Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1782/07.4TAAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: NOTIFICAÇÃO
ACUSAÇÃO
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Data do Acordão: 02/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA- AVEIRO- JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 113º, NºS 1 C) E 9,196º, NºS 2 E 3, C) , 283º, NºS 5 E 6, 358º E 379º, Nº 1, B), CPP
Sumário: 1.- Não padece de irregularidade a notificação da acusação ao arguido, feita para a residência que consta do TIR por este prestado.

2 - A mera concretização, na sentença, de factos mais amplos constantes da acusação, sendo insuscetível de afetar o direito de defesa do arguido, não constitui alteração não substancial dos factos descritos na acusação, sujeita ao regime do art. 358º do C. Processo Penal;

3 - A condenação do arguido por um crime de abuso de confiança contra a segurança social quando vinha acusado da prática de tal crime mas na forma continuada, não constitui alteração da qualificação jurídica para os efeitos previstos no art. 358º, nº 3, do C. Processo Penal;

4 - Assim, não tendo ocorrido qualquer alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nem tendo ocorrido qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos, não havia lugar à comunicação prevista no art. 358º, nºs 1 e 3, do C. Processo Penal pelo que, não enferma a sentença recorrida da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, b), do mesmo código.

Decisão Texto Integral:

43

O Digno Magistrado do Ministério Público junto da Comarca do Baixo Vouga requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, dos arguidos, W... ., Lda., A... e B..., todos com os demais sinais nos autos, a quem imputava a prática de um crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 6º, nº s, 24º nºs 1 e 2 e 27º-B do RJIFNA e 30º e 72º, do C. Penal, e actualmente, pelos arts. 7º, nº 1 e 107º, nºs 1 e 2, do RGIT.
O assistente Instituto da Segurança Social, IP, deduziu pedido de indemnização civil contra os dois primeiros arguidos com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 10.155,90, e juros de mora vencidos e vincendos.

Na sequência de requerimento apresentado pelo arguido B..., foi aberta a instrução e, realizadas as diligências admitidas, proferida decisão instrutória que julgou nulo o despacho de acusação e ordenou a remessa dos autos para inquérito, a fim de prosseguirem os seus termos.
Foi então proferida nova acusação contra os mesmos arguidos que, suprindo a nulidade apontada, lhes imputou a prática do mesmo crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada.
E o assistente deduziu novo pedido, agora contra os três arguidos, peticionando a quantia de € 12.215,98 e juros de mora vencidos e vincendos.

Remetidos os autos a juízo, foi proferido despacho que saneou o processo e designou dia para a audiência.
O arguido B... veio então arguir a irregularidade da notificação da acusação e a consequente invalidade do processado subsequente.
Assegurado o contraditório, foi em 2 de Dezembro de 2010 proferido despacho que julgou improcedente a invocada invalidade da notificação da acusação ao arguido requerente.
No dia 7 de Janeiro de 2011 o arguido B..., alegando que a arguida sociedade, sua representada, só tinha sido notificada da acusação, do despacho que havia designado dia para a audiência e do pedido de indemnização no dia 5 do mesmo mês, porque corria o prazo para a mesma arguida requerer a abertura da instrução, que aproveitava ao requerente, requereu que fossem dadas sem efeito as datas designadas para julgamento.
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Ainda a 7 de Janeiro de 2011 o arguido B... interpôs recurso do despacho de 2 de Dezembro de 2010, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
1º. O Arguido não se conforma com o douto despacho recorrido, na medida em que:
a) se é certo que de fls. 540 a morada que consta do Arguido é "R. …", (devido, naturalmente, a mero lapso, pois o Arguido já nessa altura residia no "R/C – Esqº."), já não corresponde à verdade que "o Arguido não comunicou, desde então, qualquer alteração de residência ou invocou qualquer imprecisão de morada": a fls. 619 dos autos, ao ser inquirido como Arguido, em 22.07.2009, o Arguido informa que reside no "R/C – Esqº." do n°. … , (e não só no "R/C"); e indica o código postal correcto, a saber, "1250-189 Lisboa";
b) se é certo que fls. 738 terá sido endereçado ao "R/C", a verdade é que o Arguido recebeu fls. 737, de igual teor, no "R/C – Esqº.";
c) quanto a fls. 750, não se trata de qualquer notificação;
d) se é certo que fls. 751 terá sido endereçado ao "R/C", a verdade é que o Arguido recebeu fls. 752, de igual teor, no "R/C – Esqº.";
e) em relação a fls. 779, ao contrário do que consta de fls. 920 a 922, trata-se de notificação endereçada ao "R/C – Esqº." e não ao "R/C", pelo que o derradeiro argumento do douto despacho recorrido – o de que o Arguido teria sido notificado no "R/C" para comparecer em tribunal, tendo comparecido, cai por terra: o Arguido foi notificado no "R/C – Esqº.", além de que o seu Mandatário também foi notificado do mesmo despacho, pelo que seria sempre irrelevante o argumento de que se o Arguido compareceu em tribunal será porque recebeu a notificação para o efeito no "R/C".
2º. Acresce que:
a) A primeira acusação, a fls. 651, indica a residência do Arguido no R/C – Esqº., e as respectivas notificações, a fls. 660 e 675, são feitas no R/C – Esqº.;
b) A procuração de fls. 710 indica a residência do Arguido no R/C – Esqº.;
c) O requerimento do Arguido de fls. 712 indica a sua residência no R/C – Esqº.
d) A segunda acusação, a fls. 807 – exactamente a que está em causa não ter sido notificada ao Arguido, porque não foi remetida para o R/C – Esqº., – indica a residência do Arguido no R/C – Esqº.
e) O pedido de indemnização civil formulado pela Segurança Social, a fls. 841, indica a residência do Arguido no R/C – Esqº.
3º. Tem que se concluir, consequentemente, que o Arguido devia ter sido notificado do segundo despacho de acusação, de fls. 807 e seguintes, na sua morada já indicada nos autos a fls. 619 e constante do próprio despacho de acusação, a saber, "R. … ".
4º. Se dúvidas subsistirem a este respeito, devem manifestamente ser resolvidas em favor do Arguido, de acordo com o princípio in dubio pro reo.
5º. O douto despacho recorrido viola, portanto, o disposto nos artº. 113º., nº. 9, e 123°, do C.P.P., ao considerar o Arguido correctamente notificado do despacho de acusação de fls. 807 e seguintes na morada "R. ..., 17 – R/C, 1000-000 Lisboa", quando a morada correcta do Arguido, constante sobejamente dos autos e do próprio despacho em causa, de fls. 807 e seguintes, é "R. … ".
Nestes termos, e nos demais de Direito que doutamente hão-de ser supridos pelos Venerandos Desembargadores, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por uma decisão que defira o requerimento do Arguido de fls. 872 a 874, com todas as consequências legais, com o que se fará, como de costume, JUSTIÇA.
(…)”.
*

Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, alegando que a notificação da acusação foi feita para a morada indicada pelo arguido no Termo de Identidade e Residência, que nunca este comunicou, nos termos prescritos na lei, outra morada ou invocou qualquer imprecisão da indicada e que, se é certo que algumas notificações foram feitas para o R/C Esq., muitas outras foram-no para o R/C, sem que tenham sido devolvidas ou os serviços postais tenham manifestado dificuldades em efectuar os depósitos das cartas, concluindo não verificação da irregularidade da notificação e consequente manutenção do despacho recorrido.
*

O recurso foi admitido para subir a final e com efeito devolutivo.

*
*

Em 26 de Janeiro de 2011 o arguido B... requereu a abertura da instrução, requerimento que foi indeferido por despacho de 10 de Fevereiro de 2011, do qual foi interposto recurso, que foi admitido com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
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Realizado o julgamento, em 5 de Maio de 2011 foi proferida sentença que absolveu o arguido A..., e condenou os arguidos B... e W... ., Lda., pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, nas penas de, 190 dias de multa à taxa diária de € 20 e de 350 dias de multa à taxa diária de € 10, respectivamente, e solidariamente, no pagamento ao assistente da quantia de € 6.347,44 e juros à taxa legal supletiva para as obrigações civis, desde a notificação do pedido.
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Inconformado com a decisão dela recorre o arguido B... formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
I – Questão introdutória.
1. Cumpre começar por fazer notar que o julgamento decorreu sem a audição de qualquer testemunha indicada pelo arguido B..., porquanto este não foi notificado do despacho de acusação, conforme requerimento de fls. 872 a 874 e recurso de fls. 1032 e seguintes.
II – Nulidade da sentença com referência ao disposto no artº. 379º., 1, b), do C.P.Penal.
2. Consta da douta sentença recorrida que:
a) A W..., Lda., foi constituída em 07.12.2000 com o capital social de € 40.000, dividido em duas quotas pertencentes a duas distintas sociedades, uma das quais, (..., Lda.), era sócio-gerente e foi representada na constituição da sociedade arguida pelo arguido B...;
b) Foram então nomeados três gerentes, um dos quais o arguido A…, indicado pela referida sociedade de que era sócio gerente o arguido B...;
c) Em 14.02.2002 foi alterado o pacto social, mediante tal alteração ficando o capital social da sociedade arguida dividido em três quotas, uma no valor de € 39.600 pertencente à aludida W... Portugal, (mais uma vez representada pelo arguido B...); outra no valor de € 300 pertencente ao arguido B... e outra no valor de € 100 pertencente ao arguido A..., que se manteve como gerente, sendo então nomeado gerente da W... Aveiro também o arguido B....
d) O arguido B... assumia inicialmente apenas de facto e a partir de 2002 também de direito, a gerência da arguida sociedade.
e) O arguido B… é engenheiro civil porém dedica-se desde há mais de dez anos à actividade empresarial.
3. Ora, os 4 primeiros factos são bem diversos dos constantes da acusação, segundo a qual os arguidos A...e B... "enquanto sócios-gerentes daquela, são, e eram à data da prática dos factos, os seus representantes legais"; "de Janeiro de 2001 a Julho de 2004 os arguidos procederam ao pagamento das remunerações de acordo com o estipulado contratualmente"; e "os arguidos assumiam, de facto e de direito, a gerência da firma"; e o quinto facto não tem sequer qualquer paralelo nos factos constantes da acusação.
4. Os 4 primeiros factos têm o maior relevo para a decisão da causa, sendo o fundamento primeiro da incriminação do arguido B...; e o quinto facto também tem relevo na decisão da causa, muito em particular no que diz respeito à medida da pena, porquanto a Senhora Juíza "a quo" leva em consideração "os rendimentos que a aptidão profissional e actividade empresarial do arguido B... poderão propiciar".
5. Trata-se, em qualquer dos casos, consequentemente, de alteração não substancial dos factos descritos na acusação, com relevo para a decisão da causa, que devia ter sido comunicada ao arguido com a concessão do tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, conforme estatui o nº. 1 do artº. 358º do C.P.Penal.
6. Por outro lado, também se verifica no caso "sub judice" uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, porquanto o arguido vem acusado da prática de "um crime continuado de abuso de confiança em relação à Segurança Social", e foi condenado por "um crime de execução continuada", pelo que também teria que se observar o disposto no nº. 1 do artº. 358º. do C.P. Penal, com as necessárias adaptações, conforme nº. 3 do mesmo artigo.
7. A falta de cumprimento do disposto nos nº. 1 e 3 do artº. 358º. do C.P.Penal constitui nulidade da sentença, consoante resulta do disposto no artº. 379º., nº. 1, alínea b), do C.P.Penal, nulidade que se argui para todos os efeitos legais.
III – Nulidade da prova gravada.
8. O início do depoimento do arguido B... – acta da sessão de julgamento de 01.04.2011 / início da faixa 7 do CD que contém a prova gravada – não se encontra gravado, em violação do disposto no artº. 364º., nº. 1, do C.P.Penal.
9. Tal excerto das declarações do arguido B... mostra-se da maior relevância para, nomeadamente, se ajuizar da medida da pena aplicada, pelo que se argui para todos os efeitos legais a nulidade em que consiste a falta de documentação do início das declarações do arguido B....
IV – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
10. Sem prescindir quanto à nulidade da sentença e quanto à nulidade da falta de documentação do início do depoimento do arguido B..., impugna-se, à cautela, a decisão sobre a matéria de facto.
11. Resulta da certidão comercial de fls. 427 e seguintes que o arguido B... só foi nomeado gerente da W... Aveiro em 14.02.2002, tendo a douta sentença recorrida, contudo, considerou o arguido B... responsável pela falta de pagamento de 14 contribuições de Janeiro de 2001 a Fevereiro de 2002 porque considerou provado que "o arguido B... assumia inicialmente apenas de facto e a partir de 2002 também de direito, a gerência da arguida sociedade".
12. Ora, o arguido B... não se conforma que tenha ficado provado que antes de Fevereiro de 2002 exercia, de facto, a gerência da sociedade, porquanto, desde logo:
a) não consta dos autos qualquer documento de onde resulte que o arguido B... exercia a gerência de facto da sociedade arguida antes de Fevereiro de 2002 – nem a sentença o invoca;
b) não foi colocada a uma única testemunha a questão do eventual exercício de facto da gerência da sociedade arguida, por parte do arguido B..., antes de Fevereiro de 2002, não tendo qualquer das testemunhas sido confrontada com a circunstância de o arguido B... apenas ter sido nomeado gerente da sociedade por deliberação de 14.02.2002, não tendo sido exibida a nenhuma testemunha a certidão comercial de fls. 427 e seguintes – ou qualquer outra certidão comercial da sociedade arguida, das diversas juntas aos autos – enfim nenhuma testemunha presta declarações no sentido de o arguido B... exercer funções de gerência, de facto, em data anterior a Fevereiro de 2002.
13. Não se conforma o arguido B..., consequentemente, que tenha ficado provado que exerceu qualquer tipo de acto de gerência, de facto ou de direito, antes de Fevereiro de 2002 – e da acusação consta que o arguido é acusado na qualidade de "sócio-gerente", não havendo qualquer destrinça até ao ano de 2002 e a partir do ano de 2002.
14. Acresce que, conforme acta da sessão de julgamento de 14.03.2011, a Senhora Juíza "a quo" ordenou que os competentes serviços da segurança social informassem nos autos "sobre se no período compreendido entre Maio de 2003 e Fevereiro de 2004 a sociedade ora arguida apresentou declarações de remunerações de trabalhadores por conta de outrem e se os valores das respectivas quotizações foram pagos", (conforme a respectiva acta), tendo a respectiva informação – em sentido afirmativo – sido junta aos autos em 05.04.2011.
15. Ora, daqui decorre, salvo melhor opinião: por um lado, a Senhora Juíza podia e devia ter considerado como provado o pagamento de contribuições para a Segurança Social entre Maio de 2003 e Fevereiro de 2004, pois a informação prestada pela Segurança Social não deixa de ser pertinente por ser afirmativa, antes pelo contrário, como se verá de seguida; por outro lado, a circunstância de se terem verificado pagamentos à Segurança Social entre Maio de 2003 e Fevereiro de 2004 permitia à acusação fazer prova, com relativa facilidade, de quem em concreto havia deixado de pagar a segurança social imediatamente antes de Maio de 2003 e imediatamente depois de 2004 – bastaria para o efeito requerer à Segurança Social que informasse nos autos quem assinava as folhas do pagamento das contribuições entre Maio de 2003 e Fevereiro de 2004; e isso mesmo sugeriu o arguido B..., conforme acta da audiência de 13.04.2011, sem que tal informação tivesse sido requerida à Segurança Social, como se o ónus da prova dos factos imputados ao arguido não coubesse ao Ministério Público.
16. O arguido também não se conforma com a medida da pena em concreto aplicada, não se concordando que o montante da multa possa ser aferido "considerando os rendimentos que a aptidão profissional e actividade empresarial do arguido B... poderão propiciar", pois sem que exista documentação da prova da "situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais", (nº. 2 do artº. 47º. do C.Penal), a verdade é que o arguido à data em que prestou declarações há cerca de 2 anos que se encontrava desempregado; é casado, tem um filho com 18 anos e outro com 13 anos, ambos a estudar; e tem que pagar cerca de 1.000,00 € de renda mensal de casa.
17. As demais circunstâncias do caso – nomeadamente as circunstâncias de se ter provado que a sociedade arguida não tem actividade, de o valor das contribuições em falta não ser muito significativo e de, em qualquer caso, não ter sido imputada ao arguido, sequer, a eventualidade de ter feito suas as quantias em falta na segurança social – levam o arguido a considerar que a pena em concreto aplicada é desajustada, por muito elevada, devendo ser reduzida para um valor muito próximo do limite mínimo aplicável ao caso.
V – Sobre a questão de estar em causa um crime ou mais do que um crime.
18. O arguido também não se conforma que seja condenado pela prática de um crime de execução continuada, pois – sem prescindir relativamente a todas as questões já suscitadas, o arguido entende que estaria em causa não um crime, mas dois crimes, ainda que fosse de execução continuada: um praticado entre Janeiro de 2001 e Abril de 2003; e outro entre Março de 2004 e Julho de 2004.
VI – Sobre a prescrição dos crimes em causa.
19. Alega-se para todos os efeitos legais, relativamente a cada um dos crimes em causa, a prescrição de 5 anos a que se reporta o art°. 21°. do RGIT.
Artº. 412º., nº. 5, do C.P. Penal: o arguido B... mantém interesse no recurso a que se reporta o artº. 1º. destas conclusões.
Nestes termos, e nos demais de Direito que doutamente hão-de ser supridos por V. Exas. deve ser concedido provimento ao presente recurso, com o que se fará, como de costume, JUSTIÇA.
(…)”.
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Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, alegando que, não sendo a impugnação da matéria de facto feita de forma válida e relevante, o recurso é extemporâneo, que a sentença não enferma das apontadas nulidades, quer porque se limitou a concretizar factos e a condenar pelo crime acusado, quer porque o recorrente nem sequer prestou declarações na audiência, que quanto à impugnação da matéria de facto o recorrente se limita a valoração probatória feita pelo tribunal recorrido, que a qualificação jurídica dos factos provados é correcta e a pena a adequada, concluindo pela manutenção da decisão em crise.
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O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
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Na vista a que refere o art. 416º, nº 1, do C. Processo Penal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aderindo aos fundamentos da Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, relativamente aos dois recursos, com excepção da qualificação jurídica dos factos que entende ser a de crime continuado, pronunciando-se no sentido de não estar o crime prescrito, e concluindo pelo não provimento dos recursos.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões da motivação constituem pois, como é unanimemente entendido, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Ed., pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, pág. 103).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente – que de tão extensas, e sendo praticamente, mera repetição do corpo da motivação, no que respeita ao recurso da decisão final, não cumprem a tarefa que lhes é assinalada no art. 412º, nº 1, parte final, do C. processo Penal – as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

A) No recurso retido:
- A irregularidade da notificação da acusação feita ao recorrente, e suas consequências;

B) No recurso da sentença:
- A nulidade do julgamento por falta parcial de gravação da prova por declarações;
- A nulidade da sentença [art. 379º, nº 1, b), do C. Processo Penal];
- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto;
- A errada qualificação jurídica dos factos;
- A prescrição do procedimento criminal;
- A excessiva taxa diária da pena de multa.
Oficiosamente, há que conhecer do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [fixação da taxa diária da pena de multa].
A questão que constitui o objecto do recurso retido é prejudicial às questões que constituem o objecto do recurso da sentença, razão pela qual será aquele conhecido em primeiro lugar.
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A) Recurso retido

Para a resolução da questão proposta importa ter presente o teor do despacho recorrido que é o seguinte:
“ (…).
Fls. 872-4 (540, 816, 825):
Por economia processual e inteira concordância, dá-se por reproduzido o exposto pelo Ministério Público a fls. 920 e 921, para concluir pela improcedência da alegada invalidade da notificação da acusação ao arguido B....
Notifique-se (com cópia da promoção para que ora se remete).
(…)”.

Dada a remissão feita para a promoção de fls. 920 a 921 que, por tal razão, faz parte integrante do despacho recorrido, que só com ela se torna compreensível, procede-se agora à transcrição daquela, na parte relevante:
“ (…).
Relativamente à alegada invalidade da notificação efectuada ao arguido B...:
Contrariamente ao que este alega, a notificação em causa foi remetida para a morada pelo mesmo indicada no Termo de Identidade e Residência prestado nos autos (vd. fls. 540), sendo certo que o arguido não comunicou, desde então, qualquer alteração de residência ou invocou qualquer imprecisão da morada, como era sua obrigação.
Acresce que, até à notificação agora posta em crise, foram efectuadas várias notificações ao arguido, remetidas para a mesma morada (repete-se, a indicada no TIR), nunca tendo havido qualquer dificuldade no depósito das cartas enviadas para o efeito, tendo sido efectivamente recebidas (vd. fls. 738, 750, 751, 779 – notificação para comparência em tribunal, tendo efectivamente comparecido vd. fls. 790 a 793).
Nesta conformidade, e considerando o disposto nos artigos 113.º,196.º e 277.º, nºs 3 e 4, a) ex vi do 283.º, n.º 5, do C. P. Penal, entendo que a notificação em causa se mostra correctamente efectuada.
(…)”.
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Da irregularidade da notificação da acusação e suas consequências

1. Alega o arguido que nunca foi directamente notificado do despacho de acusação do Ministério Público, já que a carta respectiva foi enviada para a Rua … , Lisboa, que sendo a que, por lapso, consta do Termo de Identidade que prestou, não corresponde à verdadeira morada que é a de, Rua … , como aliás informou, a fls. 619, quando prestou declarações como arguido, e que se alguma correspondência foi enviada para o R/C, a que recebeu, de igual teor, foi-o para o R/C, Esq., razão pela qual deve ser revogado o despacho recorrido, invalidades todos os actos ao mesmo subsequentes e determinada a notificação omitida.

Com relevo para a questão proposta, colhem-se dos autos os seguintes elementos:
a) O cidadão B… foi constituído arguido, no âmbito dos presentes autos, no dia 8 de Abril de 2009 e no respectivo Termo de Constituição a morada indicada é, Rua … (fls. 498);
b) Na mesma o já arguido B… prestou Termo de Identidade e Residência, constando deste, no item Outro domicílio, Rua … (fls. 500);
c) Consta do Termo de Identidade e Residência [TIR] que ao arguido foi dado conhecimento, além do mais, «De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para as moradas que indicou no presente termo, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento.», bem como, que o «arguido declarou ficar ciente, recebeu cópia e assinou.», sendo que o TIR se mostra assinado no local destinado à assinatura do arguido;
d) Ainda em 8 de Abril de 2009 foi constituída arguida a sociedade W... ., Lda., na pessoa do seu representante legal, o arguido B... (fls. 501);
e) Em 22 de Julho de 2009 o arguido B... foi submetido a interrogatório de arguido, constando do respectivo auto como se tendo indicado residente na Rua … (fls. 619);
f) Na primeira acusação deduzida, na identificação do arguido, este consta como residente na Rua … . (fls. 651), e a carta para a sua notificação foi enviada para esta mesma residência (fls. 660), embora da respectiva prova de depósito conste a residência do TIR (fls. 673);
g) No requerimento de abertura da instrução o arguido diz-se residente na Rua … (fls. 707);
h) O despacho de abertura da instrução foi notificado à arguida sociedade, de quem o arguido é legal representante, por carta enviada para a Rua … ., Lisboa (fls. 737), e ao arguido por carta enviada para a residência que consta do TIR (fls. 738), o mesmo sucedendo com a respectiva prova de depósito (fls. 746);
i) A carta com a convocatória do arguido para comparecer em juízo no dia 7 de Abril de 2010, para declarações e debate instrutório, foi enviada para a residência que consta do TIR (fls. 751), e o mesmo sucede com a respectiva prova de depósito (fls. 763), mas a carta enviada à sociedade arguida, anunciando a realização do debate instrutório, tinha como residência do seu legal representante a Rua … (fls. 752);
j) Tendo sido dada sem efeito a diligência referida na alínea que antecede, a carta convocando o arguido para prestar declarações em juízo no dia 23 de Abril de 2010, foi enviada para a residência que consta do TIR (fls. 778) e o mesmo sucede com a respectiva prova de depósito (fls. 786), mas a carta enviada à sociedade arguida, anunciando a nova data da realização do debate instrutório, tinha como residência do seu legal representante a Rua … (fls. 779);
l) No auto de declarações de arguido, de 23 de Abril de 2010, consta que o arguido se identificou, além do mais, como residente na Rua … (fls. 791);
m) A notificação da decisão instrutória ao arguido foi feita por carta enviada para a residência que consta do TIR (fls. 801), e que é a mesma que consta da respectiva prova de depósito (804);
n) Na segunda acusação deduzida, na identificação do arguido, este consta como residente na Rua ..., nº 17, R/C, Esq., Lisboa (fls. 808);
o) A carta para notificação da acusação enviada ao arguido, nesta qualidade e na de legal representante da sociedade arguida, foi enviada para a residência que consta do TIR (fls. 816), e o mesmo sucede com a respectiva prova de depósito (fls. 825);
p) Nenhuma prova de depósito relativa a qualquer carta enviada ao arguido para a residência que consta do TIR foi devolvida aos autos pelos serviços postais, com menção de impossibilidade do depósito da correspondência no receptáculo postal.
Posto isto.

1.1. A comunicação dos actos processuais tem por fim a transmissão de uma ordem de comparência perante os serviços de justiça, a transmissão de uma convocação para participar em diligência processual ou a transmissão do conteúdo de acto realizado ou de despacho proferido no processo (art. 111º, nº 1, a) a c), do C. Processo Penal).
A comunicação de alguns actos processuais reveste a forma de notificação, quando a lei o determina.

As notificações efectuam-se por contacto pessoal com o notificando, por via postal registada, por via postal simples nos casos expressamente previstos, e por editais e anúncios também nos casos expressamente previstos (art. 113º, nº 1, a) a d), do C. Processo Penal).
Na notificação por via postal simples o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando e lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito (art. 113º, nº 3, do C. Processo Penal). Sendo impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, data-a e envia-a ao serviço ou ao tribunal remetente (nº 4 do mesmo artigo).

As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado: Porém, as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento, à sentença, à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil têm, obrigatoriamente, que ser feitas, quer ao arguido, ao assistente e às partes civis, quer ao respectivo defensor ou advogado (art. 113º, nº 9, do C. Processo Penal).
Nos termos das disposições conjugadas dos nºs 5 e 6, do art. 283º do C. Processo Penal, a notificação da acusação ao arguido é feita mediante contacto pessoal ou por via postal registada, salvo se aquele tiver indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou o ouvir no inquérito ou na instrução, caso em que é notificado por via postal simples, nos termos da alínea c), do nº 1 do art. 113º do mesmo código.

Finalmente, agora no âmbito das medidas de coacção, o arguido sujeito a termo de identidade e residência, para o efeito de ser notificado por via postal simples, nos termos do art. 113º, nº 1, c), do C. Processo Penal, indica a sua residência, o seu local de trabalho ou outro domicilio à sua escolha, sendo no acto advertido, além do mais, de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada por si indicada, excepto quando comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetida por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr (art. 196º, nºs 1, 2 e 3, c), do C. Processo Penal).

1.2. De tudo isto resulta que, nos termos dos arts. 113º, nº 9 e 283º, nºs 5 e 6, do C. Processo Penal, a acusação deduzida pelo Ministério Público contra, além do mais, o arguido, a este e ao respectivo mandatário teria que ser notificada.
No que ao arguido respeita, tal notificação, e nos termos das disposições conjugadas dos arts. 113º, nº 1, c), 196º, nºs 2 e 3, c) e 283º, nºs 5 e 6, do C. Processo Penal, deveria ser feita por via postal simples, e para a morada indicada no termo de identidade e residência.
A morada indicada no TIR é, Rua ..., nº 17, R/C, Lisboa, e para ela foi enviada a carta para notificação da acusação ao arguido, tudo em plena observância às normas legais supra citadas.
É certo, como se deixou dito, que as cartas para notificação do arguido, ora foram remetidas à Rua ..., nº 17, R/C, Lisboa, ora foram remetidas à Rua ..., nº 17, R/C, Esq., Lisboa, mas se lapso ocorreu na designação da residência que consta do TIR, o arguido, porque dele recebeu cópia, e porque não pôde deixar de se aperceber da diferença existente nas notificações que vinha recebendo, não cuidou de o emendar, nos termos previstos no art. 196º, nº 3, c), do C. Processo Penal pois que, para este efeito, não basta a indicação de outra residência na identificação constante de qualquer acto processual. E a verdade é que não existe nos autos uma única situação em que o distribuidor do serviço postal tenha comunicado a mais pequena dificuldade em proceder ao depósito da correspondência remetida para a residência que consta do TIR.
Tudo isto resulta não existir qualquer irregularidade formal na notificação da acusação ao arguido e ora recorrente pela simples e decisiva razão de que foi feita para a residência que consta do TIR por este prestado.

1.3. Em conclusão, não padece de irregularidade a notificação da acusação ao arguido, pelo que nada há a invalidar no processado subsequente.
Improcede pois o recurso retido.
*
*
B) Recurso da sentença

Para a resolução das questões enunciadas importa ter presente o que de relevante consta da decisão recorrida. Assim:

a) Na sentença foram considerados provados os seguintes factos [por nós numerados]:
“ (…).
(1.) A W..., L.da, foi constituída em 07.12.2000 com o capital social de € 40.000, dividido em duas quotas pertencentes a duas distintas sociedades, de uma das quais (W... Portugal –, L.da) era sócio-gerente e foi representada na constituição da sociedade arguida pelo arguido B....
(2.) Foram então nomeados três gerentes, um dos quais o arguido A..., indicado pela referida sociedade de que era sócio-gerente o arguido B....
(3.) Em 14.02.2002 foi alterado o pacto social, mediante tal alteração ficando o capital social da sociedade arguida dividido em três quotas, uma no valor de € 39.600 pertencente à aludida W... Portugal (mais uma vez representada pelo arguido B...), outra no valor de € 300 pertencente ao arguido B... e outra no valor de € 100 pertencente ao arguido A..., que se manteve como gerente, sendo então nomeado gerente da W... Aveiro também o arguido B....
(4.) A arguida W... Aveiro, L.da tem sede na Rua … , em Aveiro, e como objecto a compra, venda e troca de manufacturas e artigos em segunda mão de várias categorias, nomeadamente: equipamentos eléctricos, equipamentos de audiovisual, instrumentos de maquinaria, ferramentas manuais e outras, computadores, jogos, equipamentos de habitação e máquinas industriais ligeiras, joalharia, ornamentos pessoais, equipamentos, aparelhos de desporto, acessórios de decoração, importação e/ou comercialização de artigos novos de várias categorias acima indicadas.
(5.) De Janeiro de 2001 a Julho de 2004, a sociedade arguida teve ao seu serviço trabalhadores a quem foram pagas remunerações de acordo com o estipulado contratualmente.
(6.) O arguido B... fez descontar em tais remunerações os valores relativos às contribuições por lei devidas à Segurança Social, nos meses e valores seguintes:
Ano – mês; valor total das contribuições:
2001-01, 76,82€,
2001-02, 76,82€,
2001-03, 76,82€,
2001-04, 115,22€,
2001-05, 115,22€,
2001-06, 115,22€,
2001-07, 115,22€,
2001-08, 172,83€,
2001-09, 172,83€,
2001-10, 172,83€,
2001-11, 153,63€,
2001-12, 153,63€,
2002-01, 177,22€,
2002-02, 177,22€,
2002-03, 138,92€,
2002-04, 153,72€,
2002-05, 155,16€,
2002-06, 193,03€,
2002-07, 282,20€,
2002-08, 236,59€,
2002-09, 247,64€,
2002-10, 237,90€,
2002-11, 430,74€,
2002-12, 289,39€,
2003-01, 256,92€,
2003-02, 250,38€,
2003-03, 162,98€,
2003-04, 256,56€,
2004-03, 250,71€,
2004-04, 290,57€,
2004-05, 253,66€,
2004-06, 300,84€ e
2004-07, 88,00€,
perfazendo o valor total de € 6.347,44 (seis mil trezentos e quarenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos).
(7.) Contudo, o arguido B... até ao presente não entregou nem fez entregar tais valores de contribuições nos serviços competentes da Segurança Social.
(8.) O arguido B... assumia inicialmente apenas de facto e a partir de 2002 também de direito, a gerência da arguida sociedade.
(9.) O arguido B... bem sabia que os referidos valores de contribuições descontados nas remunerações teriam se ser entregues nos serviços da Segurança Social nos prazos por lei estabelecidos (até ao 15º dia do mês seguinte àquele a que respeitavam as contribuições).
(10.) O arguido B... agiu na execução de uma decisão inicial, sempre com a mesma intenção de apropriação para a sociedade arguida dos valores das contribuições deduzidas nos termos da lei, fazendo com que o correspondente valor revertesse a favor dessa sociedade e fosse despendido em proveito da mesma.
(11.) Em 08.04.2009 o arguido B... foi notificado, por si e na qualidade de representante da sociedade arguida, para proceder ao pagamento, no prazo de trinta dias, da aludida quantia de € 6.347,44 e respectivos juros legais de mora que se vencem até integral pagamento, referentes aos meses objecto do presente processo, sendo então advertido que tal pagamento era passível de determinar a extinção da responsabilidade criminal.
(12.) Tal pagamento não ocorreu até ao presente.
(13.) O arguido B... agiu livre, voluntária e conscientemente, em nome e no interesse da arguida W..., L.da, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
(14.) O arguido B... é engenheiro civil porém dedica-se desde há mais de dez anos à actividade empresarial.
(15.) Do seu certificado de registo criminal não consta qualquer condenação.
(16.) A arguida sociedade não mantém actualmente qualquer actividade.
(…)”.

b) Foram considerados não provados os seguintes factos:
“ (…).
- Também o arguido A...fez descontar nas remunerações dos trabalhadores da arguida sociedade os valores relativos às contribuições por lei devidas à Segurança Social.
- O arguido A...assumia de facto a gerência da arguida sociedade.
- Os arguidos agiram na execução de um plano inicial.
- O arguido A...pretendeu apropriar-se para a sociedade arguida dos valores das contribuições para a Segurança Social deduzidas nos termos da lei.
(…)”.

c) Dela consta a seguinte motivação de facto:
“ (…).
Resultou a prova e não prova dos factos enunciados da ponderação crítica e conjugada, à luz de critérios de normalidade e de experiência comum, das declarações prestadas em audiência por arguidos e testemunhas, bem como da análise dos documentos de seguida indicados.
As testemunhas … foram trabalhadoras da sociedade arguida (cfr. fls. 603, 392 e seguintes, 596); a testemunha Paulo Graça prestou serviços (através de sociedade) como técnico oficial de contas para a sociedade arguida, entre 1999 e 2003; Patrícia Ventura foi entre 2000 e 2004 secretária na acima referida W... Portugal, L.da (gerida pelo arguido B... e proprietária de uma das quotas da sociedade arguida, como acima referido e resulta de fls. 433 e seguintes, 448 e seguintes – pacto social e alteração do mesmo – e de fls. 427 e seguintes – certidão de registo comercial, com as inscrições vigentes em Fevereiro de 2009); … trabalhou como administrativo nessa mesma W... Portugal, pelo menos entre 2001 e meados de 2003.
A razão de ciência destas testemunhas é manifesta, não se tendo detectado nos seus depoimentos – pelo modo como foram prestados e pelo confronto com as restantes provas produzidas – falta de isenção ou propósito de defesa de quaisquer particulares interesses, sendo que tais depoimentos vieram inteiramente corroborar as declarações do arguido A..., destas declarações e daqueles depoimentos tendo resultado que não obstante designado gerente W... Aveiro, L.da, a actividade no âmbito dessa empresa do arguido A...era subordinada e dirigida aos aspectos comerciais (que sempre foram o objecto do seu trabalho, como também referiu a testemunha … amigo de há longa data do arguido A...) e alheia aos financeiros, não tendo sequer conhecimento minimamente relevante acerca da efectiva gestão financeira da arguida sociedade.
Já no que respeita ao arguido B..., das mesmas declarações e depoimentos resultou inequívoco que tinha pleno domínio da gestão da sociedade arguida – mesmo nos anos iniciais em que não era formalmente gerente: cfr. já mencionado pacto social e alteração, a fls. 433 e seguintes e fls. 448 e seguintes – designadamente no que respeita às relações da W... Aveiro, L.da com a Segurança Social, no âmbito das quais omitiu a entrega dos valores a que se referem as certidões de dívida de fls. 175, 377, 688, 847 e demonstrações dos respectivos cálculos que as acompanham (não correspondendo rigorosamente ao que consta da certidão de dívida de fls. 158 e seguintes, anterior às demais e na qual não foi correctamente considerado o valor relativo a Junho de 2002, como se constata da análise das declarações de remunerações de que foram juntas cópias a fls. 551 e seguintes, relevando especialmente a de fls. 571 referente ao aludido mês, sendo que € 193,03 – e não € 115,22, como considerado na certidão de fls. 158 – corresponde a 11 % do valor total das remunerações de tal período), valores esses e persistente omissão do respectivo pagamento que foram também mencionados em audiência pela funcionária da Segurança Social inquirida como testemunha.
Com efeito, perante os aludidos depoimentos não foram convincentes as declarações do arguido B... afirmando nenhuma intervenção ter nas relações da sociedade arguida com a Segurança Social, por que seria antes responsável … , que cuidava da gestão corrente da empresa de Aveiro (como no decurso do inquérito já declarara no processo, através do seu II. Mandatário: fls. 621), não tendo o arguido B... intervenção antes da sua nomeação como gerente em 2002.
Não é plausível que empresário experiente – como resultou da audiência ser o arguido B... – abandone cegamente a terceiros a administração de empresa em que tem directa (enquanto sócio e, depois, também gerente, com as inerentes responsabilidades legais) ou indirectamente (enquanto representante e gerente da principal detentora do capital social) importantes interesses.
E aquelas declarações do arguido B... foram contrariadas pelos depoimentos das mencionadas testemunhas, de que resultou que as responsabilidades do falado … não incluíam a gestão financeira da W... Aveiro, L.da e que era ao arguido B... que eram transmitidos pelos serviços de contabilidade todas as informações relativas às relações com a Segurança Social, como era o arguido B... quem a tal respeito tomava todas as decisões, em ninguém as delegando.
Da consideração da evolução da situação da arguida sociedade relativamente à entrega das contribuições à Segurança Social (mesmo no período em que houve pagamentos – de Maio de 2003 a Fevereiro de 2004 – os mesmos foram na maior parte dos meses realizados com atrasos: fls. 1200) e da descrição da decrescente rentabilidade da actividade feita por algumas das referidas testemunhas e pelo arguido A..., bem como do a tal respeito comentado pelo arguido B... com a já referida testemunha contabilista, resulta que o arguido B... desde o início da actividade da arguida sociedade (constituída em Dezembro de 2000: fls. 433 e seguintes) aceitou o não pagamento das contribuições devidas à Segurança Social como modo de manter a disponibilidade de meios para acorrer a outras obrigações, mantendo a actividade da empresa (e a consequente assunção de obrigações pela arguida sociedade perante a Segurança Social... e desta perante os trabalhadores da arguida sociedade) durante cerca de três anos e meio, sempre mantendo aquela opção de gestão, não sendo credível que o arguido B... ignorasse ou lhe fossem indiferentes os reais efeitos da mesma, quer no que respeita às disponibilidades financeiras da sociedade, quer no que respeita à carreira contributiva dos colaboradores.
Consta de fls. 544 o auto relativo à notificação realizada nos termos do artigo 105º, n.ºs 4 e 6, do RGIT, sendo ainda considerado o teor do certificado de registo criminal do arguido B..., junto a fls. 646 e 866.
(…)”.

d) A seguinte fundamentação de direito quanto à qualificação jurídica:
“ (…).
O artigo 107° do RGIT, por referência ao artigo 105º do mesmo Regime, prevê a punição como crime de abuso de confiança contra a Segurança Social das condutas das entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de Segurança Social (condutas essas violadoras dos deveres de colaboração com o sistema de Segurança Social e da relação de confiança estabelecida entre este e o agente – relação de confiança essa resultante da investidura do agente, em virtude do cumprimento das suas obrigações legais, na qualidade de depositário das contribuições devidas pelos trabalhadores à Segurança Social, com vista à sua entrega à Segurança Social – deveres e relação de confiança esses determinados no âmbito de fundamentais objectivos de Justiça Social).
A verificação do crime em questão pressupõe ainda actuação voluntária, que integra o elemento subjectivo do tipo legal de crime, cuja verificação poderá afirmar-se apenas quando à conduta esteja subjacente dolo (cfr. artigos 13º e 14º do Código Penal).
Não pode afirmar-se perante a factualidade provada que o arguido A...tenha intencionado a omissão da entrega à Segurança Social dos valores em causa ou que tivesse sequer a possibilidade de impedir tal omissão, sendo que eventual desleixo no acompanhamento da actividade da sociedade (de que era formalmente gerente) não constitui fundamento bastante para a responsabilização pelo crime que lhe foi imputado, que tem como pressuposto actuação dolosa.
Importa pois concluir pela absolvição de tal arguido, sendo todavia diversa a conclusão a extrair da factualidade provada no que respeita ao arguido B..., que agindo em representação e no interesse da sociedade arguida, no período compreendido entre Janeiro de 2001 e 15 Agosto de 2004 (data em que terminou o prazo legal para entrega das contribuições relativas ao mês em causa), fez deduzir contribuições nas remunerações que não encaminhou para o seu destino legal – os cofres da Segurança Social – no valor total de € 6.347,44.
Demonstrou-se ainda que ao proceder desse modo o arguido B... visou apropriar-se para a referida sociedade de tais valores, desse modo defraudando a confiança no mesmo depositada pelo Estado (ao confiar-lhes a guarda temporária de valores à Segurança Social destinados).
Como já referido, a verificação do crime em questão pressupõe ainda que possa afirmar-se actuação culposa, na modalidade de culpa dolosa.
Explicitando: para que possa afirmar-se a verificação de crime, não basta que o comportamento em causa seja ilícito, objectivamente anti-jurídico, sendo ainda necessário que tal comportamento seja censurável, na hipótese do crime em causa a título de dolo.
Como ensina EDUARDO CORREIA (A Teoria do Concurso em Direito Criminal –Unidade e Pluralidade de Infracções, pág.s 93-4), "O direito penal não valora negativamente certas condutas apenas por valorar. Valora-as para, emprestando-lhes a força desta sua avaliação, alcançar no processo de motivação dos indivíduos um papel decisivo: valora-as para determinar. Quer dizer: o direito é também um conjunto de normas de determinação subjectiva (…), isto é, um conjunto de imperativos dirigidos aos indivíduos que querem funcionar como motivos que obstem à formação de resoluções tendo por conteúdo a realização de actividades criminosas (…). Ora, é precisamente a violação concreta das normas nesta sua função de determinação, é precisamente a falta da sua eficácia querida, devida e, portanto, possível no domínio da representação e do processo de motivação do agente, que faz nascer aquele juízo de censura em que se estrutura a culpa. (…) Quando é que se poderá considerar verificada essa reiterada falta de eficácia determinadora das normas? Necessariamente, sempre que uma pluralidade de resoluções no sentido de determinações de vontade tiver iluminado o desenvolvimento da actividade do agente".
Quando possa afirmar-se tal pluralidade de resoluções determinantes dos comportamentos ilícitos, poderão então formular-se diversos juízos de reprovação e concluir-se pela prática de diversos crimes.
E, por outro lado, uma pluralidade de comportamentos, cada um por si objectivamente antijurídico, pode consentir apenas um juízo concreto de censura, quando todos esses comportamentos se reconduzem a um só momento em que o agente tomou a resolução de executar o projecto criminoso: apenas nesse momento se verificou a ineficácia da norma na referida função determinadora.
Perante a factualidade provada, concluiu-se que se verificam os pressupostos de voluntariedade e representação do resultado ilícito pelo arguido B..., constatando-se também que subjacente aos seus comportamentos esteve apenas uma resolução (ocorrida logo no início da actividade da arguida sociedade, constituída em Dezembro de 2000), que se manteve ao longo do período em causa (até 15 de Agosto de 2004, data até à qual deveria ter ocorrido a entrega da última prestação omitida), reconduzindo-se os sucessivos actos àquele mesmo e único desígnio inicial, concluindo-se pois que foi cometido um só crime, nos termos do artigo 30º, n.º 1, do Código Penal, concretizado em sucessivos actos ao longo dos mais de três anos e meio em causa, mediante os quais lograram os arguidos B... e a arguida sociedade não entregar à Segurança Social a aludida quantia global de € 6.347,44.
Com efeito – ressalvando o devido respeito por diverso entendimento – não se descortina nos factos apurados (nem nos alegados na acusação) pluralidade de resoluções criminosas, eventualmente susceptível de unificação (para efeitos de punição) como crime continuado nos termos do artigo 30º, n.º 2, do Código Penal, sendo que não se demonstrou também a ocorrência de circunstâncias susceptíveis de consubstanciar solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do arguido (não consubstanciando circunstância com tal aptidão a de a falta de entrega à Segurança Social das contribuições devidas ter caracterizado desde a sua constituição a forma de actuação da arguida sociedade, do mesmo modo que a consideração de dificuldades financeiras da empresa não pode fundamentar considerável atenuação da censurabilidade: não se afigura que possa considerar-se eticamente aceitável o financiamento da empresa à custa da Segurança Social).
Resulta antes dos factos apurados que o crime se traduziu em diversos actos de execução de uma só resolução, tratando-se pois, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2006 (que pode ler-se em www.dgsi.jtrp.pt. com o n.º convencional JTRP00038922), de "um crime de execução continuada" (que não se confunde com a pluralidade de crimes pressuposta pelo artigo 30º, n.º 2, do Código Penal).
Assim, completando-se a conduta criminosa em causa em 15.08.2004, apesar de nas datas dos primeiros actos em causa a incriminação dos mesmos estar prevista nos artigos 24º, n.ºs 1 e 2, 27º-B e 6º, nº 1 do RJIFNA (citados na acusação), afigura-se, perante o disposto no artigo 3º do Código Penal, que a Lei a considerar é a vigente à data do último acto (aliás, omissão) a valorar, i.e. o RGIT, vigente desde Julho de 2001 (artigo 14º da Lei n.º 15/2001).
A responsabilização criminal do arguido B... pelos actos praticados enquanto representante da sociedade arguida fundamenta-se ainda no disposto no artigo 6º do RGIT, que prevê que "quem agir voluntariamente, como órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será punido mesmo quando o tipo legal de crime exija: a) Determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado; b) que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado (…)".
E a responsabilidade criminal da arguida sociedade fundamenta-se ainda no disposto no artigo 7º do RGIT, que prevê a responsabilidade criminal das pessoas colectivas pelas infracções cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no seu interesse.
(…)”.

e) E a seguinte fundamentação de direito quanto à escolha e determinação da medida concreta da pena:
“ (…).
Ao crime praticado pelo arguido B... é aplicável pena de prisão de um mês até três anos ou multa de 10 até 360 dias (artigos 107º e 105º, n.º 1, do RGIT; artigos 41º e 47º do Código Penal) e a pena aplicável à arguida sociedade é de multa até setecentos e vinte dias (artigo 12º, n.º 3, do RGIT).
Na escolha da pena, a Lei (artigo 70º do Código Penal – cfr. artigo 3º do RGIT) impõe a preferência pela não detentiva quando tal pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, expressamente enunciadas no artigo 40º, n.º 1: tutela de bens jurídicos, mediante a reafirmação dos valores em causa face à conduta que os violou (prevenção geral) e reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
São intensíssimas as exigências de prevenção geral que se suscitam no actual contexto histórico-cultural perante a prática de crimes como o em causa, já que apesar de não ser já recente a perseguição e punição criminal das infracções contra a Segurança Social, a sua prática continua ainda a ser muito frequente e encarada por muitos como banalidade tolerável, vendo-se os deveres perante a Segurança Social (e perante a Comunidade em geral) como regras que podem não ser cumpridas, a violação de tais deveres como mera irregularidade e não como afronta a valores essenciais do Estado de Direito Social (valores de solidariedade perante os mais frágeis, constitucionalmente consagrados como valores fundantes do Estado: cfr. Constituição da República Portuguesa, esp. artigos 1º, 9º, al. d), 59º, n.º 1, al.s e) e f), artigo 63º), valores esses que no actual contexto de grave crise económica e financeira dos Estados ocidentais – e particularmente do português – urge mais que nunca reafirmar.
Não obstante tal necessidade de inequívoco sinal comunitário de que infracções como a em causa não podem ser toleradas, considerando o concreto valor em causa, no presente caso não se afigura indispensável com aquele objectivo o recurso à pena mais gravosa, optando-se pois pela pena de multa, no que respeita ao arguido B....
Nos termos do artigo 71º do Código Penal, na determinação da medida concreta das penas, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, importa atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra ele, importando ainda, por força do disposto no artigo 13º do RGIT, atender ao prejuízo causado pelo crime (no presente caso, cerca de € 6.350, valor esse que não é muito importante – a este propósito atentando-se, como critério referencial, no valor de € 15.000,00, abaixo do qual, de acordo com a Lei actual, ilícito diverso mas conexo – o de fraude fiscal – não é criminalmente punível), a repercutir-se na objectiva gravidade dos factos e a justificar penas significativamente menos pesadas do que a mera consideração das exigências de prevenção geral determinaria.
O valor do prejuízo causado releva também na intensidade do juízo de censura que o comportamento do arguido B... justifica, a este propósito importando atender também ao período de tempo por que perduraram as condutas (cerca de três anos e meio).
Não são, por outro lado, intensas as exigências de prevenção especial, considerando o desconhecimento condenações criminais em mais de cinquenta anos de vida que tudo indica que vem sendo sócio-profissionalmente integrada.
Considerando os aludidos factores, dentro dos limites legais acima referidos, entendem-se adequadas à culpa do arguido B..., a afirmar o desvalor dos factos praticados e a demover tal arguido e a arguida sociedade da prática de novos crimes as penas de cento e noventa dias de multa, no que respeita ao arguido B..., e de trezentos e cinquenta dias de multa, no que respeita à arguida sociedade.
Atentos os critérios enunciados no artigo 47º, n.º 2, do Código Penal, considerando os rendimentos que a aptidão profissional e actividade empresarial do arguido B... poderão propiciar; bem como, no que respeita à arguida sociedade, o que o valor do seu capital social e das contribuições deduzidas em salários denotam acerca da sua dimensão económica (sendo que não mantém actualmente actividade), fixam-se os valores correspondentes a cada dia de multa em € 20,00, no que respeita ao arguido B..., e em € 10,00, relativamente à arguida sociedade.
(…)”.
*

Da nulidade do julgamento por falta parcial de gravação da prova por declarações

2. Diz o arguido, arguindo a respectiva nulidade, que o início das suas declarações prestadas na sessão da audiência de julgamento de 1 de Abril de 2011 não se encontra gravado, em violação ao art. 364º, nº 1, do C. Processo Penal, quando o excerto não gravado tem a maior relevância para se aferir a justeza da medida da pena aplicada.

O arguido não compareceu à audiência de julgamento de 14 de Março de 2011, conforme acta de fls. 1131 a 1136.
Compareceu na audiência de julgamento de 1 de Abril de 2011, constando da acta respectiva que, depois de advertido da obrigatoriedade de responder, e com verdade, às perguntas sobre a sua identidade, e de informado do conteúdo do direito ao silencio, identificou-se como, B..., casado, engenheiro civil e empresário, nascido a 15/10/1953, freguesia de Campo Grande, Lisboa, residente na Rua ..., nº 17, R/C, Esq., Lisboa, e por ele foi dito que neste momento não desejava prestar declarações, tendo-se passado de imediato à inquirição das testemunhas presentes (cfr. fls. 1185).
Compareceu na audiência de 13 de Abril de 2011, constando da respectiva acta que prestou declarações (cfr. fls. 1260).
Posto isto.

A regra geral hoje em vigor, independentemente da forma processual seguida, é a de que as declarações prestadas oralmente em audiência são documentadas na acta, sob pena de nulidade (art. 363º do C. Processo Penal). Esta documentação é feita, em regra, através de gravação magnetofónica ou áudio-visual, devendo ficar consignada na acta da audiência o início e o termo da gravação de cada declaração (art. 364º, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal).
As declarações do arguido, enquanto meio de prova, terão que referir-se sempre ao objecto do processo isto é, aos factos que lhe são imputados na acusação ou na pronúncia (cfr. arts. 343º, nºs 1, 2 e 3 e 345º, nº 1, do C. Processo Penal). Assim, e como nos parece evidente, os elementos comunicados pelo arguido ao tribunal para se identificar, nos termos do art. 342º, nº 1, do C. Processo Penal, não se integram no conceito de declarações do arguido, pois que tão pouco tais elementos estão abrangidos pelo direito ao silêncio, como resulta do nº 2 do artigo citado.

Ora, se o arguido, no dia 1 de Abril de 2011, depois de se ter identificado, exerceu o direito ao silêncio, não tendo, em consequência, prestado quaisquer declarações, não se vê, ressalvado sempre o devido respeito por opinião contrária, como possa ter ocorrido a nulidade arguida. Com efeito, só se poderiam gravar ou não gravar, declarações efectuadas.
Por outro lado, se o arguido refere a nulidade que invoca ao facto de os elementos de identificação que comunicou ao tribunal, no âmbito do art. 342º, nº 1, do C. Processo Penal, não se encontrarem gravados – o se constatou ser exacto, ouvido o CD do registo da prova por declarações – também não ocorre, pelas razões supra expostas, o apontado vício.

Acresce que, segundo cremos, face ao teor da conclusão 16, o fim visado com a arguição desta nulidade é antes questionar a taxa diária da pena de multa em que o recorrente foi condenado. Esta taxa foi fixada, tendo em conta o seguinte ponto dos factos provados. «O arguido B... é engenheiro civil porém dedica-se desde há mais de dez anos à actividade empresarial.».
Que o arguido é engenheiro civil e empresário decorre, quer da identificação que deu ao tribunal, quer do próprio teor da acusação. Saber se esta factualidade é suficiente para suportar o raciocínio que conduziu à fixação da taxa da pena de multa em € 20 diários é questão que nada tem a ver com a invocada falta, ainda que parcial, de documentação de declarações orais.

Em conclusão, improcede a invocada nulidade prevista no art. 363º do C. Processo Penal.
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Da nulidade da sentença [art. 379º, nº 1, b), do C. Processo Penal]

3. Diz o arguido, relativamente aos números 1, 2, 3, 8 e 14 dos factos provados, supra transcritos, que os quatro primeiros são bem distintos dos que constam da acusação, enquanto o último, não tem correspondência com qualquer facto que conste desta peça processual pelo que, constituindo uma alteração não substancial dos factos constantes da acusação, deveria ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 358º, nº 1, do C. processo Penal. Por outro lado, continua, vindo acusado da prática de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social na forma continuada, e tendo sido condenado pela prática de um crime de execução continuada de abuso de confiança em relação à segurança social, ocorreu uma alteração da qualificação jurídica que impunha o cumprimento do art. 358º, nº 3, do C. Processo Penal. E conclui que, não tendo sido cumpridos os nºs 1 e 3 deste artigo, enferma a sentença da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, b), do citado código.
Vejamos se assim é.

3.1. O art. 379º do C. Processo Penal prevê o regime específico das nulidades da sentença penal. Na alínea b), do seu nº 1 estabelece que é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º.
Por sua vez, dispõe o art. 358º do C. Processo Penal:
1 – Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 – Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 – O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”.
Por último, ocorre uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia quando da discussão da causa resultem factos que, embora não coincidam com aqueles, também não determinam a imputação ao arguido de um crime diverso do acusado ou a agravação dos limites máximos das penas aplicáveis (art. 1º, nº 1, f), do C. Processo Penal, a contrario).
Assim, e em síntese conclusiva, podemos dizer que o compromisso entre o princípio da acusação que impera no processo penal vigente, com as exigências de economia processual, às quais não é alheio o regime da alteração não substancial dos factos, é obtido através da estrita observância do princípio do contraditório.
Posto isto.

Os, primeiro, segundo e oitavo parágrafos da acusação pública têm o seguinte teor:
- (1º§) A arguida W..., Lda., com sede na Rua … , em Aveiro, tem como [objecto a] compra, venda e troca de manufacturas e artigos em segunda mão de várias categorias, nomeadamente: equipamentos eléctricos, equipamentos de audiovisual, instrumentos de maquinaria, ferramentas manuais e outras, computadores, jogos, equipamentos de habitação e máquinas industriais ligeiras, joalharia, ornamentos pessoais, equipamentos, aparelhos de desporto, acessórios de decoração, importação e/ou comercialização de artigos novos de várias categorias acima indicadas;
- (2º§) Os arguidos A... e B..., enquanto sócio-gerentes daquela, são, e eram à data da prática dos factos, os seus representantes legais.
- (8º§) Os arguidos assumiam, de facto e de direito, a gerência da firma, pelo que, eram os responsáveis pelos pagamentos das remunerações e pela realização dos respectivos descontos.
Por sua vez, os pontos 1, 2, 3, 4, 8 e 14 dos factos provados têm o seguinte teor:
- (1.) A W..., L.da, foi constituída em 07.12.2000 com o capital social de € 40.000, dividido em duas quotas pertencentes a duas distintas sociedades, de uma das quais (W... Portugal –, L.da) era sócio-gerente e foi representada na constituição da sociedade arguida pelo arguido B...;
- (2.) Foram então nomeados três gerentes, um dos quais o arguido A..., indicado pela referida sociedade de que era sócio-gerente o arguido B...;
- (3.) Em 14.02.2002 foi alterado o pacto social, mediante tal alteração ficando o capital social da sociedade arguida dividido em três quotas, uma no valor de € 39.600 pertencente à aludida W... Portugal (mais uma vez representada pelo arguido B...), outra no valor de € 300 pertencente ao arguido B... e outra no valor de € 100 pertencente ao arguido A..., que se manteve como gerente, sendo então nomeado gerente da W... Aveiro também o arguido B...;
- (4.) A arguida W... Aveiro, L.da tem sede na Rua … , em Aveiro, e como objecto a compra, venda e troca de manufacturas e artigos em segunda mão de várias categorias, nomeadamente: equipamentos eléctricos, equipamentos de audiovisual, instrumentos de maquinaria, ferramentas manuais e outras, computadores, jogos, equipamentos de habitação e máquinas industriais ligeiras, joalharia, ornamentos pessoais, equipamentos, aparelhos de desporto, acessórios de decoração, importação e/ou comercialização de artigos novos de várias categorias acima indicadas;
- (8.) O arguido B... assumia inicialmente apenas de facto e a partir de 2002 também de direito, a gerência da arguida sociedade;
- (14.) O arguido B... é engenheiro civil porém dedica-se desde há mais de dez anos à actividade empresarial.

Como se vê, existe plena coincidência entre o primeiro parágrafo da acusação e o ponto 4 dos factos provados da sentença.
No que respeita aos segundo e oitavo parágrafo da acusação e aos pontos 1, 2, 3 e 8 dos factos provados da sentença a coincidência não é absoluta mas, em rigor, não pode afirmar-se que existe uma alteração não substancial dos primeiros.
Com efeito, estando em questão – e nisto coincidem acusação e factualidade provada da sentença – os descontos mensais para a segurança social relativos a Janeiro de 2001 a Abril de 2003, e de Março de 2004 a Julho de 2004, o que se começa por dizer no segundo parágrafo da acusação é que os arguidos eram, na data da prática dos factos, enquanto gerentes da sociedade arguida, os seus representantes legais, para no parágrafo oitavo se concretizar que os arguidos assumiam, de facto e de direito, a gerência daquela.
Ora, da conjugação dos pontos 1, 2, 3 e 8 dos factos provados, o que resultou provado foi que o recorrente só se tornou gerente – a qualidade de sócio é irrelevante para este efeito – da sociedade arguida em 14 de Fevereiro de 2002 e por isso, só nesta data se tornou seu representante legal (ponto 3 dos factos provados), resultando a sua responsabilização pelos factos ocorridos entre Janeiro de 2001 e Fevereiro de 2002 de se ter provado que neste período exerceu a gerência de facto da sociedade arguida (ponto 8 dos factos provados).
Assim, o que se fez na sentença recorrida, quanto a este concreto aspecto, foi apenas uma concretização temporal da gerência de facto e da gerência de direito imputadas na acusação ao recorrente, mas sem que daí tenha resultado objectivamente qualquer prejuízo para a sua defesa.
Por isso, uma concretização de factos relativa a factos mais amplos, que constavam da acusação, não pode, nestas circunstâncias, ser considerada como uma alteração não substancial de factos, sujeita ao regime do art. 358º do C. Processo Penal.
Também no que concerne ao ponto 14 dos factos provados, nenhuma razão assiste ao recorrente pois que o mesmo versa apenas a sua situação profissional e, eventualmente, financeira. Tais factos, como muitos outros, v.g., a confissão, o arrependimento, o comportamento, a estrutura familiar, não constam da acusação precisamente porque não fundamentam a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança (cfr. art. 283º, nº 3, b), do C. Processo Penal). Por isso, nunca poderão traduzir-se numa alteração não substancial da mesma.

3.2. Quanto ao não cumprimento do disposto no art. 358º, nº 3, do C. Processo Penal, na sequência de uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, não vemos que assista razão ao arguido. Explicando.

Na acusação foi-lhe imputada a prática de um crime continuado de abuso de confiança em relação à segurança social, p. e p. pelos arts. 6º, nº 1, 24º, nºs 1 e 2, e 27º-B do RJFNA e 30º, nº 2 e 79º do C. Penal e actualmente, pelos arts. 107º, nºs 1 e 2 do RGIT e 30º, nº 2 e 79º do C. Penal.
Esta qualificação jurídica dos factos foi integralmente recebida pelo despacho que, depois de sanear o processo, designou dia para julgamento (cfr. fls. 856 a 857).
Na sentença em crise, veio o arguido a ser condenado pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, p. e p. pelos arts. 107º, nº 1 e 105º, nº 1 do RGIT, por se ter entendido não estarem verificados os pressupostos da continuação criminosa.

Como é sabido, no crime continuado existe uma pluralidade real de factos típicos, pluralidade que a lei, em função de determinados pressupostos, considera como uma unidade normativa isto é, não obstante a efectiva violação plúrima do tipo legal pelo mesmo agente, o C. Penal, verificados certas condições, considera praticado apenas um único crime.
Por isso, se o arguido foi acusado da prática de um único crime de abuso de confiança contra a segurança social, ainda que na forma continuada, e veio a ser condenado pela prática de um único crime de abuso de confiança contra a segurança social, sem mais, não ocorreu qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos que, nos termos do art. 358º, nº 3, do C. Processo Penal, lhe devesse ser comunicada pelo tribunal.

3.3. Em síntese conclusiva do que antecede temos que:
- A mera concretização, na sentença, de factos mais amplos constantes da acusação, sendo insusceptível de afectar o direito de defesa do arguido, não constitui alteração não substancial dos factos descritos na acusação, sujeita ao regime do art. 358º do C. Processo Penal;
- A condenação do arguido por um crime de abuso de confiança contra a segurança social quando vinha acusado da prática de tal crime mas na forma continuada, não constitui alteração da qualificação jurídica para os efeitos previstos no art. 358º, nº 3, do C. Processo Penal;
- Assim, não tendo ocorrido qualquer alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nem tendo ocorrido qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos, não havia lugar à comunicação prevista no art. 358º, nºs 1 e 3, do C. Processo Penal pelo que, não enferma a sentença recorrida da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, b), do mesmo código.
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Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto [ponto 8 dos factos provados]

4. Discorda o arguido de ter sido considerado provado que «assumia inicialmente apenas de facto e a partir de 2002 também de direito, a gerência da arguida sociedade» pois, argumenta, resulta da certidão de fls. 427 e seguintes que apenas foi nomeado gerente da arguida em 14 de Fevereiro de 2002, não existe nos autos qualquer documento de onde resulte ter exercido a gerência de facto da arguida antes de Fevereiro de 2002, e nenhuma testemunha foi perguntada sobre a referida gerência de facto e confrontada com aquela certidão. E, continua, tendo sido efectuado o pagamento das prestações devidas entre Maio de 2003 e Fevereiro de 2004, bastava perguntar à segurança social, como por si havia sido sugerido, que informasse quem assinava as folhas de pagamento neste período, para se apurar quem havia deixado de pagar as contribuições imediatamente antes de Maio de 2003 e imediatamente depois de Fevereiro de 2004.
Em suma, o recorrente impugna o ponto 8 dos factos provados, fundando-se, para tanto, no documento de fls. 427 e seguintes e, depreende-se, na circunstância de, na sua perspectiva, nenhuma testemunha ter afirmado a sua gerência de facto no período que mediou entre Janeiro de 2001 e Fevereiro de 2002. Precisamente porque, relativamente às provas gravadas, a impugnação tem por base o que as testemunhas não terão dito, entendemos que o recorrente não poderia indicar em concreto, quaisquer passagens e por isso, se conclui ter sido dado cumprimento ao ónus da especificação imposto pelo art. 412º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal.
Assim, conhecer-se-á da impugnação ampla da matéria de facto, com os exactos limites que lhe foram fixados pelo recorrente.
4.1. O ponto de facto sindicado tem o seguinte teor:
«O arguido B... assumia inicialmente apenas de facto e a partir de 2002 também de direito, a gerência da arguida sociedade.».

Da motivação de facto da sentença recorrida consta que a convicção do tribunal a quo, relativamente à gestão desenvolvida pelo recorrente na sociedade arguida, mesmo quando ainda não era formalmente gerente da mesma, se fundou nas declarações do arguido A...e nos depoimentos das testemunhas … – trabalhadoras da sociedade arguida – … – TOC da sociedade arguida de 1999 a 2003 – … – secretária na W... Portugal, Lda., sócia da sociedade arguida, entre 2000 e 2004 – e … – trabalhador da W... Portugal, Lda., de 2001 a 2003, e de alguma forma, no documento de fls. 427 e seguintes, declarações, depoimentos e documento dos quais resultou que os serviços de contabilidade comunicavam ao arguido todas as informações relativas à segurança social, sendo este o único que tomava as decisões inerentes, fazendo a opção, desde o início da actividade da sociedade arguida – Dezembro de 2000 – de não efectuar os pagamentos devidos, como forma de disponibilizar meios para manter aquela em funcionamento.

O documento de fls. 427 a 430 é constituído por uma certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Aveiro, relativa à sociedade por quotas W... Aveiro –, Lda., da qual consta, além do mais, a apresentação 02/20010201 nos termos da qual, B... é titular de uma quota de € 300, e que, por deliberação de 14 de Fevereiro de 2002 foi o mesmo nomeado gerente.

Ouvido o CD onde se encontram gravadas as declarações do arguido A...prestadas em audiência, dele resulta, em síntese, e quanto a este concreto aspecto, ter o mesmo dito:
- Toda a sua vida profissional foi feita na actividade comercial designadamente, no sector de relações públicas e vendas; entrou para a W... Portugal com a obrigação de encontrar lojas próprias e franchisados mas o negócio revelou-se difícil por se tratar de artigos em segunda mão; dava formação a empregados e vistoriava as lojas; a casa mãe era na Austrália, em Portugal havia a W... Portugal e a cada loja própria correspondia uma sociedade, como foi o caso da loja de Aveiro; entre lojas próprias e franchisados, chegou a haver catorze lojas;
- A dada altura um dos sócios saiu e o Eng. B… ficou só, razão pela qual o convidou e ao … para serem sócios dele; após alguma resistência aceitou ser sócio, mas quase foi um sócio de favor; depois de sócio continuou a fazer exactamente o que fazia antes e isso acontecia também em relação à W... de Aveiro, onde visitava a loja, via as compras e as condições de limpeza ou seja, fiscalizava todos os procedimentos comerciais mas nunca teve qualquer acto de gestão, nada teve a ver com procedimentos financeiros e administrativos, que eram assegurados pelo escritório em Queluz, onde funcionava a W... Portugal; no escritório em Queluz estava o … que era o ajudante do Eng. B…, e era no escritório que o Eng. B… tratava de todos estes assuntos com o apoio do … ; várias vezes o Eng. B… teve que atrasar pagamentos incluindo à segurança social, porque as lojas não geravam dinheiro e a concorrência era muita;
- Nunca participou na gerência da loja de Aveiro nem em qualquer outra; a contratação de trabalhadores obedecia a norma em vigor para todas as lojas fixada pelo escritório de Queluz que era também quem processava os pagamentos; nunca tomou a decisão de não serem efectuados os pagamentos à segurança social; como o … e o … não tinham poderes para tal decidirem, a decisão só pode dever-se ao Eng. B... que era quem tratava de tudo, incluindo as contas, mas nunca o ouviu afirmar que não ia proceder aos pagamentos; o … entrou para a parte comercial, pensa que ficou responsável pela loja de Lisboa e de vez em quando ia à loja de Aveiro.
Ouvido o CD onde se encontra gravado o depoimento da testemunha … , prestado em audiência, dele resulta, em síntese, e quanto a este concreto aspecto, ter a mesma dito:
- Trabalhou para a W... de Aveiro de 2001 a 2004 ou 2005, como empregada de balcão, no balcão das vendas; foi contratada, por ter respondido a um anúncio, pelo antigo sócio … ; conheceu o Eng. B… numa visita que ele fez à loja e pensa que conheceu o Sr. A… na mesma ocasião; o Eng. B... só muito raramente ia à loja e o Sr. A... ia de mês e meio em mês e meio, onde ajudava nas vendas; recebeu sempre o salário pontualmente mas soube que em 2001, quando engravidou, não estavam a ser feitos os descontos, situação que o ... resolveu; a dada altura o ... informou que ia sair da empresa e que esta passava a ser do Eng. B... e do Sr. A..., e que o ... passava a assegurar a ligação entre a loja de Aveiro e Lisboa, passando este a tratar de tudo incluindo os pagamentos; os recibos dos vencimentos eram enviados de Lisboa por carta.
Ouvido o CD onde se encontra gravado o depoimento da testemunha … , prestado em audiência, dele resulta, em síntese, e quanto a este concreto aspecto, ter a mesma dito:
- Trabalhou para a W... de Aveiro, como responsável pela loja, durante cerca de dois anos, tendo saído em 2004 onde zelava pela limpeza da loja, pelo fardamento dos trabalhadores e pela satisfação dos clientes;
Ouvido o CD onde se encontra gravado o depoimento da testemunha … , prestado em audiência, dele resulta, em síntese, e quanto a este concreto aspecto, ter a mesma dito:
- Começou a trabalhar para a W... de Aveiro em Junho de 2002, tendo sido contratada pelo ... e aí permaneceu durante cerca de quatro anos, até ao encerramento da loja; começou como compradora da loja e quando a Susana saiu passou a desempenhar as funções dela; o ... fazia a ponte entre a loja e Lisboa, qualquer problema era tratado com ele que, no início, vinha à loja semanalmente, e depois, mais espaçadamente, ele era o chefe mas não o dono;
Ouvido o CD onde se encontra gravado o depoimento da testemunha … , prestado em audiência, dele resulta, em síntese, e quanto a este concreto aspecto, ter a mesma dito:
- Prestou serviços de contabilista, através da sua empresa, com sede em … , à W..., Lda., entre 1999 e 2003; habitualmente lidava com a … e com o Eng. B...; a empresa do depoente fazia também as declarações para a segurança social que depois eram enviadas para a Patrícia; constatava através da contabilidade que havia algumas dificuldades financeiras e atrasos nos pagamentos e sobre este aspecto falou com o Eng. B...; o Eng. B... queixava-se que o dinheiro que conseguia libertar dificilmente dava para o pagamento dos salários pelo que não podiam ser feitos outros pagamentos;
Ouvido o CD onde se encontra gravado o depoimento da testemunha … , prestado em audiência, dele resulta, em síntese, e quanto a este concreto aspecto, ter a mesma dito:
- Trabalhou na W..., Lda. de 2000 a 2004; o Sr. Brito e A... andava pelas lojas, quer próprias, quer franchisadas e com autonomia em relação ao Eng. B...; quem dava instruções à empresa de contabilidade era o Eng. B...; a depoente remetia toda a documentação ao Eng. B... e ele é que dava a ordem de pagamento à segurança social, mandando emitir o cheque; todas as despesas, fosse de que natureza fosse, só eram pagas mediante autorização do Eng. B...; os problemas na empresa começaram devido ao aumento da concorrência; o ... era o gerente da loja de Benfica e também fazia, por vezes, o circuito das lojas espalhadas pelo país; só perto da data em que a depoente deixou de ali trabalhar é que o ... poderá ter tido qualquer contacto com a contabilidade, mas antes, não.
Ouvido o CD onde se encontra gravado o depoimento da testemunha … , prestado em audiência, dele resulta, em síntese, e quanto a este concreto aspecto, ter a mesma dito:
- Trabalhou para a W... Lda. que tinha influência na empresa de Aveiro, até há cerca de oito anos, desempenhando tarefas administrativas e de reporte financeiro, tendo neste circunstancialismo trabalhado para os arguidos; tratava de toda a correspondência da empresa que analisava e resposta, contactava com os trabalhadores, fazia o controlo de facturas e tratava das regularizações com os franchisados; recebia instruções do Eng. B... e algumas vezes do Sr. … e A... mas neste caso, quanto aos franchisados e lojas;

Como é evidente, a dupla faceta da gerência do arguido mencionada no ponto de facto em questão relaciona-se directamente com a certidão de fls. 427 a 430 pois que é a sua nomeação como gerente – naturalmente pela assembleia geral da sociedade – que constitui o marco divisório entre a gerência de facto e a gerência de direito. E a prova da qualidade de gerente, nos termos do direito societário, é feita pela acta da respectiva deliberação ou pela certidão do seu registo.
Sucede que o gerente de facto assegura a gestão da sociedade, prosseguindo o seu objecto social e defendendo os seus interesses no dia a dia, revelando-se tal gerência por uma situação de facto. Por isso, não existem documentos aptos a, por si mesmos, provarem a qualidade de gerente de facto de alguém que actua em representação de uma sociedade.
Desta forma, é absolutamente irrelevante que nenhuma das testemunhas tenha sido confrontada com a referida certidão – relativamente ao período compreendido entre Janeiro de 2001 e Fevereiro de 2002 – na medida em que a qualidade de gerente de facto pressupõe, necessariamente, que não tenha a qualidade de gerente de direito.

Quanto ao mais, é evidente que, quer o arguido A... e A..., quer todas as testemunhas supra referidas afirmaram, sem voz discrepante, que era o recorrente quem sempre e, portanto, desde Janeiro de 2000, geriu a W... Aveiro, enquanto empresa filial da W... Portugal, tendo as testemunhas que mais directamente lidavam com o recorrente e, especificamente, no que a aspectos contabilísticos e de pagamentos respeitava, afirmado que todas as decisões eram por si tomadas, e que nenhum pagamento era feito sem a sua autorização.
Ninguém afirmou directamente que o recorrente era o gerente de facto antes de Fevereiro de 2002, mas o que, com toda a razoabilidade, e sem o menor risco de violação de qualquer regra da experiência comum, resulta da prova por declarações que se deixou sintetizada, é que o recorrente era efectivamente o gerente de facto da sociedade arguida até Fevereiro de 2002 passando, a partir de então, a ser também gerente de direito. Com efeito, é afirmado pelo seu co-arguido bem como por todas as testemunhas que era o recorrente quem geria a empresa, quem dava as orientações financeiras, quem determinava os pagamentos, quem fazia as opções de gestão em suma, e em linguagem comum, quem mandava.
Por último, para além de o recorrente ter passado a acumular, a partir de Fevereiro de 2002, a qualidade de gerente de facto, com a de gerente de direito, não se vê como seria possível extrair das assinaturas que constariam dos pagamentos feitos à segurança social entre Maio de 2003 e Março de 2004, o responsável pelos não pagamentos anteriores e posteriores.

4.2. Em conclusão, nenhuma censura merece o ponto 8 dos factos provados, já que se mostra plenamente apoiado na prova produzida em audiência de julgamento, como vem referido na sentença recorrida, prova que foi valorada à luz e com pleno respeito pelo art. 127º do C. Processo Penal, razão pela qual se mantém nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância.
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Da errada qualificação jurídica dos factos

5. Entende o recorrente que foi indevidamente condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social de execução continuada, pois estão em causa dois crimes de abuso de confiança contra a segurança social, mesmo que de execução continuada, um praticado entre Janeiro de 2001 e Abril de 2003 e outro praticado entre Março e Julho de 2004.
Significa isto que o arguido, algo estranhamente, admite um agravamento da sua situação, pois que se na acusação lhe foi imputada a prática de um crime desta natureza, na forma continuada, na sentença em crise, veio a ser condenado por tal crime, mas sem que se tenha considerado a continuação criminosa.
Vejamos.

Os factos que constituem o objecto dos autos decorreram nos períodos compreendidos entre Janeiro de 2001 e Abril de 2004 e Março a Julho de 2004. Na acusação foi entendido tratar-se de um crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social. Na sentença recorrida foi entendido não estarem verificados os pressupostos da continuação criminosa, e perante a existência de um dolo unitário, concluiu-se pela existência de um único crime, mas de execução continuada.
O crime continuado constitui a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente (art. 30º, nº 2, do C. Penal).
Tendo em conta dos factos provados, nela se não evidencia, ressalvado sempre o devido respeito por opinião contrária, qualquer continuação criminosa na medida em que nenhum facto provado demonstra existência de uma qualquer situação alheia ao arguido causadora de uma diminuição considerável da sua culpa, sendo certo que a acusação era também completamente alheia à descrição de tal situação.
Por outro lado, estando provado – facto que não sofreu impugnação – que o arguido agiu na execução de uma decisão inicial, sempre com a mesma intenção de apropriação para a sociedade arguida dos valores das contribuições deduzidas nos termos da lei, fazendo com que o correspondente valor revertesse a favor dessa sociedade e fosse despendido em proveito da mesma, a existência de um dolo unitário permite concluir, como se fez na sentença recorrida, pela verificação de um único crime tendo por objecto, sem que exista continuação criminosa, todas as omissões de pagamento verificadas – independentemente do hiato, mais ou menos prolongado, que se verificou.

Deve pois manter-se a qualificação jurídica feita na sentença recorrida.
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Da prescrição do procedimento criminal

6. Dizendo que nos autos estão em causa, não um crime de abuso de confiança contra a segurança social – pelo qual foi acusado e condenado – mas antes dois crimes desta natureza, um tendo por objecto o período compreendido entre Janeiro de 2001 e Abril de 2003 e outro tendo por objecto o período compreendido entre Março e Julho de 2004, vem o arguido alegar, relativamente aos dois crimes resultantes da qualificação jurídica por si proposta, a prescrição de cinco anos prevista no art. 21º, nº 1, do RGIT.
Correspondendo aos factos provados, como se deixou dito no ponto que antecede, a prática de um único crime de abuso de confiança contra a segurança social, a questão da prescrição do procedimento criminal será analisada apenas nesta perspectiva.
Vejamos.

A prescrição, enquanto causa de extinção do procedimento criminal, fundamenta-se, numa perspectiva substantiva, na circunstância de que, verificadas certas condições, o decurso de certo lapso tempo sobre a prática do facto deixa de justificar a intervenção do direito penal ou a efectivação da sua reacção, e numa perspectiva adjectiva, na circunstância de o decurso do tempo dificultar, quer a investigação, quer a prova, potenciando o erro judiciário (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 699 e seguintes).

O art. 21º, nº 1, do RGIT fixa em cinco anos o prazo de prescrição dos crimes tributários, entre os quais se inclui o crime de abuso de confiança contra a segurança social. Mas o seu nº 2 ressalva os prazos de prescrição estabelecidos no C. Penal quando o limite máximo da pena for igual ou superior a cinco anos.
O crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no art. 107º, nº 1, do RGIT é punível – por força da remissão operada para os nºs 1 e 5 do art. 105º do mesmo diploma – com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias ou, quando os valores não entregues excederem € 50.000, com pena de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.
O arguido vinha acusado da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo art. 107º, nº 1 do RGIT e veio a ser condenado pela prática deste crime, e ao abrigo do disposto nos arts. 107º, nº 1 e 105º, nº 1, do RGIT.
Assim, dúvidas não subsistem de que o prazo de prescrição do crime pelo qual foi o arguido acusado e condenado é o previsto no art. 21º, nº 1 do RGIT portanto, o prazo de cinco anos, a contar da prática dos factos.

Em regra, a data da prática do facto corresponde ao dia em que o facto se consumou. Casos há, no entanto, em que assim não é. Com efeito, nos crimes permanentes, o prazo de prescrição só se inicia no dia em que cessa a consumação (art. 119º, nº 2, a), do C. Penal). Nos crimes continuados e nos crimes habituais, o prazo de prescrição só começa a correr desde o dia da prática do último acto que integra a continuação (alínea b) do mesmo nº 2). Nos crimes não consumados, o prazo de prescrição só começa a correr desde o dia da prática do último acto de execução (alínea c) do mesmo nº 2). E nos crimes em que é relevante a verificação de certo resultado não compreendido no tipo respectivo, o prazo de prescrição só começa a correr a partir do dia em que o resultado se verificar (art. 119º, nº 4 do C. Penal).

Os factos que constituem o objecto dos autos decorreram nos períodos compreendidos entre Janeiro de 2001 e Abril de 2004 e Março a Julho de 2004.
Na sentença recorrida foi entendido não estarem verificados os pressupostos da continuação criminosa, e perante a existência de um dolo unitário, concluiu-se pela existência de um único crime, mas de execução continuada.
Mantendo-se a qualificação jurídica efectuada pela 1ª instância, cremos que nas chamadas infracções contínuas sucessivas – as que correspondem a um somatório de momentos delitivos justapostos (cfr. Cons. Lopes Rocha, Aplicação da Lei Criminal no Tempo e no Espaço, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pág. 102) – como a dos autos, o prazo de prescrição se deve contar a partir da prática do último acto que a sucessão, por aplicação, por maioria de razão, do art. 119º, nº 2, b), do C. Penal.

Assim, a prescrição ocorreria a 1 de Julho de 2009, salvo a verificação de qualquer facto interruptivo ou suspensivo do respectivo prazo.
Acontece que a prescrição do procedimento criminal se interrompe com a constituição de arguido (art. 121º, nº 1, a), do C. Penal). O recorrente foi constituído arguido no dia 8 de Abril de 2009 (cfr. fls. 541) portanto, antes ainda do esgotamento do prazo de cinco anos o qual, em consequência da verificação desta causa interruptiva, ficou inutilizado, passando a correr novo prazo de prescrição (art. 121º, nº 2, do C. Penal).
Por isso, considerando que veio a ser proferida uma primeira acusação, notificada ao arguido em 3 de Dezembro de 2009 (cfr. fls. 673), atento o disposto nos arts. 120º, nºs 1, b) e 121º, nº 3, do C. Penal, a prescrição do procedimento criminal só ocorrerá em Janeiro de 2015 [5anos (prazo normal) + 3 anos (suspensão) + 2 anos e 6 meses (metade do prazo normal)].

Não se encontra pois prescrito o procedimento criminal.
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Da excessiva taxa diária da pena de multa e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

7. Por último, diz o arguido que a ponderação feita na sentença sobre os rendimentos que a sua aptidão profissional e actividade empresarial poderão proporcionar, sem que se tenha demonstrado a sua situação económica e financeira e os seus encargos não pode constituir critério para a determinação do montante da multa a qual, tendo em conta que a sociedade arguida já não tem actividade, o montante não elevado os valores em causa e a não apropriação de tais valores por si, deverá ser fixada em valor próximo do limite mínimo aplicável.
Vejamos.

7.1. O critério legal para a determinação do quantitativo diário correspondente a cada dia de multa encontra-se fixado no art. 47º, nº 2 do C. Penal, que dispõe assim:
Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”.

Como facilmente se percebe, a variação permitida pela lei do montante diário da pena de multa resulta da necessidade de assegurar a realização do princípio da igualdade de ónus e sacrifícios, com a consequente diluição da crítica apontada a esta sanção penal de que tem distintos pesos, conforme a situação económica do agente (cfr. Cons. Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 8ª Ed., 307).
Com efeito, a aplicação da pena de multa deve sempre assegurar a verdadeira função de uma pena isto é, deve constituir um real e efectivo sacrifício para o condenado, pois só assim este sentirá o juízo de censura ínsito na condenação, e só assim será dada satisfação às exigências de prevenção. Mas este sacrifício que a pena deve significar só será alcançado quando o quantitativo diário da multa variar em função da capacidade económica e financeira do condenado.
Por isso, o critério legal impõe que em cada concreta operação de fixação do quantitativo diário da multa o tribunal atenda à situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. Mas deve ter-se sempre presente que a aplicação da pena de multa não pode retirar ao condenado o mínimo necessário e indispensável à satisfação das suas necessidades básicas e às do seu agregado familiar, sendo certo que a lei não deixou de prever mecanismos de flexibilização do cumprimento da pena, quando tal se mostre justificado (cfr. art. 47º, nºs 3 e 4 do C. Penal).

7.2. É pois no complexo de pesos e contrapesos que se deixou referido, tendo-se sempre em consideração que a multa, enquanto pena principal, porque tem que constituir um sacrifício, que deve ser encontrado o seu quantitativo diário, através do apuramento da concreta situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos.

E o que apurou o tribunal a quo quanto a este concreto aspecto? Quase nada, podemos dizer.
Com efeito, com para a questão de que cuidamos, temos apenas provado que: «(14.) O arguido B... é engenheiro civil porém dedica-se desde há mais de dez anos à actividade empresarial.».
Não cuidou o tribunal de averiguar os rendimentos do arguido, quer do trabalho, quer societários, quer prediais, como nada averiguou sobre o seu agregado familiar e sobre as suas condições de vida, sendo certo que aquele prestou declarações em audiência e, mesmo que assim não fosse, sempre restaria o recurso à prova documental.
É que o facto de o arguido ser engenheiro civil nada nos diz sequer, sobre efectivo exercício profissional de tal actividade e muito menos, dos rendimentos efectivamente proporcionados. E a circunstância de se dedicar há mais de dez anos à actividade empresarial é, em si mesma, irrelevante, pois o que era preciso apurar era o sucesso, ou falta dele, no exercício de tal actividade, sucesso, bem entendido, demonstrado através da obtenção de lucro.

Por isso, quando a sentença recorrida se socorre dos rendimentos que a aptidão profissional e actividade empresarial do arguido B... poderão propiciar, não se está a aplicar o critério legal de fixação da taxa diária da pena de multa, na medida em que pondera e considera uma mera possibilidade e não factos quando, o que importava apurar, e o não foi, era os rendimentos que a aptidão profissional e a actividade empresarial do arguido efectivamente lhe proporcionam.

O art. 410º, nº 2, do C. Processo Penal prevê o regime dos vícios da decisão a saber, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão e o erro notório na apreciação da prova.
Trata-se de vícios intrínsecos à sentença que, como estipula a lei, têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ficando portanto arredada a sua demonstração através de elementos a ela [decisão] alheios, e cujo conhecimento é oficioso (Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro, DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995).
Existe o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada que consta da sentença não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a conclusão [decisão de direito] ultrapassa as respectivas premissas [decisão de facto]. Dito ainda de outra forma, ocorre o vício quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria de facto contida no objecto do processo relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pág. 69).

Assim, resta concluir que não tendo o tribunal a quo investigado as capacidades económicas e financeiras do arguido e os seus encargos pessoais designadamente, os seus efectivos rendimentos e a sua situação familiar, vindo a fixar o quantitativo diário da pena de multa, não em factos mas numa mera conjectura, se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quanto a este concreto aspecto.

Verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e não sendo possível decidir a causa, impõe-se, nos termos do art. 426º, nº 1, do C. Processo Penal, o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à questão concretamente identificada – apuramento de factos que comprovem a situação económica e financeira do arguido bem como os seus encargos pessoais, com vista à fixação da taxa diária da pena de multa em que foi condenado –, observando-se para tanto, o disposto no art. 426º-A, do mesmo código.

Precede pois, nesta parte, ainda que por razões diversas, o recurso.
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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em:

A) Negar provimento ao recurso retido e, em consequência, julgam improcedente a arguida irregularidade da notificação da acusação pública.
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B) Conceder parcial provimento ao recurso da sentença e, em consequência:

1. Julgam improcedente a invocada nulidade do julgamento por omissão da documentação das declarações orais.

2. Julgam improcedente a invocada excepção da prescrição do procedimento criminal.
3. Revogam a sentença recorrida na parte relativa à fixação do quantitativo diário da pena de multa aplicada ao arguido, e ordenam o reenvio do processo para novo julgamento relativamente a esta concreta questão.

4. Confirmam, quanto ao mais, a sentença recorrida.
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Custas do recurso retido pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 87º, nº 1, b), do C. Custas Judiciais).

Custas do recurso final pelo recorrente, atento o decaimento parcial, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs. (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 87º, nº 1, b), do C. Custas Judiciais).
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Heitor Vasques Osório (Relator)

Jorge Dias