Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO CORREIA | ||
Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS EM INSOLVÊNCIA CRÉDITOS DOS TRABALHADORES PRIVILÉGIO CREDITÓRIO IMOBILIÁRIO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA CONSTITUIÇÃO DO PRIVILÉGIO | ||
Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 746.º E 751.º DO CÓDIGO CIVIL, 11.º, N.º 2, DO DECRETO-LEI N.º 149/95, DE 24-06, E 333.º, N.º 1, B), DO CÓDIGO DO TRABALHO | ||
Sumário: | I – Quer o direito de gozo (suscetível de transmissão a terceiros, nos termos do art. 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho), quer o direito de aquisição no final do contrato, coevos ao contrato de locação financeira, apresentam valor económico, suscetível, no âmbito executivo ou falimentar, de ser afetado ao pagamento dos créditos dos trabalhadores.
II – Os privilégios imobiliários especiais constituem-se com o surgimento do crédito que visam salvaguardar, atribuindo aos seus titulares o predomínio da sua garantia sobre qualquer outro crédito garantido, conquanto que ela haja sido constituída anteriormente em relação aos demais, sendo oponíveis a terceiros e gozando mesmo de preferência quanto a garantias anteriores (consignação de rendimentos, hipoteca e direito de retenção) – art. 751.º do Cód. Civil. III – Os créditos dos trabalhadores, constituídos em data anterior ao exercício da opção de compra de imóvel (sob locação financeira) pelo empregador, não gozam do privilégio creditório imobiliário conferido pelo art. 333.º, n.º 1, b), do Código do Trabalho, no produto da venda desse imóvel, ainda que aí prestassem a sua atividade. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 761/19.3T8ACB-C.C1 Juízo de Comércio de Alcobaça – Juiz 1 _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I-Relatório No incidente de verificação dos créditos que corre por apenso aos autos de insolvência de S..., S.A.., foi, a 31.03.2023, proferida sentença que reconheceu e graduou os créditos, entre eles, como créditos privilegiados, a serem pagos em primeiro lugar relativamente ao produto da venda do imóvel sob a verba n.º 1 do auto de apreensão, os respeitantes aos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II. * Inconformada, a insolvente interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever “1 – O Sr. Administrador de Insolvência na relação final de créditos reconhecidos e não reconhecidos, qualificou como privilegiados, ao abrigo do artigo 333.º, do Código do Trabalho, todos os créditos reclamados por trabalhadores da insolvente, tendo ainda mencionado na exposição de motivos, a que a anexou, no que não foi acompanhado na sentença em recurso, que todos os trabalhadores se encontravam a exercer a sua actividade em instalações da sociedade à data da declaração da insolvência. 2 – A ora apelante impugnou oportunamente essa relação a que alude o artigo 129.º do CIRE, na qual aceitou que, em abstracto, os créditos de natureza laboral, emergentes a celebração de contratos de trabalho ou da sua cessação, gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial. 3 – Todavia, também acrescentou, que para que o privilégio imobiliário especial tenha concretização prática, é indispensável que no momento da cessação do contrato de trabalho, o empregador seja o proprietário do imóvel em que o trabalhador presta a actividade para que foi admitido, dele já não beneficiando se o empregador o vier a adquirir em ocasião posterior, ainda que o crédito laboral não esteja nessa ocasião satisfeito. 4 – À luz desse entendimento, pugnou na impugnação que fez, que os créditos dos trabalhadores, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, ainda que abstractamente pudessem ser dotados do privilégio imobiliário especial, não poderiam como tal ser graduados na sentença de graduação de créditos que foi proferida, com prioridade em relação aos demais créditos, pelo produto da venda do bem imóvel apreendido para a massa insolvente. 5 – Com efeito, como está demonstrado no processo, e considerado indiscutivel na sentença em recurso, os identificados trabalhadores resolveram os seus contratos de trabalho nos anos de 2011 e 2012 e, nessa época, o imóvel onde prestavam trabalho não era propriedade da insolvente. 6 – Na verdade, esse imóvel só foi adquirido pela insolvente, ingressando na sua esfera patrimonial, em 15/09/2017, em data posterior, portanto, ao da cessação dos referidos contratos de trabalho, tendo a insolvência da apelante sido declarada por sentença de 10/04/2019. 7 – Aquando da cessação dos contratos de trabalho aqui em causa, o que sucedeu nos anos de 2011 e 2012, os trabalhadores que os fizeram extinguir, trabalhavam no imóvel apreendido, que não era então propriedade da empregadora, mas objecto de locação financeira contratada em 11/04/2001 com a Caixa Leasing e Factoring, SA, em relação ao qual, e no seu termo, exerceu o direito de pagar o valor residual contratualmente estabelecido, vindo a adquirir o respectivo direito de propriedade, direito que, como se referiu, lhe foi transmitido por escritura de 15/09/2017. 8 - Como o referido grupo de trabalhadores prestava a sua actividade em imóvel de que a apelante não era proprietária, os créditos de natureza laboral que lhes foram reconhecidos, não estão abrangidos pela previsão do artigo 333.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho. 9 – O privilégio creditório imobiliário especial aí consagrado, incidindo sobre bem imóvel do empregador e no qual o trabalhador preste a sua actividade, depende, pois, da verificação cumulativa de duas condições: a) Que o bem imóvel seja do empregador; b) Que o trabalhador nela preste a sua actividade ou ele esteja afecta à actividade pelo empregador desenvolvida. 10 – No caso, falha a primeira das referidas condições, porque o bem imóvel não era propriedade da empregadora quando os contratos cessaram. 11 – Daí que a apelante considere que os referidos créditos não posam ser graduados com prioridade em relação aos demais créditos, já que em relação a eles, e pelas razões expostas, o privilégio creditório a que alude o art.º 333.º, n.º 1/b) do Código do Trabalho não tem aplicação prática. 12 – Assim não o entendeu a sentença recorrida, que considerou não haver motivos para não conferir aos créditos em causa o referido privilégio creditório, tendo-os graduado, quanto ao produto da venda do prédio urbano constante da verba 1 do auto de apreensão, o adquirido pela insolvente cinco anos depois de os referidos contratos de trabalho terem cessado e dado origem às indeminizações por antiguidade previstas no artigo 396.º, do Código do Trabalho, com prioridade em relação aos demais credores. 13 – Para assim decidir, o Mº Juiz a quo, invocou a circunstância de, não obstante o imóvel não estar na titularidade da apelante, não ter impedido que nele fossem registadas penhoras por dívidas tributárias da insolvente, efectuadas ao abrigo do disposto no artigo 778.º, do Código de Processo Civil. 14 – Essa norma permite, efectivamente, que se penhorem direitos ou expectativas de aquisição, como será o caso, mas não exclusivamente de um bem objecto de locação financeira. 15 – Essa penhora incide sobre a mera expectativa, mas não sobre o bem em si mesmo, o que significa que a sua afirmação prática, como estabelece o sei n.º 3, se efective no próprio bem se e quando o devedor o adquirir. 16 – Mas se assim é, é porque a Lei adjectiva considera que o bem ou direito em questão, em relação ao qual há a expectativa de vir a ingressar na titularidade do devedor, ainda não é dele, e pode nem vir a sê-lo. 17 – A penhora de direitos ou expectativas de aquisição pressupõe, assim, que o devedor não é titular do bem, como sucederá, por exemplo, no caso de vir a ser penhorada a expectativa de aquisição do imóvel onde o devedor exerce a sua actividade e de que é arrendatário. 18 – O argumento utilizado para classificar em primeiro lugar, na grelha da graduação, os créditos dos trabalhadores antes identificados, quanto ao produto da venda do imóvel em causa, é, assim, fraco e não transponível para a situação dos autos. 19 – Com efeito, o que a decisão em recurso faz, é dar conteúdo a um direito que os referidos trabalhadores não tinham, nem sequer a sua mera expectativa, porque quando tomaram a iniciativa de fazerem cessar o seu vinculo laboral à empresa, o imóvel onde prestaram actividade não era propriedade desta, pelo que não poderiam receber os seus créditos à custa da sua venda. 20 – Daí que, mesmo que em tese ou em abstracto, todos os créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua cessação, gozem de privilégio creditório imobiliário especial, a sua concretização efectiva, depende de o bem imóvel onde prestem trabalho no momento da cessação do contrato seja propriedade do empregador. 21 – Ao decidir de forma diversa, a decisão proferida violou o disposto nos artigos 333.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho e 47.º, n.º 4, al. a) do CIRE. 22 – Os créditos laborais dos trabalhadores em causa gozam, assim, apenas de privilégio mobiliário geral, devendo ser qualificados como créditos comuns, na parte que não for satisfeita pelo produto da venda dos bens móveis apreendidos”. Terminou pugnando no sentido da revogação da sentença “na parte em que graduou em primeiro lugar, pelo produto da venda do prédio urbano da verba 1 do auto de apreensão, os créditos dos trabalhadores identificados na conclusão 4, antes devendo esses créditos, quanto ao valor apurado com a sua venda, ser qualificados como créditos comuns e serem pagos rateadamente e na proporção dos seus montantes”. * Não foi oferecida qualquer resposta. * Dispensados os vistos, foi realizada a conferência, com obtenção prévia dos votos, sugestões e contributos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos. * II-Objeto do recurso Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (art. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC). No caso, perante as conclusões apresentadas, a única questão a apreciar decidir é a de saber se os créditos dos trabalhadores (identificados na conclusão 4 do recurso) usufruem ou não de privilégio no produto da venda do prédio urbano n.º ...77 (melhor identificado na verba 1 do auto de apreensão constante do apenso A - ref. 6230241), onde esses trabalhadores exerceram atividade profissional, uma vez que tal imóvel, à data em que foram constituídos os aludidos créditos, não era (ainda) propriedade da insolvente. * III-Fundamentação Para a decisão da questão sob apreciação releva a seguinte matéria (a qual foi considerada pelo tribunal recorrido e não foi objeto de impugnação): Sendo estes os pressupostos, cumpre então decidir a questão colocada em sede de recurso. Estatui-se no art. 333.º, n.º 1, do Código do Trabalho, no que no caso releva, * Sumário[12]: (…).
IV - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, na procedência da apelação, em revogar a decisão recorrida, decidindo-se, na parte sob recurso (alínea A do dispositivo): Quanto ao produto da venda do prédio urbano n.º ...77, melhor identificado na Verba 1 do auto de apreensão (ref. 6230241) do ApensoA, serão pagos os créditos reconhecidos pela ordem seguinte: Em primeiro lugar, os créditos laborais dos trabalhadores da insolvente JJ, KK, LL, MM e NN, melhor identificados na lista de créditos apresentada pelo Administrador da Insolvência em 04/02/2022, em paridade com os respetivos créditos do Fundo de Garantia Salarial, rateadamente, e na proporção dos respetivos créditos. Em segundo lugar, os créditos comuns (a incluir os dos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, em paridade com os respetivos créditos do Fundo de Garantia Salarial), rateadamente, e na proporção dos respetivos montantes. Em terceiro lugar, os créditos subordinados pela ordem prescrita no art. 48.º do CIRE, na proporção dos respetivos montantes. * Custas do recurso pela massa insolvente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC e 304.º do CIRE). * Coimbra, 12 de julho de 2023
(Paulo Correia)
(Maria Catarina Gonçalves) (José Avelino Gonçalves)
[1] Relator – Paulo Correia Adjuntos – Maria Catarina Gonçalves e José Avelino Gonçalves. [2] - Por não estar sujeito a registo e a maior parte dos demais credores desconhecerem com rigor a sua existência e extensão. [3] - Ou seja, é graduado antes do crédito relativo a contribuição para a Segurança Social, bem como sobre os créditos do Estado, pelos impostos inerentes ao património imobiliário (imposto municipal sobre imóveis - IMI; imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis - IMT; Imposto do Selo) e dos créditos das autarquias locais pelo IM. |