Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
949/22.0T8LRA-C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA ACTIVIDADES LECTIVAS
NULIDADE DO CONTRATO POR INOBSERVÂNCIA DA FORMA LEGAL
EFEITOS DO CONTRATO
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 7.º, N.º 2, B), DO RAU
ARTIGOS 5.º, 3; 130.º; 527.º, 1; 608.º, 2 E 615.º, 1, D), DO CPC
ARTIGOS 12.º, 2; 220.º; 236.º, 1 E 2; 238.º, 1 E 2; 286.º; 289.º, 3; 1022.º; 1023.º E 1273.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Não obstante o contrato de arrendamento ter sido celebrado através de um documento particular, denominado de “protocolo”, a efectivar mediante a outorga futura da competente escritura, se do mesmo já constam todas as obrigações decorrentes do contrato de arrendamento, passando, de imediato, as partes a cumpri-lo, não estamos perante um contrato promessa de arrendamento, mas sim de um contrato definitivo de arrendamento.
II. No âmbito de aplicação do regime estabelecido no RAU, a falta de escritura pública, acarreta a nulidade do contrato de arrendamento em apreço.
III. Nulidade que não obsta a que sejam cumpridas as obrigações dele decorrentes para as partes contratantes, pelo efectivo uso do locado e/ou benfeitorias.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

Proc.º n.º 949/22.0T8LRA-C1

            1 –Relatório

1.1.- Nos presentes autos sob a forma comum, veio Diocese ..., melhor identificada nos autos, demandou a A... Lda. igualmente no processo melhor identificada, pedindo a sua condenação, em:

1) Ser reconhecido que a Autora é dona e legítima possuidora do prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição;

2) Ser declarada a resolução do contrato de arrendamento em vigor entre Autora e Ré, respeitante ao prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição;

3) Ser a Ré condenada a entregar o locado à Autora, livre e desocupado, de pessoas e coisas;

4) Ser a Ré condenada a pagar à Autora as rendas vencidas em abril, maio e junho de 2020, em novembro e dezembro de 2021 e em janeiro e fevereiro de 2022, no montante total de € 28.000,00 (vinte e oito mil escudos), e ainda as vincendas, a partir de março de 2022, até entrega do locado, à razão de € 4.000,00 (quatro mil euros ) mensais;

5) Ser a Ré condenada no pagamento dos juros de mora, à taxa legal, sobre o valor de cada renda, desde a respectiva data de vencimento, até integral e efectivo pagamento.

Alega para o efeito e em síntese que:

É proprietária de determinado imóvel que melhor identifica.

Em 01 de Junho de 1996 a A. deu de arrendamento o aludido prédio ao B... S.A. (C... S.A.) para o exercício de actividade de ensino, infantário e demais actividade.

Tal contrato foi celebrado por um ano e renovável por iguais períodos.

Em 2009 o C... S.A. comunicou à A. os termos de contrato promessa de trespasse do estabelecimento de ensino, a funcionar no prédio arrendado, com a sociedade A... Lda. para efeitos de exercício de preferência.

A A. não exerceu aquele direito pelo que o estabelecimento foi transmitido à aqui R., passando a mesma a arrendatária.

O imóvel acima referido estava contudo registado em nome da Mitra, sendo esta um órgão do governo da diocese, tendo tal entidade sido extinta por decreto de 08 de Outubro de 2020 pelo Bispo ....

A partir de Janeiro de 2019, por acordo a renda ficou estabelecida em € 4.000,00 por mês.

A R. não pagou as rendas de Abril, Maio e Junho de 2020, em Novembro e Dezembro de 2021 e em Janeiro e Fevereiro de 2022, no montante global de € 28.000,00.

Assistindo assim à A. o direito à resolução do contrato e à entrega do locado.

                                               ***

1.2.- Citada a R. contestou aceitando que a A. é actualmente proprietária do prédio urbano que a A. identifica na petição inicial, a qual, propriedade, foi adquirida pela mesma em 12 de Outubro de 2020, sendo assim de proceder o 1º pedido da A. desde 10 de Agosto de 2020.

Pelo que e antes daquela data, as rendas eventualmente em dívida não eram pertença da A. mas da dona do prédio que não era a A. e a transmissão de bens e quaisquer outros direitos a favor daquela apenas produzem efeitos para futuro.

Assim não lhe são devidas à A. as rendas relativas ao período de Abril a Junho de 2020.

Em relação às rendas de 2021 e 2022 as mesmas estão pagas.

Por outro lado, não assiste direito de resolução do contrato à A. porque as rendas de 2021 e 2022 estão liquidadas e as de 2020 não são devidas por a A. não ser nessa data proprietária do imóvel que a ora R. explora.

Também não foi informada a R. da resolução do contrato através da competente comunicação pelo que inexistem razões para a resolução.

Por fim existe caducidade do direito da A. já que aquando da propositura desta demanda havia sido ultrapasso o prazo a que alude o artigo 1085º nº1 do CC.

Também nessa sequência deverá ser indeferido o pedido da entrega do locado, nada sendo devido também a título de juros de mora.

                                                           ***

1.3- Após despacho para o efeito proferido em 06 de Julho de 2022 veio a A. informar estarem apenas em dívida as rendas de Abril, Maio e Junho de 2020, no valor total de € 12.000,00 (doze mil euros ).

                                                           ***

1.4- Houve lugar a audiência prévia onde as partes pediram prazo para eventual transacção a qual não lograram obter.

                                                           ***

1.5- Foi proferido despacho a fim de evitar decisão surpresa para que A. e R. se pronunciassem sobre a eventual nulidade do contrato entre ambas celebrado, não tendo as mesmas apresentado alegações.

                                                           ***

1.6.- Após foi proferida sentença, onde foi decidido:

- declarar a A. Diocese ... proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 e na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com registo de aquisição a seu favor pelo averbamento nº ...8 da apresentação nº ... de 1964/02/21.

- Declarar a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a Diocese ... e o C... S.A., - a que as partes deram o nome de “protocolo” que tinha por objeto o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 e na matriz predial urbana sob o artigo ...72, em vigor desde 01 de Junho de 1996.

- Condenar a R. A... S.A. a entregar à A. Diocese ..., após trânsito desta decisão o prédio acima identificado, devendo manter o pagamento da quantia de € 4.000,00 - quatro mil euros - por mês até efectiva entrega1 desse imóvel.

- Condenar a R. a pagar à A. a quantia de € 12.000,00 – doze mil euros - pela ocupação do aludido imóvel relativo aos meses de Abril, Maio, Junho de 2020, acrescida de juros de mora à taxa de juros civis, desde a data de vencimento de cada uma daquelas prestações e até efectivo pagamento (artigo 805º nº1 alínea a) do CC.

- Custas a cargo da A - parcialmente vencida - em 40% e a cargo da R. em 60% (artigo 527º do CPC).

Registe e Notifique.

                                                           ***

1.7. – Inconformada com tal sentença dela recorreu a R. - A..., Lda. – terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“a) A ora Recorrente não pode aceitar a decisão constante da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, pelo que vem o presente recurso de apelação intentado do despacho saneador/sentença proferido pelo Tribunal a quo nos termos do qual foi proferida decisão sobre a propriedade do imóvel, a qualificação jurídica do contrato, a nulidade do contrato e o pagamento das rendas em atraso e se as mesmas são devidas à A., bem como a condenação da Ré A..., Lda. em custas nos presentes autos.

b) A Ré, ora Recorrente (Rte), a título prévio, assinala a existência de um erro, provavelmente uma gralha, constante do Relatório da Sentença proferida pelo Tribunal a quo designadamente porquanto onde se diz: “2 - Citada a R. contestou aceitando que a A. é actualmente proprietária do prédio urbano que a A. identifica na petição inicial, a qual, propriedade, foi adquirida pela mesma em 12 de Outubro de 2020, sendo assim de proceder o 1º pedido da A. desde 10 de Agosto de 2020., pelo que deve ter-se ali por vertida a data de 08/10/2020 ou 08 de Outubro de 2020, nos termos da contestação deduzida pela Ré.

c) A Ré, não se conformando com aquela decisão, bem como com parte da decisão proferida em sede da Fixação da Matéria de Facto Provada, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal a quo quer quanto à decisão de facto, quer quanto à decisão da questão de direito e consequente decisório, designadamente quanto à matéria de facto, no que respeita à não fixação e fundamentação dada pelo Tribunal a quo quanto a Factos Não Provados, da Fundamentação de Facto, no que a Ré, ora Apelante, entende que o Tribunal a quo decidiu incorretamente, não concordando com a avaliação que o mesmo fez da prova efetivamente produzida nos autos, nessa parte.

d) E, por consequência, apela ainda a ora Recorrente quanto à matéria de direito, não se conformando com a decisão proferida, por errada subsunção  dos factos ao direito, designadamente quanto à decisão que: 1) declaro a A. Diocese ... proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 e na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com registo de aquisição a seu favor pelo averbamento nº ...8 da apresentação nº ... de 1964/02/21; 2) Declaro a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a Diocese ... e o C... S.A., - a que as partes deram o nome de “protocolo” que tinha por objeto o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 e na matriz predial urbana sob o artigo ...72, em vigor desde 01 de Junho de 1996; 3) Condeno a R. A... S.A. a entregar à A. Diocese ..., após trânsito desta decisão o prédio acima identificado, devendo manter o pagamento da quantia de € 4.000,00 – quatro mil euros - por mês até efectiva entrega1 desse imóvel; 4) Condeno a R. a pagar à A. a quantia de € 12.000,00 – doze mil euros - pela ocupação do aludido imóvel relativo aos meses de Abril, Maio, Junho de 2020, acrescida de juros de mora à taxa de juros civis, desde a data de vencimento de cada uma daquelas prestações e até efectivo pagamento (artigo 805º n.º 1 alínea a) do CC.

e) Por último, igualmente por consequência, vem recorrer da decisão de condenação da Autor em custas, na quota-parte de 60%.

f) Pelo que, o presente Recurso de Apelação da Ré, ora Recorrente, delimita-se às referidas matérias de facto e de direito, na parte da sentença que quanto às mesmas entende dever aquela ser alterada.

g) Quanto à Matéria de Facto com relevância para a decisão do litigio, o Tribunal a quo deu como provados os Factos Provados 1 a 10, em sede da sentença, com os quais a Rte. concorda, bem como com a motivação exposta quanto aos mesmos pelo Tribunal a quo.

h) A Ré, não se conforma que o Tribunal a quo não tenha fixado na matéria de facto dada como Provada, a data a partir da qual a A. adquiriu a propriedade do imóvel em questão nos presentes autos, o que se afigura com relevância para a boa decisão da causa, atentas as várias soluções plausíveis para a boa decisão da causa, a data de aquisição do imóvel pela A. assume relevância para boa decisão dos presentes autos, porquanto permite aferir a data a partir da qual a A. adquire a propriedade do imóvel, objecto dos presentes autos, e, por consequência, delimitar a data a partir da qual a A. pode efectivamente titular o alegado crédito de rendas peticionado nos presentes autos.

i) A fixação como matéria de facto provada da referida data de aquisição do imóvel pela A. afigura-se ainda mais relevante, perante a fixação do Facto Provado 10 (“10- A R. não pagou à A. os valores referentes ao uso do imóvel acima referido e referente aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, no valor mensal acordado de € 4.000,00.”), pelo que deveria o Tribunal a quo ter procedido à fixação de um facto provado com a data de aquisição da propriedade de imóvel pela A.

j) Nos termos do art. 32.º da Contestação da Ré é alegado como facto que “o imóvel é propriedade da ora A. apenas desde o dia 08/10/2020”, invocando para o efeito a Ré a prova documental dos documentos n.º 2 e 6 juntos pela A. com a Petição Inicial.

k) Foi a partir daquela data, 08/10/2020 que a A. adquiriu o imóvel objeto dos presentes autos, e não antes, e outra não podia ser a fixação pelo Tribunal a quo de uma data de aquisição do imóvel objecto dos presentes autos, que não fosse o dia 08/10/2020, porquanto é a própria A. que nos arts. 13.º, 14.º, 15.º e 15.º da PI (existem dois arts. 15.º na PI) reconhece que até aquele momento o imóvel encontrava-se inscrito a favor da Mitra de ....

l) Face ao exposto, é forço concluir que o facto alegado pela Ré no art. 32.º da sua Contestação, designadamente que “o imóvel é propriedade da ora A. apenas desde o dia 08/10/2020”, se encontra provado pelos referidos Docs. n.º 2 e 6 juntos com a PI, e se encontra efectivamente reconhecido pela própria A. nos referidos arts. 13.º a 15.º Bis da PI.

m) Face ao exposto, é de concluir que se afigura relevante para a boa decisão do presente litigio a consignação de um facto provado que identifique a data em que a A. adquiriu o imóvel objecto do litigo, termos em que deve ser acrescentada à Matéria de Facto Provada um Facto Provado novo, em que seja assente a matéria de facto alegada pela Ré no art. 32.º da Contestação e provada nos presentes autos, termos em que se requer seja assente o Facto Provado n.º 10 com o seguinte teor:

Facto Provado n.º 10 – A A. é proprietária do imóvel acima referido desde 08/10/2020, pelo que, por uma questão de ordem, deve ser renumerado o anterior Facto Prova 10 que passará a ser o Facto Provado 11, mantendo o seu teor.

n) Quanto à Matéria de Direito, e relativamente à propriedade do imóvel a conclusão do Mmo. Juiz a quo conclui que a A. é proprietária do imóvel fica aquém do necessário, no que à relevância para os presentes autos se afigura.

o) Face ao que a A. peticionou na sua PI, o Tribunal a quo ao decidir declarar “a A. Diocese ... proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 e na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com registo de aquisição a seu favor pelo averbamento nº ...8 da apresentação n.º ... de 1964/02/21”, não é omisso quanto ao que lhe é pedido.

p) Nunca constituiu objecto de litigio entre as Partes que a A. é a (“dona”) proprietária do imóvel na presente data, no entanto ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não contribuiu em nada para a boa decisão da causa e para pôr termo ao litigio existente entre A. e Ré.

q) Assim, caberia ao Tribunal a quo decidir também, quanto a esta matéria, sobre questão que se encontra em efectivo litigio entre as partes, isto é, desde quando a A. é a proprietária do imóvel objecto dos presentes autos.

r) Face à prova produzida nos autos, e considerando a matéria de facto provada nos presentes autos, o Tribunal a quo deveria ter produzido uma decisão mais completa em matéria de reconhecimento da propriedade da A., designadamente em face do novo Facto Provado n.º 10, o Tribunal a quo deveria e poderia ter decidido de forma mais completa, termos em que deve ser alterada a decisão constante do 1.º paragrafo do decisório da Douta Sentença proferida, nos seguintes termos:

“declaro a A. Diocese ... proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 e na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com registo de aquisição a seu favor pelo averbamento nº ...8 da apresentação nº ... de 1964/02/21, desde o dia 08/10/2020.”

s) Quanto à qualificação jurídica do contrato, o Mmo. Juiz a quo conclui que “ainda que as partes tenham denominado o contrato como “protocolo”, tendo ocorrido a ocupação da coisa mediante retribuição mensal, tal situação pode definir-se como contrato de arrendamento”.

t) A Rte. não pode concordar com qualificação jurídica que o Mmo. Juiz a quo faz do contrato em apreço nos presente autos, porquanto este na sua apreciação jurídica quanto à qualificação do contrato, parece não ter atendido à matéria de facto provada que o próprio Tribunal a quo considerou como Facto Provado n.º 1.

u) Assim, resulta do teor do documento transcrito no Facto Provado n.º 1, expressamente reconhecido pelas Partes e assente como Facto Provado n.º 1, que as Partes entendiam que em 01/06/1996 não se encontravam reunidos os pressupostos de facto e de direito para as partes celebrarem entre si um contrato de arrendamento, desde logo, porquanto o Protocolo foi celebrado por 7 pessoas singulares, que actuaram em representação da sociedade constituenda C...., a qual à data não se encontrava ainda constituída, não se encontrando sequer alegado e provado nos presentes autos em que momento isso veio a acontecer.

v) Por outro lado, as Partes Outorgantes, expressamente declararam que pretendiam que fosse a sociedade constituenda C...., representada pelos primeiros outorgantes, a celebrar o prometido contrato de arrendamento referente ao imóvel objecto do presente processo.

w) Por outro lado, ainda, nos termos das Clausulas Decima Segunda e Décima Terceira, os referidos Primeiros Outogantes e a A. estatuíram que no âmbito do contrato de arrendamento a celebrar no futuro, entre a sociedade constituenda C.... e a A., poderiam ainda ser estabelecidas novas condições especiais referentes à “utilização de áreas definidas das instalações do Colégio, durante fins de semana, para o exercício da sua acção religiosa”, bem como, a possibilidade de estabelecer um acordo “que vise a prestação de apoio da Diocese ou da Paróquia da ..., na área da educação religiosa a ministrar aos alunos e dos serviços e actividades religiosas promovidas no, ou pelo, C...”, assim se contrariando a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando fundamenta a sua análise salientando que as partes não “deixaram quaisquer condições (gerais ou especiais) para um futuro  contrato (definitivo)”.

x) E, por ultimo, as Partes celebrantes do referido Protocolo estatuíram entre si, a condição que teria de se verificar, para estarem reunidos os pressupostos para a celebração da escritura publica de arrendamento prometida, designadamente, aquela seria celebrada “após a constituição e registo da sociedade anónima C...”, logo que a locadora o pretenda.

y) Para que duvidas não se suscitassem, entre as Partes Outorgantes foi expressamente acordado que até à realização da escritura publica de arrendamento vigoravam “as condições enunciadas neste protocolo que valerá, na parte em que se refere especificamente ao arrendamento, como contrato-promessa de arrendamento.”

z) Assim, duvidas não pode subsistir que à data de celebração do Protocolo, as Partes Outorgantes do mesmo reconheciam que ainda não se encontravam preenchidos os pressupostos e condições para que a sociedade constituenda C..., S.A. pudesse celebrar com a ora A. Rda. uma escritura publica de arrendamento para o comércio.

aa) Pelo que se conclui que as Partes Outorgantes do referido Protocolo manifestaram expressamente a qualificação jurídica que pretenderam conferir ao Protocolo celebrado entre si em 01/06/1996, designadamente que o Protocolo na parte em que se refere especificamente ao arrendamento, seja qualificado como um contrato-promessa de arrendamento.

bb) Assim outra não pode ser a conclusão da análise do Protocolo constante do Facto Provado n.º 1 que as Partes celebraram entre si um contrato de promessa de arrendamento, foi isso que desejaram e expressaram, e foi o que efectivamente estatuíram entre si, enquanto não se encontravam preenchidos os pressupostos para a formalização de um contrato de arrendamento, designadamente e entre outro porque a sociedade constituenda C.... ainda não se encontrava efectivamente constituída naquela data.

cc) Assim, quanto à qualificação jurídica do contrato objecto dos presentes autos o Tribunal a quo ao qualificar o tal situação como um contrato de arrendamento, não fez uma correta apreciação da prova produzida e, por consequência, não proferiu uma decisão correta, fundando a sua decisão em pressupostos distintos do que aqueles que reconhece encontrarem-se provados em sede da Matéria de Facto Provada.

dd) Face à prova produzida nos autos, e considerando a matéria de facto provada nos presentes autos, o Tribunal a quo deveria ter produzido uma decisão de qualificação jurídica do contrato, como tratando-se de um contrato de promessa de arrendamento, não existindo fundamentação que permita qualquer outra conclusão quanto à  qualificação do contrato.

ee) Assim, em face do Facto Provado n.º 1, o Tribunal a quo deveria e poderia ter decidido de forma correcta, termos em que deve o Protocolo celebrado ser qualificado como tratando-se de um contrato de promessa de arrendamento, assim se fazendo a devida qualificação jurídica do contrato celebrado.

ff) Quanto à nulidade do Contrato, o Mmo. Juiz a quo conclui que “declaro a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a Diocese ... e o C... S.A., - a que as partes deram o nome de “protocolo” que tinha por objeto o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 e na matriz predial urbana sob o artigo ...72, em vigor desde 01 de Junho de 1996.”

gg) A Ré ora Rte. não pode conformar-se com essa decisão do Mmo. Juiz a quo, porquanto a mesma assenta, como se viu, no errado pressuposto que o contrato celebrado é um contrato de arrendamento, quando como supra se referiu estamos expressa e inequivocamente perante um contrato de promessa de arrendamento, pelo que partindo da premissa errada o Tribunal a quo teve de chegar a uma conclusão errada.

hh) Como supra se conclui o protocolo/ contrato celebrado em 01/06/19996 só pode ser qualificado como tratando-se de um contrato de promessa de arrendamento,

ii) À data da celebração do contrato de promessa de arrendamento, 01/06/1996, efectivamente vigorava o disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do RAU, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, sendo que aquela norma legal aplicava-se exclusivamente à celebração de contrato de arrendamento, nas suas diversas modalidades, nada se estatuindo ali quanto à celebração dos contratos de promessa de arrendamento que tivesse por objecto a celebração futura de contratos de arrendamento.

jj) Nada estatuindo o RAU a propósito da celebração do contrato de promessa de arrendamento, para analise da forma legal estatuída para a celebração do contrato de promessa de arrendamento, temos então de nos socorrer das normas gerais vigentes à data e aplicáveis ao contrato e promessa, isto é, revisitar o disposto no art. 410.º do Código Civil, à data de celebração do contrato, 01/06/1996, na redação que lhe fora dada pelo Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de novembro,

kk) Assim, à data da celebração do contrato de promessa de arrendamento, 01/06/1996, a regra vigente em sede de celebração de contrato promessa era que ao respetivo contrato eram aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido (no caso o arrendamento), excetuadas as relativas à forma, regra ainda completada com a regra de que a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral, isto é, obrigando o contrato de arrendamento a forma escrita igualmente se obrigava a promessa de arrendamento a forma escrita, o que foi efectivamente consumado pelas Partes e que se materializou na celebração do Protocolo.

ll) Aquelas regras tinham também a sua excepção, constante do n.º 3, porquanto no caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respetiva de utilização ou de construção, a qual no entanto não é aplicável ao arrendamento, porquanto este não constitui a transmissão ou constituição de direito real sobre o edifício, mas tão só um direito pessoal de gozo, isto é, um direito obrigacional, por oposição a direito real.

mm) Assim, duvidas não podem subsistir que à data de celebração do Protocolo, por documento escrito, na medida em que o mesmo configura e consuma um contrato de promessa de arrendamento, as Partes Outorgantes cumpriram integralmente com os normativos legais aplicáveis em sede de forma legal exigível aplicável ao contrato.

nn) Assim se conclui que o Protocolo celebrado entre as Partes Outorgantes em 01/06/1996, na medida em que configura a celebração de um contrato-promessa de arrendamento cumpre integralmente os imperativos legais de forma exigíveis à data, inexistindo por isso qualquer nulidade formal relativa à celebração do Protocolo / contrato de promessa de arrendamento.

oo) Pelo que, outra não pode ser a conclusão da análise do Protocolo na sua perspetiva formal que não seja a da validade e eficácia do mesmo enquanto contrato de promessa de arrendamento.

pp) Por consequência, perdem assim oportunidade todas as demais considerações subsequentes que o Mmo. Juiz a quo faz na Douta Sentença sobre as obrigações de restituição das Partes e direitos de indemnização.

qq) Assim, quanto à questão da nulidade formal do contrato objecto dos presentes autos o Tribunal a quo ao decidir pela nulidade do contrato por vicio de forma, não fez uma correta aplicação do direito vigente à data de formalização do contrato, nem a devida subsunção da factualidade provada ao direito aplicável e, por consequência, não proferiu uma decisão correta, fundando a sua decisão em pressupostos distintos do que aqueles que reconhece encontrarem-se provados em sede da Matéria de Facto Provada e por consequência aplicando-lhe uma obrigação legal de forma que é legalmente inexistente para o contrato de promessa de arrendamento.

rr) Face à prova produzida nos autos, e considerando a matéria de facto provada nos presentes autos, o Tribunal a quo deveria ter produzido uma decisão distinta sobre a validade formal do contrato de promessa de arrendamento celebrado em 01/06/1996, não existindo fundamentação legal aplicável que permita qualquer outra conclusão que não seja pela validade formal do contrato.

ss) Assim, em face do Facto Provado n.º 1 e da inevitável qualificação jurídica do contrato como contrato de promessa de arrendamento, o Tribunal a quo deveria e poderia ter decidido de forma correcta quanto à validade formal deste, termos em que deve o Protocolo celebrado seja considerado formalmente válido e eficaz, tratando-se de um contrato de promessa de arrendamento, assim se fazendo a devida apreciação formal da validade do contrato celebrado.

tt) Termos em que deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo por decisão que reconheça a validade formal e a eficácia entre as Partes do contrato de promessa de arrendamento vigente e, por consequência, devem ser revogadas as decisões constante do 2.º e 3.º parágrafos do decisório da Douta Sentença proferida, designadamente quanto à parte que “declara a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a Diocese ... e o C... S.A., - a que as partes deram o nome de “protocolo” que tinha por objeto o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 e na matriz predial urbana sob o artigo ...72, em vigor desde 01 de Junho de 1996”, e por consequência “condeno a R. A... S.A. a entregar à A. Diocese ..., após trânsito desta decisão o prédio acima identificado, devendo manter o pagamento da quantia de € 4.000,00 – quatro mil euros - por mês até efectiva entrega desse imóvel”.

uu) Quanto à condenação no pagamento de rendas, o Mmo. Juiz a quo conclui pela condenação da “R. a pagar à A. a quantia de € 12.000,00 – doze mil euros - pela ocupação do aludido imóvel relativo aos meses de Abril, Maio, Junho de 2020, acrescida de juros de mora à taxa de juros civis, desde a data de vencimento de cada uma daquelas prestações e até efectivo pagamento (artigo 805º nº1 alínea a) do CC.”

vv) Não pode a Ré, ora Rte. concordar com fundamentação do Mmo. Juiz a quo, e por consequência com a decisão daquela resultante, porquanto e desse logo, em nenhum momento da missiva em causa o legal representante da Ré reconhece a propriedade da A. relativamente ao imóvel objecto dos presentes autos, mas não deixa por isso de ter a A. como sua interlocutora ao longo do decurso do contrato, porquanto a A. e os seus representantes sempre se apresentaram como tal para efeitos de gestão do contrato e cobrança de rendas, sem que esse facto implique qualquer reconhecimento pela Ré de que a A. é titular do imóvel em causa, como aliás ficou provado nos presentes autos, à data não era.

ww) Também carece de fundamento o argumento de que em face da extinção da Mitra, a A. também não iria liquidar as rendas a entidade que não existe, ficando assim enriquecida no valor de € 12.000,00, porquanto não resulta alegado ou provado nos presentes autos que a Ré se recusa a proceder ao pagamento daquelas rendas, mas tão só que a Ré as pretende pagar a quem efetivamente forem devidas.

xx) Apesar do ónus que lhe caberia, a A. não fez prova nos presentes autos que é o titular desse crédito, não ficando alegado nem suficientemente provado nos presentes autos que a A. assumiu o património integral da Mitra de ..., mas tão somente que lhe foram transmitidos os bens imoveis e quaisquer outros direitos referentes aos mesmos, com efeitos para o futuro e não quanto a créditos vencidos, no que aquele documento é totalmente omisso.

yy) Caberia à A. produzir prova nos presentes autos, que até ao momento não foi  efetuada, uma vez que os créditos em causa são anteriores à data em que a propriedade do edifico objecto dos presentes autos é transmitido e adquirido pela A. e esta também não demonstrou ter adquirido os referidos créditos reclamados.

zz) Desconhece a Ré e a A. também não alega, nem produz qualquer prova, que entidade sucedeu no património global da pessoa colectiva Mitra de ..., no qual se inclui os referidos créditos ora reclamados, sem prejuízo da transmissão para a A. dos bens imoveis e quaisquer outros direitos referentes aos mesmos, nos quais não resulta qualquer evidencia que se incluam os créditos reclamados.

aaa) Ora, face à prova produzida nos autos, e considerando a matéria de facto provada nos presentes autos, designadamente o facto provado n.º 6 e o novo facto provado n.º 10 (referente à data de aquisição do imóvel pela A.), o Tribunal a quo deveria ter produzido uma decisão distinta sobre o pagamento das rendas em atraso e se as mesmas são devidas à A., porquanto não existe prova produzida nos autos e fundamentação na Douta sentença proferida que permita qualquer outra conclusão que não seja pela absolvição da Ré quanto ao pedido pagamento de rendas.

bbb) Assim, em face dos Facto Provado n.º 6 e n.º 10 (novo), e face à inexistência de prova que permita concluir, inequivocamente, que a A. sucedeu no património global da extinta Mitra de ..., o Tribunal a quo deveria e poderia ter decidido de forma correcta quanto à improcedência daquele pedido de condenação da Ré no pagamento das referidas rendas, com fundamento da falta de titularidade da A. quanto às mesmas, e por consequência, absolver a Ré daquele pedido, assim se fazendo a devida apreciação quanto à inexistente, por não provada, titularidade da A. relativamente aos créditos aqui reclamados.

ccc) Termos em que deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo por decisão que reconheça a invocada falta de titularidade da A. relativamente ao peticionados créditos de rendas de 2020 e, por consequência, deve ser revogada a decisão constante do 4.º parágrafo do decisório da Douta Sentença proferida, designadamente quanto à parte que declara condenar “a R. a pagar à A. a quantia de € 12.000,00 – doze mil euros - pela ocupação do aludido imóvel relativo aos meses de Abril, Maio, Junho de 2020, acrescida de juros de mora à taxa de juros civis, desde a data de vencimento de cada uma daquelas prestações e até efectivo pagamento (artigo 805º nº1 alínea a) do CC”.

ddd) Quanto à omissão de pronuncia, o Mmo. Juiz a quo conclui que “inexistem, portanto, mais questões a apreciar quer as invocadas na petição inicial quer na  contestação, atenta a declaração de nulidade determinada e a condenação no pagamento das rendas em atraso”.

eee) Face ao exposto e as conclusões supra referidas, designadamente a necessária revogação da declaração de nulidade do contrato de promessa de arrendamento, não pode a Ré, ora Rte. concordar com a conclusão do Mmo. Juiz a quo que inexistem, portanto, mais questões a apreciar quer as invocadas na petição inicial quer na contestação, uma vez que existem varias situações em que se verificou uma manifesta omissão de pronuncia por parte do Tribunal a quo.

fff) O Tribunal a quo foi omisso quanto aos seguintes pedidos da A. formulados no petitório da sua PI: 1) Ser reconhecido que a Autora é legítima possuidora do prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição; 2) Ser declarada a resolução do contrato de arrendamento em vigor entre Autora e Ré, respeitante ao prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição; 3) Ser a Ré condenada a entregar o locado à Autora, livre e desocupado, de pessoas e coisas; 4) Ser a Ré condenada a pagar à Autora as rendas em novembro e dezembro de 2021 e em janeiro e fevereiro de 2022, no montante total de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), e ainda as vincendas, a partir de março de 2022, até entrega do locado, à razão de € 4.000,00 (quatro mil euros ) mensais.

ggg) Relativamente à matéria alegada pela Ré na sua Contestação se verifica uma manifesta omissão de pronuncia do Mmo. Juiz a quo, por oposição ao alegado na PI, relativamente à matéria alegada pela Ré, designadamente: 1) Quanto à posse pela Ré do imóvel em causa nos autos, constante dos arts. 1.º a 23.º da Contestação e que aqui se tem por reproduzidos, em que a Ré conclui, face ao exposto, que a A. não é, nem nunca foi, possuidora do prédio urbano identificado no artigo 1.º da PI, porquanto o mesmo se encontra arrendado pelo menos desde 01/06/1996, pelo que deve improceder o reconhecimento peticionado pela A. quanto a esta matéria; 2) Quanto à peticionada declaração de resolução do contrato, constante dos arts. 56.º a 77.º da Contestação e que aqui se tem por reproduzidos, em que a Ré conclui, em que a Ré conclui, face ao exposto e sempre sem conceder quanto à alegada existência de rendas em divida pela Ré ao A., se deve concluir, que: i) a A. não cumpriu com o formalismo de comunicar a resolução do contrato de arrendamento à Ré nos termos legais; ii) que a Ré não está em divida para com a A. relativamente às rendas alegadamente em divida e peticionadas nos presentes autos; e iii) que na presente data já caducou o alegado direito de a A. operar a resolução do contrato com fundamento na existência de divida por rendas referentes aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020; pelo que deve improceder a peticionada declaração de resolução do contrato de arrendamento em vigor entre Autora e R, respeitante ao prédio urbano identificado no artigo 1.º desta petição; 4) Quanto à peticionada desocupação e entrega do Locado, constante dos arts.80.º a 84.º da Contestação e que aqui se tem por reproduzidos, em que a Ré conclui, face ao exposto e sempre sem conceder quanto à alegada existência de rendas em divida pela Ré à A., se deve concluir pela improcedência da peticionada condenação da Ré a entregar o locado à Autora, livre e desocupado de pessoas e coisas.

hhh) Como supra se concluiu, duvidas não podem subsistir que no caso dos presentes autos se verifica a inexistência de nulidade do contrato de promessa de arrendamento, pelo que o Mmo. Juiz a quo, está em tempo e deve conhecer das questões ora enunciadas e que constam suscitadas quer na PI quer na contestação.

iii) O Mmo. Juiz a quo proferiu a Sentença em crise nos presentes autos, no âmbito da qual foi completamente omissa quanto à apreciação sobre aquelas matérias, apesar de ser matéria suscitada pelas Parte nos seus articulados, pelo que o Mmo. Juiz a quo não se pronunciou sobre uma questão que deveria ter apreciado.

jjj) Atento o teor da Sentença proferida, o Mmo. Juiz a quo é omisso quanto à apreciação qualquer uma daquelas matérias e tão pouco quanto à fundamentação para não se pronunciar sobre as mesmas.

kkk) A sentença proferida pelo Mmo. Juiz a quo carece por isso, e desde logo, de pronúncia do Mmo. Juiz a quo sobre as enunciadas matérias invocadas pelas partes nos seus articulados, pelo que a sentença em crise está ferida de vicio por se verificar uma manifesta e evidente omissão de pronuncia do Mmo. Juiz a quo, sobre questão que deve apreciar, nos termos do disposto no art. 615.º n.º 1 al. d).

lll) Ao proferir a Sentença em crise, o Mmo. Juiz a quo violou o dever de pronúncia sobre questão que deveria apreciar, sendo, por isso, a sentença proferida pelo Tribunal a quo nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

mmm) Nestes termos, por tudo o supra exposto, carece em absoluto de fundamento a decisão proferida pelo Mmo. Juiz a quo na Douta Sentença de que se recorre.

nnn) Termos em que deve a decisão de condenação proferida ser revogada, nos termos supra identificados, e o tribunal a quo pronunciar-se sobre a matéria em que se verificou a omissão de pronuncia, com a consequente absolvição da Ré do pedido, nos termos peticionados na sua contestação.

ooo) Quanto à condenação em custas, o Mmo. Juiz a quo conclui que “Custas a cargo da A - parcialmente vencida 2 - em 40% e a cargo da R. em 60% (artigo 527º do CPC).”

ppp) A A. peticionou o pagamento de rendas em divida no montante de 28.000,00€, tendo o Mmo. Juiz a quo proferido decisão que condena a Ré no pagamento de rendas em divida no valor de 12.000,00€, ainda e sempre sem conceder.

qqq) Assim a A. decaiu no montante peticionado em 16.000€/28.000,00€, o que representa um decaimento em 57% do pedido.

rrr) Assim a Ré decaiu no montante peticionado em 12.000€/28.000,00€, o que representa um decaimento em 43% do pedido.

sss) Face ao exposto, lavram certamente em erro os cálculos efetuados pelo Tribunal a quo em relação ao decaimento das Partes no âmbito da condenação em custas, pelo que, sem conceder quanto à absolvição da Ré do pedido, caso assim não aconteça e à cautela, deve aquela decisão ser revogada e substituída por outra que decida por “Custas a cargo da A - parcialmente vencida - em 57% e a cargo da R. em 43% (artigo 527º do CPC).”

Por todo o exposto,

Venerando Senhores Juízes Desembargadores, V. Exas. só poderão revogar a Sentença recorrida na sua totalidade substituindo-a por despacho que conduza o tribunal a quo a prosseguir com o julgamento e reconhecer as alterações da matéria de facto e de direito supra expostas e pronunciar-se sobre a matéria omissa, constante dos articulados das partes, prosseguindo os demais termos até final, assim se fazendo a acostumada

JUSTIÇA.”

                                                           ***

1.8. - Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º do C.P.C. respondeu a A. - Diocese ... -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1ª - A propriedade do imóvel em apreço nos autos encontra-se perfeitamente definida nos factos assentes, nos pontos 8 e 9.

2ª – A Mitra de ... era uma pessoa religiosa constituindo um órgão do governo da Diocese, presidido pelo Bispo e administrado pela Autora, que, enquanto autoridade superior tutelante, no ano de 1996 deu de arrendamento ao C..., SA, o referido imóvel.

3ª - A decisão sobre a matéria de facto não deve pois ser alterada, atenta a circunstância de o facto que a Ré pretende acrescentar já constar dos factos assentes.

4ª – Através do Decreto de 08-10-2020, o Bispo ... extinguiu a Mitra de ..., deixando expresso que “ os bens imóveis e quaisquer outros direitos referentes aos mesmos, de qualquer natureza, transferem-se para a Diocese ..., … enquanto pessoa jurídica canónica imediatamente superior “, o que naturalmente o imóvel aqui em causa e os direitos de créditos relativos á rendas.

5ª – Ainda sobre a propriedade do imóvel, o tribunal declarou o que a Autora peticionou – que é proprietária do imóvel – sendo irrelevante para o caso concreto a data de aquisição da propriedade.

6ª – As alegações da Ré, de que estamos perante contrato promessa de arrendamento, chamando á colação o facto de a sociedade C..., SA se encontrar em constituição, e se prever no documento a possibilidade de utilização pela Autora de partes do imóvel para actividades religiosas e prestação de apoio na educação religiosa a ministrar aos alunos, não colhem.

7ª – É que, a possibilidade de a Autora utilizar áreas específicas do imóvel ao fim de semana para atividades religiosas ou prestar apoio religioso aos alunos ficou dependente de acordo com a então arrendatária do imóvel, não existindo no “ Protocolo “ qualquer menção de que essas seriam condições a consagrar no contrato definitivo.

8ª – Depois, em 29-10-2009, a sociedade C..., de que o gerente da aqui Ré era também administrador ( basta consultar a certidão de registo comercial dessa empresa ), comunicou à Autora a transmissão do estabelecimento por trespasse, “ no âmbito do arrendamento vigente e estabelecido através de Protocolo celebrado em 012/06/1996 “.

9ª - Trespasse que veio a ser realizado poucos dias depois, conforme comunicação de 09/11/2009, do gerente da Ré na qual confirma que “ desde o passado dia 30 de outubro a assumi a responsabilidade e o desafio de dirigir o Colégio ..., na .... Fi-lo através da sociedade comercial A..., L.da, que por trespasse, adquiriu a autorização de funcionamento do referido colégio “.

10ª - Ora, tendo sido feito entre elas contrato de trespasse, naturalmente que ambas as partes, trespassante e trespassária, entenderam o contrato existente como contrato de arrendamento, não como contrato promessa de arrendamento ( e também como contrato de arrendamento desde o início foi considerado pela Autora ).

11ª - Apesar de qualificado de “ Protocolo “ ou de contrato-promessa de arrendamento, o documento assinado em 01/06/1996 terá que ser efectivamente qualificado como contrato de arrendamento, uma vez que estabelecendo-se o local da fruição, a partir de então a sociedade C... ( e a partir de 2009 a Ré ) passou a utilizar o espaço em causa, pagando á Autora as compensações mensais estabelecidas ( requisitos essenciais da locação, estabelecidos no art.º 1022º do CC ).

12ª - Durante mais de 25 anos a Autora e, antes a sociedade C... e desde 2009 a Ré, comportaram-se respectivamente como senhoria e arrendatária do imóvel, entre elas vigorado uma verdadeira relação locatícia, a cuja existência não foi obstáculo a falta do suposto contrato prometido, cuja realização nunca foi reclamada pelas partes.

13ª - É entendimento maioritário da nossa jurisprudência que um denominado contrato-promessa de arrendamento onde se estabeleçam as condições do contrato definitivo, antecipando-se os efeitos próprios deste, que logo se passam a verificar, merece a qualificação de contrato de arrendamento.

14ª - Atendendo á data de celebração do mesmo - 1 de junho de 1996 -, e o que dispunha ao art.º 7º/2/b, do RAU, houve quanto a ele preterição da forma legalmente exigível, o que nos termos do art.º 286º do CC determina a sua nulidade, conforme foi declarada pelo tribunal.

15ª - Foi dado como provado que “ 10- A R. não pagou à A. os valores referentes ao uso do imóvel acima referido e referente aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, no valor mensal acordado de € 4.000,00 “.

16ª – A Ré tem naturalmente que ser condenada no pagamento das rendas, com o foi, pois que a Autora é titular desses créditos.

17ª – Como bem consta da sentença recorrida, “ … o Bispo ... (de entre os poderes que lhe são conferido pelo Código Canónico) procedeu à extinção da Mitra de ... … mais se dizendo em tal decreto - cuja validade a R. não coloca em causa – que os bens e direitos da Mitra transitam para a A.

Se assim é, e com base nesse documento se efectuou o registo de propriedade a favor da A., é claro então que os direitos que à data da extinção estavam na esfera jurídica da Mitra transferiram-se para a A. sendo ela a respectiva titular deles, de acordo também com o cânone 121 do já aludido Código “

18ª - Independentemente dessa extinção, foi a Autora quem deu de arrendamento o imóvel á sociedade C..., direito obrigacional posteriormente transferido para a Ré, através do contrato de trespasse.

19ª – E, imediatamente após o início do contrato, a Autora emitiu á inquilina os competentes recibos do pagamento da rendas, o que também assucedeu em relação á Ré, que sempre pagou rendas á Autora, o que a Ré nunca negou.

20ª – Ora, é entendimento na jurisprudência que a legitimidade ativa para instaurar a acção de despejo não está dependente da alegação e prova por parte do senhorio da sua qualidade de proprietário em relação ao arrendado, mas sim da sua qualidade de “ senhorio “, visto que na acção de despejo o que está em causa é a relação obrigacional e contratual senhorio versus inquilino, ou seja, o senhorio em contrato de arrendamento não tem que ser proprietário do imóvel.

21ª - A Ré carece de legitimidade para invocar omissão de pronúncia em relação aos pedidos da Autora.

22ª - E sobre as questões enunciadas pela Ré como “ omissão de pronúncia “, naturalmente que em face do que foi decidido – a nulidade do contrato de arrendamento – as mesmas não foram apreciadas porque não tinham de o ser, não sendo por isso a sentença nula.

23ª – Os pedidos da Autora não se reconduzem ás rendas em dívida, aliás, além da condenação no pagamento desses valores a sentença declarou também a propriedade da Autora sobre o imóvel em apreço nos autos, bem como a nulidade do contrato de arrendamento, daí a fixação das custas como o foram.

24ª - A sentença recorrida está bem fundamentada, de facto e de direito, é decisão acertada, devendo ser mantida nos seus precisos termos.

Termos em que, e nos mais de Direito, deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida, nos seus precisos termos, assim fazendo V. Ex.cias Venerandos Desembargadores a costumada JUSTIÇA !”

                                                           ***

            1.9.- Foi proferido despacho a receber do seguinte teor:

            “Requerimento Citius Sob a refª 9676530 de 20.04.2023 (Ré) Admito o recurso, tempestivamente interposto por quem tem legitimidade, o qual é de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo (638º nº 1, 631º nº 1, 644º nº 1 al. b), 645º nº 1 al. a) e 647º nº 3 al. b)1 do CPC).

*

Da nulidade da sentença

Nas suas alegações de recurso vem a recorrente invocar a nulidade da sentença apelando ao disposto no artº 615º nº 1 al. d) do CPC. 

Preceitua este preceito legal que:

1.É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

No que respeita à nulidade invocada, a mesma deve conjugar-se com o disposto no artº 152º e 608º do CPC que impõem ao juiz o conhecimento de todas as questões submetidas à sua apreciação pelas partes, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada às outras.

Ora, como se diz na decisão sob recurso, em face da apreciação e procedência da declaração de nulidade, ficou prejudicada a apreciação de outras questões, quer invocadas na p.i, quer na contestação, pelo que considero não ter sido cometida a invocada nulidade.

*

Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra”.

                                                           ***

1.10.- Colhidos os vistos cumpre decidir.

                                                           ***

                                               2. Fundamentação

Factos provados (com interessa para a decisão).

1.- Em 01 de Junho de 1996 foi celebrado assinado o documento abaixo transcrito.



2- Não foi celebrada escritura pública do acordo referido em 1.

3- Em Outubro de 1999 o C... S.A. comunicou à Diocese ..., que havia celebrado com a aqui R. uma promessa de trespasse do imóvel objecto do acordo indicado em 1, pelo preço de € 190.000,00, mais dando-lhe um prazo de 10 dias para querendo a mesma exercer a preferência.

4- A Diocese ... não exerceu preferência.

5- Em 09 de Novembro de 2009 a R. por intermédio do seu representante legal informou a A. do seguinte:

6- Em 08 de Outubro de 2020 a A. através do Cardeal AA, Bispo ... emitiu o seguinte documento:



7- Está descrita na Conservatória ..., sob o nº ...23 proveniente da descrição nº ...68, livro nº...8, um prédio urbano composto de “casa de rés do chão e 1º andar destinado a esino e logradouro”, com a indicada área total de “1220,7 m2”.

8- Pela apresentação nº ... de 1964/02/21 tendo por causa aquisição, foi registado a favor de Mitra de ... a propriedade do imóvel identificado em 7 e que constitui aquele que foi alvo do protocolo referido em 1.

9- Pelo averbamento nº ...8 de 2020/10/12 – “transmissão por transferência de património” da apresentação ..., tendo por causa “extinção” foi registada a propriedade do aludido bem a favor da A. Diocese ..., sendo sujeito passivo do registo, a Mitra de ....

10- A R. não pagou à A. os valores referentes ao uso do imóvel acima referido e referente aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, no valor mensal acordado de € 4.000,00.

11 - O imóvel é propriedade da ora A. apenas desde o dia 08/10/2020.

Matéria aditada por este Tribunal.

Factos não provados

Inexistem

*

Quanto aos restantes factos alegados pela A. não se torna necessária a sua apreciação para que a acção improceda e os alegados pela R. nenhum relevo possuem para tal decisão atentos aqueles que provados já estão.

                                                           ***

3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir consistem em saber:

A)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação da alínea d), do n.º 1, do art.º 651.º do C.P.C.

B)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

C) – Saber se sentença recorrida na sua totalidade substituindo-a por despacho que conduza o tribunal a quo a prosseguir com o julgamento.

D)- Saber se a condenação em custas fixada na sentença recorrida deve ser alterada.

Antes de entrarmos na analise do recurso e das questões a conhecer, cabe verificar, se existe algum erro ou gralha, no ponto onde a sentença refere:

Citada a R. contestou aceitando que a A. é actualmente proprietária do prédio urbano que a A. identifica na petição inicial, a qual, propriedade, foi adquirida pela mesma em 12 de Outubro de 2020, sendo assim de proceder o 1º pedido da A. desde 10 de Agosto de 2020”.

Pois que, segundo a recorrente deve ter-se ali a data de 8 de outubro de 2020.

Operando à leitura da contestação, temos para nós, não se verificar qualquer, gralha.

Na verdade, a R., aqui recorrente, refere no art.º 24 da contestação “ Para os devidos efeitos legais, designadamente para efeitos de irretratabilidade da confissão nos termos do art. 465.º do CPC, a Ré aceita a confissão da A. que à data da celebração do protocolo e até ao dia 08/10/2020 a A. não era a proprietária do imóvel objeto dos presentes autos, cfr. resulta do teor do art. 13.º da PI e do teor do Docs. 2 junto com a mesma)”, e refere no art.º 25.º, da mesma peça processual “Face ao exposto, conclui-se que assiste razão a Autora relativamente ao peticionado reconhecimento que a Autora é proprietária do prédio urbano identificado no artigo 1.º da PI, desde 10/08/2020, pedido que deve proceder”.

            Assim, nesta vertente não assiste razão à recorrente.

            Dito isto, passemos analisar o recurso propriamente dito.

            Por uma questão metodológica iremos analisar cada um dos pontos levantados pela recorrente.

            Assim,

A)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação da alínea d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

A recorrente para defender o seu ponto de vista, refere, no mais, que relativamente à matéria alegada pela Ré na sua Contestação se verifica uma manifesta omissão de pronuncia do Mm.ª Juiz a quo, por oposição ao alegado na PI, relativamente à matéria alegada pela Ré, designadamente: 1) Quanto à posse pela Ré do imóvel em causa nos autos, constante dos arts. 1.º a 23.º da Contestação e que aqui se tem por reproduzidos, em que a Ré conclui, face ao exposto, que a A. não é, nem nunca foi, possuidora do prédio urbano identificado no artigo 1.º da PI, porquanto o mesmo se encontra arrendado pelo menos desde 01/06/1996, pelo que deve improceder o reconhecimento peticionado pela A. quanto a esta matéria; 2) Quanto à peticionada declaração de resolução do contrato, constante dos arts. 56.º a 77.º da Contestação e que aqui se tem por reproduzidos, em que a Ré conclui, em que a Ré conclui, face ao exposto e sempre sem conceder quanto à alegada existência de rendas em divida pela Ré ao A., se deve concluir, que: i) a A. não cumpriu com o formalismo de comunicar a resolução do contrato de arrendamento à Ré nos termos legais; ii) que a Ré não está em divida para com a A. relativamente às rendas alegadamente em divida e peticionadas nos presentes autos; e iii) que na presente data já caducou o alegado direito de a A. operar a resolução do contrato com fundamento na existência de divida por rendas referentes aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020; pelo que deve improceder a peticionada declaração de resolução do contrato de arrendamento em vigor entre Autora e R, respeitante ao prédio urbano identificado no artigo 1.º desta petição; 4) Quanto à peticionada desocupação e entrega do Locado, constante dos arts.80.º a 84.º da Contestação e que aqui se tem por reproduzidos, em que a Ré conclui, face ao exposto e sempre sem conceder quanto à alegada existência de rendas em divida pela Ré à A., se deve concluir pela improcedência da peticionada condenação da Ré a entregar o locado à Autora, livre e desocupado de pessoas e coisas.

Opinião oposta tem a recorrida que refere, entre o mais, que a Ré carece de legitimidade para invocar omissão de pronúncia em relação aos pedidos da Autora, por um lado, por outro e sobre as questões enunciadas pela Ré como “ omissão de pronúncia “, naturalmente que em face do que foi decidido – a nulidade do contrato de arrendamento – as mesmas não foram apreciadas porque não tinham de o ser, não sendo por isso a sentença nula.

O Tribunal “a quo” tomou posição sobre tal matéria, nos termos do n.º 1, do art.º 617.º, do C.P.C., referindo, no mais, que no que respeita à nulidade invocada, a mesma deve conjugar-se com o disposto no artº 152º e 608º do CPC que impõem ao juiz o conhecimento de todas as questões submetidas à sua apreciação pelas partes, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada às outras.

Ora, como se diz na decisão sob recurso, em face da apreciação e procedência da declaração de nulidade, ficou prejudicada a apreciação de outras questões, quer invocadas na p.i, quer na contestação, pelo que considero não ter sido cometida a invocada nulidade.

Apreciando

O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (cfr. . Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.)

Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.

Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735).

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (cfr. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734).

As causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Enquanto nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (cfr. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI).

Analisemos os referidos vícios que respeitam à estrutura ou aos limites da sentença:

1. O vício consagrado na al. a) reporta-se à falta de assinatura do juiz, que no caso em apreço não é posto em causa.

2. Quanto ao vício consagrado na al. b): falta de fundamentação de facto ou/e direito, que no caso em apreço não é invocada pela recorrente.

3. Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, questão não invocada pela recorrente.

4. Quanto ao vício consagrado na al. d) : omissão ou excesso de pronúncia.

Nulidade invocada pela recorrente.

Cumpre referir, quanto à omissão de pronúncia, que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737).

Sobre esta matéria refere-se no Acórdão da Rel. de Guimarães, proc.º n.º 1799/13.0TBGMR-B, Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (cfr. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143).

Assim, já referia Alberto dos Reis, in Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143, impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (cfr. Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443,in base de dados da DGSI.).

Significa isto, que caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”.

Operando à leitura da decisão não vislumbramos tal nulidade.

Na verdade, a sentença recorrida, entendeu, pelas razões que explana, estar-se perante um contrato de arrendamento, e, que o mesmo era nulo por vício de forma, tirando as respectivas conclusões e por isso, não conheceu das demais por prejudicadas, como refere no despacho de sustentação a que se alude no ponto 1.9.

Assim, sendo, como na verdade é, não vislumbramos a nulidade invocada.

Pelo exposto, esta pretensão da recorrente improcede.

5. Quanto ao vício consagrado na al. e) : condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, questão não levantada pelo recorrente.

Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

                                                           **

B)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

Segundo a recorrente este Tribunal da Relação deve alterar a matéria de facto fixada em 1.ª, aditando um facto a referir a data em que a A. adquiriu o imóvel, desde logo, por tal data assumir relevância para delimitar a data a partir da qual a A. pode efetivamente ser titular do alegado crédito de rendas peticionado nos presentes autos. tanto mais, que pede as rendas relativas aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, no valor mensal acordado de € 4.000,00”).

Opinião oposta tem a recorrida, que pugna pela manutenção do decidido.

Como se sabe, este Tribunal, mos termos do art.º 662.º, do C.P.C., pode aditar matéria de facto, desde que, a mesma possa ter alguma pertinência na apreciação da questão em apreço.

Ora, a questão de saber, a partir de que data a A. é proprietária do imóvel, pode ter interesse, para se aquilatar, melhor da situação em apreço.

Assim, por os autos conterem tais elementos, adita-se um facto à matéria provada, colocada no respetivo local, a negrito e etálico com o n.º 11.º, tendo por base os documentos 2 e 6 juntos com a P.I..

Além do aditamento deste ponto, não vislumbramos, qualquer razão para alterar, no mais a matéria de facto fixada em 1.ª instância.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                                           **

C) -Saber se sentença recorrida na sua totalidade substituindo-a por despacho que conduza o tribunal a quo a prosseguir com o julgamento.

Segundo a recorrente estamos perante um contrato-promessa de arrendamento e não perante um contrato de arrendamento.

Referindo para tanto que as Partes Outorgantes, expressamente que pretendiam que fosse a sociedade constituenda C...., representada pelos primeiros outorgantes, a celebrar o prometido contrato de arrendamento referente ao imóvel objecto do presente processo, ao que acresce que nos termos das Clausulas Decima Segunda e Décima Terceira, os referidos Primeiros Outorgantes e a A. estatuíram que no âmbito do contrato de arrendamento a celebrar no futuro, entre a sociedade constituenda C.... e a A., poderiam ainda ser estabelecidas novas condições especiais referentes à “utilização de áreas definidas das instalações do Colégio, durante fins de semana, para o exercício da sua acção religiosa”, bem como, a possibilidade de estabelecer um acordo “que vise a prestação de apoio da Diocese ou da Paróquia da ..., na área da educação religiosa a ministrar aos alunos e dos serviços e actividades religiosas promovidas no, ou pelo, C...”, assim se contrariando a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando fundamenta a sua análise salientando que as partes não “deixaram quaisquer condições (gerais ou especiais) para um futuro  contrato (definitivo)”, tanto mais que as partes  as Partes celebrantes do referido Protocolo estatuíram entre si, a condição que teria de se verificar, para estarem reunidos os pressupostos para a celebração da escritura publica de arrendamento prometida, designadamente, aquela seria celebrada “após a constituição e registo da sociedade anónima C...”, logo que a locadora o pretenda.

E com base nesse seu ponto de vista, pugna, pela não verificação de qualquer nulidade, até porque, sendo um contrato promessa de arrendamento, não haveria qualquer nulidade, devendo os autos prosseguir para o demais.

Opinião oposta tem a recorrida, que pugna pelo decidido no sentença recorrida, referindo, no mais, que o Trespasse que veio a ser realizado poucos dias depois, conforme comunicação de 09/11/2009, do gerente da Ré na qual confirma que “ desde o passado dia 30 de outubro a assumi a responsabilidade e o desafio de dirigir o Colégio ..., na .... Fi-lo através da sociedade comercial A..., L.da, que por trespasse, adquiriu a autorização de funcionamento do referido colégio “,  tendo sido feito entre elas contrato de trespasse, naturalmente que ambas as partes, trespassante e trespassária, entenderam o contrato existente como contrato de arrendamento, não como contrato promessa de arrendamento ( e também como contrato de arrendamento desde o início foi considerado pela Autora ), pois, apesar de qualificado de “ Protocolo “ ou de contrato-promessa de arrendamento, o documento assinado em 01/06/1996 terá que ser efectivamente qualificado como contrato de arrendamento, uma vez que estabelecendo-se o local da fruição, a partir de então a sociedade C... ( e a partir de 2009 a Ré ) passou a utilizar o espaço em causa, pagando á Autora as compensações mensais estabelecidas ( requisitos essenciais da locação, estabelecidos no art.º 1022º do CC ), tanto mais, que durante mais de 25 anos a Autora e, antes a sociedade C... e desde 2009 a Ré, comportaram-se respectivamente como senhoria e arrendatária do imóvel, entre elas vigorado uma verdadeira relação locatícia, a cuja existência não foi obstáculo a falta do suposto contrato prometido, cuja realização nunca foi reclamada pelas partes, sendo entendimento maioritário da nossa jurisprudência que um denominado contrato-promessa de arrendamento onde se estabeleçam as condições do contrato definitivo, antecipando-se os efeitos próprios deste, que logo se passam a verificar, merece a qualificação de contrato de arrendamento.

Por sua vez, a sentença recorrida, entendeu estar-se perante um contrato de arrendamento, não obedecendo, no entanto, à forma exigida pela lei, verificando-se a nulidade do mesmo, retirando as respetivas consequências jurídicas.

Apreciando

Diga-se, desde já que, a questão fulcral, nesta matéria consiste, em saber se estamos ou não perante um contrato de arrendamento, na medida em que todas as demais questões giram em volta da qualificação jurídica do contrato.

No que tange à natureza do contrato celebrado entre A. e entidade terceira que depois trespassou o repectivo estabelecimento comercial à R., temos que o mesmo foi designado como “protocolo”, (cfr. facto 1), tendo-se a aí segunda outorgante comprometido a celebrar com o C... (B... S.A.) um contrato de arrendamento com fins comerciais, de determinados prédios.

Como bem se refere na sentença recorrida, segmento que se transcreve, por com ele se concordar “É certo que é amplamente reconhecida, em geral, na nossa ordem jurídica, a possibilidade de as partes, em vez de celebrarem imediatamente um contrato final, iniciarem a sua vinculação tão-somente prometendo entre si a celebração de um contrato futuro.

Pelo contrato em questão, as partes quiseram vincular-se à celebração de um contrato futuro, mas desde logo o mesmo ficou a vigorar entre ambas como se um verdadeiro arrendamento se tratasse, tendo uma das partes cedido o gozo da coisa e a outra obrigando-se a pagar um determinado valor a título de renda.

Efectivamente, no aludido acordo de vontades preenchem-se todos os elementos do contrato de locação, tal como vem configurado no artigo 1022.º do Código Civil. E versando sobre coisa imóvel, a locação diz-se arrendamento (artigo 1023.º do Código Civil).

O imóvel foi entregue ao C..., que o passou a utilizar, mediante certa retribuição mensal e em determinado momento (após trespasse do estabelecimento comercial) passou a ser usado pela R.

Não se deixaram quaisquer condições (gerais ou especiais) para um futuro contrato (definitivo), ou seja, condições que iriam disciplinar um posterior contrato, a celebrar, a não ser a celebração pela forma válida do contrato definitivo, o qual nunca chegou a ser feito.

Portanto, apesar de nos autos constar apenas a promessa de contrato, está-se perante um verdadeiro contrato de arrendamento: o locado foi entregue, em contrapartida de uma renda, que ali vem referida; ali foram clausuladas todas as condições do contrato. Por isso, ainda que as partes tenham denominado o contrato como “protocolo”, tendo ocorrido a ocupação da coisa mediante retribuição mensal, tal situação pode definir-se como contrato de arrendamento.

É certo que é amplamente reconhecida, em geral, na nossa ordem jurídica, a possibilidade de as partes, em vez de celebrarem imediatamente um contrato final, iniciarem a sua vinculação tão-somente prometendo entre si a celebração de um contrato futuro.

Pelo contrato em questão, as partes quiseram vincular-se à celebração de um contrato futuro, mas desde logo o mesmo ficou a vigorar entre ambas como se um verdadeiro arrendamento se tratasse, tendo uma das partes cedido o gozo da coisa e a outra obrigando-se a pagar um determinado valor a título de renda.

Efectivamente, no aludido acordo de vontades preenchem-se todos os elementos do contrato de locação, tal como vem configurado no artigo 1022.º do Código Civil. E versando sobre coisa imóvel, a locação diz-se arrendamento (artigo 1023.º do Código Civil).

O imóvel foi entregue ao C..., que o passou a utilizar, mediante certa retribuição mensal e em determinado momento (após trespasse do estabelecimento comercial) passou a ser usado pela R.

Não se deixaram quaisquer condições (gerais ou especiais) para um futuro contrato (definitivo), ou seja, condições que iriam disciplinar um posterior contrato, a celebrar, a não ser a celebração pela forma válida do contrato definitivo, o qual nunca chegou a ser feito.

Portanto, apesar de nos autos constar apenas a promessa de contrato, está-se perante um verdadeiro contrato de arrendamento: o locado foi entregue, em contrapartida de uma renda, que ali vem referida; ali foram clausuladas todas as condições do contrato. Por isso, ainda que as partes tenham denominado o contrato como “protocolo”, tendo ocorrido a ocupação da coisa mediante retribuição mensal, tal situação pode definir-se como contrato de arrendamento.”

Advogamos o segmento transcrito, tendo presente o conteúdo com contrato denominado “protocolo” e a sua interpretação.

Como é consabido, os princípios essenciais a ter em consideração nesta matéria (interpretação da vontade das partes) são os seguintes:

- A declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário - artº 236, nº2, CC;

- Não o sendo, valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (teoria da impressão do destinatário) - artº 236, nº1;

- Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto - artº 238, nº1; dito doutra forma: para que possa valer, o sentido atribuído pelo “declaratário normal” deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita, no próprio texto do documento que corporiza a garantia prestada;

- O sentido sem correspondência mínima no texto poderá ainda valer se traduzir a vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem e essa validade - artº 238º, nº2.

Estas regras, no fundo, não são mais do que critérios interpretativos dirigidos ao juiz e às partes contratantes. E o que basicamente se retira do artº 236º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário) – acordão deste Tribunal de 28.10.97, BMJ 470, 597. Há que imaginar - escreve o Prof. Paulo Mota Pinto em Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 208 - uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este efectivamente conheceu (mesmo que um declaratário normal delas não tivesse sabido - por exemplo, devido ao facto de o real declaratário ser portador de uma cultura invulgarmente vasta e superior à média) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo. Ainda segundo este mesmo autor, “… a interpretação da declaração negocial não tem em vista apurar a vontade do declarante ou um sentido que este tenha querido declarar, estando antes em causa o sentido objectivo que se pode depreender do seu comportamento”. Importa por fim acrescentar que estando-se no caso sub judice em presença dum contrato, e dum contrato tipicamente sinalagmático, há que atender, simultaneamente, às declarações de ambas as partes porque ambas são, também simultaneamente, declarante e declaratário (neste sentido, Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, II, 2ª edição, pág. 435). Tudo isto significa em termos práticos que o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição de declaratário real.

Operando à leitura do contrato, transcrito no facto 1, verificamos, desde logo, que no mesmo se refere, o contrato vigorará a partir do dia 1 de junho de 1996 (cfr. cláusula 4), o prazo estabelecido para o contrato é um ano, automaticamente renovável no seu termo por iguais períodos de tempo, de acordo com a lei (cfr. cláusula 5).

Daqui para o homem médio, não pode deixar de resultar que as partes quiseram formular o contrato de arrendamento.

É certo que no mesmo se refere – a renda convencionada e a figurar  no contrato de arrendamento a celebrar oportunamente por escritura pública (cfr. cláusula 6).

Porém, não é menos verdade que no contrato se estipulou que a escritura de arrendamento será celebrada após a constituição e registo da sociedade (…) que ocorrerá no prazo máximo de 90 dias, logo que a locatária o pretenda (cfr. cláusula 11).

Ora, da conjugação destes factos, não vemos outro entendimento de que, a vontade das partes foi com o contrato que chamaram protocola, ser um contrato de arrendamento, pois se assim não fosse, teriam efetuado a escritura a que aludem no mesmo, tanto mais que o contrato que intitularam de protocolo, foi celebrado em 1 de junho de 1996.

Assim, face ao exposto, como já referimos advogamos o entendimento espelhado na sentença recorrida de que foi entre as partes um contrato de arrendamento.  

Aqui chegados, cabe verificar se o contrato em causa está ferido de nulidade.

Nesta vertente, advogamos o referido na sentença recorrida, segmento que aqui transcrevemos:

“Importa apreciar a questão da nulidade formal do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, porque efetuado por mero documento particular.

A questão da validade formal de um negócio tem de aferir-se perante o quadro normativo vigente à data da celebração do acto, sendo irrelevantes para tal efeito as modificações operadas supervenientemente pela lei nova (artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil).

Ora, vigorando em 1996 o artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do RAU, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, que impunha a formalização dos arrendamentos para o comércio através de escritura pública, padece o negócio celebrado da nulidade prevista no artigo 220.º do Código Civil – sem que o facto de, posteriormente, a lei ter prescindido de tal forma, bastando-se com o mero documento escrito, possa convalidar ou sanar tal nulidade.

Efetivamente, tendo sido celebrado um contrato de arrendamento urbano para o exercício de atividade comercial em 01 de Junho de 1996 e com início de vigência nesse mesmo dia, é de aplicar ao caso o regime do referido Decreto-Lei n.º 321-B/90 – cfr. artigo 5.º deste diploma legal -, valendo em sede de forma do aludido contrato o disposto no referido artigo 7.º, n.º 2, alínea b), deste decreto-lei.

Ou seja, impunha-se, para a validade formal deste contrato, a escritura pública já que a dispensa daquele formalismo prevista no artigo 7.º, n.º 1, do RAU, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/2000, de 22 de abril, não vale para o contrato em apreciação, por ser anterior à sua vigência (cfr. artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil).

Face à ausência da forma imposta por lei, a sanção não pode deixar de ser de nulidade do contrato (artigo 220.º do Código Civil), a qual aliás é do conhecimento oficioso de harmonia com o artigo 286º do mesmo diploma legal

Pelo que declarado nulo o contrato, cada parte deve restituir o que recebeu, em espécie ou valor.

Como tal o proprietário/senhorio poderia ser obrigado a restituir em espécie a totalidade das rendas recebidas.

Contudo o inquilino/arrendatário deve a parte objectivamente correspondente à sua utilização do prédio.

Sendo então de relevar que os dois deveres se compensam, na medida em que, em princípio, existe paridade entre o valor da renda estipulado pelas partes e o valor objectivo do uso e fruição do prédio.

Destarte, tendo as partes estipulado o montante da renda a pagar, de forma livre, pode afirmar-se que a mesma correspondeu, ao valor locativo do prédio.

A declaração de nulidade do contrato não obsta a que haja lugar a um dever de indemnização por parte de um dos intervenientes do negócio jurídico.

Ou seja, declarado nulo o contrato de arrendamento, poderá haver lugar ao pagamento de uma indemnização por danos causados por um dos intervenientes no negócio jurídico ao outro.

Com efeito, resulta do disposto no artigo 289.º, n.º 3, do Código Civil que, declarada a nulidade do contrato, é aplicável o disposto nos artigos 1269.º e seguintes do mesmo diploma legal, nomeadamente no artigo 1273.º.

Pode, portanto, haver lugar a indemnização a favor do arrendatário em caso de nulidade do contrato de arrendamento, nomeadamente pelas benfeitorias realizadas.

Contudo no caso concreto as mesmas não são pedidas”.

Aqui chegados cabe apreciar outro ponto levantado pela recorrente, saber se o Tribunal podia condenar a R. aqui recorrente ao pagamento das rendas e juros, peticionadas.

Também nesta vertente, temos para nós, a razão estar do lado da sentença, e por isso, aqui transcrevemos o segmento da sentença, por com ele concordarmos.

“Não colhe o argumento da R. de não dever à A. os valores referentes aos meses de Abril Maio e Junho de 2020, pelo facto de só depois dessa data a A. se ter tornado proprietária do imóvel que tal R. explora.

E não colhe por duas ordens de razões:

1-A R. por intermédio do seu sócio e representante, em 2009, ou seja, há mais de 13 anos remete à A. a missiva a que se alude no facto 5, e não à Mitra de ..., reconhecendo portanto, ainda que implicitamente, que esta teria algum interesse no imóvel onde tal R. explora um estabelecimento de ensino.

2-Assim vir agora dizer que só em 2020 reconhece a A. como proprietária desse imóvel e portanto só a partir da data que consta do registo predial é que deve rendas à A. é contraproducente com aquilo que em 2009 reconhecia.

É que a entender-se assim e estando extinta a Mitra, a A. também não iria liquidar as rendas a entidade que não existe, ficando assim enriquecida no valor de € 12.000,00.

Por outro lado, o Bispo ... (de entre os poderes que lhe são conferido pelo Código Canónico) procedeu à extinção da Mitra de ..., nos termos do cânone 120 do Código Canónico, mais se dizendo em tal decreto - cuja validade a R. não coloca em causa - que os bens e direitos da Mitra transitam para a A. (cfr. facto 6).

Se assim é, e com base nesse documento se efectuou o registo de propriedade a favor da A., é claro então que os direitos que à data da extinção estavam na esfera jurídica da Mitra transferiram-se para a A. sendo ela a respectiva titular deles, de acordo também com o cânome 121 do já aludido Código.

Pelo exposto, sendo a A. titular dos bens direitos/obrigações da entidade extinta tem a R. – apesar da nulidade do contrato celebrado entre as partes – que pagar à A. o valor referente a três meses de exploração do prédio propriedade da A.

É assim a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 12.000,00 acrescida de juros de mora desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efectivo pagamento, nos termos do disposto na alínea a) do nº2 do artigo 805º do CC.

Inexistem, portanto, mais questões a apreciar quer as invocadas na petição inicial quer na contestação, atenta a declaração de nulidade determinada e a condenação no pagamento das rendas em atraso”.

Assim, pelo exposto, também não vislumbramos razão para alterar a sentença recorrida neste ponto, até por resultar provado que a R. não pagou as rendas à A. dos valores referentes ao uso do imóvel acima referido e referente aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, no valor mensal acordado de € 4.000,00.

Tendo presente ao supra referido, mormente ao facto de se entender verificar-se a nulidade do contrato, ficam precludidas as demais questões sobre esta temática.

Não havendo, lugar à revogação da sentença e continuarem os autos, designadamente para a realização da audiência de discussão e julgamento.

Nem se dia, como parece fazer a recorrente que quanto à posse que a A. não é, nem nunca foi, possuidora do prédio urbano identificado no artigo 1.º da PI, porquanto o mesmo se encontra arrendado pelo menos desde 01/06/1996, pelo que deve improceder o reconhecimento peticionado pela A. quanto a esta matéria.

Na verdade, para rebater este ponto basta atentar na matéria de facto provada, mormente no ponto 9, onde se refere: “Pelo averbamento nº ...8 de 2020/10/12 – “transmissão por transferência de património” da apresentação ..., tendo por causa “extinção” foi registada a propriedade do aludido bem a favor da A. Diocese ..., sendo sujeito passivo do registo, a Mitra de ...”.

Assim, continuarem os autos para apurar a matéria referida, supra, pela recorrente, quando já se encontra provado o ponto 9, seria, quanto a nós, permitir a prática de um ato inútil proibido (cfr. art.º 130.º, do C.P.C.)

Afirma ainda a recorrente que na parte decisória deveria constar desde o dia 8/10/2020, passando, assim a parte decisória quanto a este ponto ter a seguinte redação:

declaro a A. Diocese ... proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 e na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com registo de aquisição a seu favor pelo averbamento nº ...8 da apresentação nº ... de 1964/02/21, desde o dia 08/10/2020.”

Temos para nós, não assistir razão à recorrente, sob pena de ser exceder o pedido, já que, o pedido da A. sobre tal matéria consiste apenas: “1) Ser reconhecido que a Autora é dona e legítima possuidora do prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição”

Assim, por tudo o exposto, quanto à matéria, analisada em C), não vemos razão para alterar a sentença recorrida.

Aqui chegados cabe passar ao ponto seguinte.

                                                           **

D)- Saber se a condenação em custas fixada na sentença recorrida deve ser alterada.

Segundo a recorrente a sentença recorrida errou na percentagem fixada na condenação das custas. Pois, fixou  em 40% a cargo da A. e em 60% a cargo da R. Ora, a A. peticionou o pagamento de rendas em divida no montante de 28.000,00€, tendo o Mmo. Juiz a quo proferido decisão que condena a Ré no pagamento de rendas em divida no valor de 12.000,00€, logo a A. decaiu no montante peticionado em 16.000€/28.000,00€, o que representa um decaimento em 57% do pedido e a R. em 12.000€/28.000,00€, o que representa um decaimento em 43% do pedido.

Opinião contrária tem a recorrida quando refere que os pedidos da Autora não se reconduzem ás rendas em dívida, aliás, além da condenação no pagamento desses valores a sentença declarou também a propriedade da Autora sobre o imóvel em apreço nos autos, bem como a nulidade do contrato de arrendamento, daí a fixação das custas como o foram.

Vejamos.

Sobre esta matéria preceitua o art.º 527.º, n.º 1, do C.P.C. “- A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”.

A questão que se nos coloca é saber se a R. deu causa à ação no que concerne à propriedade da A. sobre o imóvel.

Operando às peças processuais, temos para nós, que não, tanto assim, que nos art.ºs 25 e 32 da contestação a R. aceita que a A. é proprietária do imóvel.

O que a R. coloca em causa é que assista razão à A. quando pede a sua condenação no pagamento das rendas, por entender não ter lugar a elas, discutindo inclusivamente o contrato.

Assim, temos para nós assistir razão à recorrente nesta vertente.

                                                           ***

                                                   4. Decisão

Pelo exposto decide-se por acórdão julgar parcialmente o recurso e em consequência.

a)- Manter a sentença recorrida nos seus termos à exceção das custas.

b) – Quanto a estas serão da percentagem de 57%  a cargo da A. e 43% a cargo da R.

Custas a cargo de recorrente e recorrida na proporção de 43% e 57%, respetivamente.

Coimbra, 7/11/2023

Pires Robalo (relator)

Teresa Albuquerque (ajunta)

Falcão de Magalhães (adjunto)