Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3031/16.5T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: ASSINATURA ELECTRÓNICA
Data do Acordão: 11/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (ALCOBAÇA – JL CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 2.º, AL. G), E 7.º, N.º 1, DO DL N.º 290-D/99, DE 02-08, ALTERADO PELOS DL 62/2003, DE 03-04, 165/2004, DE 07-06, 116-A, DE 16-06, E 88/2009, DE 09-04
Sumário: I – À assinatura electrónica deve estar associado um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário.

II – Os certificados digitais qualificados são ficheiros electrónicos autenticados com assinatura digital qualificada (ou seja, uma assinatura electrónica emitida por uma entidade certificadora credenciada), que garantam a identificação de pessoas, bem como a realização, com segurança, das transacções electrónicas.

III – Assim, se a aposição de uma assinatura electrónica qualificada num documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos como forma escrita sobre suporte de papel (art. 7.º, n.º 1, do DL n.º 290-D/99), no caso de um documento digital, a assinatura electrónica só pode ser confirmada no ficheiro electrónico que contenha tal documento.

IV – No caso dos autos, não obstante constar da decisão administrativa “Documento com aposição de assinatura electrónica qualificada”, esta expressão não substitui a dita assinatura. Uma coisa é imprimir um documento electrónico, outra, completamente diferente, é inscrever em documento o referido segmento textual.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

A... veio interpor recurso da decisão que julgando improcedente a impugnação deduzida, manteve a decisão da A.N.S.R. (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária) que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias (suspensa na sua execução por um período de 365 dias, condicionada à frequência de uma acção de formação no módulo Velocidade, devendo esta ser frequentada durante o período da suspensão), pela prática, a título negligente, da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 27º, n.ºs 1 e 2, al. a), 2º parágrafo, 138º e 145º, al. c) todos do Código da Estrada.


*

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões:
1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos que decidiu julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, ora recorrente, mantendo, na íntegra, a decisão administrativa recorrida, nos seus precisos termos, ou seja, aplicou ao ora recorrente a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, suspendendo-se a execução da mesma por um período de 365 dias, condicionada à frequência de uma acção de formação no módulo velocidade, devendo esta ser frequentada durante o período da suspensão.
2- Entender, como o faz o douto Tribunal a quo, que é “evidente” que o arguido deve adivinhar que as indicações da legislação que também serve para punir a contra-ordenação por que vem acusado, porquanto referentes à validade do aparelho de medição utilizado, não são as que vêm indicadas no Auto, ou na decisão administrativa, mas quaisquer outras, que este tem obrigação de procurar, investigar e descobrir, é a mais pura e absoluta distorção dos princípios do acusatório e do contraditório, pilares inabaláveis (achava o ora recorrente!) do direito penal e contra-ordenacional.
3- Tal interpretação dos artigos 175º, nº 1, alíneas a) e b) do Código da Estrada e 50º do RGCO, designadamente, a interpretação de que evidentemente não é necessária a indicação correcta, nem a indicação, dos despachos referentes à aprovação e verificação dos aparelhos de medição utilizados no controlo de velocidade e que servirão para imputar ao arguida a prática de uma contra-ordenação, com base nas suas medições, é inconstitucional, por violadora do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa e dos princípios, penal e constitucionalmente consagrados, do acusatório, do contraditório, da tipicidade e da legalidade
4- Mas o certo é que a decisão administrativa objecto de impugnação judicial não está assinada, não sendo possível, nem ao ora recorrente, nem ao Tribunal, nem a quem quer que seja, aferir e perceber quem tomou a decisão de aplicar ao ora recorrente a sanção acessória de 60 dias de inibição de conduzir, suspensa na sua execução com a condição dela constante.
5- Entendeu o douto Tribunal a quo que a invocação de tal “falta de assinatura da decisão administrativa e de falta de delegação de competências, manifestamente improcede, em face do teor do facto provado 6 e da disposição contida no artigo 169º-A do Código da Estrada, sendo que a circunstância de um documento electrónico poder ser impresso em papel não lhe retira aquela primeira natureza nem a assinatura electrónica deixa de ser válida por esse motivo”.
6- Salvo o devido respeito, não consegue o ora recorrente compreender o argumento utilizado, porquanto, se é certo que um qualquer “documento electrónico” pode ser impresso, não menos certo é que, para existir enquanto documento electrónico (que depois pode ser impresso), tem de cumprir os requisitos legais para tal.
7- Uma coisa é imprimir um documento electrónico; outra coisa, completamente diferente, é escrever num qualquer papel ou documento, como de seguida se fará: “Documento com aposição de assinatura electrónica qualificada”, sendo certo que o nº 3 do artigo 169º-A do Código da Estrada, impõe que “para os efeitos previstos nos números anteriores, apenas pode ser utilizada a assinatura electrónica qualificada de acordo com os requisitos legais e regulamentares exigíveis pelo Sistema de Certificação Electrónica do Estado” - o que claramente não aconteceu!.
8- Por outro lado, e ao contrário do constante imediatamente antes da aposição do nome “B....”, também não se confirma a delegação de competências do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, através do Despacho nº 3313/2013 de 19/02, publicado no DR nº 43, 2ª série de 01 de Março de 2013, porquanto “ B... ” não é nenhum dos Técnicos Superiores referidos no referido Despacho.
9- Pelo que, ainda que assinada estivesse - e não está - nunca se poderia considerar válida a decisão administrativa objecto de impugnação judicial, porquanto a mesma foi proferida por quem não tinha legitimidade ou competência, sendo, consequentemente, nula e sem produzir quaisquer efeitos.
10- Entendeu o douto Tribunal a quo, que é “bastante temerário e até audacioso” ousar pôr em causa que “há mais Marias na terra”, e que, não existindo qualquer assinatura, nem autógrafa, nem electrónica, se exija que, ao menos, o nome completo da pessoa em quem alegadamente se delegou poderes conste do documento, para não haver qualquer dúvidas acerca da sua identidade, à semelhança, aliás, do que fazem os Srs. Primeiro-Ministro, ou Presidente da República, que assinam o seu nome completo na legislação que “produzem” - o ora recorrente limitou-se a invocar uma nulidade que entendeu e entende verificar-se
11- Mas ainda que se tratasse de uma mera irregularidade - e não trata - não é irrelevante saber quem tomou a decisão posta em crise, tal como não é irrelevante que uma qualquer sentença seja proferida pelo Sr. Juiz ou pelo Sr. Escrivão.
12- A resposta à pergunta: “Quem tomou a decisão em causa?” afecta o valor do acto praticado, pelo que, mesmo que se tratasse de uma mera irregularidade – o que se não aceita – podia e devia o douto Tribunal a quo ter ordenado oficiosamente a sua reparação quando dela tomou conhecimento.
13- E a verdade é que entende o ora recorrente tratar-se de uma nulidade, pois, se é certo que as nulidades insanáveis estão taxativamente previstas no artigo 119º do Código de Processo Penal, não menos certo é que devem tais regras ser adaptadas ao processo contra-ordenacional (onde não existe Ministério Público, nem juízes ou jurados), sob pena de ser letra morta o disposto, quer no artigo 132º do Código da Estrada, quer no artigo 41º do RGCO, que estipulam que são aplicáveis, “devidamente adaptados” os preceitos reguladores do processo criminal. 
14- Assim sendo, como não pode deixar de ser, a falta de competência para a tomada da decisão em causa – que, sublinha-se, é diferente da falta de assinatura, que também se verifica no caso concreto – tanto pode ser equiparada à ausência do Ministério Público a actos relativamente aos quais a lei exigir a sua comparência (Artigo 119º, alínea b) do Código de Processo Penal), como à falta do número de juízes ou jurados que devam constituir o Tribunal (Artigo 119º, alínea a) do Código de Processo Penal), ou ainda como à violação das regras de competência do Tribunal (Artigo 119º, alínea e) do Código de Processo Penal): dependendo da forma como seja encarada a decisão administrativa, no que, infelizmente, a “doutrina” muito diverge...
15- Ponto é que tenha obrigatoriamente que ser a pessoa competente para aplicar a coima (seja o Ministério Público, se aquela for encarada como acusação; ou o juiz, se aquela for encarada como decisão) quem a aplique – se assim não for, teremos uma verdadeira ausência de decisão, por falta de legitimidade, que tem necessariamente que ser encarada – face à sua gravidade – como uma nulidade.
16- A não ser assim, isto é, a entender-se que não é relevante aferir a competência de quem profere a decisão administrativa posta em crise, estará o douto Tribunal a fazer uma interpretação inconstitucional dos artigos 169º e 169º-A do Código da Estrada, por violação dos artigos 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa e dos princípios do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.
17- Ao não ter ordenado a devolução do processo à entidade administrativa para que esclarecesse por quem e como foi tomada a decisão objecto de impugnação, não tendo nem reparado a irregularidade de que tomou (e devia ter tomado, até oficiosamente) conhecimento, nem apreciado a nulidade da decisão proferida, deixou o douto tribunal a quo de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, o que determina a nulidade da douta sentença proferida, nos termos do artigo 379º nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
18- Tal como é reconhecido na douta sentença proferida, nem no Auto de Notícia, nem na decisão objecto de Impugnação constam as correctas indicações dos diplomas legais que alegadamente atestam a validade do aparelho de medição utilizado.
19- Pelo que não podia o aparelho identificado na decisão recorrida ter sido considerado idóneo à verificação da velocidade a que circulava o veículo do ora recorrente, não devendo ser admitida a leitura do mesmo, e não podia o douto Tribunal a quo ter dado como provado o constante dos nºs 2 e 3 dos Factos Provados.
20- Ao decidir da forma expendida na douta decisão de que se recorre, violou o douto Tribunal a quo, entre outros, os artigos 169º e 169º-A do Código da Estrada,  119º, 123º, 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal e 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa e os princípios penal e constitucionalmente consagrados da legalidade, da tipicidade, do acusatório, do contraditório e do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, declarada nula a decisão proferida, ou, caso assim se não entenda, ser o ora recorrente absolvido da contra-ordenação por que foi condenado.


*

O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo ofereceu resposta, concluindo pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Notificado o arguido nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 417º do CPP, respondeu dando por reproduzidos os fundamentos do recurso que interpôs.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

III- FUNDAMENTAÇÃO

Na decisão recorrida consta o seguinte:

“ III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

III.1 – Factos provados:

Considera-se assente a seguinte factualidade relevante para a decisão da causa:
1. No dia 09.12.2014, pelas 15 horas e 59 minutos, o arguido, ora recorrente, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula (...) , na A8, ao Km 89,6, em Vale Maceira, concelho de Alcobaça.
2. Nessa ocasião, porquanto o recorrente não agiu com o cuidado a que estava legalmente obrigado, o referido veículo circulava, pelo menos, a uma velocidade de 168 km/hora, correspondente à velocidade registada de 177 km/hora, deduzido o valor de erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120 km/hora.
3. A aludida velocidade foi verificada através do radar fotográfico da marca e modelo Multanova MUVR-6FD, Nº 2627, aprovado pela ANSR, conforme despacho nº 1863 de 02/01/2014, e pelo IPQ, conforme despacho de aprovação nº 111.20.12.3.09, de 31/05/2012, verificado em 11/09/2014.
4. O arguido apresentou defesa na fase administrativa do processo e apresentou depósito de valor igual ao mínimo da coima em causa.
5. Na data da prolação da decisão administrativa ora recorrida (19.09.2015) o arguido tinha averbado, no respectivo registo individual de condutor, a prática, a 20/03/2012, da contra-ordenação (cujo número de auto é o 908171870) correspondente à condução de veículo automóvel ligeiro fora das localidades com excesso de velocidade superior a 30 km/h e inferior a 60 km/h sobre os limites legalmente impostos, pela qual foi condenado, por decisão notificada a 28/08/2012, na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspensa na sua execução pelo período de 180 dias.
6. No texto da decisão administrativa impugnada, em que não figura qualquer assinatura autógrafa, e cujo teor se considera integralmente reproduzido, consta, a final, a seguinte indicação:

«Por delegação de competências do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, (despacho nº 3313/2013, de 19 de fevereiro, publicado no D.R. nº 43, 2ª série, de 01 de março de 2013).

O Técnico superior

B...

Documento com aposição de assinatura electrónica qualificada».


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III.2 – Factos não provados:

Inexistem factos não provados a elencar.


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III.3 – Motivação da matéria de facto assente:

Começando por fazer notar que «a prova produzida perante a autoridade administrativa pode servir de suporte à decisão do recurso» (assim se pronunciam, por exemplo, os Srs. Conselheiros Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª edição, Almedina, 2009, p. 250) - o que maior pertinência assume nos casos, como o dos autos, em que a decisão é tomada por mero despacho, não havendo lugar à realização da audiência de julgamento -, e que, nos termos do disposto no artigo 170.º, n.ºs 3 e 4, do Código da Estrada, o auto de notícia e os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares fazem fé em juízo, até prova em contrário, deve desde logo sublinhar-se a circunstância de o arguido/impugnante não ter logrado fazer essa contraprova, tendo até anuído expressamente a que a decisão fosse levada a cabo através de mero despacho. 

Quanto aos factos provados, o tribunal teve em conta os teores do auto de contra-ordenação de fls. 1, da denominada «prova fotográfica» de fls. 3 e da cópia do certificado de verificação do respectivo cinemómetro-radar que se mostra junta a fls. 4.

A esse propósito, há antes de mais que frisar a circunstância de a sobredita contraprova exigível perante o disposto no artigo 170.º, n.ºs 3 e 4, do Código da Estrada, não se bastar com o lançar dúvidas e/ou especulações sobre a conformidade dos aparelhos ou instrumentos utilizados para detecção da infracção em causa. 

Com efeito, e conforme decorre da anotação de Tolda Pinto ao citado preceito legal (Código da Estrada Anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2005, p. 473), o auto de notícia (in casu, mais concretamente, o aparelho cinemómetro-radar identificado nos sobreditos elementos de prova já indicados) constitui prova legal plena, só podendo ser contrariado «por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto – cfr. artigo 347.º do Código Civil.

       (…)

       Não basta (…) criar no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto (a que se refere a prova plena), tornando o facto subjectivamente incerto. É essencial convencer o julgador (ou a autoridade administrativa) da existência do facto oposto, tornar (psicologicamente) certo o facto contrário (…)».

Tal contra-prova não resulta minimamente dos autos.

Para além disso, resulta dos referidos elementos probatórios que o cinemómetro-radar usado na situação em apreço não só foi objecto de aprovação pela ANSR e pelo IPQ há menos de 10 anos (pelo que tal aprovação ainda se encontra válida, nos termos do art. 2º, nº 2, do Dec.-Lei nº 291/90, de 20/9), como foi sujeito a verificação periódica no IPQ no dia 11/09/2014.

Pois, quanto à invocada falta dos referidos despachos da ANSR e do IPQ (invocação essa bastante temerária, salvo o devido respeito), ao contrário do alegado pelo Recorrente, basta a simples consulta do Diário da República para comprovar que os mesmos foram publicados em tal jornal oficial, não evidentemente nas respectivas datas de prolação constantes do auto e da decisão administrativa, mas sim em datas posteriores, mais concretamente:

       - o Despacho da ANSR nº 1863 de 02/01/2014 foi publicado no Diário da República, 2ª série, nº 26, de 06/02/2014;

       - a aprovação do modelo complementar nº 111.20.12.3.09 consta do Despacho do IPQ nº 8334/2012, de 31/05/2012, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 119, de 21/06/2012.

Quanto à invocada falta de referência da margem de erro do referido radar, a mesma também não se verifica, porquanto quer no auto de notícia, quer na decisão recorrida, é referido expressamente que o aludido veículo circulava, pelo menos, a uma velocidade de 168 km/hora, correspondente à velocidade registada de 177 km/hora, deduzido o valor de erro máximo admissível.

Não se verifica, portanto, qualquer falta de requisitos legais na utilização de tal radar, nem falta de fiabilidade e de aferição do referido aparelho, nem qualquer falta de requisitos técnicos de instalação do mesmo.

Improcedem, assim, as conclusões 5- a 9- do recurso ora em apreço.

Na defluência do assim exposto, com inequívoca pertinência para a situação que analisamos nos presentes autos, temos que a prova foi, pois, legitimamente obtida e valorada, uma vez que assentou em método permitido, devidamente aprovado e utilizado para finalidade bem específica.

Donde soçobrar os indicados fundamentos de nulidade da prova esgrimidos pelo arguido/impugnante, sendo indubitável a demonstração dos factos provados em 1 a 3.

Quanto ao facto provado em 4 já resultava da decisão administrativa, ao passo que o antecedente por contra-ordenação estradal a que se reporta o facto provado em 5 decorre do registo individual de condutor de fls. 10, o qual, como é sabido, é um registo público a que os condutores podem aceder nos termos legalmente previstos. O facto provado 6 resulta do teor da decisão administrativa.

No que diz respeito à invocada falta de assinatura da decisão administrativa e de falta de delegação de competências, manifestamente improcede, em face do teor do facto provado 6 e da disposição contida no artigo 169.º-A do Código da Estrada, sendo que a circunstância de um documento electrónico poder ser impresso em papel não lhe retira aquela primeira natureza nem a assinatura electrónica deixa de ser válida por esse motivo.

De qualquer das formas, ainda que se considerasse que a decisão condenatória não estava devidamente assinada, tal não traduziria, do nosso ponto de vista, qualquer nulidade, mas mera irregularidade, face ao disposto nos artigos 374.º, n.º 3, alínea e), 379.º, n.º 1, a contrario, e 380.º, n.º 1, alínea a), todos do Cód. Proc. Penal, aplicáveis ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do R.G.C.O.C.   

Com efeito, e tal como refere Paulo Pinto de Albuquerque em anotação àquele último preceito (Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE, 2011, p. 150), no processo contra-ordenacional aplicam-se as normas relativas, entre outros aspectos, à estrutura e vícios da decisão final, como são as normas do Cód. Proc. Penal vindas de citar.

Por outro lado, quanto à alegada falta de delegação de competências no Exmº Técnico Superior que subscreve a decisão administrativa, basta consultar o despacho publicado no Diário da República indicado no final de tal decisão, ou seja, o despacho nº 3313/2013, de 19 de fevereiro, publicado no D.R. nº 43, 2ª série, de 01 de março de 2013, para se confirmar que o nome completo daquele ( B... ) consta em tal despacho.

Desta feita, também tal invocação foi efectuada, salvo o devido respeito, de modo bastante temerário e até audacioso.

Face ao exposto, não se vislumbram quaisquer nulidades ou irregularidades do auto de notícia e da decisão administrativa, pois os mesmos obedecem claramente às disposições legais que regulam a respectiva prática/elaboração, nomeadamente o disposto nos artigos 170º e 181º, ambos do Código da Estrada, e muito menos se verifica a alegada violação das normas e princípios legais referidos na conclusão 10 do recurso em apreço.

Soçobra assim, e de igual modo, também as nulidades apontadas pelo arguido à decisão administrativa impugnada, sendo improcedentes as conclusões 1 a 4, e 10, do recurso em apreço.


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APRECIANDO

Atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 75º do DL n.º 433/82, de 27 Out., este tribunal conhece apenas da matéria de direito, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente os vícios indicados no artigo 410º, n.º 2 do CPP, de acordo com o acórdão do STJ para fixação de jurisprudência de 19-10-1995, publicado no DR, Série I-A, de 28-12-95).

Sendo o objecto do recurso fixado pelas conclusões retiradas das respectivas motivações, no presente recurso são suscitadas as seguintes questões:

 - a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia (nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP), aplicável ex vi dos artigos 41º do DL n.º 433/82 e 186º do CE;

- a validade do radar fotográfico utilizado na leitura da velocidade.


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Da nulidade da decisão recorrida
Alega o recorrente:

“a decisão administrativa objecto de impugnação judicial não está assinada, não sendo possível, nem ao ora recorrente, nem ao Tribunal, nem a quem quer que seja, aferir e perceber quem tomou a decisão de aplicar ao ora recorrente a sanção acessória de 60 dias de inibição de conduzir, suspensa na sua execução com a condição dela constante.

Sendo indiscutível que, nos termos do artigo 169º do Código da Estrada, tal competência cabe apenas ao Presidente da ANSR, podendo este, no entanto, delegar tal competência nos dirigentes e pessoal da carreira técnica superior da ANSR e sendo possível utilizar a assinatura digital, desde que cumpridas as exigências e requisitos do artigo 169º-A do mesmo Código da Estrada.

Ora, da decisão administrativa objecto de impugnação judicial não consta qualquer aposição de “assinatura electrónica qualificada”, mas um mero escrito com tais dizeres, que não substitui, nem pode substituir, aquela assinatura, uma vez que não contém nenhum dos requisitos daquela assinatura (data, hora, entidade certificadora, etc) e não está, sequer, assinada, antes tendo apenas aposto um nome, alegadamente pertencente a um técnico superior.”

E conclui o recorrente:

“Ao não ter ordenado a devolução do processo à entidade administrativa para que esclarecesse por quem e como foi tomada a decisão objecto de impugnação, não tendo nem reparado a irregularidade de que tomou (e devia ter tomado, até oficiosamente) conhecimento, nem apreciado a nulidade da decisão proferida, deixou o douto tribunal a quo de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, o que determina a nulidade da douta sentença proferida, nos termos do artigo 379º nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.”

Afigura-se-nos que assiste razão ao recorrente.

Na verdade,

Esta concreta questão foi também colocada pelo recorrente em sede de impugnação judicial da decisão administrativa (fls. 18/21) ……………………………………………………..

Tendo a decisão recorrida considerado: «No que diz respeito à invocada falta de assinatura da decisão administrativa e de falta de delegação de competências, manifestamente improcede, em face do teor do facto provado 6 e da disposição contida no artigo 169.º-A do Código da Estrada, sendo que a circunstância de um documento electrónico poder ser impresso em papel não lhe retira aquela primeira natureza nem a assinatura electrónica deixa de ser válida por esse motivo.»

Está em causa a decisão impugnada, de fls. 11/12, da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária, na qual não figura qualquer assinatura autógrafa, constando a final a seguinte indicação:

«Por delegação de competências do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, (despacho nº 3313/2013, de 19 de fevereiro, publicado no D.R. nº 43, 2ª série, de 01 de março de 2013).

                                                                O Técnico superior

                                                                    B...

                       Documento com aposição de assinatura electrónica qualificada »

Dispõe o n.º 2 do artigo 169º do Código da Estrada que a competência para aplicação das coimas e sanções acessórias pertence ao presidente da ANRS, acrescentando o n.º 3 que O presidente da ANRS pode delegar a competência a que se refere o número anterior nos dirigentes e pessoal da carreira técnica superior da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

E, estabelece o artigo 169º-A, sob a epígrafe Forma dos actos processuais

«1- Os atos processuais podem ser praticados em suporte informático com aposição de assinatura eletrónica qualificada.

2- Os atos processuais e documentos assinados nos termos do número anterior substituem e dispensam para quaisquer efeitos a assinatura autografa no processo em suporte de papel.

3- Para os efeitos previstos nos números anteriores, apenas pode ser utilizada a assinatura eletrónica qualificada de acordo com os requisitos legais e regulamentares exigíveis pelo Sistema de Certificação Eletrónica do Estado.»

Como se pode ler no preâmbulo do DL n.º 88/2009, de 9 de Abril, foi o Sistema de Certificação Electrónica do Estado criado pelo DL n.º 116-A/2006, de 16 de Junho (com a 1ª alteração pelo DL n.º 88/2009, de 9 de Abril), tanto no plano institucional como técnico, para assegurar a unidade, a integração e a eficácia de uma hierarquia de confiança que garantisse a segurança electrónica e a autenticação digital forte das transacções electrónicas realizadas entre os vários serviços e organismos da Administração Pública e entre o Estado e os cidadãos e as empresas.

Por sua vez o DL n.º 290-D/99, de 2 de Agosto (alterado pelos DLs n.ºs 62/2003 de 3 de Abril, 165/2004 de 7 de Junho, 116-A/2006 de 16 de Junho e 88/2009 de 9 de Abril), estabelece o regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura digital.

A assinatura electrónica qualificada encontra-se definida na al. g) do artigo 2º do DL n.º 290-D/99, como sendo a assinatura digital ou outra modalidade de assinatura electrónica avançada que satisfaça exigências de segurança idênticas às da assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação da assinatura.

Sendo que, a assinatura electrónica deve ter associado à mesma um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário.

Os certificados digitais qualificados são ficheiros electrónicos autenticados com assinatura digital qualificada (ou seja, uma assinatura electrónica emitida por uma entidade certificadora credenciada), que garantem a identificação de pessoas, bem como a realização das transacções electrónicas com segurança.

Assim, se a aposição de uma assinatura electrónica qualificada num documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel (art. 7º, n.º 1 do DL n.º 290-D/99), no caso de um documento digital, a assinatura electrónica só pode ser confirmada no ficheiro electrónico que contenha tal documento.

No caso vertente, o recorrente pôs em causa a autoria da decisão administrativa.

E, pese embora, a fls. 12, conste “Documento com aposição de assinatura electrónica qualificada”, tem razão o recorrente quando afirma que tais dizeres não substituem aquela assinatura. Uma coisa é imprimir um documento electrónico. Outra coisa, completamente diferente, é escrever num qualquer papel ou documento “Documento com aposição de assinatura electrónica qualificada”.

Por conseguinte, tendo o recorrente, aquando da impugnação judicial da decisão da ANSR, invocado a nulidade da decisão administrativa, dado a mesma não estar assinada, nem manual, nem electronicamente, o que efectivamente acontece, deveria o tribunal a quo ter determinado a devolução dos autos à entidade administrativa a fim de ser suprida a apontada nulidade. Não o tendo feito, a decisão recorrida padece de nulidade, prevista no artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP.


*

Em face da nulidade da decisão recorrida, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

*****

IV- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- conceder provimento ao recurso e, em consequência:

   a) declarar a nulidade da decisão recorrida;

   b) devendo o tribunal de 1ª instância ordenar a devolução dos autos à entidade administrativa a fim de ser suprida a referida nulidade.

Sem tributação.


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Coimbra, 22 de Novembro de 2017

(Elisa Sales – relatora)

(Maria Pilar de Oliveira – adjunta)