Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FALCÃO DE MAGALHÃES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO DE PRIVAÇÃO DO USO DO VEÍCULO REPARAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 02/06/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JLCÍVEL DE POMBAL – J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 483º E 566º, Nº 3, DO C. CIVIL. | ||
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Sumário: | I – Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações: - uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo; - uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos.
II. Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação. III. Na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias. IV. No que concerne aos danos decorrentes da privação de uso do veículo cumpre ter presente que se provou que a autora ficou privada do seu uso, pelo menos, durante 20 dias úteis, cumprindo ainda atender ao facto de que a simples privação do uso do seu veículo traduziu-se numa diminuição patrimonial que cumpre reparar. V. Concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566º, n. 3, do Código Civil. VI. Para este efeito pode tomar-se como ponto de referência, por exemplo, a quantia necessária para o aluguer de um bem de características semelhantes, devendo realizar-se em abstracto uma ponderação global das várias situações por forma a chegar-se a um valor concreto, nomeadamente que tal valor deve ser sempre tomado como simples referência e não em termos absolutos, que deve do mesmo ser excluída a normal taxa de lucro obtida por estas entidades por forma a evitar-se um benefício injustificado por parte do lesado, tendo-se sempre presente o uso concreto que o lesado fazia do veículo em causa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]: I - A) - “E…, Lda.”, com sede na Rua …, intentou, em 02/06/2016, contra a “B…- COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, com sede em …, acção declarativa, de condenação, para efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação ocorrido em 21/09/2015, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe o montante de €8.118,08, a título de indemnização pelos danos resultantes da privação do uso do seu veículo pesado de mercadorias, marca DAF, matrícula …, correspondente aos 32 dias de paralisação deste, em resultado dos danos por ele sofridos no acidente, acidente esse que disse ser imputável a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré -, mais pedindo que essa quantia fosse acrescida de juros de mora vencidos e já contabilizados em €382,60, bem como dos vincendos, até integral pagamento. A quantia peticionada pela privação do veículo, sustentou a Autora, entendê-la adequada, por estar, o respectivo valor diário (€253,69) “de acordo com as regras estabelecidas no acordo celebrado entre a ANTRAM e a APS (Associação Portuguesa de Seguradoras) quanto aos valores da paralisação para veículos de serviço internacional, para a compensar de tais danos...”. B) - A Ré, contestando, defendeu-se por impugnação, sustentando, em síntese, no que interessa à economia do recurso, que, a ser responsabilizada pelos danos decorrentes do sinistro, apenas terá de pagar, a título de indemnização pelos danos decorrentes da paralisação do veículo, o valor de 1.989,10€, “...correspondentes a 10 dias (de 21/09/2015 - data do sinistro - a 29/09/2015 - data do fecho da peritagem - mais 3 dias referentes ao período necessário para proceder à reparação)...”, valor que esse que foi assumido, aliás, pela Seguradora da Autora, no âmbito Convenção CIDS (Indemnização Directa ao Segurado). C) - Realizada que foi, no Juízo Local Cível de Pombal (Juiz 1), da Comarca de Leiria, a audiência final, veio a acção, por sentença de 18/05/2017, a ser julgada parcialmente procedente, com a condenação da Ré - que foi absolvida do demais peticionado -, a pagar à autora a quantia de oitocentos euros (€ 800,00), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da decisão e até integral pagamento. D) - Inconformada com esta sentença, na parte que lhe foi desfavorável, dela apelou a Autora, que, a findar a respectiva alegação de recurso, ofereceu as seguintes conclusões: … E) - A Ré, na resposta à alegação da Apelante, para além de defender a confirmação da sentença, pugnou pela rejeição liminar do recurso relativo à impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, invocando, para o efeito, o incumprimento, por parte da Recorrente, dos ónus impostos pelo art.º 640.º nº 1 alíneas a), b) e c) e nº 2 do novo Código de Processo Civil[2] (doravante, NCPC[3]). F) - O ora Relator, na sequência dessa alegação da Recorrida, proferiu despacho, que veio a ser notificado às partes e do qual constava o seguinte: «[…] Afigurando-se, que, pelo menos, a Recorrente não procedeu, quanto aos depoimentos que invoca, à indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso, nos termos exigidos pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, o que implicará a rejeição desse recurso, na parte que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto, determino, para observância do contraditório, a notificação da Apelante para que, querendo, diga o que se lhe oferecer quanto a esta matéria. […]». G) - 1) - Na sequência dessa notificação veio a Apelante oferecer nova alegação, com as conclusões respectivas, dizendo, entre o mais, no início daquela peça: «[…] tendo sido notificada para o efeito, vem, ao abrigo do disposto no artigo 640 nº 1 alíneas a), b) e c) e nº 2 do Código de Processo Civil, proceder à indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso, usando, para melhor compreensão, o texto do mesmo, agora com as intervenções gravadas devidamente identificadas temporalmente, mediante registo áudio […]». 2) - O relator, a fls. 186, exarou despacho, que não veio a merecer reclamação para a conferência, onde decidiu que seriam desconsideradas as alegações e “conclusões” que a Apelante oferecera subsequentemente à notificação do aludido despacho, que se destinara, tão-só, a fazer cumprir o contraditório. H) - Questões a resolver: Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[4] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar. E as questões a resolver são as de saber: 1.ª - Se é de alterar a decisão proferida pela 1.ª Instância quanto à matéria de facto e, em caso afirmativo, em que termos; 2.ª - Se, em face dos factos que se tiverem como provados, deve ser aumentado o montante indemnizatório atribuído à ora Apelante. II - Fundamentação: A) - Na sentença da 1.ª Instância consignou-se o seguinte relativamente à matéria de facto: … B) - Impugnação da matéria de facto. A Apelante insurge-se contra a circunstância de não ter sido incluída nos factos provados a matéria que veio a ser vertida nas alíneas a) b) e c) do elenco dos factos não provado, bem assim como - apesar de documento algum ter junto para provar tal facto - que “é era associada da ANTRAM”, sendo que, no seu entender, tal matéria seria de dar como provada, se tivesse sido feita uma correcta apreciação da prova, designadamente, do documento nº 5 (“print” de mensagem de correio electrónico) e dos depoimentos das testemunhas ... Estabelece o artº 662º, nº 1, do NCPC, que a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Efectivamente, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre matéria de facto é susceptível de ser alterada pela Relação, tendo, para esse efeito, o recorrente que pretenda impugnar tal decisão socorrendo-se da gravação dos depoimentos prestados na audiência, de especificar, sob pena de rejeição, “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (artº 640º, nº 1, a), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, a), do CPC), bem como “Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (artº 640º, nº 1, b), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, b), do CPC). Sob pena de rejeição do recurso respeitante à alteração da matéria de facto, também se exige ao Recorrente que especifique “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” (artº 640, nº 1, c), do NCPC). Por outro lado, ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados - v.g., quanto às declarações das partes e dos peritos, bem assim como quanto aos depoimentos das testemunhas -, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte respectiva, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC). Ora, para que cumpra o que a lei exige no aludido artº 640º, nº 2, a), importa ao recorrente indicar, por referência ao suporte em que se encontrem gravados os depoimentos que pretenda utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens desses depoimentos, em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC). Ora, no caso “sub judice”, o que a Apelante fez, no que respeita à prova gravada - “rectius”, no que concerne aos depoimentos das testemunhas que indicou -, foi, precisamente, no corpo da alegação, reproduzir alguns excertos desses depoimentos, sem que haja feito a indicação dos tempos, onde, no suporte em que ficaram gravados esses elementos de prova, se situam tais passagens que entendia relevantes para alcançar a dita alteração quanto à decisão da matéria de facto. O que se acaba de expor, salvo o devido respeito por entendimento diverso, implica, por incumprimento do ónus previsto no artº 640º, nº 2, b), do NCPC, a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Idêntico, aliás, foi o entendimento seguido, perante impugnação efectuada em termos semelhantes àquela que a Apelante levou a efeito no presente caso, no Acórdão de 12/07/2017, proferido por este mesmo Colectivo (Apelação nº 2317/16.3T8CBR.C1), bem assim como no Acórdão desta Relação de 24/02/2015, Apelação nº 145/12.4TBPBL.C1), relatado pelo aqui relator e subscrito pela ora 2ª Adjunta. Concluindo, dir-se-á, pois: A omissão acima apontada à Apelante quanto ao cumprimento do ónus que, enquanto impugnante da decisão proferida quanto à matéria de facto, sobre ela recaía, conduz, “ex vi” do artº 640º, nº 2, b), do NCPC, a que a reapreciação dessa decisão tenha de ser rejeitada, o que ora se decide. Em consequência do exposto, a matéria de facto a ter em conta - como provada e como não provada - é aquela que assim está consignada na sentença e que acima se elencou. (António Domingos Pires Robalo) (Sílvia Maria Pereira Pires) ***
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