Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO RUÇO | ||
Descritores: | DECISÃO INSTRUTÓRIA PRONÚNCIA IRRECORRIBILIDADE VÍCIOS DA DECISÃO INSTRUTÓRIA. | ||
Data do Acordão: | 10/18/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 405º CPP | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 310.º E 399.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
Sumário: | A irrecorribilidade prescrita no n.º 1 do artigo 310.º do Código de Processo Penal, relativa à decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, abrange os vícios da decisão em si mesma, como, por exemplo, a omissão de pronúncia ou a sua falta de fundamentação, bem como a decisão do juiz de instrução que posteriormente venha a pronunciar-se sobre eles, após a respetiva arguição. | ||
Decisão Texto Integral: | Reclamação - artº 405º CPP Reclamação – artigo 405.º do Código de Processo Penal * * Reclamante/arguido/ ………AA Reclamados………........……Ministério Público ........................... BB * Sumário: A irrecorribilidade prescrita no n.º 1 do artigo 310.º do Código de Processo Penal, relativa à decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, abrange os vícios da decisão em si mesma, como, por exemplo, a omissão de pronúncia ou a sua falta de fundamentação, bem como a decisão do juiz de instrução que posteriormente venha a pronunciar-se sobre eles, após a respetiva arguição. * I. Relatório 1. A presente reclamação é dirigida ao despacho de 14 de setembro de 2022, que não admitiu o recurso interposto do despacho de 3 de maio do mesmo ano e inserese num processo comum singular. O despacho de 3 de maio pronunciou-se sobre diversas invalidades que o arguido apontou à decisão instrutória, a saber, como se refere no despacho: - nulidade decorrente do facto do ofendido não ter sido ouvido na fase de inquérito e ter sido inquirido na fase de instrução pela autoridade policial sem que isso tivesse sido determinado pelo juiz de instrução e sem que o arguido tivesse sido notificado desse ato para poder exercer o contraditório (artigo 120.º, n.º 2, al. d) do CPP); - Que alertou, em requerimento datado de 6 de abril de 2022, que a valoração deste depoimento do ofendido em sede de decisão instrutória violaria o direito ao contraditório, o princípio do inquisitório e de reserva do juiz, sem sucesso porque esta questão não foi apreciada existindo, por isso omissão de pronúncia quanto a esta matéria (artigo 120.º, n.º 2, al. d) do CPP) - Que a decisão instrutória não mostra como, quando e de que forma foram transmitidas as ações do ofendido para o arguido, o que caso tivesse sido feito, ponderando ainda o depoimento da testemunha CC, levaria a um juízo de não pronúncia, tendo ocorrido nesta parte também omissão de pronúncia e, no mais, violação do princípio do acusatório e da presunção de inocência do arguido. - Falta de indicação da convicção que levou à prolação do despacho de pronúncia; - Face aos factos referidos na pronúncia não é possível saber quando se iniciou o prazo de prescrição, o que gera nulidade (artigo 283.º, n.º 3, al. b), ex vi artigo 308.º, n.º 2 do CPP). O referido despacho de 3 de maio apreciou essas invalidades a sentenciou deste modo: «Face ao exposto, indefiro as alegadas invalidades invocadas pelo arguido, mantendo-se a decisão instrutória proferida nos autos.» 2. O arguido recorreu desta decisão e o tribunal, por despacho de 14 de setembro, não admitiu o recurso argumentando, em síntese, que não havendo recurso da decisão que pronunciou o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação do Ministério Público, então também não pode haver recurso do despacho que a seguir se pronuncia e indefira a arguição de vícios apontados à decisão instrutória. 3. A reclamação incide sobre este despacho e os seus fundamentos consistem, no essencial, em argumentar que a irrecorribilidade determinada no n.º 1 do artigo 310.º do CPP não abrange todos os despachos proferidos pelo juiz de instrução, e muito menos os posteriores á decisão instrutória, como é o caso, que pronunciou o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação. E não abrange os vícios da própria decisão instrutória em si mesma (como, por exemplo, a ponderação de uma prova previamente já arguida de inválida, como o apontado caso de inquirição do ofendido na fase da instrução, prova que não devia ter sido valorada e foi. II. Objeto da reclamação A questão colocada na presente reclamação consiste em saber se é recorrível o despacho proferido em 3 de maio de 2022, posterior à decisão instrutória (a qual pronunciou o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação), que se pronunciou, indeferindo, a arguição de diversas invalidades ocorridas durante a fase de instrução e na própria decisão instrutória, como é o caso, por exemplo, da omissão de pronúncia. III. Fundamentação (a) Matéria de facto processual «A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento» (redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto). A alteração legislativa de 2007 fez caducar o referido Acórdão n.º 6/2000, pois ao acrescentar ao n.º 1 «formulada nos termos do artigo 283º ou do n.º 4 do artigo 285º» e «mesmo na parte em que em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais», a lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, dispôs expressamente sobre a matéria que o mencionado acórdão tinha decidido. Este historial mostra que foi intenção do legislador acelerar o processo penal de modo a que não ficasse «preso» na fase de instrução e seus recursos, retardando com isso a submissão do arguido a julgamento e dando aso, como tem ocorrido não raras vezes, a que o arguido não seja julgado em prazo razoável, como determina o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição («Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo»). Verifica-se, e o arguido não discorda, que efetivamente ele foi pronunciado pelos mesmos factos que lhe haviam sido imputados na acusação. Mas, argumenta, que a irrecorribilidade do n.º 1 do artigo 310.º do CPP não abrange as questões apreciadas no despacho de 3 de maio, tais como a nulidade decorrente do facto do ofendido não ter sido ouvido na fase de inquérito e ter sido inquirido na fase de instrução pela autoridade policial sem que isso tivesse sido determinado pelo juiz de instrução e sem que o arguido tivesse sido notificado desse ato para poder exercer o contraditório (artigo 120.º, n.º 2, al. d) do CPP); Ou a omissão de pronúncia imputada à própria decisão instrutória. (a) Como se disse, o legislador com a nova redação dada ao n.º 1 do artigo 310.º do CPP, quis imprimir celeridade ao processo penal e decidiu fazê-lo por existir concordância entre a acusação deduzida pelo Ministério Público e o juízo formado pelo juiz de instrução acerca da acusação na fase processual da instrução. O legislador entendeu que nestes casos as garantias do arguido estavam acauteladas e, por isso, podia-se avançar para julgamento sem necessidade de sujeitar a decisão instrutória a uma nova análise por um tribunal superior, através do respetivo recurso, permitindo-se sim que na fase de julgamento o arguido possa tomar posição sobre vícios processuais ou outros que ainda tenham capacidade para o afetarem negativamente [«…mesmo no caso de recurso da decisão instrutória, nunca se faz caso julgado quanto à questão de emérito: a decisão instrutória não incide sobre o mérito da causa, mas tão-só sobre as questões processuais. Este desiderato de celeridade só se consegue alcançar se efetivamente não existir possibilidade de impedir que o processo prossiga para a fase de julgamento quando a decisão instrutória pronunciar o arguido pelos mesmos factos que constam da acusação. Se existir a possibilidade desta decisão instrutória, através de um recurso, ser anulada, alterada ou de algum modo revertida ou retardada, então frustra-se a finalidade que está contida no mencionado n.º 1 do artigo 310.º do CPP. É que, é sempre possível invocar um qualquer vício oponível à decisão instrutória, sejam vícios que a afetam devido a situações processuais anteriores que nela se refletem ou repercutem, seja vícios da própria decisão, como, por exemplo, a falta de fundamentação ou a omissão de pronúncia. Daí que a irrecorribilidade determinada no n.º 1 do artigo 310.º do CPP se estenda também a decisões posteriores tomadas pelo Juiz de instrução que possam ter efeitos sobre essa decisão, como é o caso da decisão sobre nulidades arguidas em relação à própria decisão instrutória, com fundamento, por exemplo, em omissão de pronúncia. 482/2014, de 25 de junho de 2014 (DR, II Série, n.º 143 de 28-07-2014), quando ponderou (e abaixo se sublinha): «20 — Como já foi referido, o Tribunal Constitucional, em jurisprudência constante, tem considerado constitucionalmente admissível, por não configurar uma restrição desproporcionada do direito ao recurso em processo penal, que o legislador, em benefício da celeridade processual, determine a irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, bem como a irrecorribilidade da decisão instrutória na parte em que decide questões prévias ou incidentais àquele despacho (de pronúncia). Na base dessa jurisprudência constante está o pressuposto de que a natureza meramente provisória do juízo de imputação de factos suscetíveis de integraram a prática de crime que resulta da decisão instrutória de pronúncia permite que qualquer vício ou nulidade que a afete possa sempre ser ainda devidamente conhecido na fase subsequente de julgamento, concretamente em dois momentos: na sentença que vier a ser proferida após o encerramento da audiência de julgamento ou em sede de recurso a interpor da sentença seja desfavorável ao arguido. Neste âmbito, em coerência, não pode deixar de se entender que o mesmo raciocínio se aplicará à irrecorribilidade do despacho que decida a arguição de vícios (v.g., nulidades) que afetem especificamente a decisão instrutória, designadamente na parte em que decida a arguição de nulidade da decisão instrutória por omissão do dever de pronúncia ou por falta de concretização dos factos imputados ao arguido. Decidir o contrário seria, afinal, permitir, por via indireta, a recorribilidade de uma decisão cuja irrecorribilidade resulta claramente da lei, solução que tem sido constantemente confirmada pelo Tribunal Constitucional como conforme à Constituição.» Por conseguinte, quando no n.º 1 do artigo 310.º se diz que «A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, …» abrangem-se aqui os próprios vícios da decisão em si mesma, como a omissão de pronúncia ou a sua falta de fundamentação, logicamente apreciados em despacho posterior. (b) Se não se entendesse assim, a irrecorribilidade determinada no n.º 1 do artigo 310.º do CPP, pouco ou nada valeria, pois a decisão instrutória poderia vir a ser anulada por um tribunal superior pela procedência de uma qualquer nulidade apontada à decisão instrutória. Com efeito, a possibilidade de serem feitas interpretações, qualificações, distinções, etc., são tantas quantos os casos concretos, dado que é sempre possível afirmar algo a respeito de uma decisão instrutória e é sabido que para recorrer não é necessário, como é da própria natureza do recurso, provar de antemão que se tem razão. É certo que esta opção legislativa tem riscos, pois certamente ocorrerão casos em que a decisão instrutória padece efetivamente de vícios, como, por exemplo, a omissão de pronúncia ou a falta de fundamentação. Mas são riscos que não se podem evitar em alguns processos quando se pretende alcançar a necessária celeridade processual em todos os processos. E são riscos que podem ser assumidos, pois como se referiu no mencionado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 482/2014, «… o legislador infraconstitucional delineou a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público como traduzindo em si mesma já o resultado de uma função que representa uma dupla garantia, na medida em que impõe a comprovação por um juiz de instrução da acusação deduzida pelo Ministério Público. Através desta opção legislativa, o legislador procura proteger o arguido contra acusações infundadas ou ilegais, enquanto se garante a liberdade de decisão ao juiz do julgamento quanto à valoração das provas produzidas e à fixação dos factos provados.» Ou seja, o consenso entre um magistrado do Ministério Público que deduziu acusação e o juiz de instrução que apreciou os fundamentos da instrução e decidiu manter a acusação, bem como o facto da decisão instrutória ser uma decisão provisória, não definitiva, são garantia bastante de que se pode entrar na fase de julgamento, sem necessidade de submeter a recurso a decisão do juiz de instrução. (c) Face ao exposto, a presente reclamação tem de ser desatendida porquanto os vícios apontados à decisão instrutória nas diversas alíneas da «Conclusão B» do recurso ou são vícios acorridos em momento anterior à decisão instrutória ou são vícios que não foram apreciados na decisão instrutória e, por isso, passaram a afetar a decisão instrutória em si mesma, como vícios da própria decisão instrutória. E quanto a estes vícios, uns e outros, não há recurso, pelas razões que acabam de ser indicadas. Concluindo, a irrecorribilidade prescrita no n.º 1 do artigo 310.º do Código de Processo Penal, relativa à decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, abrange os vícios da decisão em si mesma, como, por exemplo, a omissão de pronúncia ou a sua falta de fundamentação, bem como a decisão do juiz de instrução que posteriormente venha a pronunciar-se sobre eles, após a respetiva arguição. IV. Decisão * Alberto Augusto Vicente Ruço (Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, por competência delegada - Despacho do Ex.mo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de março de 2022) |