Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
578/16.7T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ALIMENTOS
MENOR
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES (FGADM)
MAIORIDADE
ALIMENTOS EDUCACIONAIS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 06/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 121, 1880, 1905 Nº2 CC, LEI Nº 75/98 DE 19/11, DL Nº 164/99 DE 13/5, LEI Nº 24/2017 DE 24/5
Sumário:
I - O nº2 do artº 1º da Lei 75/98, de 19.11, na redacção dada pela Lei 24/2017 de 24.05 é aplicável às situações em que o então menor atingiu a maioridade antes da sua entrada em vigor, desde que a necessidade alimentícia pretérita trespasse para o período da sua vigência – artº 12º nº2, 2ª parte do CC.
II - A intervenção do FGADM para auxílio, em substituição dos pais, na formação profissional do jovem já de maioridade – artº 1º nº2 da cit. lei 75/98 – não depende de ele já ter sido chamado a intervir para auxílio na fase da menoridade.
Decisão Texto Integral:
17

Processo nº 578/16.7T8PBL.C1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.
No processo atinente a incidente de incumprimento de alimentos devidos aos menores J (…), T (…) e F(…) todos, L (…) em que foi requerente R (…) e requerido J (…), foi proferida decisão com o seguinte teor:

«Dispõe o artº 1º da lei 75/98 de 19.11 (na actual redacção, conferida pelo artº 183º da lei 66-B/2012 de 31.12) que “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artº 189º do Decreto-Lei nº 314/78 de 27 de Outubro e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.
A garantia de alimentos devidos a menores, consagrada no normativo acabado de citar foi, posteriormente, regulamentada pelo DL 164/99 de 13.5, em cujo preâmbulo de escreveu “A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças á protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artº 69º)…requerer á sociedade e, em última ins próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna”.
Nos termos do normativo supra citado, mas também dos artºs 2º, nº2 e 3º do DL 164/99 de 13.5 (na redacção que lhe foi conferida pelo artº 17º da L 64/2012 de 20.12), os pressupostos de atribuição da garantia de alimentos devidos a menores são os seguintes:
a) Que o menor resida em território nacional;
b) Que a pessoa judicialmente obrigada a alimentos não satisfaça as quantias em dívida pelas formas previstas no artº 189º do DL 314/78 de 27.10, actualmente no artº 48º do RGPTC;
c) Que o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
Sendo a falta de cumprimento da obrigação do devedor referenciada às formas previstas no artº 189º da OTM, actualmente no artº 48º do RGPTC, importa atentar que tal normativo prevê meios de tornar efectiva a prestação de alimentos judicialmente fixada e não cumprida voluntariamente pelo obrigado à mesma, meios esses que, conforme o previsto na citada disposição legal se limitam aos descontos directos em vencimento, rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes que lhe sejam processados, com carácter regular ou esporádico.
E, conjugando os citados preceitos legais, conclui-se que o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores assegurará o pagamento das prestações alimentares judicialmente fixadas em benefício de menores sempre que não seja possível lançar mão dos descontos referidos, independentemente de o devedor dos mesmos ser, ou não, proprietário de bens susceptíveis de responder pela dívida em acção executiva...
A não ser assim …dificilmente se conceberia a possibilidade legalmente estipulada pelo artº 5º, nº3 do DL 164/99, pois se se exige que o obrigado a alimentos não tenham quaisquer bens para fazer funcionar a garantia de alimentos, então, como poderia o Fundo sub-rogado nos direitos do menor, executar o obrigado à prestação e menos se compreenderia que legalmente fosse excluída a possibilidade de recurso a execução em caso de manifesta e objectiva impossibilidade de pagamento, consagrada no citado nº 4 do artº 5º, in fine.
Por outro lado, entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS quando a capitação de rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor (vd. Nº2 do artº 3º do DL 164/99 de 13.5).
No caso dos autos, como se retira da análise da respectiva tramitação e documentos juntos e mandados juntar e ainda do relatório mandado efectuar por decisão de 20.04.2016, foi declarado verificado o incumprimento por parte do requerido, J (…), no que respeita à prestação de alimentos devida aos seus filhos J (…), T (…) e F (…).
Foi determinado o cumprimento coercivo do pagamento das prestações de alimentos vincendas, nos termos do disposto no art.º 48.º n.º 1 al. c) do RGPTC, tendo em conta o limite da impenhorabilidade correspondente ao valor das pensões sociais do regime não contributivo, no montante global de €217,85, sendo o valor da prestação de cada criança/jovem de €108,53 (€108,53x3=325,59).
Toda a frataria reside em Portugal e face à exiguidade de rendimentos do progenitor, obrigado a alimentos, nada mais logrou provar-se para além do mencionado anteriormente.
Os rendimentos do agregado familiar estão quantificados mensalmente em €445,60, sendo que a capitação relevante para os efeitos em análise no montante de €201,75, inferior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS).
Tendo em conta que o requerido se encontra obrigado ao pagamento de uma pensão de alimento no montante mensal de €108,53 para cada criança/jovem, …seguindo de perto o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19.03.2015, no termos do qual “a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário”, não pode o Tribunal fixar valor da pensão a suportar pelo FGADM superior à da requerida, isto é €108,53 para cada uma das criança/jovens.
Todavia importa reter, que o progenitor se encontra a contribuir com o valor mensal de €72,61 para cada criança/jovem e que o jovem J (…), já maior de idade, fez prova de que continua a fazer a sua formação profissional (certificado de matrícula, frequência, assiduidade, pontualidade e aproveitamento escolar) importando a intervenção do FGADM no remanescente isto é no valor de €35,92, para cada criança/jovem.
Nestes termos, fixa-se o montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, no valor de €35,92, para cada uma das criança/jovem, no montante global de €107,76 (citado valor unitário x 3)...

2.
Inconformado recorreu o FGADM.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. A Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, criou o FGADM, e o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, veio regular a garantia dos alimentos devidos a menores previstos naquela Lei, com o objetivo de o Estado colmatar a falta de alimentos do progenitor judicialmente condenado a prestá-los, funcionando como uma via subsidiária para os alimentos serem garantidos ao menor.
II. O n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, com entrada em vigor a 23 de junho de 2017, veio permitir que o FGADM, em substituição do progenitor obrigado a alimentos, continue a assegurar o pagamento das prestações que hajam sido fixadas durante a menoridade, até que o jovem complete 25 anos de idade se e enquanto durar processo de educação ou de formação profissional (desde que, cumulativamente, se encontrem preenchidos os restantes requisitos legalmente exigidos – n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, artigo 48.º do RGPTC, DL n.º 164/99, de 13 de maio, e DL n.º 70/2010, de 16 de junho).
III. Todavia, a obrigação de continuidade do pagamento em causa a assegurar pelo Fundo, cessa se: - O respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes de atingida a maioridade; - O processo de educação ou formação profissional tiver sido livremente interrompido; - Se o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
IV. O progenitor encontra-se obrigado ao pagamento do montante total de €325,59 (trezentos e vinte e cinco euros e cinquenta e nove cêntimos) na proporção de € 108,53 (cento e oito euros e cinquenta e três cêntimos) para cada criança/jovem, e vem contribuindo mensalmente com € 72,61, para cada criança/jovem.
V. No caso em apreço, fixada uma prestação de alimentos a cargo do FGADM no montante de €35,92 (trinta e cinco euros e noventa e dois cêntimos) para cada um dos dois menores dos autos e ainda para o jovem, ora maior, J (…), num total de €107,76 (cento e sete euros e setenta e seis cêntimos), portanto o Fundo foi condenado a pagar o remanescente até ao valor total a que o progenitor se encontra judicialmente obrigado.
VI. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que não se encontram preenchidos os pressupostos legais subjacentes à intervenção do FGADM.
VII. O progenitor encontra-se a receber subsídio de desemprego, e a esse montante podem ser cobrados os valores mensais correspondentes à prestação de alimentos, sem prejuízo do limite de impenhorabilidade correspondente ao valor das pensões sociais do regime não contributivo (€ 217,85), que fica salvaguardado.
VIII. Ainda que assim não fosse, parece-nos que seria sempre de rever o acordo celebrado sobre as responsabilidades parentais, em concreto no que respeita ao valor, porque não esqueçamos que depois de pagar, o FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor credor dos alimentos, sendo-lhe, pois, lícito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do menor (credor), incluindo o direito de requerer execução judicial para reembolso das importâncias pagas. Por outro lado, e sem prescindir,
IX. No que se refere ao jovem maior em causa nos autos, recorde-se que a Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, que alterou o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, apenas entrou em vigor a 23 de junho de 2017, ou seja, em data posterior à data em que o jovem atingiu a maioridade (03.01.2016).
X. Refira-se que não existiu qualquer obrigação do FGADM, durante a menoridade do jovem João Lopes, e, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do Código Civil, a Lei só dispõe para o futuro.
XI. A nova redação legal pressupõe que o Fundo se encontra a pagar a prestação de alimentos no momento em que é atingida a maioridade, entendimento que resulta da letra da própria lei quando refere que “2- O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil.” (itálico, negrito e sublinhado acrescentados).
XII. Nestes termos, e tendo presente o pressuposto de continuidade que a lei confere à garantia daquele pagamento, não pode o ora recorrente, salvo o devido respeito, concordar com o entendimento explanado na douta decisão, na medida em que o FGADM não se encontrava obrigado ao pagamento da prestação de alimentos ao jovem maior em causa nos autos, no momento em que a lei se torna aplicável no ordenamento jurídico.
XIII. A circunstância de o processo educativo ou de formação não se encontrar completo, no momento em que é atingida a maioridade, exceciona a cessação automática das prestações a que o FGADM se encontra a pagar, mas no caso em apreço o Fundo, não se encontrava a efetuar qualquer pagamento ao jovem.
XIV. Por conseguinte, e embora a 2ª parte do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, remeta para o regime previsto no n.º 2 do artigo 1905.º do CC, não podemos esquecer o âmbito em que o mesmo é aplicado, ou seja, ao “pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado” – cfr. Artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro.
XV. Não obstante o artigo 1905.º CC consagrar a obrigação de alimentos para além da maioridade, não esqueçamos que a redação do n.º 2 desse preceito legal, introduzido pela Lei n.º 122/2015, de 01 de setembro, se refere ao progenitor/obrigado e não ao FGADM.
XVI. O Fundo sempre se regeu por legislação própria (Lei n.º 75/98, de 19 de novembro) e ao aplicar o n.º 2 do artigo 1905.º do CC, por força da alteração legislativa operada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, a mesma refere-se a situações de continuidade, ou seja, devem manter-se as prestações de alimentos que se encontram a ser pagas (na menoridade) para depois da maioridade, desde que verificados os pressupostos do n.º 2 do artigo 1905.º do CC.
XVII. Não pode assim, o recorrente concordar com a decisão recorrida, na medida em que o FGADM foi condenado a assegurar uma prestação de alimentos à jovem dos autos, mas da letra da lei resulta que o pagamento cessa com a maioridade, salvo nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, ou seja, o Estado tem de estar obrigado ao pagamento, no momento em que é atingida a maioridade, o que não se verificou in casu.
XVIII. Pelo que, no presente caso tratar-se-ia não de uma continuidade mas de pela primeira vez o FGADM ser chamado a intervir.
XIX. É de referir que a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
XX. Todo o regime de garantia dos alimentos devidos a menores, estabelecido na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, e regulamentado no DL n.º 164/99, de 13 de maio, é construído com um objetivo e um sentido: o Estado assegurar um valor de alimentos ao menor, na sequência da verificação ou preenchimento dos requisitos legalmente previstos, entre eles o incumprimento por parte do progenitor que estava obrigado a prestar alimentos, por não se conseguir tornar efetiva essa obrigação pelos meios previstos no artigo 48.° do RGPTC, bem como pela reunião de todos os requisitos previstos na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro [com a redação dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio]. Por outro lado,
XXI. Para efeitos do n.º 2 do artigo 1905.º do CC, aplicável por força do disposto no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, é condição que o jovem se mantenha em processo de educação ou de formação profissional no ano letivo em curso, e que tal processo não se encontrava completo ou livremente interrompido aquando da maioridade, desconhecendo o FGADM esta última situação. Pelo que,
XXII. Se entende, salvo o devido respeito, que a douta decisão judicial em apreço, enferma de falta de fundamentação legal para justificar a intervenção do FGADM nos presentes autos.

Contra alegou o Digno Magistrado do MºPº pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:
1. Vem o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, recorrer da decisão que determinou a manutenção da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a jovem maior de idade;
2. Por entender que não foi demonstrada a verificação prévia da existência dos pressupostos legalmente previstos para a atribuição da prestação de alimentos;
3. O que determinava o prévio recurso ao disposto no art.° 48.0 n." 1 al. c) do RGPTC, por o progenitor se encontrar a receber subsídio de desemprego;
4. Todavia, por despacho judicial datado de 13.11.2017, referência 86695979, foi determinado, nos termos do art.° 48.0 n." 1 aI. c) do RGPTC, o desconto mensal da quantia de €217,OO, no valor da prestação de desemprego auferido pelo progenitor, quantificado no valor diário em €14,94.
5. Sendo legalmente inadmissível cobrar montante superior atento o disposto no art.° 738.0 n. 4 do CPC.
6. Por outro lado, entendendo o ISS, IP, que a circunstância do processo educativo ou de formação do jovem, não se encontrar completo no momento em que é atingida a maioridade, excecionando a cessação automática das prestações a que o FGADM se encontra a pagar, apenas tem lugar a intervenção caso a mesma ocorresse em momento anterior à maioridade, o que não se verificou in casu, não havia lugar à intervenção do FGADM.
7. Porém, a Lei 24/2017 de 24.05 é aplicável a quem atingiu a maioridade antes da sua entrada em vigor;
8. Já que o que se pretende salvaguardar é que, nas situações dos jovens até aos 25 anos o FGADM assegure uma prestação, no lugar do progenitor, impossibilitado de pagar, desde que o jovem ainda não tenha autonomia económica e esteja em formação, independentemente do momento em que atinge a maioridade, sendo importante que o jovem beneficie dos pressupostos de aplicação.
9. Não havendo fundamento para revogar a decisão recorrida, a qual não violou qualquer norma legal.

3.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:
Inexistência dos pressupostos legais de intervenção do FGADM por:
I –Haver de ser descontado no subsídio de desemprego do pai obrigado montante até ao limite do valor das pensões sociais do regime não contributivo (€ 217,85).
II –Dever rever-se o acordo de alimentos.
III –Inadmissibilidade de intervenção do Fundo relativamente ao jovem que atingiu a maioridade.

4.
Apreciando.
4.1.
Os dois primeiros argumentos, meridianamente, improcedem.
Quanto ao primeiro é de notar que na decisão se referencia, precisamente, que o limite de impenhorabilidade, qual seja, o valor correspondente ao das pensões sociais do regime não contributivo, no montante de €217,85 foi, in casu, atingido.
Naturalmente que foi exactamente no pressuposto de que ao requerido não podia ser penhorado valor adicional para além daquele limite, que foram feitas contas e, em função delas, concluída pela necessidade de intervenção, nos termos legais, do Fundo e, ademais, apurada a sua exata responsabilidade quantitativa.
Ora o recorrente não coloca em crise, adrede e especificadamente, que aquele limite tenha não sido atingido e que as contas estejam erradas.
Limitando-se a afirmar que enquanto aquele limite não for atingido a sua intervenção não pode ser despoletada.
E assim sendo em tese, também no caso vertente o é.
Pois que são de aceitar como bons os pressupostos de facto, até porque o recorrente os não coloca em crise, alicerçantes da decisão.
Pelo que, esta, neste concreto conspeto, não pode ser censurada.
No atinente ao segundo, vertido na conclusão VIII, e ssdr, ele não tem qualquer cabimento.
Certo é que a intervenção do Fundo verifica-se reunidos que sejam certos requisitos, os quais são conditio sine qua non da emergência daquela.
Um deles é precisamente a definição prévia do quantum da responsabilidade alimentícia do progenitor incumpridor, em função da qual a responsabilidade do Fundo é definida, e não podendo esta ultrapassar aquele valor.
Mas, após verificada e ordenada a intervenção do Fundo, não podem, depois, obviamente, colocar-se novamente em crise aqueles pressupostos, vg. o montante alimentício, quer sejam decorrentes de acordo quer de sentença.
Natural e intuitivamente, os direitos do Fundo relativamente ao incumpridor - vg. o de sub-rogação -, têm de ater-se, qualitativa e quantitativamente, ao teor e jaez dos pressupostos existentes no momento em que a sua intervenção foi determinada.
E não podendo tais pressupostos, pelo menos por via de regra e salvo circunstancias excecionais – que in casu não são invocadas - e apenas em função de tal intervenção, serem, nova e posteriormente, reequacionados.
O que, intoleravelmente, buliria com princípios de estabilidade e previsibilidade, os quais, no presente campo, e considerando os magnos direitos e interesses a defender, urge, acrescidamente, preservar e sedimentar.
4.2.
No que tange à responsabilidade alimentícia para com o então menor J…, que presentemente já atingiu a maioridade.
Estatui o artigo 1880.º do CC.
«Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.»
Dispõe o artigo 1.º nº2 da Lei n.º 75/98, de 19.11, na redacção dada pela Lei 24/2017 de 24.05:
«O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil.»
Prescreve o artigo 1905.º nº2 do CC redacção dada pela Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro:
«Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.»
O recorrente entende que não pode ser-lhe imposto o pagamento da pensão ao jovem já de maioridade.
Por duas razões.
Porque o disposto no nº 2 do artº 1º da Lei 75/98 é posterior à data da maioridade e a lei só dispõe para o futuro.
Porque, no momento em que ele atingiu a maioridade, não estava ainda a pagar a pensão ao então menor, não podendo ser-lhe exigido o pagamento para a sua formação, porque este pagamento pressupunha aquele, numa situação de continuidade.
Perscrutemos.
No atinente ao primeiro argumento.
Até à entrada em vigor do aludido segmento normativo a intervenção do Fundo cessava definitivamente com a maioridade.
A partir da sua vigência a intervenção pode continuar após a maioridade ser atingida, exactamente tal como acontecia e acontece relativamente aos progenitores.
Tendo o então menor J… atingido a maioridade em 03.01.2016, urge apreciar se tal segmento é no nosso caso aplicável.
E a resposta é positiva.
Por aplicação do nº2, 2ª parte, do artº 12º do CC.
Rege este preceito:
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
A ratio legis que preside à aplicação da lei nova às relações jurídicas de caráter duradouro que persistam à data da sua entrada em vigor assenta:
«… no interesse na adaptação à alteração das condições sociais…o interesse no ajustamento às novas conceções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a existência de unidade no ordenamento jurídico, a qual seria posta em causa…pela subsistência de um grande número de situações jurídicas duradouras, ou até de carácter perpétuo, regidas por uma lei abrogada…
E sem que este efeito imediato da lei nova …represente um efeito retroactivo (Savigny fala de retroactividade inata) …» - Parecer da PGR de 21.12.1977, DR, II, de 30.03.1978, p. 1804.
No caso vertente assim é.
A presente situação de necessidade alimentícia dos menores (e do já maior) existia antes da nova lei e continua a existir – posto que, relativamente a este, ex vi de uma nova causa: formação profissional - depois dela.
A razão de ser da lei tanto vale para as situações que surjam ex novo, como para as que já se arrastam de pretérito.
Todas, pois, clamam igual tratamento legal.
Sob pena de criação de desigualdades, injustiças relativas e disfuncionalidade social, a nível não apenas económico material, como, inclusive, no patamar ético valorativo.
O que, acutilantemente, urge evitar, máxime num campo – o da protecção de crianças e jovens -, que merece uma abrangente e generosa perspectivação e tutela.
Quanto ao segundo argumento.
Verifica-se, perante o teor dos preceitos citados, que, atingida a maioridade do filho, esta nova fase legal da sua vida, e desde ele queira prosseguir a sua formação profissional, não faz cessar a obrigação alimentícia parental.
Atingida a maioridade deve o filho fazer prova de tal formação e, feita, os pais continuam vinculados alimentíciamente nos termos dos artºs 1880º e 1905º nº2 citados.
No atinente ao Fundo há que ter presente que não obstante a sua obrigação, por reporte à dos pais, se assumir como autónoma - pois que não radica na obrigação natural, legalmente acolhida, derivada dos laços familiares, mas antes dimana da função social do Estado que lhe impõe prover aos seus cidadãos, máxime os de tenra idade, o mínimo de subsistência material necessário à salvaguarda dos seus direitos e interesses basilares e da sua própria dignidade humana –, ela outrossim se assume subsidiária e substitutiva relativamente à obrigação do progenitor incumpridor.
Deste cariz subsidiário e substitutivo dimana que os prévios – à intervenção do Fundo – procedimentos que, legal e regularmente, terminem pela vinculação dos pais ao pagamento de uma prestação alimentícia, implicam a adstrição do Fundo, satisfeitos os demais legais requisitos, ao cumprimento daquela vinculação/obrigação, se no património dos pais não for possível executá-la.
No caso vertente concluiu-se na decisão que: «o jovem J (…), já maior de idade, fez prova de que continua a fazer a sua formação profissional (certificado de matrícula, frequência, assiduidade, pontualidade e aproveitamento escolar)…».
Esta factualidade, na economia do decidido, deve ter-se, numa postura exegética teleologicamente adequada, como actual e já vinda do passado, em continuidade, desde a data da maioridade.
O recorrente parece querer pô-la em crise referindo, simples e singelamente, que a desconhece – conclusão XXI.
Mas tal não basta, formal e substancialmente, para a contrariar/infirmar – cfr. artº 640º do CPC.
Ela deve, pois, ser dada como assente e relevar.
Ora perante a mesma, devidamente interpretada, tem de concluir-se que a obrigação alimentícia dos progenitores para com o filho já maior, agora ao abrigo dos artºs 1880º e 1905º nº2 do CC é de fixar, como o foi.
E, mediante tal fixação, e vista a impossibilidade da sua execução perante o pai, a obrigação do Fundo emerge, nos termos do nº2 do artº 1º da Lei 75/98.
Exata e precisamente em função da sua natureza subsidiária e substitutiva.
Destarte, é inexigível que, para o Fundo ser obrigado a intervir no auxílio alimentício para a formação profissional do jovem já de maioridade, ele já estivesse a satisfazer uma pensão ao mesmo enquanto ainda na fase da menoridade.
Até porque a necessidade da sua intervenção poderá apenas surgir nesta fase posterior da vida do jovem: os pais poderão ter contribuído na menoridade, mas poderão já não o fazer na maioridade.
Assim, basta que a obrigação para a formação seja imposta aos progenitores e que a estes não possa ser executada.
Tal, como, aliás, se verifica relativamente à pensão durante a menoridade, a qual, fixada, e não satisfeita, pode clamar decisão que imponha o chamamento do Fundo.
E a tal não obstando o facto de, preteritamente, outrossim ainda não ter intervindo e satisfeito qualquer quantum alimentício ao menor necessitado.

Improcede o recurso.

5.
Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.
I - O nº2 do artº 1º da Lei 75/98, de 19.11, na redacção dada pela Lei 24/2017 de 24.05 é aplicável às situações em que o então menor atingiu a maioridade antes da sua entrada em vigor, desde que a necessidade alimentícia pretérita trespasse para o período da sua vigência – artº 12º nº2, 2ª parte do CC.
II - A intervenção do FGADM para auxílio, em substituição dos pais, na formação profissional do jovem já de maioridade – artº 1º nº2 da cit. lei 75/98 – não depende de ele já ter sido chamado a intervir para auxílio na fase da menoridade.

6.
Deliberação.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2016.06.26.

Carlos Moreira ( Relator)
Moreira do Carmo
Maria João Areias