença que habilite o seu titular à sua condução, resulta do disposto no artº 7, nº1, do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado pelo DL nº 138/2012, (na redacção do D.L. 40/2016 de 29 de Julho).

Mais especifica o nº 2 deste artº 7, que “para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por «trator agrícola ou florestal» o veículo com motor de propulsão dotado de rodas ou lagartas, com o mínimo de dois eixos, cuja função essencial resida na potência de tração, especialmente concebido para puxar, empurrar, suportar ou acionar alfaias, máquinas ou reboques destinados a utilizações agrícolas ou florestais e cuja utilização no transporte rodoviário ou a tração por estrada de veículos utilizados no transporte de pessoas ou mercadorias seja apenas acessória.

Dos referidos normativos resulta que o tractor em causa, sendo um veículo terrestre dotado de um motor de propulsão a gasóleo, com dois eixos e quatro rodas (facto 1.25), exigindo para a sua condução um título específico, integra o conceito de veículo, para efeitos do disposto no artº 4 nº1 do D.L. nº 291/2007, sujeito assim, à obrigação de celebração de seguro de responsabilidade civil automóvel.[1]

Seguro que se mostra celebrado, conforme resulta do ponto 1.23, abrangendo este seguro conforme alegam os recorridos e consta das condições particulares desta apólice, a “unidade (reboque) que no momento do sinistro se encontre atrelado ao veículo seguro.”

No entanto, não basta que este tractor e reboque a ele atrelado, integre o conceito de veículo, para o dano em causa se encontrar abrangido pela cobertura do seguro obrigatório. É necessário que o acidente tenha resultado dos riscos próprios decorrentes da circulação deste veículo e não da sua utilização apenas na função agrícola ou industrial, excluída esta pelo nº 4, do artº 4, do D.L. nº 291/2007.

O conceito de “circulação de veículos” constante deste diploma, que no essencial é conforme à definição do artº 3, §1, da Directiva 2009/163/CE, terá de ser interpretado de acordo com a jurisprudência que a este respeito foi firmada pelos Tribunais Judiciais da União Europeia.

Esta actuação conforme verifica-se em dois planos. Por via do disposto nos artºs 2, 4 nº3, 5 nº1 do TUE, nos domínios atribuídos pelo artº 19 nº3 do TUE, os Tribunais nacionais são chamados a defender e aplicar o direito da União, afirmando-se e actuando nesse campo como “órgãos jurisdicionais comuns de aplicação do direito da União[2], função na qual foram investidos por jurisprudência do próprio Tribunal de Justiça e, após o Tratado de Lisboa, por disposição expressa no Tratado da União Europeia (TUE).

Por outro lado, de acordo com o  artº 19 nº1 §2 do TUE, aos Estados-membros cumpre estabelecer “as vias de recurso necessárias para assegurar a tutela jurisdicional efectiva nos domínios abrangidos pelo direito da União”.

Assim, nos domínios atribuídos pelos Tratados como integrando o Direito da União, tal como estipulado pelos artsº 3, nº6 e 5 nº1 do TUE, os Estados-Membros comprometem-se a assegurar a aplicação do Direito da União (cfr. artº 4 nº3 e 19 nº1 §2 do TUE), desaplicando inclusivamente normas nacionais que lhe sejam contrárias.

No que se reporta ao conteúdo das Directivas, normas de direito comunitário derivado que, enquanto tal, exigem a sua transposição para a ordem jurídica interna, de acordo com o disposto no artº 288 §3 do TFUE, obrigação imposta aos Estados-Membros vinculados ao resultado que com ela se visa alcançar. Conforme referido no Acórdão proferido pelo TJUE (grande secção) de 7 de Agosto de 2018, no processo C-122/2017[3], a propósito da 3ª Directiva Automóvel, oTribunal de Justiça já declarou repetidamente que a obrigação, decorrente de uma diretiva, de os Estados‑Membros alcançarem o resultado nela previsto assim como o dever de tomarem todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessa obrigação se impõem a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, às autoridades judiciais” (considerando 38, citando os Acórdãos de 10 de abril de 1984, von Colson e Kamann, 14/83, EU:C:1984:153, n.° 26; de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci, C‑555/07, EU:C:2010:21, n.° 47; e de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.° 30).

Nesta medida, ao aplicarem o direito nacional, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a interpretá‑lo são obrigados a tomar em consideração “o conjunto das regras desse direito e a aplicar os métodos de interpretação reconhecidos por este, de modo a interpretá‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa, para alcançar o resultado por ela prosseguido e dar, assim, cumprimento ao artigo 288.°, terceiro parágrafo, TFUE” (considerando 39)

A uniformidade na interpretação e aplicação do Direito euro-comunitário é garantida pela autoridade da jurisprudência do TJUE, obrigatória e definitiva, não apenas no âmbito do contencioso comunitário, mas também no âmbito das questões prejudiciais (artº 177 do TCE e 267 do TUE), quer para o tribunal que colocou a questão, quer para todos os tribunais nacionais dos Estados-membros, em relação a questões materialmente idênticas, produzindo assim um “efeito de precedente atípico”[4].

Conforme refere FAUSTO DE QUADROS[5]as questões prejudiciais constituem, pois, uma manifestação da cooperação entre os tribunais nacionais e o TJUE (a chamada “cooperação judiciária”) visando chegar-se à interpretação e aplicação uniformes do Direito da União pelos tribunais nacionais.”

No entanto, este dever de aplicação do direito da União, mesmo em detrimento do direito nacional e de interpretação conforme, conhece limites.[6] Uma Directiva ao contrário de um Regulamento comunitário, não cria obrigações para os particulares e portanto não pode ser invocada contra eles, se não transposta ou se indevidamente transposta,[7] uma vez que “alargar a invocabilidade de uma disposição de uma diretiva não transposta, ou incorretamente transposta, ao domínio das relações entre particulares equivaleria a reconhecer à União Europeia o poder de criar, com efeito imediato, deveres na esfera jurídica dos particulares, quando esta só tem essa competência nas áreas em que lhe é atribuído o poder de adotar regulamentos (considerando 42 do citado Ac. C- 122/2017).

Por assim ser, desde que o litígio em causa envolva particulares, uma Directiva não pode ser invocada para afastar a regulamentação de um Estado‑Membro contrário a esta Directiva, ainda que (mal) transposta, só sendo o órgão jurisdicional nacional obrigado a afastar a disposição nacional contrária, quando esta é invocada contra um Estado‑Membro ou órgãos da sua Administração.[8]

A norma constante do artº 4, nº1, do D.L. nº291/2007, apela ao conceito de "circulação de veículo”, tal como ele é definido nas Directivas que visou transpor, afastando o seu nº4 do âmbito deste seguro os casos em que o acidente resulta, não da circulação, mas exclusivamente da utilização do veículo numa função agrícola ou industrial.

O Tribunal de Justiça da União Europeia, a respeito da Directiva 72/166/CEE (mas visando preceito idêntico ao da Directiva 2009/163/CE), veio esclarecer, em sede de reenvio prejudicial, o que entende por “circulação de veículos”.

No seu Acórdão VNUK, de 04.09.2014, Proc. C-162/13[9], o Tribunal de Justiça concluiu que "O art. 3.º n.º 1 da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «circulação de veículos» nele previsto abrange qualquer utilização de um veículo em conformidade com a função habitual desse veículo.”

No caso objecto deste Acórdão, o acidente ocorrera durante o acondicionamento de fardos de feno no celeiro de uma quinta, quando um trator com reboque, ao fazer marcha‑atrás para colocar o reboque nesse celeiro, embateu no escadote em cima do qual se encontrava Vnuk, provocando a queda deste. A pretensão de VNUK fora julgada improcedente pelo tribunal de recurso, com o fundamento de que que a apólice de seguro automóvel obrigatório cobre o prejuízo resultante da utilização de um trator como meio de transporte, mas não o prejuízo resultante da utilização do trator como máquina ou engenho de tracção.

O TJUE considerou, neste Acórdão, que pode ser abrangida pelo conceito de circulação de veículo, “a manobra de um tractor com reboque no terreiro de uma quinta para colocar esse reboque num celeiro, como aconteceu no processo principal, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar."

No Acórdão Rodrigues de Andrade, de 28.11.2017, Proc. C-514/16, na sequência de reenvio prejudicial do Tribunal da Relação de Guimarães, estava em causa acidente ocorrido com um tractor que, naquele momento, se encontrava imobilizado num caminho de terra de uma exploração agrícola e cujo motor estava em funcionamento para acionar a bomba que servia para a pulverização de herbicida, tendo ocorrido um deslizamento de terras, que arrastou o tractor e causou a morte por esmagamento de uma trabalhadora. Neste caso, o TJUE, após reafirmar que “o conceito de «circulação de veículos» não pode ser deixado à apreciação de cada Estado-Membro, mas constitui um conceito autónomo do direito da União, que deve ser interpretado de maneira uniforme”, veio esclarecer que, no que se refere a veículos que também se destinam a ser utilizados, em certas circunstâncias, como máquinas de trabalho, importa determinar se, quando ocorreu o acidente no qual tal veículo esteve envolvido, esse veículo estava a ser usado principalmente como meio de transporte, caso em que esta utilização é suscetível de estar abrangida pelo conceito de «circulação de veículos, na aceção da diretiva, ou como máquina de trabalho, caso em que não é suscetível de estar abrangida por este conceito.

Assim, veio o TJUE firmar jurisprudência no sentido de que: "O art. 3.º n.º 1 da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, deve ser interpretado no sentido de que não está abrangida pelo conceito de «circulação de veículos», referido nesta disposição, uma situação em que um tractor agrícola esteve envolvido num acidente quando a sua função principal, no momento em que este acidente ocorreu, não consistia em servir de meio de transporte, mas em gerar, como máquina de trabalho, a força motriz necessária para accionar a bomba de um pulverizador de herbicida."

A este respeito, esclarece ainda o aludido Acórdão que o facto de o tractor se encontrar imobilizado no momento em que o acidente ocorreu não exclui, por si só, que a utilização deste veículo, nesse momento possa estar abrangida pela sua função de meio de transporte e que a questão de saber se o seu motor estava ou não em funcionamento no momento em que o acidente ocorreu não é determinante a este respeito.

Assim, o que importa determinar, conforme resulta do comunicado de imprensa nº 124/2017 do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 28 de Novembro de 2017[10],no que se refere a veículos que também se destinam a ser utilizados, em certas circunstâncias, como máquinas de trabalho”, é se “quando ocorreu o acidente no qual tal veículo esteve envolvido, esse veículo estava a ser usado principalmente como meio de transporte, caso em que esta utilização é suscetível de estar abrangida pelo conceito de «circulação de veículos, na aceção da diretiva, ou como máquina de trabalho, caso em que não é suscetível de estar abrangida por este conceito.”

Nesta medida e conforme decorre deste acórdão, só deverão ser considerados abrangidos pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil os danos causados por veículos que também são utilizados como máquinas agrícolas ou industriais quando, no momento do acidente, estes se encontrarem a ser utilizados principalmente como meio de transporte, excluindo assim do âmbito deste seguro, cfr. resulta do nº4, do artº 4, do D.L. nº 291/2007, os danos ocorridos quando sejam utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais.[11]

Volvendo ao caso em apreço, a morte da mãe dos AA., ocorreu ao ser atingida pelas lâminas da fresa acoplada a um tractor, no momento em que esta se encontrava entre a roda traseira do tractor e a fresa, com a intenção de dela retirar um saco contendo sementes e, no momento em que o condutor do tractor, imobilizando este tractor num campo agrícola, após ligar e baixar a fresa, iniciava a função a que se destinava a referida fresa - semear o terreno em causa. É o que decorre dos pontos 1.2 a 1.6 e 1.21. a 1.36 dos factos provados.

Quer isto dizer que o aludido tractor, no momento em que ocorreu o acidente não se encontrava a ser usado na sua função de veículo de transporte, mas exclusivamente na sua função agrícola, resultando os danos do accionamento de uma alfaia agrícola a ele acoplada e não dos riscos inerentes à circulação do veículo. Os danos decorreram do perigo resultante, como se refere a respeito de caso muito semelhante, objecto do Ac. do STJ de 05/04/22[12] citado pelo recorrente, “de um evento de laboração ou exploração da máquina, no âmbito de actuação das suas funções específicas e do seu funcionamento próprio, ainda que na dependência da circulação devida ao tractor associado e promotor dessas funcionalidades.”

Dito de outra forma, naquela ocasião, a função do tractor consistia em gerar, através do seu motor, a força motriz necessária à laboração de uma alfaia agrícola, a fresa a ele acoplada, com o único fim de semear um campo agrícola, assumindo-se como um complemento instrumental e acessório (enquanto reboque e sua força motriz) para a função mecânica da fresa a ele atrelada, se concretizar.

A imobilização do veículo no campo para onde se dirigia para lavrar, o baixar da fresa e a colocação em funcionamento desta fresa, que veio a atingir a falecida mãe dos AA., separam o momento em que este veículo deixou de estar em circulação (utilizado como meio de transporte, incluindo da fresa a ele acoplada) e passou a ser utilizado como um complemento essencial e necessário à laboração desta máquina agrícola, ainda que com necessária locomoção, sendo esta máquina que veio a atingir a A.

Para o efeito é irrelevante que o motor do tractor se encontrasse em funcionamento e que o seu condutor, naquela ocasião, tenha arrancado com o tractor, uma vez que este se assume como dependente e condicionado à função da fresa, que visava concretizar.

Assim tem sido igualmente considerado na jurisprudência nacional, mormente na citada pelos recorridos, ao contrário do por estes, defendido.

Assim, no Ac. desta Relação de 10/03/2015[13], decidiu-se estar abrangido pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, um acidente provocado por um tractor industrial (uma empilhadora), consistente no atropelamento de um peão quando a máquina executava uma manobra de marcha-atrás, no espaço exterior circundante de um armazém, local onde se realizavam operações de carga e de descarga e que é considerado via pública,”, precisamente por este acidente ocorrer com veículo utilizado na sua função de meio de transporte, ainda que sobrepondo-se ou concorrendo com a sua utilização industrial, uma vez que a “ exclusão do âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel de máquinas utilizadas em funções meramente industriais ou agrícolas, exclusão decorrente do art. 4º, n.º 4 do DL 291/2007, (…) só subtrai ao sistema de seguro obrigatório automóvel as utilizações daquelas máquinas “apenas” (meramente) ligas ao próprio uso industrial (ou agrícola), em si mesmo, que não apresentem qualquer margem de sobreposição com utilizações próprias da circulação de viaturas”.

Já no Ac. do TRP de 07/05/2018[14], considerou-se que não integra o conceito de acidente de circulação de veículos, quando um trator se encontra imobilizado, servindo o seu motor, na circunstância, apenas para fazer laborar o guincho acoplado à traseira daquele na sua habitual e exclusiva função de deslocação de troncos de madeira.”

No Ac. do TRG de 15/02/18[15], defendeu-se que estando as máquinas industriais ou agrícolas sujeitas ao regime do seguro automóvel obrigatório e ao seguro obrigatório de laboração, a “delimitação das garantias conferidas pelos dois seguros obrigatórios (…) passa pela distinção sobre se, no momento do acidente, a máquina se encontrava exclusivamente a desempenhar a sua atividade funcional que lhe é inerente enquanto máquina agrícola (caso em que o acidente é de laboração e atua a garantia do seguro obrigatório de laboração) ou se também ou exclusivamente se encontrava a desempenhar a sua função de locomoção – transporte (caso em que o acidente é de viação e atua a garantia do contrato de seguro obrigatório automóvel).”

Por sua vez, o Ac. do TRG de 17/01/19[16], enquadrou no seguro obrigatório de responsabilidade civil, um acidente ocorrido quando um tractor agrícola com reboque se encontrava em circulação, transportando uvas de uma propriedade particular para uma empresa vinícola, quando capotou causando graves ferimentos nos passageiros transportados no reboque, havendo conexão entre o acidente e a sua utilização como meio de transporte.

A mesma orientação é seguida na jurisprudência firmada no Supremo Tribunal de Justiça. No Ac. do STJ 03-05-01[17], decidiu-se que se encontravam incluídos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel os acidentes que tenham relação “com os perigos que a utilização de um veículo automóvel comporte”, excluindo deste âmbito um acidente “que nada teve a ver com o veículo, ou com a unidade circulante (veículo-tractor), mas antes com o funcionamento de uma máquina agrícola (uma trituradora corta-forragens) atrelada ao veículo (tractor)”, inexistindo nexo causal entre o evento e os riscos próprios do veículo enquanto tal, ou seja, “com os especiais perigos que a sua função efectivamente comporte (…) antes e apenas, com o risco especificamente inerente ao funcionamento da máquina agrícola em questão (…) na função mecânica que lhe – e só a ela- é própria.

Idêntica interpretação foi seguida no Ac. do STJ de 17/12/15[18] que, partindo da interpretação firmada pelo TJUE no Ac. C-162/2013, considerou que “Não integra o conceito de “acidente de circulação de veículos” a morte de um indivíduo nas seguintes circunstâncias: na ocasião em que um tractor agrícola, que tinha acoplada na traseira uma picadora, se encontrava imobilizado e com o motor em funcionamento num terreno agrícola, a vítima foi colhida pela picadora em rotação por se ter colocado entre esta e o rodado traseiro do tractor”.

Esta noção de acidente decorrente da circulação de veículos, é igualmente seguida na doutrina. A este respeito Costa Oliveira,[19] a respeito da exclusão constante do nº4, do artº 4, do D.L. nº 291/2007, considera abrangidos pelo seguro obrigatório “os acidentes transportados pela queda de carga transportada por um veículo para fornecimento de fábrica ou estabelecimento agrícola”.

Já no caso de um acidente causado por uma ceifeira-debulhadora, os danos estão cobertos por este seguro se “o acidente se regista estando o veículo em locomoção, devendo-se a locomoção à circulação da máquina na via pública”, mas já o não estarão se “a locomoção (se dever) à operação de ceifa-debulha em terreno agrícola”. Por último se a “locomoção em terreno agrícola se dever, não à operação de ceifa-debulha, mas ao transporte (de alguém ou de algo) alheio à ceifa-debulha, deve então o acidente ter-se por coberto, por relevar a função locomoção, embora em local onde, em princípio, relevará a função agrícola/industrial” (ob. cit, pág. 52, nota 85).

Atenta esta noção, tendo ocorrido a morte da vítima, pela acção da fresa acoplada ao tractor que, nessa ocasião era utilizado como complemento instrumental e acessório (enquanto reboque e sua força motriz) para a função mecânica da fresa a ele atrelada, com o único fim de semear o terreno agrícola, tem de se entender que esta acidente não tem qualquer relação com os riscos próprios da circulação deste tractor, mas antes com os riscos decorrentes da actividade agrícola (e perigosa, conforme refere o apelante, questão que não é, no entanto, objecto deste recurso).

Conclui-se, assim, pela exclusão deste acidente do âmbito do seguro obrigatório, por via do disposto no artº 4, nº4, do D.L. nº 291/2007, por este decorrer não da circulação do veículo, inexistindo qualquer elemento de conexão com os riscos de circulação ou de utilização do mesmo, mas exclusivamente dos riscos associados ao funcionamento da fresa a ele acoplada e na sua função agrícola, constituindo um típico acidente de laboração de máquina agrícola.

Procede assim o recurso interposto pela Seguradora, impondo-se a sua absolvição do pedido.


*


DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto pela R. Seguradora, revogando a decisão recorrida e absolvendo a apelante do pedido formulado.
*
 
As custas da acção fixam-se pelos apelados (artº 527 nº1 do C.P.C.).


Coimbra 09/11/22



[1] Neste sentido vide Ac. do TRE de 11/01/2018, proferido no proc. nº 187/13.2TBMRA.E1, de que foi relator Mário Branco Coelho, disponível in www.dgsi.pt
[2] PROENÇA, Carlos Garranho, Tutela Jurisdicional Efectiva no Direito da União Europeia, Dimensões Teoréticas e Práticas, Petrony, 2017, pág. 20.
[3] Disponível no sítio curia.europa.eu, ECLI:EU:C:2018:631.
[4] PROENÇA, Carlos Garranho, ob.cit., pág. 325.
[5] QUADROS, Fausto de, Direito da União Europeia, 3ª edição, Almedina, pág. 582.
[6] Conforme Jurisprudência firmada nos Acórdãos de 24 de Janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.° 23, e de 10 de Outubro de 2013, Spedition Welter, C‑306/12, EU:C:2013:650, n.° 28.
[7] Conforme jurisprudência firmada nos Acórdãos de 26 de fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, EU:C:1986:84, n.° 48; de 14 de julho de 1994, Faccini Dori, C‑91/92, EU:C:1994:292, n.° 20; e de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.° 108.
[8] Cfr. Acórdãos do TJUE de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, considerandos n.ºs 40 e 41, ECLI:EU:C:2012:33; de 25 de junho de 2015, Indėlių ir investicijų draudimas e Nemaniūnas, C‑671/13, considerandos n.ºs 59 e 60, ECLI:EU:C:2015:418, todos disponíveis in curia.europa.eu. 
[9] ECLI:EU:C:2014:2146, disponível in curia.europa.eu.

[10] https://curia.europa.eu.
[11] Aliás tal entendimento, veio a ser expressamente consagrado na Directiva (UE) 2021/2118 que, na sequência dos Acórdãos do TJUE acima citados, veio introduzir um artº 1-A à Directiva 2009/163/CE no qual se especifica o que se deve entender por circulação de veículos: “qualquer utilização de um veículo que esteja em conformidade com a função habitual desse veículo enquanto meio de transporte aquando do acidente, independentemente das características do veículo e independentemente do terreno em que o veículo automóvel seja utilizado, e quer se encontre estacionado ou em movimento.”
[12] Proferido no proc. nº 3130/16.3T8AVR.P1.S1, de que foi relator Ricardo Costa, disponível in www.dgsi.pt
[13] Proferido no Proc. nº  1533/12.1TBGRD.C1, de que foi relator Telles Pereira, disponível in www.dgsi.pt.
[14] Proferido no proc. nº 440/16.3T8FLG.P1, de que foi relator Augusto de Carvalho, disponível in www.dgsi.pt.
[15] Proferido no proc. nº 535/14.8TBPTL.G1, de que foi Relator José Moreira Dias, disponível in www.dgsi.pt.
[16] Proferido no proc. nº 1341/16.0T8VRL.G1, de que foi relator Espinheira Baltar, disponível in www.dgsi.pt
[17] Proferido no proc. 613/01, de que foi relator Oliveira Barros, CJSTJ, tomo II, pág. 43.
[18] Proferido no proc. nº 312/11.8TBRGR.L1.S1, de que foi relator Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt
[19] OLIVEIRA, Arnaldo Filipe da Costa, O Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (Síntese das Alterações de 2007 - DL 291/2007 de 21 de Agosto), Almedina 2008, pág. 52.