Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
171/16.4T8TND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: DOAÇÃO
CLÁUSULA MODAL
INCUMPRIMENTO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - TONDELA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.342, 940, 960, 963, 965 CC
Sumário:
1. O “modo” é a cláusula acessória típica por virtude da qual nas doações e nas liberalidades testamentárias o autor da liberalidade impõe ao respectivo beneficiário a obrigação (encargo) de adoptar um certo comportamento, no interesse do próprio disponente ou no interesse de terceiro ou do próprio beneficiário.
2. Na hipótese do negócio “sub modo” os efeitos negociais produzem-se imediatamente, podendo, todavia, vir a ser destruídos, em certas circunstâncias, por força do incumprimento culposo do modo; o beneficiário, onerado com o encargo modal (que assumiu a obrigação de adoptar o comportamento a que se refere a cláusula modal, a obrigação de realizar certa prestação), pode ser obrigado ao seu cumprimento.
3. Pode ser judicialmente reclamado o cumprimento dos encargos pelo doador, pelos seus herdeiros ou por quaisquer interessados (art.º 965º do CC).
4. A repartição do ónus da prova deve fazer-se consoante a posição em que cada um dos sujeitos da relação material se encontre no processo (i. é, consoante a pretensão que nele deduzir), não havendo, por conseguinte, temas probatórios fixos (factos cuja prova tenha de caber sempre a certos desses sujeitos).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. I (…) intentou a presente acção declarativa comum contra Associação Portuguesa (…) pedindo: deve declarar-se e a Ré ser condenada a reconhecer a existência de um fideicomisso irregular sobre os bens imóveis descritos como verba quatro (actual prédio misto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela, sob o n.º ...) e oito nas escrituras de doação e respectivo aditamento [a)]; deve a Ré ser condenada a abster-se de praticar qualquer acto que ponha em causa o fideicomisso que impende sobre os imóveis referidos no pedido anterior, nomeadamente a vender os mesmos [b)]; deve ser verificado e declarado o incumprimento, por parte da Ré da obrigação de criação e manutenção do funcionamento da Escola Agrícola (…), condenando-se esta a reactivar o seu funcionamento [c)]; de forma a garantir o cumprimento da obrigação resultante do pedido anterior, nos termos do ar.º 829º-A do CC, deve a Ré ser condenada a pagar um valor, nunca inferior a € 1 000 por cada mês de atraso na reactivação da referida Escola Agrícola, desde pelo menos a data indicada no art.º 14º da petição inicial (p. i.) [d)]; subsidiariamente ao pedido formulado em a) e b), caso se venha a consumar a venda dos referidos imóveis, deve a Ré ser condenada a indemnizar a A., enquanto única herdeira do Sr. A (…), pelo incumprimento dos encargos impostos na doação, em liquidação de sentença [e)].
Alegou, em resumo: por testamento de 08.5.2003, A (…) instituiu a A. como sua única e universal herdeira, tendo falecido no dia XX.5.2003; em 21.11.1989, através de escritura pública A (…) doou à Ré, a qual aceitou, uma série de bens, entre os quais os identificados no art.º 3º da p. i.; tal doação ficou sujeita a determinadas “obrigações” para a Ré, elencadas no art.º 5º da p. i. e ainda manifestou os “desejos” aludidos no art.º 6º da p. i.; por escritura de 03.9.1998, o Sr. A (…)e a Ré acordaram alterar os termos da doação anteriormente efectuada e proceder ao aditamento das cláusulas identificadas no art.º 7º da p. i.; ao celebrar as referidas escrituras o Sr A (..:) estava convicto e era sua vontade que a Ré criaria e manteria a funcionar uma escola agrária para promover o desenvolvimento da terra e homenagear a sua mãe, e era do conhecimento da Ré que era intuito de A (…) o funcionamento nos imóveis doados de um estabelecimento agrícola; em cumprimento das obrigações assumidas, a Ré procedeu à construção de um prédio destinado à instalação da mencionada Escola Agrícola no imóvel identificado sob a verba quatro; a referida construção deu origem a um prédio misto identificado no art.º 11º da p. i., onde a Ré instalou a denominada “Casa – Escola Agrícola (….)”, e aí funcionaram, desde 1993, cursos de formação de operador agrícola; contudo, pelo menos desde 2008, que no referido edifício não funciona qualquer Escola Agrícola, porquanto não tem qualquer curso a funcionar, não recebe alunos ou promove qualquer actividade; o edifício encontra-se encerrado e sem qualquer uso, estando os terrenos anexos ao edifício por cultivar; a Ré está a negociar com a Santa Casa da Misericórdia de … a venda do imóvel referido como verba quatro nas escrituras de doação, bem como o imóvel que implantou no mesmo e ao qual corresponde o artigo predial urbano 996.
A Ré contestou por excepção - invocando, além do mais, as excepções de caso julgado e de prescrição - e impugnação. Concluiu pela improcedência da acção e pediu a condenação da A. como litigante de má fé.
A A. respondeu às excepções invocadas e àquele pedido de condenação, concluindo pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a matéria de excepção, firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 04.8.2017, julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões:
(…)
A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito (maxime, se ocorre incumprimento dos encargos da doação e suas consequências).
*
II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. Na Conservatória do Registo Predial (CRP) de Tondela encontra-se descrito o prédio misto da freguesia de … sob o n.º ..., denominado …, com a área de 24 678 m2, composto de parte urbana (edifício destinado a escola composto de 3 pisos e logradouro) e parte rústica (terreno de cultura com nogueiras, videiras, oliveiras, pinhal e mato), a confrontar do norte com …, Lda., do sul com … e …, do nascente com Associação … e do poente com …, inscrito na matriz rústica sob o artigo … e urbana ….
2. Pela apresentação 802 de 06/03/2014 encontra-se registado o prédio aludido em 1) a favor da ré, por doação.
3. Na CRP de Tondela encontra-se descrito sob o n.º … o prédio urbano da freguesia de … situado em Rua …, composto de casa de habitação de três pisos e logradouro, a confrontar do norte com caminho, do sul com Associação …, do nascente com Rua … e do poente com Rua …, inscrito na matriz sob o artigo ….
4. Pela apresentação 1978 de 15/10/2015 encontra-se registada a aquisição do prédio aludido em 3) a favor da autora, por sucessão testamentária, conforme documento de fls. 102 dos autos. Rectificou-se.
5. Na escritura pública outorgada no dia 21.11.1989 Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto. no 2º Cartório Notarial de Viseu, intitulada “Justificação Notarial e Doação”, exarada de fls. 75 a 78 do Livro de Notas …, conforme documento de fls. 170 e seguintes dos autos Rectificou-se., interveio como primeiro outorgante A (…) e como segundos outorgantes (…) na qualidade de administradores da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Rural, como terceiros outorgantes (…), tendo o primeiro outorgante declarado que “com exclusão de outrem é dono e legitimo possuidor dos prédios rústicos identificados no documento complementar anexo à escritura, sob os números um a sete inclusive e dez, (…) que tais domínio e posse são exercidos há mais de vinte anos, ininterruptamente e sem qualquer violência, com o conhecimento de toda a gente, desde o seu início, sem que jamais tivesse sido perturbado ou contestado por quem quer que fosse, pelo que, já havia adquirido os referidos prédios por usucapião”, pelos terceiros outorgantes foi dito que “confirmam, para todos os efeitos, as declarações acabadas de prestar pelo primeiro outorgante, por serem inteiramente verdadeiras (…)”.
6. O primeiro outorgante na escritura aludida em 5) Idem. declarou ainda que sendo ele “o dono e possuidor de tais prédios e também dos restantes prédios e bens, que daquele documento complementar constam, pela presente escritura, deles faz doação, à Associação representada pelos segundos outorgantes, com reserva para si do usufruto vitalício de todos eles; bem como lhe faz a doação da totalidade das quantias em dinheiro, títulos, acções ou quaisquer outros valores, ao tempo da sua morte existentes em qualquer lugar, seja ou não instituição bancária ou similar, tudo com as seguintes obrigações, para a donatária: a) para perpetuar a memória da mãe, dele doador, a donatária obriga-se a construir um edifício destinado a Escola Agrícola, no prédio rústico identificado naquele documento, sob o número quatro, o qual será denominada Escola Agrícola (…), A.P.D.R.; b) a donatária obriga-se a sepultar o doador, após o seu falecimento, na campa número …, do cemitério da freguesia de …, a que se refere a verba número catorze, daquele documento complementar; c) a donatária, dos rendimentos dos bens doados, promoverá, perpetuamente, com celebração de uma missa anual, o sufrágio: das almas de seus avós e tios, respectivamente, (…)em cada dia vinte e quatro de Março futuros; da alma de sua mãe, D(…), em cada dia vinte e nove dos meses de Março futuros e cada dia catorze de maio dos meses futuros; da alma de seu pai, (…), em cada dia vinte e cinco dos meses de agosto futuros e em cada dia um de Dezembro dos meses futuros, da alma do doador, em cada dia e meses futuros, correspondentes à data do seu nascimento e falecimento”.
7. Além do aludido em 6) o primeiro outorgante declarou ainda que, “manifesta o desejo de que: se a donatária vier a dissolver-se, em tudo o que for legalmente possível e depender da vontade da donatária, os bens objecto da doação, não sejam afectos à Santa Casa da Misericórdia de …; se a donatária pretender vender, quaisquer bens, objecto da presente doação e, nomeadamente de qualquer das partes que compõem e integram o prédio urbano correspondente à residência do doador, identificado naquele documento sob o número oito, o não façam sem a sua audiência prévia (…)”.
8. No acto aludido em 5) foi ainda pelos segundos outorgantes declarado que “aceitam a doação”.
9. Do “documento complementar” aludido de 5) a 7), constam além do mais as seguintes “(…) Verba quatro: terreno de cultura, com duas nogueiras, cem videiras, vinha com seis oliveiras, pinhal e mato, sito no lugar do Carvalho, freguesia de …, com o artigo número (…) confrontando de norte com …, nascente Herdeiros de …, do sul com … e poente corga (…); (…) Verba oito: uma casa com dois pavimentos e águas furtadas, sita no lugar de ..., freguesia de ..., com o artigo 265º (…) a confrontar do norte e sul com caminho, nascente com a rua Dr. … e poente com …, um pátio a poente com 40 m2 e uma casa de arrumação com 338 m2, a sul uma outra casa com 85 m2 (…)”.
10. Na escritura pública intitulada de “aditamento” outorgada no dia 28.02.1991, no 1º cartório notarial de Viseu, exarada de fls. 82 verso a 84 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º …, interveio como primeiro outorgante A (…) e como segundo outorgante (…) na qualidade de procurador da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Rural, por ambos foi dito que “acordam em aditar à escritura” aludida em 5) Rectificou-se., “o seguinte clausulado: primeiro – A alienação, e por qualquer forma, de qualquer dos bens objecto da doação, de que a presente escritura é aditamento e constante em anexo daquela (…) terá de ser expressamente e por escrito autorizada pelo primeiro outorgante, (…); segundo: qualquer alienação a realizar independentemente da autorização do primeiro outorgante, só poderá ocorrer após as obras do edifício a que se refere a verba número quatro do documento complementar anexo àquela escritura (…) se encontrarem sensivelmente a meio termo da respectiva conclusão; - terceiro: A outorgante Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Rural não poderá proceder à alienação, e por qualquer forma, de qualquer das partes que compõem e integram o prédio urbano correspondente à residência do doador, e que é a verba número oito (…). - quarto: A segunda outorgante não poderá igualmente proceder à alienação, e por qualquer forma, do prédio correspondente à verba número quatro, do documento anexo (…). - quinto: No caso de extinção, modificação ou outra alteração da pessoa jurídica da donatária, fica, desde já, autorizada à transmissão dos bens objecto do presente fideicomisso, nomeadamente os bens constantes das cláusulas terceiras e quarta, devendo a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Rural, no entanto, proceder, com toda a diligência, no sentido de assegurar a continuidade da Casa – Escola Agrícola a instalar no prédio referido na cláusula anterior. Em todos os casos, deverá a donatária-fiduciária assegurar os encargos constantes do presente fideicomisso. Parágrafo único: Fica perfeitamente entendido que no caso previsto no corpo da cláusula quinta não haverá, em quaisquer circunstâncias, reversão dos prédios objecto do presente fideicomisso para os herdeiros legítimos do doador”, conforme documento de fls. 184 a 186 dos autos. Rectificou-se e completou-se tendo em atenção o documento de fls. 185.
11. Na escritura pública intitulada de “renúncia de usufruto” outorgada no dia 19.4.1991, no primeiro cartório notarial de Viseu, exarada de fls. 92 a 92 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º …, interveio como outorgante A (…) o qual declarou que “(…) a título, puramente gratuito, renuncia ao usufruto que tem no citado prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo …”, conforme documento de fls. 191/192 dos autos. Idem (documento de fls. 192).
12. Na escritura pública intitulada de “revogação parcial e doação” outorgada no dia 03.9.1998, no 2º cartório notarial de Viseu, exarada de fls. 9 verso e seguintes do livro de notas para escrituras diversas n.º …, interveio como primeiro outorgante A (…) e como segundo outorgante (…) como gestor de negócios da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Rural, pelos quais foi dito que “revogam, por mútuo acordo e com efeitos imediatos, a disposição pela qual, na escritura de doação” aludida em 5) o primeiro outorgante doou à Associação, “´a totalidade das quantias em dinheiro, títulos, acções ou quaisquer outros valores, ao tempo da sua morte existentes em qualquer lugar, seja ou não instituição bancária ou similar`, disposição que, assim, fica sem efeito”; e, ainda, que “o primeiro outorgante faz doação aquela Associação, (…) do usufruto a que tem direito e incide sobre os prédios identificados sob o número dez no documento complementar anexo àquela escritura”, conforme documento de fls. 187 a 190 dos autos. Idem (documento de fls. 188).
13. Por testamento de 08.5.2003, A (…) instituiu I (…) como sua única e universal herdeira, conforme documento de fls. 12 verso e 13 dos autos.
14. A (…) faleceu no dia 09.5.2003, tendo a autora sido habilitada como sua única e universal herdeira, conforme documento de fls. 13 verso e 14 e 11/12 dos autos.
15. A autora intentou anterior acção declarativa que seguiu a forma de processo comum contra a ré, a qual correu termos sob o processo n.º 504/06.1TBTND, no âmbito da qual peticionou a declaração de que não tendo a ré cumprido as obrigações constantes da doação a que se obrigou perante o doador, seja considerada resolvida a doação e, assim não se entendendo, sejam consideradas incumpridas as obrigações decretando-se a resolução da doação e, em qualquer dos casos, que os bens doados pertencem à herança, tendo a mesma sido julgada improcedente por não provada e a ré absolvida dos pedidos, conforme documento de fls. 40 e seguintes dos autos.
16. No âmbito do processo aludido em 15) Rectificou-se. foi em 22.7.2011 proferida sentença, já transitada em julgado, no âmbito da qual foram considerados provados os seguintes factos: “1. Por testamento de 8 de Maio de 2003, A (…) Coimbra instituiu a autora como sua única e universal herdeira; 2. E como tal foi habilitada por óbito do testador; 3. Em vida e concretamente em 21 de Novembro de 1989 havia o mesmo feito uma doação a favor da ré, e por esta aceite, nos termos que constam do documento de fls. 19; 4. Tendo sido abrangida pela referida doação a raiz dos bens constantes do documento complementar daquela escritura, constituídos por quinze verbas descritas nos documentos de fls. 29 a 33 dos autos; 5. Esta doação abrangeu ainda a totalidade das quantias em dinheiro, títulos, acções ou quaisquer outros valores que ao tempo da sua morte existissem em qualquer lugar; 6. A doação foi feita com reserva de usufruto vitalícia a favor do doador e sobre todos os bens doados; 7. Por escritura de 3 de Setembro de 1998, junta a fls. 49 a 52, o doador e donatária revogaram a doação no que diz respeito aos valores em dinheiro, títulos, acções e quaisquer outros valores que existissem à data da morte do mesmo testador, tendo por outro lado o doador doado à ré o usufruto a que tinha direito no prédio identificado sob o n.º 10 do documento complementar que formalizou a doação mencionada; 8. Nos termos da escritura de justificação notarial e doação ficou consignado entre outras a seguinte obrigação para a donatária: alínea a) Para perpetuar a memória da mãe, dele doador, a donatária obriga-se a construir um edifício destinado a Escola Agrária; 9. Ficou ainda consignado sob a alínea b) A donatária obriga-se a sepultar o doador, após o seu falecimento, na campa número sessenta e cinco, do cemitério da freguesia de ..., a que se refere a verba n.º 14, daquele documento complementar; 10. A donatária dos rendimentos dos bens doados promoverá, perpetuamente, com celebração de uma missa anual, o sufrágio: das almas de seus avós e tios (…); da alma de sua mãe, (…); da alma de seu pai, (…); da alma do doador (…); 11. A ré efectuou a construção do prédio identificado no n.º 4 do documento complementar; 12. A (…) faleceu às 06:56 horas do dia X do mês de XXX de 2003, com oitenta e sete anos de idade; 13. O testamento foi outorgado no dia 8 de Maio de 2003, no Hospital de …; 14. O doador A (… e a ré outorgaram no dia 28 de Fevereiro de 1991 no Primeiro Cartório Notarial de Viseu uma escritura pública de aditamento àquele outro de 3 de Setembro de 1989 Existe lapso manifesto, estando em causa a escritura inicial de 21.11.1989.; (…); 17. Em 22 de Julho de 2003, a ré recebeu uma carta da autora, cuja cópia se encontra a fls. 95 e 96, na qual esta solicitava a alteração da titularidade dos contratos com a EDP, bem como ser avisada do dia, hora e local para entrega das chaves dos prédios que haviam sido residência de A (…); 18. A ré sabia que era intuito de A (…) o funcionamento no local de um estabelecimento de ensino agrícola; 19. O edifício construído pela ré ficou concluído em 1993; 20. A (…) tinha a convicção que era no desenvolvimento da agricultura que deveria assentar o progresso de ...; 21. Ao celebrar a escritura de doação mencionada em 3. estava convicto de que a ré criaria uma escola agrária para promover o desenvolvimento da terra através da instrução e educação da juventude; 22. A (…) apenas pretendia celebrar a doação, posto que a ré assumiu a obrigação de fazer funcionar, no local, um estabelecimento de ensino agrícola e aquela saber ser essa a vontade do doador; 23. A (…) deixou de residir em 2001 em ... para viver num lar em Viseu; (…); 27. A autora entregou as chaves da casa onde residiu A (…)à ré; 28. A ré suportou as despesas do funeral, encomendou e pagou as flores que se destinavam a homenagear A (…), mandou proceder à campa n.º … e mandou rezar as missas de sufrágio; 29. Em 1993, por iniciativa da ré foi iniciado no edifício que construiu um curso de formação profissional de Operador Agrícola Nível II, para 18 formandos; 30. Bem como foram sendo ministrados diversos outros cursos e acção de formação, designadamente de Gestão Florestal, Básico de protecção Integrada, Operador de Máquinas Agrícolas, Horticultura, Cunicultura, Apicultura, Contabilidade e gestão Agrícola, Ovinos com Aptidão Leiteira, Nutrição Animal, Biológica Geral, Produção de PAM, Sanidade Animal/Bovinos, Pastagens e Forragens, Plantas Aromáticas e medicinais; 31. O edifício tem ainda servido de apoio, pelo menos até 2008, a outras Casas Agrícolas da Ré e a entidades estranhas à mesma; 32. O edifício construído dispõe de logradouro e terrenos anexos, salas de aula, escritórios, áreas de práticas oficinais, cozinha, sala de refeições, sala de estar e zona residencial com quartos e capela à semelhança das “Maisons Familaires Rurales” francesas e das “Escuelas Familiares Agrárias” espanholas, bem como de todas as da Association Internationale des Mouvements Familieux de Formation Rurales (antiga Association Internationale des Maisons Familiares Rurales), já que este modelo se destina a proporcionar condições para que na CEA, o desenvolvimento das acções de formação profissional seja complementado com a formação humana e o internato dos participantes; 33. Com a anuência e o conhecimento prévio de A( ) que visitou, previamente à escritura de doação, a Casa Agrícola de Lourinhã; 34. A ré encontra-se acreditada como Entidade Formadora junto do Instituto para a Inovação da Formação Profissional (INOFOR) e do IQF; 35. A ré pretende continuar a promover na CEAASD mais cursos e acções de formação e tem encetado diligências junto de outras entidades – designadamente Ministério da Agricultura, Instituto do Emprego e Formação profissional, Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Rural, Governo Civil do Distrito de Viseu e Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral; 36. Alguns dos cursos e acções a que a ré se candidata não têm sido aprovadas pelo Centro de Formação Profissional invocando falta de empregabilidade dos formandos e por “não se enquadrar nas prioridades estabelecidas nas novas acções do IEFP”; 37. Há diversos tipos de acções de formação levadas a cabo na CEAASD, desde as que atribuem certificados de equivalência escolar (caso dos cursos no âmbito do Sistema de Aprendizagem que têm uma duração de cerca de 3 anos), às que atribuem certificação profissional sem equivalência, como às que são promovidas sem tais intuitos, sendo que, excepto o curso mencionado em 29., as acções de formação ministradas nas instalações da ré são ministradas por entidades externas sem qualquer ligação à ré; 38. A (…) antes de celebrar a doação já sabia da possibilidade de que os cursos e acções careciam de ser apoiados pelos programas lançados pelo Governo, através do respectivo Ministério, do IEFP e das Direcções Regionais; 39. A Direcção Regional do Centro do IEFP, desde há muito tempo - ainda antes de Setembro de 1998 - que passou a concentrar as acções de formação no âmbito do Sistema de Aprendizagem nos seus próprios Centros de Formação deixando de abrir concursos para que os mesmos fossem levados a cabo por entidades externas como a ré, no que não foi acompanhada por outras Direcções Regionais, designadamente a do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo, razão pela qual outras CEA da ré continuam a ministrar cursos e acções de formação, o que originou a que a ré, na expectativa que a Direcção Regional do Centro do IEFP alterasse esta política, mantivesse sempre a CEAASD aberta, suportando os custos inerentes, incluindo os correspondentes aos formadores internos que havia contratado; 40. O edifício construído pela ré distribui-se por três pisos com uma área total de 2 635 m2 e os arruamento e zonas ajardinadas adjacentes àquele edifício ocupam uma área de cerca de 2 775 m2”.
17. Face à factualidade aludida em 16) consta da fundamentação e direito da referida decisão que “não está em causa, como em primeiro lugar sustenta a autora, que as cláusulas da doação se tratem de simples condições, mas sim de cláusulas modais, a que é aplicável os artigos 963º e 966º e não o artigo 270º, todos do Código Civil. Por outro lado, não resulta do contrato de doação e aditamentos que tenha sido deferido aos herdeiros do doador o direito/faculdade de resolução da doação, devendo concluir-se até que foi afastado naquele contrato pela escritura pública de aditamento de 28.02.1991 e constante das alíneas 5. e 6. que precedem. Até se consignou que não haverá, em quaisquer circunstâncias, reversão dos prédios objecto do presente fideicomisso para os herdeiros legítimos do doador, não assistindo à autora o direito/faculdade de resolver a doação, face ao disposto no artigo 966º do Código Civil”. Cf. o documento de fls. 40 e seguintes (fls. 47 e 47 verso).
18. A decisão aludida em 15) a 17) foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão proferido em 11.9.2012, transitado em julgado em 17.10.2012, conforme documento de fls. 48 dos autos.
19. Pela ré foram solicitadas informações à Delegação Regional da Região Centro do IEFP, em 08.5.2017 e 18.5.2017, conforme docs. de fls. 157 a 159 dos autos.
20. Em resposta ao solicitado em 19) o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I. P., respondeu à ré por ofício de 24.5.2017, constante de fls. 155/156 dos autos, do qual consta além do mais que “1 - No ano de 2008 não foi desenvolvido qualquer concurso para selecção de Entidades Formadoras Externas (EFE), para o desenvolvimento de Cursos de Aprendizagem. 2 - No período referido no ponto anterior as EFE que desenvolveram acções e Aprendizagem ao nível da Delegação Regional do Centro (DC) fizeram-no com base em Protocolos celebrados com o Conselho Directivo do IEFP, IP, e da iniciativa deste, não incluindo estes Protocolos para a área de intervenção da DC, acções na área agrícola; 3 - Em 2009, 2012 e 2015, para além das acções desenvolvidas com base nos Protocolos referidos em 2., foram abertos concursos para constituição de Bolsas de EFE Regionais para o desenvolvimento de acções de formação profissional na modalidade de Aprendizagem; 4 - A realização de acções de Aprendizagem por parte das EFE integradas em Bolsa na sequência dos concursos referidos no ponto 3. depende de: 4.1. - da manifestação por parte dos Serviços de Emprego da necessidade de formação, na sua área de intervenção, em área de educação e formação para a qual a EFE foi seleccionada para a Bolsa; 4.2. - do cumprimento por parte da EFE dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 4º da Portaria 1497/2008 de 19 de Dezembro, e no caso de formação na área agrícola da Certificação/homologação de cursos por parte das Direcções Regionais de Agricultura e Pescas; 4.3. - da pontuação atribuída na análise, e consequente posicionamento relativo da EFE na Bolsa de EFE; 4.4. - da avaliação positiva das condições técnicas dos espaços e condições pedagógicas, efectuada em visita à entidade; 4.5 - na sequência das condições anteriores, pontos 4.1, 4.2, 4.3 e 4.4, do convite por parte da DC para apresentação de candidatura ao Programa. Mais se informe que nos anos de 2013, até ao presente apenas foram desenvolvidas acções na área agrícola nas áreas de abrangência dos Serviços Locais do IEFP, IP. de Leiria, Castelo Branco e Aveiro. Da conjugação dos pontos 2., 3 e 4 resulta a não realização de 2008 até ao presente de acções de Aprendizagem na área agrícola, na zona de intervenção do Serviço de Emprego de Tondela”. Rectificou-se tendo em atenção o “ofício” de fls. 155 e seguinte.
21. Pela aqui ré foi proposta contra a aqui autora e C (…) acção declarativa comum, nos termos constantes de fls. 59 a 104 dos autos.
22. Desde 2008 que conforme esclarecimentos aludidos em 20) a ré não tem qualquer curso a funcionar, nem alunos inscritos, em virtude da ausência de acções de Aprendizagem na área agrícola onde se insere a Escola Agrícola ….
23. Os terrenos anexos ao edifício estão por cultivar, atenta a ausência de financiamentos concedidos pelo IEFP, I. P..
24. Da acta n º 232 da reunião de 07.6.2016, da Santa Casa da Misericórdia de …, consta que “o Senhor Provedor abriu a sessão pelas 21 horas, passando a informar que já tinha tido uma reunião com o representante da Casa Agrícola e que depois de discutido o valor pedido de quatrocentos mil euros, que se tinha acordado o valor de trezentos e cinquenta mil euros, e caso nos conseguissem vender o terreno ao lado dar mais cinquenta mil euros. O valor dos trezentos e cinquenta mil euros será do edifício e terreno assim como todo o equipamento de interior. Aguarda-se que eles tratem da licença de habitabilidade para fazer a escritura. No acto de escritura ficou acordado dar duzentos mil euros e os restantes cento e cinquenta mil euros serão pagos em prestações mensais de quinze mil euros cada. Todos os presentes congratulam-se com este negócio, o qual já se tinha tentado algumas vezes”, conforme documento de fls. 149 dos autos. Rectificou-se (documento de fls. 149).
2. E deu como não provado:
a) Que o aludido em 22) ocorra devido à ausência de promoção da actividade por parte da ré.
b) Que o edifício se encontra encerrado.
c) Que o aludido em 22) e 23) seja criticado pela população local.
d) Que a autora esteja a usar uma parte dos prédios aludidos no documento complementar anexo à escritura aludida em 5).
3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária decisão.
(…)
4. Face, principalmente, à mencionada prova pessoal, conjugada com a materialidade já assente, importa introduzir a seguinte alteração à matéria de facto provada, com o aditamento de um novo facto (art.º 662º, n.º 1 do CPC):
- 23. Os terrenos anexos ao edifício estão por cultivar.
- 25. Desde data anterior a 07.6.2016 que a Ré vem mantendo conversações com a Santa Casa da Misericórdia de …, que lhe manifestou interesse em adquirir o imóvel referido como “verba quatro” nas escrituras de doação e o prédio urbano nele implantado.
Mantém-se o demais decidido em 1ª instância.
Procede, pois, parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
5. Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente (art.º 940º, n.º 1 do CC).
O doador pode estipular a reversão da coisa doada (art.º 960º, n.º 1 do CC). A reversão dá-se no caso de o doador sobreviver ao donatário, ou a este e a todos os seus descendentes; não havendo estipulação em contrário, entende-se que a reversão só se verifica neste último caso (n.º 2). A cláusula de reversão que respeite a coisas imóveis, ou a coisas móveis sujeitas a registo, carece de ser registada (n.º 3).
As doações podem ser oneradas com encargos (art.º 963º, n.º 1 do CC). O donatário não é obrigado a cumprir os encargos senão dentro dos limites do valor da coisa ou do direito doado (n.º 2).
Na doação modal, tanto o doador, ou os seus herdeiros, como quaisquer interessados têm legitimidade para exigir do donatário, ou dos seus herdeiros, o cumprimento dos encargos (art.º 965º do CC).
6. O “modo” é a cláusula acessória típica por virtude da qual nas doações e nas liberalidades testamentárias o autor da liberalidade impõe ao respectivo beneficiário a obrigação de adoptar um certo comportamento (dar ou não dar, fazer ou não fazer alguma coisa), no interesse do próprio disponente ou no interesse de terceiro ou do próprio beneficiário; o disponente impõe ao beneficiário da liberalidade um encargo.
Na hipótese do negócio “sub modo” os efeitos negociais produzem-se imediatamente, podendo, todavia, vir a ser destruídos, em certas circunstâncias, por força do incumprimento culposo do modo; o beneficiário, onerado com o encargo modal (que assumiu a obrigação de adoptar o comportamento a que se refere a cláusula modal, a obrigação de realizar certa prestação), pode ser obrigado ao seu cumprimento.
O “modo” é um verdadeiro dever jurídico; o que nele há de típico é o vínculo externo que o prende ao acto de liberalidade, é a função que ele exerce junto da doação; funciona como uma limitação ou restrição da liberalidade.
Pode ser judicialmente reclamado o cumprimento dos encargos pelo doador, pelos seus herdeiros ou por quaisquer interessados (na primeira linha dos quais estará, naturalmente, o terceiro beneficiário da cláusula) (cf. o art.º 965º do CC). Vide, nomeadamente, Manual de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II., Almedina, Coimbra, 1974, págs. 393 e seguintes; C. A. da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1980, págs. 454 e seguintes e Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II., 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, págs. 268 e seguintes.
Cf., ainda, de entre vários, os acórdãos do STJ de 02.3.1995 e 01.7.2010-processo 15/09.3T2AND.C1.S1, in BMJ 445º, 418 e “site” da dgsi, respectivamente.
7. Relativamente ao primeiro pedido deduzido na acção, concluiu a Mm.ª Juíza a quo, nomeadamente, e tendo por referência o objecto e o decidido na acção dita em II. 1. 15. a 18., supra, que “valendo aqui a autoridade do caso julgado material daquela decisão, diremos que, face à factualidade provada os negócios jurídicos celebrados entre A (…) e a ré subsumem-se ao regime jurídico das doações, com cláusulas modais, a que é aplicável os artigos 963º e 966º do CC” - e não a um qualquer fideicomisso ou substituição fideicomissária O que decorre da factualidade provada em confronto com o disposto nos art.ºs 962º e 2286º e seguintes do CC e o ensinamento da doutrina (vide, designadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. VI, 1998, págs. 451 e seguinte). -, e, consequentemente, “sendo esse o regime jurídico a aplicar, terá de ser julgado improcedente o pedido de reconhecimento e condenação da ré a reconhecer que em causa está um fideicomisso irregular”.
Esta perspectiva das coisas, não questionada na apelação, antolha-se correcta.
8. Na sentença de 22.7.2011, dita em II. 1. 16., supra, ante as “obrigações” e os “desejos” aludidos em II. 1. 6. e 7. e a demais factualidade mencionada em II. 1. 16., supra, veio a concluir-se que “não está em causa, como em primeiro lugar sustenta a autora, que as cláusulas da doação se tratem de simples condições, mas sim de cláusulas modais, a que é aplicável os artigos 963º e 966º e não o artigo 270º, todos do Código Civil.//Por outro lado, não resulta do contrato de doação e aditamentos que tenha sido deferido aos herdeiros do doador o direito/faculdade de resolução da doação, devendo concluir-se até que foi afastado naquele contrato pela escritura pública de aditamento de 28.02.1991 e constante das alíneas 5. e 6. que precedem.//Até se consignou que não haverá, em quaisquer circunstâncias, reversão dos prédios objecto do presente fideicomisso para os herdeiros legítimos do doador, não assistindo à autora o direito/faculdade de resolver a doação, face ao disposto no artigo 966º do Código Civil” (cf. II. 1. 17., supra), concluindo-se ainda, depois, “que qualquer um dos encargos constantes da doação foram cumpridos pela ré” (cf. documento de fls. 40 e seguintes/fls. 47 verso).
E no subsequente acórdão desta Relação Subscrito pelo aqui 2º adjunto., de 11.9.2012, confirmou-se aquele entendimento, afirmando-se, ainda, designadamente: “(…) patenteou-se que o elemento condicional [rectius, modal] foi concretizado e que o nível de sucesso do mesmo não dependeu da vontade da recorrida mas de vicissitudes externas que não lhe são assacáveis” (cf. II. 1. 18., supra, e documento de fls. 48 verso e seguintes/fls. 54 verso).
9. Perante similar enquadramento fáctico e importando responder a questões idênticas, não vemos como não acolher a resposta dada pelo tribunal recorrido ao pedido formulado sob a alínea “c)”.
Na verdade, estando em causa uma doação com cláusulas modais, nos termos do disposto no art.º 963º do CC e tendo em atenção, nomeadamente, a factualidade descrita em II. 1. 5. a 12., 16. e 19. a 24., supra, ficou demonstrado que a dita Escola Agrária deixou de ter alunos e cursos a funcionar em virtude da falta de acções de aprendizagem (e respectivos/correspondentes financiamentos) por parte do IEFP, I. P., para a área/região onde se insere a Escola Agrícola (cf., principalmente, II. 1. 20. e 22., supra).
E temos igualmente como correcta a asserção extraída na sentença no sentido de que “resultou provado que a ré cumpriu os encargos, sendo que, a impossibilidade de funcionamento da Escola não lhe é imputável, tendo a mesma desenvolvido todos os esforços necessários ao seu funcionamento, não lhe sendo exigível que a mesma reactive o funcionamento, quando não depende da ré a concessão de financiamentos e a homologação dos Cursos” (cf., principalmente, II. 1. 6., 16., 20. e 22., supra).
Subsiste, é certo, a questão de saber se, quando e como poderá/deverá ocorrer a reactivação da normal actividade da mencionada Escola ou se existem outras “respostas” que respeitem os direitos e interesses a considerar, questão e clarificação que não vemos suficientemente evidenciadas e que, na falta de uma “solução consensual”, importará confrontar, designadamente, com a cabal explicitação do verdadeiro propósito dos litigantes e sua razão de ser.
10. Relativamente à última questão colocada no recurso, necessariamente ligada à problemática do ponto anterior, e pese embora a factualidade aditada em II. 4., supra - Desde data anterior a 07.6.2016 que a Ré vem mantendo conversações com a Santa Casa da Misericórdia de ..., que lhe manifestou interesse em adquirir o imóvel referido como “verba quatro” nas escrituras de doação e o prédio urbano nele implantado -, afigura-se, por um lado, que os “desejos” manifestados pelo doador na escritura de 21.11.1989, modificados, é certo, pelo aditamento de 28.02.1991 (cf. II. 1. 10., supra), não traduziam propriamente “obrigações”/”encargos” ou “deveres jurídicos” a cumprir pela beneficiária; visava-se, sobretudo, que a venda dos bens em causa não se realizasse sem a (prévia) audição do doador (cf. II. 1. 7., supra) - o que, naturalmente, não se estende a quaisquer herdeiros - e, em princípio, excluir a entidade aí mencionada do universo dos potenciais adquirentes dos bens.
Mas, por outro lado, relevando sobremaneira o aditamento de 28.02.1991 (cf. II. 1. 10., supra), considera-se, ainda, que os elementos disponíveis (trazidos aos autos E a própria A./recorrente, sobretudo, na parte final da fundamentação da alegação de recurso, não deixa de aludir à (pretensa) insuficiente alegação da parte contrária atentas as soluções plausíveis da questão de direito… - cf., ainda, v. g., as “conclusões 26ª a 28ª” da alegação de recurso/ponto I, supra. e/ou decorrentes da instrução da causa) são insuficientes para decidir se a alienação/venda de imóveis que se perspectiva e a sua eventual concretização, respeita, ou não, as cláusulas modais, inclusive, as então estabelecidas ou melhor concretizadas - além do mais, ignora-se o destino que se pretenderá dar à mencionada Escola Agrária, bem como as demais vicissitudes verificadas desde 2008/2009 até ao presente e que permitam uma melhor configuração da realidade No tocante à actual “realidade registal” das verbas discriminadas no documento complementar aludido em II. 1. 5., supra, sabemos, no entanto, que os bens das “verbas n.ºs 3 e 4” (artigos rústicos 2632 e 2636, este, “acrescentado” do artigo urbano n.º 996, a que correspondem, actualmente, um prédio rústico e um prédio misto) encontram-se agora descritos na CRP em nome da Ré (cf. os documentos de fls. 21 verso e 104 verso), enquanto os bens das “verbas n.ºs 8 e 10” (artigos matriciais urbanos 265 e 621) estão descritos em nome da A. (cf. os documentos de fls. 102 e 102 verso).
A respeito das ditas “verbas n.ºs 4 e 8”, veja-se, no entanto, a factualidade provada aludida em II. 1. 2. e 4., supra., inclusive, quanto à situação da entidade Ré e razão de ser da sua actuação.
11. Em derradeira análise, a realidade trazida à consideração do Tribunal (no presente processo, bem como no indicado em II. 1. 15., supra) não permitiu concluir pelo incumprimento dos encargos fixados na doação (texto inicial e alterações); o que se logrou demonstrar nos presentes autos antolha-se insuficiente para se concluir pelo efectivo ou potencial desrespeito de tais cláusulas modais.
Assim e tendo em atenção o entendimento de que a repartição do ónus da prova deve fazer-se consoante a posição em que cada um dos sujeitos da relação material se encontre no processo (i. é, consoante a pretensão que nele deduzir), não havendo, por conseguinte, temas probatórios fixos (factos cuja prova tenha de caber sempre a certos desses sujeitos) Vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 202 e Vaz Serra, Provas – Direito Probatório Material, BMJ 110º, 132. , perante a pretensão deduzida em juízo e a realidade comprovada a final, apenas se poderá concluir pela improcedência da acção (art.º 342º do CC).
12. Soçobram, desta forma, ou mostram-se deslocadas as demais “conclusões” da alegação de recurso.
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III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, decide-se alterar a decisão de facto conforme se indica em II. 4., supra, mantendo-se o demais decidido, com fundamentos não inteiramente coincidentes.
Custas pela A./apelante.
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12.4.2018


Fonte Ramos ( Relator)
Maria João Areias
Alberto Ruço