Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
155/23.6T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
CONSTRUÇÃO DE PRÉDIO URBANO EM TERRENO DOADO A UM DOS EX-CÔNJUGES
TITULARIDADE DO PROPRIETÁRIO DO TERRENO
BENFEITORIA
COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1104.º, 1, D) E E) E 1133.º, 1, DO CPC
ARTIGOS 216.º, 1 E 3; 1689.º; 1717.º; 1722.º, 1; 1723.º, C); 1724.º; 1726.º, 1 E 1306.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:                1. A realização, na pendência do casamento, de uma construção (prédio urbano) no terreno doado a um dos ex-cônjuges, em que o casamento fora celebrado segundo a comunhão de adquiridos, haverá que ser qualificada como benfeitoria que se integra na comunhão.
               2. Tal edificação insere-se na titularidade do proprietário do terreno, por força do princípio dos direitos reais da especialização ou individualização, dando lugar a um crédito de compensação, pelo que o valor da construção realizada (por ambos os cônjuges), na vigência do seu casamento, deve ser relacionado, no inventário subsequente ao divórcio, como benfeitoria, por forma a que se opere a compensação devida ao património comum.
               3. O referido enquadramento, consentâneo com a ordenação dominial definitiva, respeita os princípios do direito sobre as coisas, designadamente, da tipicidade (art.º 1306º CC) e da especificidade ou individualização.
Decisão Texto Integral:
Relator: Fonte Ramos
1.º Adjunto: Luís Cravo
2.º Adjunto: Vítor Amaral


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       
           

            I. AA requereu inventário, para partilha dos bens subsequente a divórcio, contra BB.
            Na qualidade de cabeça de casal apresentou relação de bens comuns que integra uma benfeitoria / “verba n.º 1” e um bem móvel (quota de capital social), relacionando ainda uma verba do passivo.
            A interessada/requerida BB deduziu oposição/reclamação, ao abrigo do disposto no art.º 1104º, n.º 1, do Código do Processo Civil (CPC), dizendo, além do mais, que no prédio urbano doado ao requerente, “bem próprio dele”, “o casal construiu a referida casa ut art.º 1 supra, esse prédio doado, nem é bem próprio (d)o donatário, nem é bem comum do casal, pois, com a construção da casa em causa, dilui-se nessa mesma casa.” (sic)
            O requerente/cabeça de casal respondeu, concluindo que é apenas comum “o valor das despesas materiais feitas pelo casal com a construção da moradia, nos termos dos artigos 1724º, alínea b) e 1733º, n.º 2 do Código Civil - valor esse que deve ser relacionado como benfeitoria enquanto património comum do casal (...)”.
             Por despacho de 06.3.2023, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo decidiu as “Reclamações à Relação de Bens” e julgou improcedente a reclamação relativamente à “Verba n.º 1 do Activo”, concluindo que, não estando “reclamado o valor atribuído pelo cabeça de casal às benfeitorias realizadas – no valor de € 116 130” –, “devem ser relacionadas por este valor, mantendo-se a verba descrita na relação de bens”.
            Dizendo-se inconformada, a requerida apelou[1] formulando as seguintes conclusões:
            1ª - Recorrente e recorrido foram casados um com o outro no regime de comunhão de adquiridos, tendo o cônjuge marido recebido por doação de seus pais e na constância do casamento um terreno para construção, no qual ambos, a expensas suas, construíram uma casa de habitação que foi casa morada de família, até á dissolução do casamento por divórcio.
            2ª - Quando os cônjuges são casados, no regime de comunhão de bens adquiridos, procedem à construção de uma casa em terreno próprio do marido, é aplicável a este o regime previsto no art.º 1726º do Código Civil (CC).
            3ª - Verificando-se que a prestação dos bens comuns é superior à prestação dos bens próprios na contribuição para a aquisição/construção da casa, deve esta ser considerada como bem comum.
            4ª - O ex-cônjuge marido, proprietário do terreno, onde a casa construída por ambos foi incorporada, deverá ser compensado ao abrigo do art.º 1726º, n.º 2 do CC pela deslocação que foi feita do seu património próprio para o património comum do casal.
            5ª - À situação não é aplicável nem a figura da “benfeitoria” nem a figura da “acessão imobiliária industrial” por não se verificarem os seus respetivos pressupostos legais previstos, quanto à primeira, nos art.ºs 1325º, 1339º e 1340º do CC e quanto à
segunda no art.º 216º do CC.
            6ª - Foram violadas as disposições conjugadas do art.º 216º do CC, por aplicada indevidamente e do art.º 1726º do CC por não aplicada.
            Remata dizendo que “deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por uma outra que, deferindo a reclamação apresentada, determine a inclusão na relação de bens a partilhar do prédio urbano, descrito no doc. 3, verba 1, junto com a P. I.[2], construído pelo dissolvido casal por o mesmo constituir bem comum do casal.”
            O requerente/cabeça de casal respondeu e concluiu pela improcedência do recurso.
            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, há que apreciar e decidir, apenas, como o referido bem (do ex-casal) deverá ser relacionado e partilhado.     
*
            II. 1. Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente relatório e o seguinte:
            a) O casamento entre requerente e requerida (celebrado em .../.../2005, sem convenção antenupcial) foi dissolvido por divórcio, por decisão de 21.10.2021 proferida pela Conservatória do Registo Civil ..., transitada em julgado (processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 3895/2021 da Conservatória do Registo Civil ...).[3]

            b) A mencionada verba n.º 1 encontra-se assim descrita: «Crédito – Benfeitoria, constituída por casa de habitação, correspondente ao prédio urbano sito na rua ..., ..., ... e implantada no prédio inscrito na respetiva matriz urbana sob artigo ...83[4] e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...75 da mesma freguesia[5], sendo de € 145 660 (...) o valor patrimonial tributável do referido prédio. Valor este a que deve ser deduzido o valor do terreno onde a casa de habitação foi implantada, já que se trata de um bem próprio do ex-cônjuge, aqui interessado (...), tendo-lhe sido doado pelos pais [doação realizada por escritura pública celebrada no dia 15.01.2016][6] e tendo este à data o valor patrimonial de € 29 530 (...), sendo apenas comum e objeto de partilha o valor da benfeitoria, que se apura no valor de € 116 130 (...).»

            c) O mencionado prédio encontra-se descrito com a área total de 2 049,2 m2 (área coberta - 212,88 m2; área descoberta - 1 836,32 m2) e a seguinte composição: “Casa de habitação de 2 pisos com logradouro”.

            d) Sobre o referido prédio urbano incide hipoteca a favor de Banco 1..., S. A., para garantia das obrigações assumidas pelo ex-casal em contrato de abertura de crédito.[7]
            e) Na decisão sob recurso, em segmento não impugnado, a “Verba A do passivo” ficou assim descrita:[8]
            “Dívida ao Banco 1..., S. A., garantida por hipoteca sobre o prédio urbano, sito na Rua ..., da união de freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... na ficha n.º ...28 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...15, que em 2 de janeiro de 2023, é no montante de capital de € 75 433,39.”[9]
            f) Na decisão recorrida, invocando o preceituado nos art.ºs 216º, 473º, 479º, 1273º e 1722º, n.º 1, alínea b), do CC e salientando que o cabeça de casal deverá relacionar os bens comuns existentes à data em que se consideram cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, a Mm.ª Juíza do tribunal a quo expendeu e concluiu:

            - A verba n.º 1 liga-se a um prédio inicialmente rústico, excluído da comunhão conjugal, benfeitorizado por uma construção efetuada pelo ex-casal.
            - Deve ser inscrita como dívida da herança o valor da benfeitoria útil efetuada, porque, ainda que não indispensável, aumentou o valor do prédio, porquanto a integração de obras no valor global de € 116 130 em prédio que antes valia € 29 530, não pode deixar de o ter valorizado, pelo menos na mesma proporção.
            -  Não reclamado o valor atribuído pelo cabeça de casal às benfeitorias realizadas – € 116 130 –, devem ser relacionadas por este valor, mantendo-se a verba descrita na relação de bens.
            2. Cumpre apreciar e decidir.
            Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal (art.º 1689 do CC), e sendo esta judicial, através do processo especial de inventário.
            Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns (art.º 1133º, n.º 1, do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13.9).
            Os interessados diretos na partilha podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação, nomeadamente, apresentar reclamação à relação de bens e impugnar os créditos e as dívidas da herança (art.º 1104º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC).

            3. No regime da comunhão de adquiridos são considerados próprios dos cônjuges, a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento, b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação e c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior (art.º 1722º, n.º 1, do CC); fazem parte da comunhão: a) O produto do trabalho dos cônjuges; b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei (art.º 1724º).

            4. Na situação em análise, coloca-se a questão de saber como solucionar no âmbito da partilha o problema da edificação de uma habitação por ambos os cônjuges, casados em regime de comunhão de bens adquiridos, em terreno próprio de um deles.
            5. A distinção entre benfeitorias e acessão tem sido objeto de larga controvérsia doutrinária e jurisprudencial.
            No Código Civil de 1966, perfilaram-se dois critérios de distinção entre as benfeitorias e acessão - o subjetivo e o objetivo.
            Para o critério subjetivo, a distinção parte da existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada, e daí que a benfeitoria consista num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um terceiro que não tem qualquer contacto jurídico com a coisa. Assim, são benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo possuidor, pelo locatário, comodatário, usufrutuário, e acessão os melhoramentos realizados por um terceiro, não ligado juridicamente, podendo ser um simples detentor ocasional.[10]
            Segundo o critério objetivo, a distinção funda-se na finalidade e no regime de ambos os institutos, sendo a benfeitoria uma despesa para a conservação ou o melhoramento da coisa, que não é alterada na sua substância, e que dá lugar a um direito de levantamento ou um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada (as benfeitorias destinam-se a conservar e a melhorar a coisa, não a criar um direito sobre a coisa, e a sua realização confere ao respetivo autor um direito ao levantamento ou um direito de crédito), pressupondo a acessão a união e incorporação de uma coisa com outra pertencente a proprietário diverso, atribuindo a lei, em determinadas condições, ao autor da acessão o direito de propriedade (implica a construção de uma coisa nova mediante a alteração da substância daquela em que a obra é feita, atribuindo a lei ao autor da obra a propriedade da coisa). A distinção é objetiva por ser independente da posição jurídica da pessoa que faz a obra, relevando a natureza desta, havendo acessão quando se trate de construção nova e benfeitoria se é melhorada uma já existente.[11]
            6. As implicações da edificação pelos cônjuges em terreno pertencente apenas a um deles tem sido problemática, podendo sintetizar-se, no essencial, em duas orientações:
            a) Uma, no sentido de que se trata de um bem comum do casal, em regime de comunhão de adquiridos, por aplicação do art.º 1726º, n.º 1 CC (que preceitua: «Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações.»).
            Nesta linha de entendimento, sobre o tema “construção de uma casa sobre terreno próprio de um dos cônjuges casados em regime de comunhão de adquiridos”, conclui-se: «nada obsta a que a casa construída por ambos os cônjuges em terreno próprio de um deles, com utilização de valores comuns, seja considerada um bem “adquirido” em parte com bens próprios e em parte com bens comuns. E que por aplicação da regra prevista no n.º 1 do artigo 1726º se considere que ingressou no património comum. A atribuição patrimonial que favoreceu a comunhão faz nascer um direito de compensação no património próprio do cônjuge proprietário do terreno, exigível no momento da dissolução e partilha da comunhão (artigo 1726º, n.º 1).[12]
            b) Outra, que a concebe como benfeitoria e, não como acessão, porque a qualidade de cônjuge não se reconduz à noção de terceiro.
            No regime da comunhão de bens adquiridos fazem parte da comunhão os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei (art.º 1724º, b) CC).
            Na verdade, seguindo o critério subjetivo, não parece que a situação se ancore no instituto da acessão, e também não se pode sustentar que a “família”, constituída pelo casamento, seja uma entidade distinta dos cônjuges, com personalidade própria, de modo a considerá-la “terceiro” para efeitos de acessão.
            Presumem-se comuns as benfeitorias efetuadas pelo cônjuge em prédio pertencente ao outro, quando realizadas na pendência do casamento e sob o regime de comunhão de adquiridos, tendo em conta a aplicação analógica do art.º 1733º, n.º 2, do CC[13] e por força do disposto no art.º 1723º, alínea c), CC[14], pois na ausência de menção em documento da proveniência do dinheiro, o bem não pode ser excetuado da comunhão.[15]
            Nesta perspetiva, a edificação insere-se na titularidade do proprietário do terreno, por força do princípio dos direitos reais da especialização ou individualização, dando lugar a um crédito de compensação, pelo que o valor da construção de um prédio urbano realizada por ambos os cônjuges, na vigência do seu casamento, celebrado no regime de bens de adquiridos, em imóvel pertencente a um só deles, deve ser relacionado, no inventário subsequente ao divórcio, como benfeitoria, por forma a que se opere a compensação devida ao património comum.[16]
            7. Perante os elementos disponíveis é irrecusável que o prédio rústico em causa pertence ao requerente/recorrido [adquirido por doação no decurso do casamento – cf. II. 1. alínea b), supra]; o prédio urbano nele implantado, casa de morada da família do casal do requerente/recorrido e da recorrente, foi construído e pago na constância do casamento.
            Assim, porque o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos [cf. art.º 1717º do CC e II. 1. alínea a), supra], dúvidas não restam que o mencionado prédio urbano constituiu uma benfeitoria (art.º 216º, n.ºs 1 e 3, do CC) que integrou o património comum do ex-casal; constituiu coisa comum, integrando-se na comunhão, por efeito do regime de bens do casamento.
            8. Esta, cremos, a posição que continua a prevalecer na doutrina e na jurisprudência[17] e que se antolha conforme às disposições legais do direito da família, em que domina o propósito de operar, no momento da partilha dos bens do casal, as adequadas compensações entre patrimónios (entre o património comum dos cônjuges e um património próprio), visando a recomposição do equilíbrio das massas patrimoniais.[18]
            9. Em abono desta perspetiva, no plano dogmático e tendo em vista a ordenação dominial definitiva, podemos acrescentar: a aquisição a que se reporta o art.º 1726º, n.º 1 CC (“os bens adquiridos”) não abrange, quer pelo elemento literal, histórico e sistemático, a construção ou edificação levada a efeito por ambos os cônjuges; uma interpretação que a partir da norma considere que a obra implantada no terreno constitui uma nova “unidade jurídica indivisível” (terreno e obra) esbarra com o princípio da tipicidade dos direitos reais (art.º 1306º CC)[19] e o direito matrimonial não pode criar uma nova forma de aquisição do direito de propriedade ou uma modificação subjetiva do direito de propriedade; por força do princípio da especificidade ou da individualização[20] o direito de propriedade sobre o terreno passa também a incidir sobre a obra nele edificada, ou seja, o direito de propriedade abrange a totalidade da coisa modificada, e a nova obra não opera extinção do direito de propriedade pré-existente, nem dá lugar a um novo e autónomo direito de propriedade.
            Por conseguinte, a edificação de obra (casa) por dois cônjuges, casados no regime de comunhão de bens adquiridos, em terreno próprio de um deles, constitui benfeitoria e dá lugar a um crédito de compensação (um crédito do património comum sobre o património próprio) com vista à reposição do equilíbrio patrimonial, pois de outra forma haveria um injustificado enriquecimento sem causa.[21]
            10. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.

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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
            Custas pela requerida/apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza (fls. 40).       
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12.7.2023




[1] Recurso admitido para “subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo – artigo 1123º, n.º 1 e 2, al. b) e 3 do CPC”.
[2] Cremos que a requerida se reporta à “Verba 1” da “Relação de Bens” junta com o requerimento inicial do inventário (fls. 13).
[3] Cf. documentos de fls. 5 e 30.
[4] Atual artigo matricial n.º ...15 da União das Freguesias ... e ... - cf. documento de fls. 15.
[5] Cf. documento de fls. 16.
[6] Cf. documentos de fls. 16 verso e 18.
[7] Cf., sobretudo, documentos de fls. 14, 17, 50, 61 e 75.
[8] Com a seguinte menção prévia: “Por acordo dos intervenientes a verba A do passivo passará a constar com a seguinte redação (corrigida face ao valor atualizado informado pelo credor reclamante)”.
[9] Existiu (ainda) reclamação por parte da entidade bancária credora (cf. fls. 44) que teve por objeto uma pretensa dívida àquela, no montante de € 1 250 e sobre a qual recaiu o seguinte segmento (do despacho recorrido) que não terá sido impugnado: «(...) da análise do contrato em causa resulta que figura como mutuário a sociedade “B..., Lda.”, sendo que o ex-casal AA (...) e BB (...) figuram como garantes. / (...) não decorreu o prazo de cumprimento, o mútuo encontra-se a ser pago atempadamente, (...), mas essencial é que não foi celebrado com o ex-casal como mutuários. / Como tal, improcede a reclamação, não sendo de aditar tal verba ao passivo. (...)»  
[10] Vide, nomeadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 163.
[11] Vide Vaz Serra, RLJ 108º, pág. 266.
[12] Vide Rita Lobo Xavier, Das Relações entre o Direito Comum e o Direito Matrimonial – A propósito das atribuições patrimoniais entre cônjuges, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, Vol. I, Coimbra Editora, 2004, págs. 487 e seguintes.
   Acolhendo esta perspetiva doutrinária, cf., por exemplo, os acórdãos da RP de 25.5.2006-processo 0631411 e 28.5.2013-processo 3255/08.9TJVNF-B.P1, da RG de 18.5.2017-processo 387/15.0T8FAF.G1 e da RC de 12.10.2020-processo 2124/15.0T8LRA.C1 [sumariando-se: «I - A jurisprudência tem decidido, quase invariavelmente, que a construção pelos cônjuges casados em comunhão de adquiridos de um prédio urbano em terreno de um só deles, deve ser considerada uma benfeitoria, e que, por isso, esta deve ser descrita como bem comum no inventário consequente ao divórcio do casal, mantendo-se o terreno como bem próprio, conclusão a que chega, essencialmente, em função da orientação que distingue benfeitoria e acessão por via da relação jurídica com a coisa: basicamente são benfeitorias os melhoramentos feitos por pessoa relacionada juridicamente com a coisa; são acessões os melhoramentos feitos por pessoa não relacionada com a coisa. II – Será, no entanto, preferível que, para justificar o incremento de valor patrimonial em bem alheio, se utilize a orientação que se vale da função ou da finalidade dos regimes das benfeitorias e da acessão: basicamente, são benfeitorias os melhoramentos que não interferem na substância da coisa; são acessões os melhoramentos que alteram essa substância. III – Assim, (...) dever-se-á definir o regime a aplicar em função da ideia de que uma obra que resulta incorporada num terreno, passando a constituir com ele uma realidade incindível e provocando a sua alteração jurídica de prédio rústico para urbano, não pode fazer-se equivaler a uma benfeitoria, e que é o conceito de acessão, no que tem de essencial, que melhor satisfaz a compreensão daquele fenómeno. IV – Esta conclusão não obriga a que se aplique o regime da acessão industrial imobiliária como vem gizado no art.ºs 1339º e ss CC, mas a enquadrar a questão no direito matrimonial, que influencia a generalidade das relações obrigacionais ou reais de que os cônjuges são ou foram titulares, daí resultando um regime diferente daquele que decorreria da aplicação isolada do direito comum. V – A solução de considerar terreno e edifício nele construído como um bem comum, por via do disposto no n.º 1 do art.º 1726º/CC, é a que quadra melhor às expetativas dos cônjuges e também aos interesses dos credores, a que não são alheias as normas dos art.ºs 1721º e seguintes. VI – Desde o momento em que o valor do prédio urbano construído sobre o prédio rústico é maior do que o valor do terreno onde foi incorporado deve o cabeça de casal no inventário aditar como bem comum o imóvel rústico e o imóvel urbano e relacionar como crédito do cônjuge a quem pertencia o terreno o valor atualizado deste, nos termos e para o efeito do n.º 2 do art.º 1726º CC.»], publicados no “site” da dgsi.
[13] Que preceitua: «A incomunicabilidade dos bens não abrange os respetivos frutos nem o valor das benfeitorias úteis.»
[14] Reza este normativo: «Conservam a qualidade de bens próprios os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.»
[15] Não há, todavia, comunicabilidade das próprias benfeitorias úteis, se elas forem efetuadas nos termos previstos pela alínea c) do art.º 1723º do CC (aplicável à comunhão geral ex vi do art.º 1734º) – vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. IV, 2ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 444.
[16] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 27.01.1993 [constando do sumário: “A moradia construída pelos cônjuges no terreno que é bem próprio de um deles constitui benfeitoria.”], 30.4.2019-processo 5967/17.7T8CBR.S1 e 29.11.2022-processo 1530/20.3T8VNF.G1.S1, publicados, o primeiro, na CJ-STJ, I, 1, 102 e, os restantes, no “site” da dgsi.
   [17] Neste sentido, vide, nomeadamente, F. M. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. I, 5ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pág. 641 [ensinando que “só se considera comum, com autonomia, o valor das benfeitorias úteis”, como é o caso frequente da “edificação de um imóvel, durante o casamento, com dinheiro comum, num terreno próprio de um dos cônjuges”]; Antunes Varela, Direito da Família, Livraria Petrony, 1987, pág. 442 e Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. IV, cit., pág. 443 – concluindo-se, nomeadamente, que “a lei garante apenas a participação dos dois cônjuges no valor das benfeitorias ´úteis` realizadas nos bens próprios”; cf., de entre vários - além dos arestos indicados na nota anterior -, os acórdãos da RP de 11.7.2012-processo 1579/10.4TBMCN.P1 e 09.12.2013-processo 480/10.6TVPRT.P1 e da RC de 23.10.2012-processo 1058/09.2TBTMR-A.C1 [sumariando-se: «1. Todas as benfeitorias são despesas, feitas para conservar ou melhorar uma coisa (benfeitorias necessárias ou úteis) ou apenas para recreio do benfeitorizante (benfeitorias voluptuárias). 2. Tendo os cônjuges, enquanto casados sob o regime de comunhão de adquiridos, construído uma moradia num terreno pertencente ao património próprio de um deles, essa construção constitui uma benfeitoria útil e não pode basear a aquisição da propriedade do prédio por acessão a favor do casal. 3. As benfeitorias, pelo menos algumas delas, como essa construção de moradia, podem ser encaradas sob a perspetiva de coisas e sob a perspetiva de despesas. 4. O valor das despesas materiais feitas pelo casal com a dita construção da moradia é um bem comum do casal, nos termos dos artigos 1724º al. b) e 1733º/2 do Código Civil. 5. Esse valor deve ser relacionado como crédito do património comum do casal. 6. O prédio urbano resultante da construção da moradia no terreno pertencente a um dos cônjuges não integra os bens adquiridos a que se refere o artigo 1724º do CC e não é bem comum do casal.»], 13.5.2014-processo 1068/08.7TBTMR-B.C1, 20.4.2016-processo 663/15.2T8CLD.C1, 16.5.2017-processo 3638/13.2TBLRA-H.C1 [concluindo-se: «1. Tendo os cônjuges, enquanto casados sob o regime de comunhão de adquiridos, construído uma moradia num terreno pertencente ao património próprio de um deles, essa construção constitui uma benfeitoria útil. 2. O valor das despesas materiais feitas pelo casal com a dita benfeitoria é um bem comum do casal, nos termos dos art.ºs 1724º, b), e 1733º, n.º 2, do CC. 3. O cônjuge, não proprietário, dissolvido o casamento, tem o direito de receber metade desse valor. 4. O prédio urbano resultante da construção da moradia no terreno pertencente a um dos cônjuges não integra os bens adquiridos a que se refere o art.º 1724º do CC e não é bem comum do casal.»], 20.6.2017-processo 4298/16.4T8PBL.C1 e 10.01.2023-processo 853/20.6T8PBL-A.C1, publicados no “site” da dgsi.
   Cf., ainda, os acórdãos da RP de 25.10.1993 [com o sumário: “I. Tendo sido construído por ambos os cônjuges, na constância do matrimónio, um prédio em terreno que é bem próprio de um deles, não se verifica a acessão, mas um benefício para o terreno, que constitui benfeitoria útil. II. O valor das benfeitorias constitui um bem a partilhar, que não pode ser dissociado do terreno em que se integram. III. Sendo o terreno bem próprio de um dos cônjuges, as benfeitorias não são suscetíveis de licitação.”] e da RC de 24.11.1998 [“I. Constitui benfeitoria e não acessão, a construção, por ambos os cônjuges, de uma casa no terreno de um deles. II. A lei só atribui à autora da benfeitoria um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada, na impossibilidade de separar a construção do terreno aonde está implantada. III. No inventário para separação de meações não deve relacionar-se o prédio urbano edificado em tal terreno, mas o valor da construção como dívida do cônjuge, propriedade daquele, ao património do casal.”], in BMJ n.º 430, pág. 514 e CJ, XXIII, 5, 21, respetivamente.
[18] Cf., por exemplo, o cit. acórdão da RC de 20.4.2016-processo 663/15.2T8CLD.C1.
[19] Sobre este princípio do lado externo do direito (i. é, ao facto de o direito sobre as coisas se impor à generalidade dos membros da comunidade jurídica / ter eficácia erga omnes), vide Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coimbra, 1977, Centelha - Promoção do livro, SARL, Coimbra, págs. 242 e seguintes.
[20] Relativamente a este princípio do lado interno (que se liga ao conteúdo do direito - o facto de os direitos reais ou das coisas serem um poder direto e imediato, terem no âmago um tal conteúdo ou um tal licere), vide Orlando de Carvalho, ob. cit., págs. 189 e 220 e seguintes.
[21] Cf. o cit. acórdão do STJ de 29.11.2022-processo 1530/20.3T8VNF.G1.S1.