Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3961/09.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: ARRESTO
Data do Acordão: 06/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 381º, Nº 3, E 406º DO CPC
Sumário: I – Entende-se por norma que o procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: probabilidade da existência do crédito e justo receio de perda da garantia patrimonial.

II – O receio para ser justificado há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

A..., B...., C... e mulher, D..., instauraram, em 9.12.2009, no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, providência cautelar de arresto contra E.... e F..., pedindo que fossem arrestadas três fracções urbanas que identificam e que haviam sido objecto de contrato promessa de permuta celebrado com as Requeridas para o qual foi convencionada a execução específica, posta em causa pelo anúncio da venda de uma delas e receando que o mesmo suceda com as outras.

Produzidas as provas, a Senhora Juíza, por decisão de 22.12.2009, decretou a providência.

Inconformada com tal decisão, dela apelou a Requerida F... que conclui a sua alegação, do seguinte modo:

[……………………………………………………]

Na sua contra-alegação pugnam os Requerentes pela confirmação da decisão sob recurso.

Foram dispensados os vistos, face à celeridade que é devida no procedimento.

As questões que as duas dezenas de conclusões do recurso suscitam, podem enunciar-se desta maneira:

Ausência de requisitos do arresto quanto à Recorrente e consequente redução da providência;

A inviabilidade da execução específica do contrato;

A excepção do não cumprimento.;

Cumpre apreciar.

II.

A - Os factos que na instância recorrida foram dados como, indiciariamente, provados, são os seguintes:

[………………………………………………………]

B – O Direito

1. Como se sabe, o arresto integra as providências tipificadas a que alude o nº3 do artº381º do CPC.

Dispõe o artº406º deste diploma:

1. O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.

2. O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção.

 Entende-se por norma que este procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: probabilidade da existência do crédito e justo receio de perda da garantia patrimonial.

O receio para ser justificado há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação – cfr AC STJ de 3.03.1998, CJ, 1998, I,116.

Temos, pois que quem requer o arresto há-de ser credor do Requerido, competindo-lhe a prova de que este coloca em risco o seu direito de crédito, por falta de cumprimento pontual de suas obrigações, inculcando sua conduta que pretende sonegar ou malbaratar o seu património.

2. Segundo A. Varela, contrato-promessa “é a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato”( Das Obrigações…,I,317, 9ª ed).

Na situação que aqui importa reter, o contrato a celebrar foi denominado pelas partes como de permuta. Segundo a definição de Menezes Leitão, cuja lição se segue a este propósito “ a troca ou permuta consiste no contrato que tem por objecto a transferência recíproca da propriedade de coisas ou outros direitos entre os contraentes” (Direito das Obrigações, III, 3ª ed, 165). No caso, além da troca das fracções, acordou-se contraprestação em dinheiro, pelo que, seguindo a lição do mesmo autor, mais ajustada será a qualificação do contrato como misto de permuta e venda, circunstância que, todavia, parece não ter qualquer repercussão sobre o respectivo regime uma vez que, sendo um negócio de alienação a título oneroso, não deixa de se lhe aplicar no essencial o regime da venda, por força do artº939º do CC.

Trata-se de um contrato consensual que apenas está sujeito a forma (escritura pública) no caso de troca de bens imóveis (artº875º) e sinalagmático, não só porque as obrigações são causa uma da outra, mas também porque, na sua execução, permanecem ligadas entre si; e para a sua constituição não se exige tradição, ficando os respectivos outorgantes obrigados apenas à entrega das coisas que são objecto da permuta.

Estamos por isso, perante um contrato obrigacional e real quoad effectum uma vez que a propriedade dos bens se transmite por mero efeito do contrato e obriga os permutantes à entrega das coisas (artº879º, al a), 408º,1 e 882º), não havendo obstáculo a que incida sobre bens futuros (880º).

3. O crédito dos Requerentes tem por fonte o contrato-promessa de permuta e o incumprimento temporário, imputado às Requeridas, consistente na sua alegada recusa de proceder à realização da respectiva escritura pública.

Com o arresto, segundo alegam, pretendem assegurar a sua execução específica, isto é, “obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida (artº410º,3 e 830º,1 e 3 do CC). O que na prática, o tribunal assegura, dando como realizado o contrato prometido por força da sentença que directamente decreta “o efeito fundamental do contrato prometido, como se o requerente e o demandado o tivessem celebrado”( obra citada, 344).

Não se devendo perder de vista que em causa está o cumprimento de uma prestação de facto positivo – a emissão de declaração negocial correspondente ao negócio prometido -, certo é que, antes de tudo, como se referiu, os Requerentes do arresto só asseguram a sua legitimidade substantiva para o feito, se forem credores das Requeridas.

Qualidade que eles não demonstram relativamente à Recorrente.

Vejamos: como se vê do contrato escrito junto aos autos, apenas a E..., assumiu a promessa de entregar aos Requerentes as três fracções urbanas, objecto da contraprestação na permuta (clª segunda).

Sobre uma delas, porém, não tinha poderes de disposição, pois era propriedade da Recorrente e co-Requerida F... que, assim, outorgou no contrato em apreço para se obrigar “a dentro do prazo referido para a outorga da escritura de permuta…transmitir a propriedade da fracção (para habitação com sótão e garagem) …para a segunda outorgante”( E...).

Como é evidente, nesta transmissão estão implicadas, exclusivamente, as Requeridas, não resultando dessa ou outra cláusula, direito dos promissários Requerentes sobre a Recorrente que a essa transmissão a obrigue (já o mesmo não diríamos sobre o promitente da alienação da mesma fracção).

Tal obrigação, na arquitectura do contrato promessa outorgado, constitui obrigação secundária e acessória que consubstancia condição preliminar da conclusão do contrato prometido (a permuta), tal como foi programado pelos sujeitos deste último e enquanto tal, isto é, como seu antecedente lógico e cronológico, não pode ser objecto da execução específica que os Requerentes almejam garantir com o arresto. O que o contrato visivelmente confirma quando na cláusula7ª previne o incumprimento por banda da Recorrente, penalizando-o com a quantia penitencial aí mencionada e reservando a alternativa da execução específica apenas para os Requerentes e para a Requerida E....

 De todo o modo, mesmo que se pudesse admitir o direito dos Requerentes a invocá-lo a seu favor, na matéria que foi dada como indiciariamente provada não há rigorosamente qualquer facto que a esse incumprimento se refira. Assim como se não vislumbra que nela se inclua qualquer comportamento ou acção da mesma Recorrente que permita formular conclusão sobre a justeza do receio da perda da garantia patrimonial dos Requerentes.

Daí que, quanto à Recorrente, seja injustificável a conclusão de Senhora Juíza sobre a verificação dos requisitos do arresto, mormente, no tocante à verosimilhança do crédito que só a confusão sobre os efeitos dos contratos explicará que se possa fundamentar com o facto de as “requeridas não entregaram as fracções que prometeram permutar” (sic).

4. Suscita a Recorrente ainda as questões relativas à excepção do não cumprimento do contrato em virtude de os Requerentes não se aprestarem a oferecer em simultâneo a sua prestação na permuta prometida e à inviabilidade da execução específica face áa diversidade (fracções urbanas e rústicas e dinheiro) da natureza dos bens envolvidos nessa mesma permuta, com o alcance de obter ainda o levantamento do arresto sobre as duas outras fracções que dele foram objecto.

Tais questões são, obviamente, susceptíveis de discussão jurídica, mormente, face ao que se dispõe nos nº1 (in fine) e 5 do artº 830º do CC, muito embora a alegação da primeira se afigure deslocalizada no arresto e sobretudo difícil de enquadrar na natureza obrigacional e real quoad effectum da permuta, acima referenciada, e a segunda, possa ser contornada por meio de redução de cuja viabilidade, aqui, nunca caberia conhecer.

Porém, o efeito e alcance que dessas questões pretende retirar a Recorrente, não podem iludir que ela carece de legitimidade para, no recurso, ir além daquilo que na sentença lhe foi desfavorável, além de que, na falta de impugnação da mesma sentença por banda da Requerida E..., nessa parte, ela transitou em julgado (artº683º e 684º, 2 do CPC).

5. Concluindo, pois:

A Requerida F... comprometeu-se no contrato promessa de permuta a transmitir a propriedade de sua fracção para a promitente alienante de modo a que esta, por sua vez, possa cumprir essa promessa de permuta com os promissários relativamente a essa e outras duas fracções;

a execução específica dessa promessa pressupõe o cumprimento prévio daquela obrigação acessória que os promissários apenas podem exigir do promitente alienante;

se, por razões que se desconhecem, aquela prévia transmissão não teve lugar, não têm os promissários direito de execução específica sobre a aludida fracção e consequentemente, direito de a arrestar com esse fundamento.

III

Termos em que julgam procedente a apelação e, revogando, parcialmente, a decisão proferida neste procedimento cautelar, dão sem efeito o arresto da fracção destinada a habitação, com sótão e garagem, designada pelas letras (….).