Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SILVA FREITAS | ||
Descritores: | ACÇÃO EXECUTIVA INTERVENÇÃO PROVOCADA ADMISSIBILIDADE HERANÇA | ||
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Data do Acordão: | 04/24/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE OLIVEIRA DE FRADES | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 45º, 56º DO CPC E 2091º DO CC | ||
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Sumário: | 1. A jurisprudência tem, em regra, adoptado a orientação de que, se a execução deve ser instaurada apenas contra a pessoa que no título executivo tenha a posição de devedor, não podendo ser executado quem no título não figure, daí decorre, logicamente, que não seja admissível a intervenção principal provocada de um terceiro que não figura no título executivo, para se associar a um executado, quer este figure ou não como devedor no mesmo título. 2. No entanto, no caso “sub judice”, no próprio requerimento de execução, a exequente identificou devidamente os herdeiros relativos às duas heranças indivisas abertas por óbito, respectivamente, de C... e de D..., e pediu que os mesmos fossem citados, nessa qualidade, para a presente acção executiva, tendo comprovado documentalmente a sua qualidade de sucessores dessas heranças indivisas. 3. Por outro lado, foi proferido um despacho judicial a convidar a exequente, se assim o entendesse e no prazo de 10 dias, a fazer intervir no processo os herdeiros das heranças indivisas abertas por óbito de C... e D..., considerando que os herdeiros são os executados. - E foi em cumprimento desse despacho judicial que a exequente veio requerer a intervenção no processo, como executados, dos herdeiros das respectivas heranças indivisas, e que devidamente identificou. - Esse despacho pode considerar-se como um despacho de aperfeiçoamento do requerimento de execução, visando sanar a falta de um pressuposto processual – ilegitimidade de uma das partes, fundamentando-se, nomeadamente, nos artigos 265.º, n.º 2, 812.º, n.º 4, e 820.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil. 4. O preceituado no artigo 56.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, constitui um desvio à regra geral da legitimidade para a acção executiva, podendo esta ser intentada por e contra pessoas que não figuram no título executivo, por, entretanto, ter ocorrido transmissão no direito ou na obrigação, quer inter vivos, quer mortis causa. - A legitimidade que é concedida aos sujeitos que constam do título executivo como credor e devedor é igualmente reconhecida aos seus sucessores: se houver sucessão no direito ou na obrigação, são partes legítimas os sucessores dos sujeitos que figuram no título como credor e devedor da obrigação exequenda. E a herança, como conjunto das relações jurídicas patrimoniais que, em virtude da morte, passam da titularidade de uma pessoa para os seus sucessores, constitui um património autónomo. - Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Do objecto do recurso: A aqui recorrida B..., e exequente nos autos principais, instaurou acção executiva, entre outros, contra “Herança Indivisa por óbito de C...”. Em oposição à execução invocaram os legais representantes da citada herança, a excepção de ilegitimidade da herança para a presente demanda executiva, fundamentando que a “legitimidade passiva cabe … a todos os seus sucessores … figurando estes como executados na mesma”. Por despacho de fls. 55 e seguintes, foi a aqui recorrida convidada a “fazer intervir no processo os herdeiros da Herança Indivisa aberta por óbito de D... e da Herança Indivisa por óbito de C...” (sic), considerando partes ilegítimas as “heranças”. Os fundamentos normativos adjectivos do referido despacho judicial foram os artigos 812.º, nºs 2 e 4, ex vi, artigo 820.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil. Após contraditório dos aqui recorrentes, foi proferida decisão de admissão de intervenção na acção dos legais representantes (sucessores) de ambas as heranças executadas. Foi desta decisão que foi interposto o presente recurso. **** Em doutas alegações que apresentaram, os recorrentes A..., E... e F... , formularam as seguintes conclusões: I – O incidente de intervenção principal provocada deduzido pela exequente não é admissível na acção executiva. II – Estabelece a lei que, tendo havido sucessão, deve a execução ser promovida contra os sucessores da pessoa que no título tenha a posição de devedor, o que, no caso em apreço, se não verificou. III – Na acção executiva para pagamento de quantia certa – como é o caso – há incompatibilidade de ser deduzido o incidente de intervenção principal, por a tal obstar o seu fim e contrariar o seu processado específico, pois não admite uma decisão susceptível de produzir os efeitos próprios do chamamento requerido. Nela, não há uma sentença de condenação. IV – No caso sub judice, estamos perante um desvio à regra geral da determinação da legitimidade que se encontra previsto no artº 56º nº 1 do CPC., que a exequente não observou aquando da instauração da acção executiva. V – Ao decidir, da forma como o fez, o Tribunal «a quo» violou as normas dos artigos 45º, n.º 1, 55º, n.º 1 e 56º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil e ainda do artigo 2091º, n.º 1 do Código Civil. VI – Assim, revogando, o douto acórdão (sic) recorrido e substituindo-o por outro que, julgue legalmente inadmissível o incidente de intervenção principal provocada dos recorrentes, farão V.ªs Ex.as, a esperada Justiça. **** Em doutas contra-alegações apresentadas, a recorrida B..., concluiu que o presente recurso deveria ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos exactos termos proferidos. Essencialmente, disse a agravada que não pretendia, com o incidente da intervenção provocada, a obtenção de título executivo contra os chamados à demanda, mas tão só sanar a falta de um pressuposto processual – ilegitimidade. Aliás, o fundamento legal invocado pela decisão sub judice é, precisamente, o n.º 4, do artigo 812.º do Código de Processo Civil, o qual determina que “fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a … sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 265.º”. Por sua vez, dispõe o n.º 2, do artigo 265.º do Código de Processo Civil, que “o juiz providenciará mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los”. Enquadrando-se a fundamentação da decisão recorrida nos termos expostos, é a mesma legalmente admissível. **** O Ex.mo Juiz proferiu o despacho de sustentação tabelar da decisão recorrida e determinou a subida dos autos a este Tribunal da Relação. **** Foram colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-Adjuntos, cumprindo agora decidir. **** Na decisão recorrida, em face dos documentos constantes dos autos e da posição assumida pelos demais sujeitos processuais, foi considerada assente a seguinte factualidade: - No dia 22 de Junho de 2003, faleceu D...no estado de casado com G..., sem testamento ou disposição de última vontade; - Deixou vivos dois filhos, designadamente H... e I... ; - No dia 7 de Novembro de 2003, faleceu C... no estado de casado com J.... , sem testamento ou disposição de última vontade; e - Deixou vivos dois filhos, designadamente E... e F.... **** Na oposição à execução, os executados A...e outros, vieram arguir a excepção de ilegitimidade da herança indivisa por óbito de C..., com os seguintes fundamentos: - A exequente moveu execução para pagamento de quantia certa contra a oponente e outros para deles obter o pagamento de € 22.348,75, valor esse referente ao incumprimento e juros respeitantes aos contratos de abertura de crédito em conta-corrente dados à execução e avalizada pela oponente A... e C..., entretanto falecido, que deixou como filhos E... e F.... - Tais herdeiros, apesar de terem sido citados para a presente acção, não figuram como executados no requerimento executivo. - Quanto aos direitos relativos à herança, vigora o princípio geral instituído no artigo 2091.º, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual, ressalvados os casos especialmente previstos na lei, aqueles só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. - É manifesto que o eventual direito de crédito relativo à herança aberta por morte de C..., resultante da obrigação cambiária por ele assumida ao prestar aval nos contratos, ora dados à execução, não se inclui nos casos ressalvados por aquele preceito, devendo, sim, ser exercido contra todos os herdeiros. - Em perfeita consonância com o que acaba de dizer-se, estabelece o artigo 56.º, n.º 1 do C. P. C. que, tendo havido sucessão, deve a execução ser promovida contra os sucessores da pessoa que no título tenha a posição de devedor. - A legitimidade passiva cabe, como é óbvio, não à herança indivisa por óbito de C..., mas a todos os seus sucessores, contra quem a presente acção deveria ter sido proposta, figurando estes como executados na mesma. O que não se verificou no caso em apreço. **** Relativamente à legitimidade das partes, o Mmº Juiz proferiu uma decisão prévia em que, nomeadamente, considerou o seguinte: No caso dos autos, a exequente instaurou, para além das demais pessoas, a execução contra a Herança Indivisa aberta por óbito de D...e Herança Indivisa por óbito de C..., tendo requerido, a fls. 10 e 11, que os herdeiros daquelas heranças sejam, “naquela qualidade”, também citados. Ora, compulsados os autos, verifica-se que foram dados à execução como títulos executivos, dois documentos particulares denominados “contrato de abertura de crédito em conta-corrente”, figurando em tal título como devedores (para além das demais pessoas) D...e C..., ambos já falecidos. Devia notar-se que não bastava a citação dos herdeiros para intervir na qualidade de herdeiros. Os herdeiros são os executados, de tal modo que o seu património responde integralmente pela dívida, salvo o disposto no artigo 2052.º quanto à aceitação da herança a benefício de inventário. Não foi o que sucedeu no caso dos autos, tendo a exequente demandado não os herdeiros, mas a herança. Em face disso, importa sanar tal vício, fazendo intervir na execução os herdeiros das correspondentes heranças. Por isso, convidou a exequente B... a, se assim o entender e no prazo de 10 dias, fazer intervir no processo os herdeiros da Herança Indivisa aberta por óbito de D...e da Herança Indivisa por óbito de C.... **** Em cumprimento desse despacho judicial, a exequente B..., veio requerer a intervenção no processo, como executados, dos seguintes herdeiros, da Herança Indivisa aberta por óbito de D...e da Herança Indivisa aberta por óbito de C...: - G..., H... e I..., menor, representado por sua mãe L..., estes herdeiros de D..., que nessa qualidade deveriam ser citados para a acção executiva; - A...; E... e F..., estes herdeiros de C..., e que também nessa qualidade deveriam ser citados para a acção executiva. **** Notificados desse requerimento de intervenção no processo, como executados, dos herdeiros da herança indivisa aberta por óbito de D...e da herança indivisa aberta por óbito de C..., vieram os executados A...e outros, nos termos do artigo 326º, n.º 2, do Código de Processo Civil, dizer que esse requerimento de intervenção formulado pela exequente deveria ser liminarmente indeferido, por inadmissibilidade legal, porquanto a lei processual não admitia mais articulados para que se fizesse intervir na acção executiva terceiros que não constavam do título executivo. No caso sub judice, a execução não corre ab initio entre os sucessores das pessoas que no título figuram como devedores da obrigação exequenda e, muito menos, deduzira sequer a exequente no próprio requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão. **** Na decisão recorrida, o Mmº Juiz a quo entendeu que os chamados eram os herdeiros de D...e C..., pessoas que nos títulos executivos constam como devedores. E expôs, além do mais, a seguinte fundamentação: - Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (artigo 325.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). - Para isso, o chamado deve estar, em relação ao réu, numa situação de litisconsórcio ou de coligação (artigo 320.º, do Código de Processo Civil). - No caso concreto, o exequente propôs a acção contra as heranças referidas e os demais devedores constantes do título. - Desta forma a acção tem de ser proposta, na parte que respeita às heranças, contra todos os herdeiros, sendo por isso um caso de litisconsórcio necessário passivo (artigo 2.091.º, n.º 1, do Código Civil, e 28.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). - Nos termos do artigo 56.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, “tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda”. - Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 2.091.º, n.º 1, do Código Civil, “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”. - O cônjuge e os filhos integram a primeira classe de sucessíveis no âmbito da sucessão legítima (artigo 2.133.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil). **** - Pelo que, concluiu no sentido de que devia ser admitida a intervenção de G..., H..., I..., menor, representado pela sua mãe, L..., para intervirem na acção na qualidade de executados sucessores de D..., e de A..., E... e F... para intervirem na acção na qualidade de executados sucessores de C.... **** Nos termos do artigo 325.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”. “Nos casos previstos no artigo 31.º-B, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido” (artigo 325.º, n.º 2). “O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar” (artigo 325.º, n.º 3). A intervenção principal provocada consubstancia-se, em regra, no chamamento ao processo, por qualquer das partes, dos terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária. O campo de aplicação do incidente de intervenção principal provocada resulta ampliado na lei actual, isto por virtude da eliminação dos anteriores incidentes de nomeação à acção e de chamamento à demanda. A regra é no sentido de que, citado o réu, a instância fica imutável quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir (artigo 268.º do Código de Processo Civil). A intervenção principal de terceiros na causa revela-se excepcional em relação à mencionada regra. O chamamento para intervenção principal com vista a sanar a ilegitimidade plural, pode ocorrer mesmo depois de a decisão de absolvição da instância do réu, com base nesse vício, haver transitado em julgado. Com efeito, estabelece o artigo 269.º, por um lado, que até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou o reconvinte chamar essa pessoa a intervir, nos termos dos artigos 325.º e seguintes. E, por outro que, quando aquela decisão tiver posto termo ao processo, pode o chamamento ter lugar nos trinta dias subsequentes ao seu trânsito em julgado, e que, admitido o chamamento, a instância extinta se considera renovada, recaindo sobre o autor ou o reconvinte o encargo do pagamento das custas em que tiver sido condenado – (cf., sobre a intervenção principal provocada, Cons. Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, 3.ª edição, págs. 104 e seguintes). Sobre a inadmissibilidade deste incidente na acção executiva, vejamos o que escreveu, a este respeito, o Cons. Eurico Lopes-Cardoso: “Alberto dos Reis entendia que, tratando-se de dívida conjugal comunicável em cujo título só figurasse o marido, este podia chamar sua mulher à demanda executiva, pelo processo dos artigos 335.º, n.º 4, e 338.º do Código de 1939 (actuais artigos 330.º, n.º 1, alínea d), e 333.º), ficando esta, então, a ser executada legítima. Adaptava as disposições do dito artigo 338.º (actual artigo 333.º) ao processo de execução, onde os embargos funcionariam, para o incidente, como a contestação funciona para o chamamento requerido em processo declarativo. Entendia, inclusivamente, dever admitir-se o direito do exequente, nos termos do § 1.º do mesmo artigo 338.º (actual n.º 3 do artigo 833.º), quando não impugnado, embora esses embargos prosseguissem só entre os cônjuges, para dirimir a questão da comunicabilidade da dívida exequenda. A propósito, disse-se a pág. 101 do Manual dos Incidentes da Instância, do Autor: «Semelhante doutrina não parece aceitável. Várias objecções se lhe podiam fazer. Note-se, em primeiro lugar, que, nos termos textuais do n.º 4 do artigo 335.º (actual alínea d) do n.º 1 do artigo 330.º), um dos fins, talvez o principal, do chamamento do cônjuge à demanda, é «convencer (o chamado) de que também é responsável» pela dívida accionada. Isto realiza-se mediante a condenação em tal responsabilidade. Ora, a acção executiva não pode servir, sob pena de total inversão do seu destino processual, para condenar o cônjuge chamado. Por outro lado, o artigo 55.º, conforme se notou, proíbe terminantemente que se execute judicialmente quem não figure como devedor no título executivo, e a acção executiva também não pode servir para obter o seu próprio título». Alberto dos Reis retorquiu que o artigo 55.º «nada tem com o caso em exame, visto que é o executado, e não o exequente, que pretende alargar a execução». Se este último argumento fosse válido, ter-se-ia de aplicar a doutrina a todos os casos de solidariedade passiva: sempre o devedor solidário podia vir a ser executado, mesmo não figurando como tal no título, desde que o devedor constante deste o chamasse à demanda executiva. A verdade, porém, é que o único resultado dessa doutrina seria precisamente passar a co-executado o chamado. Qual o título de tal co-execução? Só poderia ser a decisão final do incidente, proferida na própria acção executiva” – (cf. Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, 1964, págs. 114-115). Vejamos também o que, a respeito da exclusão da oposição por comunicabilidade da dívida, escreveu o Prof. Anselmo de Castro: “Alberto dos Reis optou pela solução afirmativa, admitindo o executado a levantar a questão da comunicabilidade da dívida em oposição à execução por embargos, mediante chamamento aos embargos, para esse fim, do cônjuge do executado, por aplicação subsidiária do disposto para a acção declaratória quanto ao incidente do chamamento à demanda. No seu entender nenhum impedimento vinha para essa solução dos princípios da acção executiva que só quanto ao credor impedem a demonstração da natureza comunicável da dívida para a formação do título executivo contra o cônjuge não obrigado por ele. Por outro lado, a demora na realização do direito do credor que viesse a resultar de tal oposição, só a ele era de imputar, por ter aceitado título a que ambos os cônjuges se não obrigaram, e não ao devedor executado, que não deve ser exposto ao pagamento da dívida, a expensas dos seus bens próprios. Propendemos, porém, para a solução oposta, sem embargo da mencionada consequência que terá o remédio geral de todas as dívidas comuns pagas por um só dos cônjuges: o direito de regresso do cônjuge executado, a exercer no termo da indivisão conjugal. Ao regime legal está, com efeito, implícito que o credor nada tem com a questão da comunicabilidade da dívida, se o título se forma sem a intervenção de ambos os cônjuges. É ao réu demandado na acção declaratória que incumbe o chamamento à demanda do outro cônjuge para esse fim, e não ao credor, a quem livremente compete demandá-lo ou não para a acção conforme as suas conveniências; o que põe em evidência que não é exacta a afirmação de Alberto dos Reis de que é o credor e não o devedor quem deve suportar as consequências da não subscrição do título por ambos os cônjuges, mas justamente o inverso. Acresce que, doutro modo, os títulos executivos extrajudiciais deixariam a esse respeito de estar em paridade com a sentença por deixarem de valer na falta de intervenção de ambos os cônjuges” – (cf. A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2.ª edição, págs. 120-121). O Prof. J. Lebre de Freitas, a propósito do litisconsórcio sucessivo, considera o seguinte: “Na acção declarativa, verifica-se a figura do litisconsórcio sucessivo quando, em consequência da dedução dum incidente de intervenção de terceiro, este fique a ocupar na acção proposta a posição de autor ou de réu, ao lado da parte primitiva. Percorrendo as disposições reguladoras dos vários tipos de incidente de intervenção de terceiros, verifica-se que, à excepção do incidente da assistência, eles foram pensados em função da acção declarativa. Concluir-se-á que não podem ter lugar na acção executiva? O problema só se põe em relação à intervenção principal ( baseada na admissibilidade do litisconsórcio ou da coligação), pois, quanto aos restantes incidentes, o objectivo da intervenção só se pode realizar em processo declarativo. A sua admissibilidade só é defensável quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva, pois de outro modo o incidente de intervenção iria servir à formação dum título executivo a favor ou contra terceiros, o que não se compadece nem com o fim (art. 4-3) nem com os limites (art. 45-1) da acção executiva. Um caso há logo em que se impõe a admissibilidade do incidente em processo executivo: quando o exequente careça de chamar a intervir determinada pessoa para assegurar a legitimidade duma parte, nos termos do art. 269. Convidado o exequente, nos termos do art. 812-4, a requerer a intervenção, proferido despacho de indeferimento liminar nos termos do art. 812-5, rejeitada oficiosamente a execução nos termos do art. 820, ou julgada procedente a oposição à execução, o exequente pode requerer o chamamento da pessoa em falta, tal como o pode requerer espontaneamente” (…). “Ao invés, fora o caso particular do art. 825-6 (em que não basta a sua vontade), a intervenção principal provocada pelo executado não é admitida. Na sua versão originária, o Código admitia, no seu art. 330-2, o chamamento à demanda executiva do devedor principal por parte do fiador executado que não gozasse do benefício da excussão prévia, o qual podia seguidamente nomear à penhora bens do seu afiançado (art. 828-2). Da supressão deste preceito quando da revisão de 1967, feita porque a lei civil retirou ao fiador nessas condições o direito de nomear à penhora bens do devedor principal, resultou a inadmissibilidade do chamamento à demanda na acção executiva. De facto, constituindo o meio de chamamento à demanda forma de tutela dum interesse do réu na acção declarativa de condenação (interesse em nela não ser o único condenado, assim proporcionando a formação do título executivo também contra o chamado), dele não carece o executado que, não beneficiando do privilégio da excussão prévia, não possa, uma vez chamado, procurar evitar a penhora dos seus bens mediante a nomeação de bens do devedor principal: a imposição ao credor da intervenção no processo de outra pessoa, ainda que também obrigada no título, ao lado do executado, deixou de ter a justificá-la a satisfação dum interesse atendível deste último” – (cf. A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª edição, págs. 137 e seguintes). O Prof. Miguel Teixeira de Sousa refere que nos embargos deduzidos na execução para entrega de coisa certa pode ser necessária a participação do cônjuge do embargante ou do embargado: para tal basta que essas partes não possam dispor sozinhas da coisa a entregar (cfr. artºs 1682º e 1682º-A CC) e, por isso, não possam discutir, sem a participação do seu cônjuge, o dever de entrega. Nesta situação, o embargante deve promover, no momento da dedução dos embargos, a intervenção do seu cônjuge ou do cônjuge do embargado (cfr. artº 320º, al. a)) – (cf. Acção Executiva Singular, 1998, pág. 182). Nos termos do artigo 45.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva. E o artigo 55.º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal, acrescenta que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor. A partir destes preceitos legais, a jurisprudência tem considerado que, se a execução deve ser instaurada apenas contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, se não pode ser executado quem no título executivo não figure, daí decorre, lógica e imperiosamente, que não seja admissível a intervenção principal provocada de um terceiro que não figura no título executivo, para se associar a um executado, quer este figure ou não como devedor no título executivo – (cf., neste sentido, a seguinte jurisprudência: os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Julho de 1973, in Bol. Min. da Justiça, n.º 229, págs. 146-149, e de 15 de Dezembro de 1998, in Bol. Min. da Justiça, n.º 482, págs. 188-191, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 13 de Novembro de 1979, in Bol. Min. da Justiça, n.º 296, pág. 326, o Acórdão da Relação de Évora, de 10 de Maio de 1984, in Bol. Min. da Justiça, n.º 339, págs. 475-476, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 12 de Fevereiro de 1985, in Bol. Min. da Justiça, n.º 344, pág. 466, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 3 de Dezembro de 1987, in Bol. Min. da Justiça, n.º 372, pág. 458, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 21 de Outubro de 1993, in Bol. Min. da Justiça, n.º 430, pág. 496, e o Acórdão da Relação de Coimbra, de 2 de Maio de 1995, in Col. Jur., Ano XX, (1995), tomo III, págs. 21-22). **** No entanto, para o objecto do presente recurso, importa ponderar na situação concreta que é sujeita à apreciação jurisdicional. A execução foi instaurada como execução para pagamento de quantia certa, em que são documentos particulares que figuram como títulos executivos. A exequente é a B..., com sede em Lisboa. No requerimento executivo, foram identificados os seguintes devedores principais: - Herança Indivisa por óbito de D..., com morada na Rua ...., 1º Dtº, Oliveira de Frades; - L..., com morada em Bairro ..., entrada 1ª, 2º andar, Peso da Régua; - Herança Indivisa por óbito de C..., com morada na Avenida ....., lote 5-2º Esq., Oliveira de Frades; - A..., com morada na Avenida ...., lote 5-2º Esq., Oliveira de Frades. Porém, já nos Anexos C7 do requerimento executivo, se fizeram as seguintes Declarações que visaram complementar o referido no Anexo C3: - A Herança Indivisa por óbito de C... é representada nesta execução pelos seus legais herdeiros a seguir melhor identificados (doc. nº 5, cujo conteúdo se deu por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), devendo os mesmos, naquela qualidade, ser citados para a presente acção: 1- A..., viúva, residente na Avenida ...., lote 5-2º Esq., Oliveira de Frades; 2- E..., casada no regime da comunhão de adquiridos e residente em Oliveira de Frades; 3- F..., solteiro, maior, e residente no ...., Oliveira de Frades. - A Herança Indivisa por óbito de D...é representada nesta execução pelos seus legais herdeiros a seguir melhor identificados (doc. nº 4, cujo conteúdo se deu por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), devendo os mesmos, naquela qualidade, ser citados para a presente acção: 1- G..., viúva, residente no ...., Oliveira de Frades; 2- H..., solteiro, maior, residente na Rua ....., nº 1, Ribeira da Lage, Vivenda Pereira, Oeiras; 3- I..., menor, residente no Bairro ...., Peso da Régua, representado por sua mãe, L..., também executada. O documento n.º 4 referido, respeita a uma certidão emitida pelo Tribunal Judicial de Oliveira de Frades e extraída dos autos de Inventário (Herança), com o n.º 365/03.2TBOFR, em que é inventariado D..., donde consta o auto de compromisso de honra e declarações de cabeça-de-casal. Desse documento pode verificar-se que o inventariado deixou a suceder-lhe a viúva G..., casada com o inventariado em terceiras núpcias dele e em primeiras dela, e os filhos H..., solteiro, maior, (filho do 1º casamento do inventariado) e I..., menor, residente com sua mãe L..., (filho do 2º casamento do inventariado). O documento n.º 5 referido, respeita a uma certidão emitida pelo Cartório Notarial de Oliveira de Frades e extraída da escritura de habilitação dos herdeiros que ficaram por óbito de C..., e que foi celebrada em 25 de Novembro de 2003. Desse documento pode verificar-se que o falecido deixou a suceder-lhe a viúva A...e os dois filhos, E..., casada segundo o regime da comunhão de adquiridos com M..., e N... , solteiro, maior. Portanto, mesmo no próprio requerimento executivo, a exequente identificou devidamente os herdeiros relativos às duas heranças indivisas e pediu que os mesmos fossem citados, nessa qualidade, para a presente acção executiva. **** Por outro lado, o Mmº Juiz proferiu um despacho a convidar a exequente, se assim o entendesse e no prazo de 10 dias, a fazer intervir no processo os herdeiros das Heranças Indivisas abertas por óbito de D...e por óbito de C..., considerando que os herdeiros são os executados, pelo que importava, sanando o vício, fazer intervir na execução os herdeiros das correspondentes heranças. E foi em cumprimento desse despacho que a exequente veio requerer a intervenção no processo, como executados, dos herdeiros das respectivas heranças indivisas, e que devidamente identificou. Ora, o artigo 812.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, dispõe o seguinte: “Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 265.º”. E este artigo 265.º, n.º 2, preceitua o seguinte: “O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los”. Acrescentando ainda o artigo 820.º, do mesmo Diploma Legal: 1. “Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 812.º, o juiz pode conhecer oficiosamente das questões a que aludem os n.ºs 2 e 4 do mesmo artigo, bem como a alínea c) do n.º 3 do artigo 812.º-A, até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados. 2- Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, ordenando-se o levantamento da penhora, sem prejuízo de prosseguir com objecto restrito quando a rejeição for parcial”. Como diz o Dr. Carlos Lopes do Rego, “Como decorrência do princípio de que incumbe ao juiz providenciar oficiosamente pelo normal e regular andamento da causa, com vista a tornar pronta a justiça (que só é verdadeiramente alcançada com a prolação de uma decisão sobre o mérito) atribui-lhe o n.º 2 deste artigo 265.º o poder-dever de providenciar – independentemente de tal lhe ser requerido – pelo suprimento das excepções dilatórias susceptíveis de sanação, salvo quando tal suprimento envolver alguma modificação subjectiva da instância. Importará ter presente que: a) Em primeiro lugar, certas disposições do Código de Processo Civil, na versão revista, vieram tornar supríveis determinadas excepções dilatórias que, até à sua entrada em vigor, o não eram (v.g. os artigos 8º e 31º-A), ao mesmo tempo que resultaram ampliados os poderes do juiz para conhecer oficiosamente de certas excepções dilatórias, mesmo quando não suscitadas pelas partes (v.g., os artigos 110.º, 494.º e 495.º)”. (…). “O regime estabelecido neste preceito traduz, no nosso entendimento, a imposição ao julgador de um poder-dever, funcionalmente conexionado com a realização substancial dos fins do processo – e não a atribuição de um verdadeiro e próprio “poder discricionário” – (cf. Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, 2.ª edição, 2004, págs. 257-258, em anotação ao artigo 265.º). E, em anotação ao artigo 820.º, do Código de Processo Civil, diz o Prof. J. Lebre de Freitas o seguinte: “O DL 38/2003 mais não fez, ao modificar a redacção do preceito, agora constituindo o n.º 1 do artigo em anotação, do que, por um lado, clarificar que é admissível o despacho de aperfeiçoamento superveniente e, por outro, adaptá-lo ao novo regime da acção executiva: o conhecimento judicial oficioso das questões que, inicialmente, podiam fundar o indeferimento liminar ou um despacho de aperfeiçoamento pode ter agora lugar até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados, visto que deixou de haver o despacho que ordenava a realização da venda ou de outra diligência destinada ao pagamento” (ver o n.º 2 da anotação ao art. 886-A). Só com a primeira transmissão de bens realizada no processo executivo, seja por venda, seja por adjudicação, seja por entrega de dinheiro (cf. art. 872-1), à qual deve ser assimilada a consignação de rendimentos, é que preclude, pois, a possibilidade de apreciação, no âmbito do processo executivo, dos pressupostos processuais gerais (incluindo a incompetência absoluta, por derrogação do art. 102-1 pelo art. 820) e das questões de mérito respeitantes à existência da obrigação exequenda (sem prejuízo da sua eventual apreciação ulterior na oposição à execução, aliás susceptível de ser deduzida supervenientemente: art. 813-3). Até esse momento, o juiz deve rejeitar oficiosamente a execução, logo que se aperceba da ocorrência de alguma das situações susceptíveis de fundar o indeferimento liminar, quer não tenha havido despacho liminar, quer essa situação fosse já manifesta à data do despacho liminar proferido (…), quer só posteriormente se tenha revelado no processo executivo ou, mesmo, no processo declarativo de oposição à execução” – (cf. Código de Processo Civil Anotado, de José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, volume 3.º, 2003, págs. 334-335). Por consequência, o despacho proferido pelo Mmº Juiz, a convidar a exequente a, se assim o entendesse e no prazo de 10 dias, fazer intervir no processo, como executados, os herdeiros das Heranças Indivisas abertas por óbito de D...e de C..., visou o suprimento de uma excepção dilatória, encontrando arrimo ou amparo, nomeadamente, nos artigos 265.º, n.º 2, 812.º, n.º 4, e 820.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil. **** É certo que o artigo 55.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dispõe que “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”. Portanto, esse preceito enuncia a regra geral da legitimidade para acção executiva, diversa da que vigora para a acção declarativa (art. 26.º), conferindo-a a quem figure no título como credor e como devedor, seja este principal ou subsidiário. É parte legítima como exequente, em regra, a pessoa que no título executivo figura como credor, é parte legítima como executado a pessoa que no título tiver a posição de devedor. Note-se que o texto legal não diz que é parte legítima como exequente o credor e como executado o devedor; e não o diz, sob pena de confundir a questão de legitimidade com a de procedência. É que o exequente e o executado podem ser partes legítimas, apesar de não serem credor e devedor. A legitimidade deriva, em princípio, da posição que as pessoas têm no título executivo. A inspecção deste deve, em regra, habilitar a resolver o problema da legitimidade – (cf. Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.º, pág. 90). Mas nem sempre é parte legítima como exequente ou como executado a pessoa a quem o título executivo atribui a posição de credor ou de devedor. No artigo 56.º, do Código de Processo Civil, estão previstos desvios à regra geral da determinação da legitimidade. Nos termos do seu n.º 1, disposição que tem relevância na apreciação do caso vertente, “Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão”. Este n.º 1 mantém a redacção originária, correspondente à primeira parte do corpo do art. 56.º do CPC de 1939. Como diz o Prof. J. Lebre de Freitas, “Tendo havido sucessão, entre vivos ou mortis causa, na titularidade da obrigação exequenda, entre o momento da formação do título e o da proposição da acção executiva, seja do lado activo, seja do lado passivo, devem tomar, desde logo, a posição de parte, como exequentes ou como executados, os sucessores das pessoas que figuram no título como credores ou devedores. Este enunciado já comporta uma especialidade da acção executiva no que respeita ao caso de transmissão por acto entre vivos do direito litigioso: enquanto na acção declarativa o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for admitido a substituí-lo (art. 271-1), na acção executiva apenas este tem legitimidade para litigar. Compreende-se porquê. No caso de transmissão do direito na pendência da acção declarativa sem subsequente habilitação do adquirente, a manutenção da legitimidade do transmitente encontra justificação na protecção da parte contrária contra a excessiva dilação da acção em curso em consequência da dificuldade de fazer nela intervir o adquirente, maxime quando a transmissão do direito ocorra já na iminência de uma decisão favorável (cf. art. 271-2). E a formação de caso julgado quanto ao adquirente (art. 271-3) constitui obstáculo à eventualidade de nova acção declarativa instaurada por este, ou à necessidade de o autor vir a propor contra ele nova acção declarativa. Mas na acção executiva, que visa a reparação material coactiva do direito do credor/exequente, postulando por isso o emprego, efectivo ou potencial, da força, é necessário garantir, no caso de sucessão na parte activa da obrigação, a vontade do credor actual de recorrer aos dispositivos coercitivos e, no caso de sucessão na parte passiva, a eficácia dessas medidas, pois, sendo o devedor o adquirente, apenas os seus bens estão sujeitos à execução (arts. 601 e 821 CC)” – (cf. Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 1999, de J. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, págs. 112-113). A legitimidade na acção executiva tem carácter formal, por isso que, a acção executiva tem por base um título pelo qual se determinam o seu fim e os seus limites (art. 45.º do CPC) – (neste sentido, o Acórdão da Relação de Évora, de 14 de Janeiro de 1993, in Col. Jur., Ano XVIII, (1993), tomo I, págs. 264-265). Porque na acção executiva se visa obter a tutela efectiva do direito a uma prestação que se encontra violado, o interesse directo em demandar e o interesse directo em contradizer não radica nas pessoas que são titulares da relação material controvertida, tal como esta é configurada pelo autor. Antes, serão partes legítimas, quem no título executivo figura como credor e como devedor: o exequente é parte legítima (legitimidade activa) se figura no título como credor da prestação; o executado é, por sua vez, parte legítima (legitimidade passiva) se figura no título como devedor da prestação. É esta a função de legitimação dos títulos executivos que serve para delimitar subjectivamente a execução – (cf. Dr. J. P. Remédio Marques, in Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Outubro, 2000, pág. 110). No entanto, como verdadeira excepção a essa regra geral, são ainda partes legítimas na execução os sucessores, a título universal ou particular, inter vivos ou mortis causa. Assim, a execução pode correr entre os sucessores do credor e os sucessores do devedor. É assim dispensado o incidente de habilitação no caso de sucessão ocorrida antes da propositura da acção executiva. Mas tal não dispensa o exequente de, liminarmente, provar, como nele faria, os factos constitutivos que alega. Já no caso de a sucessão ocorrer na pendência do processo executivo, é o incidente de habilitação o meio adequado para a fazer valer, pelo que têm de se observar as normas dos arts. 371 a 375 (para a sucessão universal), 376 (para a sucessão singular) e 377 (habilitação perante os tribunais superiores), com as necessárias adaptações – (cf. Prof. J. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª edição, págs. 123-124). E, em nota de rodapé, observa este Autor: “Mas, constituindo a legitimação das partes para o processo executivo uma das funções do título executivo (supra, 3.1), mal se compreenderia que dela não tivesse de ser feita prova complementar no caso de sucessão na posição de credor ou de devedor, sem prejuízo de o executado só em oposição à execução (art. 814-c) poder vir a tomar sobre ela posição. Enquanto não estiverem estabelecidos os factos constitutivos da sucessão, o juiz não pode, quando haja lugar a despacho liminar, proferir o despacho de citação, devendo mandar aperfeiçoar e, em último caso, indeferir a petição, por ilegitimidade da parte (arts. 812, n.ºs 2-b e 5; ver também os arts. 812-A-3-b e 820), não só quando não forem alegados os factos em que a sucessão se funda (ac. de 10-1-84), mas também quando não for oferecida a respectiva prova” – (cf. a obra e edição citadas, pág. 123, nota 4). Diferente é a posição do Cons. Eurico Lopes-Cardoso, como se passa a expor: “O artigo 56.º do Código de 1939, (…), estabeleceu, para o caso de, antes de proposta a acção executiva, ter havido sucessão no crédito ou na dívida, uma habilitação a deduzir no requerimento inicial da execução e que, até ser julgada, suspendia os termos da execução propriamente dita. O Código actual aboliu esse preliminar. Agora, na acção executiva, o problema da legitimidade resultante de sucessão no crédito ou na dívida é discutido e derimido por forma semelhante àquela pela qual se discute e derime na acção declarativa. O exequente continua a ter que alegar no requerimento inicial a dita sucessão, sempre que a haja, como tem que alegar todas as outras condições da sua legitimidade ou da do executado: «No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão» – diz o último período do n.º 1 do artigo 56.º. Não tem que oferecer logo prova deles, embora lhe seja lícito apresentá-la, quando meramente documental. O executado não tem, porém, articulado especial destinado a contestar a alegação. Só pode impugná-la em embargos fundados na ilegitimidade da parte à qual o exequente atribuiu a qualidade de sucessor – artigo 813.º, alínea c). Se o não fizer, a questão da legitimidade fica encerrada. Se a impugnar, os embargos podem ser contestados, seguindo-se questionário e oferecimento das provas da sucessão” – (cf. Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, 1964, págs. 116-117). **** A sucessão no direito ou na obrigação aludida no n.º 1, do artigo 56.º, do CPC, deve ser entendida em termos amplos, não se restringindo à sucessão universal ou mortis causa definida no artigo 2024.º, do Código Civil, compreendendo também a transmissão singular de direitos ou de obrigações ou transmissão inter vivos. O referido preceito constitui, portanto, um desvio à regra geral da legitimidade para a acção executiva, podendo esta ser intentada por e contra pessoas que não figuram no título executivo, por, entretanto, ter ocorrido transmissão no direito ou na obrigação, quer inter vivos, quer mortis causa – (cf. o Acórdão da Relação de Coimbra, de 22 de Janeiro de 2002, in Col. Jur., Ano XXVII, (2002), tomo I, págs. 14-16). A legitimidade que é concedida aos sujeitos que constam do título executivo como credor e devedor é igualmente reconhecida aos seus sucessores: se houver sucessão no direito ou na obrigação, são partes legítimas os sucessores dos sujeitos que figuram no título como credor e devedor da obrigação exequenda. E a sucessão tanto pode ser universal – como aquela que é realizada mortis causa – ou singular – como a que provém da transmissão ou cessão do direito ou da coisa, da assunção da dívida ou do endosso do título cambiário. Em qualquer dos casos, ela pode ser activa ou passiva – (cf. Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, 1998, pág. 136). Por outro lado, não pode também deixar de atender-se à regra do artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil, segundo a qual, “Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”. E, a este respeito, pode citar-se o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Outubro de 1998, no qual se decidiu: I – “A herança, uma vez que goza de personalidade jurídica, é responsável pelas dívidas do falecido que se lhe transmitiram por morte daquele (artigo 2068.º do Código Civil), só podendo ser demandado algum dos herdeiros no caso de ter assumido esse encargo na partilha da herança. II – A execução destinada ao pagamento da dívida de herança indivisa deve ser instaurada contra essa herança, representada por todos os herdeiros, e não apenas pelo cabeça-de-casal (artigos 5.º e 6.º do Código de Processo Civil e 2091.º, n.º 1, do Código Civil). III – A falta de intervenção de algum desses herdeiros constitui fundamento de oposição à execução por embargos e determina a extinção da instância na acção executiva [artigos 288.º, n.º 1, alínea e), e 813.º, alínea a), do Código de Processo Civil]”. Observou-se, no desenvolvimento desse douto Acórdão, o que passamos a transcrever: “Assim, qualificada como património autónomo (J. Oliveira Ascensão, Direito Civil – Sucessões, pág. 472), ou como universalidade, detentora de personalidade jurídica, por gozar de aptidão para ser titular de relações jurídicas (…), a herança tem personalidade judiciária (artigos 5.º e 6.º do Código de Processo Civil) e, sendo o sujeito passivo da relação material controvertida, é ainda parte legítima na execução (artigo 56.º, n.º 1, do mesmo Código). O problema reside apenas na representação da herança em juízo, por não gozar de capacidade judiciária, e, neste ponto, a solução não é susceptível de dúvidas sérias. Não se está perante qualquer das hipóteses previstas nos artigos 2087.º a 2090.º do Código Civil, em que a administração e representação da herança pertence ao cabeça-de-casal, sendo pois aplicável o artigo 2091.º, n.º 1, do mesmo Código, onde se estabelece que «os direitos relativos à herança só podem ser exercidos […] contra todos os herdeiros». Isso não significa que os herdeiros tenham de ser demandados pessoalmente, pois, como se notou, a própria herança é que goza de personalidade judiciária e de legitimidade, mas apenas que eles têm de intervir como representantes da herança, em suprimento da sua falta de capacidade judiciária. No caso presente, a execução foi instaurada contra a herança, «na pessoa do cabeça-de-casal» ou representada por este, e, havendo outros herdeiros além do exequente e do cabeça-de-casal, ocorre o vício da ilegitimidade ou irregularidade da representação do executado, o que constitui fundamento de oposição à execução por embargos [artigos 813.º, alínea c), e 815.º, n.º 1, do Código de Processo Civil)” – (cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 480, págs. 392-396, em especial, pág. 395). “A herança, como conjunto das relações jurídicas patrimoniais que devido à morte passam da titularidade de um indivíduo para os seus herdeiros e legatários, constitui um património autónomo. Responde assim por dívidas próprias, ou seja, só responde e responde só ele por certas dívidas, que são as relacionadas com a função específica desse mesmo património”. “Sendo assim, enquanto a herança permanecer indivisa os herdeiros, que não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que integram a herança, exercem em conjunto o seu direito, o que os coloca em situação de litisconsórcio necessário. O artigo 2091.º, do Código Civil, consagra exactamente um dos exemplos de litisconsórcio necessário legal, ao estipular que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros” – (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Setembro de 1999, in Bol. Min. da Justiça, n.º 489, págs. 285-288, em especial, pág. 287). Assim, tendo falecido duas das pessoas que no título executivo figuravam como devedores, as obrigações que assumiram podem ser exigidas contra todos os herdeiros, como se estabelece no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil. Com o chamamento à presente execução dos herdeiros dos falecidos sujeitos da obrigação exequenda, não se visou obter um título executivo contra esses herdeiros, mas sim, sanar a falta de um pressuposto processual – a ilegitimidade das partes. **** Em conclusão: 1. A jurisprudência tem, em regra, adoptado a orientação de que, se a execução deve ser instaurada apenas contra a pessoa que no título executivo tenha a posição de devedor, não podendo ser executado quem no título não figure, daí decorre, logicamente, que não seja admissível a intervenção principal provocada de um terceiro que não figura no título executivo, para se associar a um executado, quer este figure ou não como devedor no mesmo título. 2. No entanto, no caso “sub judice”, no próprio requerimento de execução, a exequente identificou devidamente os herdeiros relativos às duas heranças indivisas abertas por óbito, respectivamente, de C... e de D..., e pediu que os mesmos fossem citados, nessa qualidade, para a presente acção executiva, tendo comprovado documentalmente a sua qualidade de sucessores dessas heranças indivisas. 3. Por outro lado, foi proferido um despacho judicial a convidar a exequente, se assim o entendesse e no prazo de 10 dias, a fazer intervir no processo os herdeiros das heranças indivisas abertas por óbito de C... e D..., considerando que os herdeiros são os executados. - E foi em cumprimento desse despacho judicial que a exequente veio requerer a intervenção no processo, como executados, dos herdeiros das respectivas heranças indivisas, e que devidamente identificou. - Esse despacho pode considerar-se como um despacho de aperfeiçoamento do requerimento de execução, visando sanar a falta de um pressuposto processual – ilegitimidade de uma das partes, fundamentando-se, nomeadamente, nos artigos 265.º, n.º 2, 812.º, n.º 4, e 820.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil. 4. O preceituado no artigo 56.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, constitui um desvio à regra geral da legitimidade para a acção executiva, podendo esta ser intentada por e contra pessoas que não figuram no título executivo, por, entretanto, ter ocorrido transmissão no direito ou na obrigação, quer inter vivos, quer mortis causa. - A legitimidade que é concedida aos sujeitos que constam do título executivo como credor e devedor é igualmente reconhecida aos seus sucessores: se houver sucessão no direito ou na obrigação, são partes legítimas os sucessores dos sujeitos que figuram no título como credor e devedor da obrigação exequenda. E a herança, como conjunto das relações jurídicas patrimoniais que, em virtude da morte, passam da titularidade de uma pessoa para os seus sucessores, constitui um património autónomo. - Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil. **** Por estas razões, julgamos que a decisão recorrida não violou as normas dos artigos 45.º, n.º 1, 55.º, n.º 1 e 56.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, e do artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que, improcedem as conclusões das doutas alegações apresentadas pelos recorrentes. **** Pelo exposto, acordam nesta Relação em negar provimento ao recurso de agravo, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. **** Custas pelos agravantes. |