Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
486/10.5T2OBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REGIME
RETRIBUIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – OLIVEIRA DO BAIRRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL 211/2004, DE 20-08 E ART. 1156º DO CC
Sumário: I – Nos termos do art. 18.º do DL 211/2004, de 20-08, só é devida remuneração quando a actividade de mediação imobiliária tiver êxito.

II – Porém, a retribuição é igualmente devida sempre que a actividade do mediador se apresente como causa adequada do fecho do contrato definitivo; quando o fecho do contrato for alcançado como efeito de intervenção do mediador, se a actuação do mediador tiver contribuído para o êxito final; e no caso do contrato definitivo só não ser concluído por causa imputável ao comitente.

III - É ao mediador que cabe fazer a prova de que a conclusão do negócio definitivo resultou da sua intervenção.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., Lda., com sede em Águeda, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo especial destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, contra B..., divorciado, com domicílio profissional na ..., Oliveira do Bairro, pedindo que o R. seja condenado a:

 a. Reconhecer que celebrou com a A. um contrato de mediação imobiliária para a venda do imóvel urbano (…) descrito na CRP de Oliveira do Bairro sob o número ...e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...”;

 b. Reconhecer a validade e legitimidade do contrato de mediação imobiliária celebrado e; c. a concomitante obrigação de suportar o pagamento da comissão de 4% acrescido de IVA sobre o preço da compra e venda, ou seja, 7.104,00 €;

d. A pagar à A. o valor da comissão que lhe é devida, no valor de € 5.920,00, acrescido de IVA à taxa legal, por referência à data da escritura, de 20%, ou seja, € 1.184,00, num total de € 7.104,00;

e. Bem assim como os respectivos juros de mora, às taxas comerciais sucessivas (…) que se vierem a vencer desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento”.

Alegou, para tal, que, no âmbito do seu escopo social de mediação imobiliária, foi incumbida pelo R., em 05/05/09, de angariar interessados para a compra dum imóvel propriedade do R.; tendo sido acordado que, caso se viesse a celebrar negócio com um interessado por si indicado, receberia uma comissão no valor de 4 % mais IVA.

Mais referiu que desenvolveu a actividade de que foi incumbida, tendo “angariado” a interessada C...(com que visitou o imóvel em 27/07/09), a quem o R., em função de tal “angariação” da A., prometeu vender em 20/08/2009 e vendeu no dia 29/12/09 o imóvel pelo valor de € 148.000,00, recusando-se, porém, a pagar à A. a comissão combinada.

O R. contestou, articulado em que aceita ter celebrado contrato de mediação imobiliária para venda do imóvel em causa com a A. (que salienta ter sido em regime de não exclusividade), sustentado, todavia, que não é devida qualquer comissão à A. uma vez que, quando, em 20/08/09, celebrou contrato-promessa com a C...– após negociação do respectivo valor e demais condições contratuais na completa ausência da A. – desconhecia quaisquer contactos entre esta e a A.; acrescentando e esclarecendo que conheceu os promitentes compradores, em Agosto de 2009, quando a referida C... se deslocou ao imóvel em causa, sozinha, sem estar acompanhada por qualquer vendedor da A., e abordou o Réu, que aí ainda vivia, dizendo que estaria interessada na compra do imóvel; e que, quando lhe perguntou como é que ela tinha tido conhecimento de que a casa estava à venda, ela disse-lhe que tinha sido através do site da A..., nunca lhe referindo que tinha chegado a encetar qualquer tipo de contacto com tal imobiliária.

A A. respondeu, mantendo o alegado e concluindo do mesmo modo que na PI.

Foi proferido despacho saneador – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e designado dia para a realização a audiência, após o que o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que concluiu pela improcedência da acção e pela absolvição do R. do pedido.

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

Primeiro. Os elementos factuais/provados produzidos expressamente para os autos presentes e colocados à disposição do douto Tribunal conduziriam sempre à tomada de decisão diversa da proferida e objecto da presente apelação;

Segundo. Incumbindo à recorrente demonstrar a existência de pontos de facto incorrectamente julgados e a correspectiva remissão para os meios probatórios que, avaliados em sede de recurso, permitiriam a aplicação de decisão diversa da ora recorrida nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 685.º-B do Código de Processo Civil na versão aplicável, far-se -á tal exercício com a adução de que, em face da prova angariada a resposta aos Factos Provados teria de merecer conclusão forçosamente diferente, ou seja, no sentido da declaração de que foram sobejamente provados os factos constantes dos factos alegadamente não provados em 1.º em 2.º, ou seja, de que “1 – Em 23/11/2009, foi enviada carta registada com aviso de recepção ao R. com a informação das visitas efectuadas ao imóvel” e de que “2 – Foi entregue por C... à A. informação pessoal para efeitos de obtenção de crédito indispensável à compra.” por sobre os mesmos se terem pronunciado, confessionalmente, o próprio R. quanto ao primeiro, (…)

Terceiro e, ainda, informadamente a testemunha, D...,  (…) que depôs a toda a matéria da petição inicial (…)

Quinto. Mas ainda que assim não se entendesse, sempre a factualidade dada como provada por si já demonstra amplamente que a A. desenvolveu a sua actividade com vista à celebração do negócio;

Sexto. Negócio este que se veio a concretizar.

Sétimo. De facto, nos termos do art.º 2.º n.ºs 1 e 2 do DL 211/2004, de 20 de Agosto, “A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel.

Oitavo. Deste modo, a actividade de mediação imobiliária consubstancia-se no desenvolvimento de: a) Acções de prospecção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente; b) Acções de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões.”

Nono. Isto é dizer que a mediadora/A. obriga-se perante o cliente a desenvolver uma actividade no sentido de encontrar um terceiro interessado na conclusão do negócio pretendido pelo cliente.

Décimo. Como refere o Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 27.02.2007, “a função do mediador reside em pôr em contacto possíveis contraentes, pessoas interessadas em realizar uma operação comercial, limitando-se assim o mesmo a preparar o contrato, facilitando a sua celebração, sem que ocorra representação dos interesses de qualquer das partes envolvidas no negócio.”

Décimo primeiro. De tal modo que, revertendo ao caso concreto, foi de facto A. quem promoveu a mediação imobiliária;

Décimo segundo. Quem angariou os clientes/compradores e;

Décimo terceiro. Quem mostrou o imóvel, através de várias visitas. Aliás;

Décimo quarto. Celebrado que foi o contrato promessa de compra e venda e o contrato de compra e venda com um comprador angariado pela A., tem a A., nos termos do art.º 18º n.º 2 e 18º n.º 1 “a contrario”, o direito à remuneração que lhe estava estipulada.

Décimo quinto. Passa a ser devida, imediata e irrefutavelmente, a remuneração à sociedade de mediação imobiliária;

Décimo sexto. O que sucede independentemente do posterior desenvolvimento do negócio – e ainda que o negócio se não tivesse concluído,

Décimo sétimo. De facto, existe necessariamente uma relação causal entre a actividade desenvolvida pela A. e a conclusão do negócio, o que resulta dos factos dados como provados;

Décimo oitavo. Na medida em que os compradores apenas tiveram conhecimento daquele imóvel à venda por força do anúncio feito pela A. e apenas tiveram conhecimento da sua localização e do seu estado através das visitas proporcionadas pela A.;

Décimo nono. Formando assim a sua vontade aquisitiva através dos contactos e diligências mantidas pela A., a favor do R..

Vigésimo. Como tal o necessário nexo causal existe e está provado

Vigésimo primeiro. Por outro lado, o comportamento do R. seria sempre subsumível às regras do enriquecimento sem causa, excedendo os limites que a boa fé e o fim social e económico impõem para o seu exercício (Cód. Civil, art. 334º);

Vigésimo segundo. Dado que o R. celebrou/aceitou o contrato de mediação sem quaisquer reservas, aceitou/permitiu as visitas levadas a cabo pela A., pelo que apenas poderá ser tida a sua actuação processual como um “venire contra factum proprium” manifestamente abusivo.

Vigésimo terceiro. Ora, tal contrato vigorou sempre sem qualquer objecção de parte a parte, sendo apenas manifestada depois de concluído o negócio pelo R. quando estava obrigado a pagar a comissão devida e a que se pretende furtar.

Vigésimo quarto. Assim sendo, a comissão é devida pelo R. pelo simples facto de a A. ter angariado o comprador, conforme peticionado,

Vigésimo quinto. Deste modo e por isso mesmo, se requer seja revogada a sentença ora recorrida, substituindo-se por outro que, avalizando os argumentos supra expostos, condene o R. a tal pagamento.

Vigésimo sexto. Mais, em função dos factos dados como provados, deverá o R. ser condenado como litigante de má-fé, nos termos do disposto nos art. 456º e seguintes do CPC, deturpando os factos de molde a atingir os seus objectivos dolosos, o que deverá ser determinado.

O R. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a decisão de facto e a sentença recorrida as normas adjectivas ou substantivas referidas pela A/recorrente, pelo que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – “Reapreciação” da decisão de facto

Como questão prévia à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do recurso da A. – analisar as questões, a propósito da decisão de facto, colocadas a este Tribunal.

Efectivamente, no caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados; constando, assim, do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento.

Faculdade – de modificar a decisão de facto – em cujo uso, costumamos “avisar”, é nosso dever ser contidos, cautelosos e prudentes, uma vez que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, susceptíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O que, porém, salienta-se, não significa que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto apenas envolve a correcção de pontuais, concretas e excepcionais erros de julgamento; efectivamente, a Relação, quando aprecia as provas – e pode para tal atender a quaisquer elementos probatórios (cfr. art. 712.º, n.º 2, do CPC) – faz um novo julgamento da matéria de facto, vai à procura da sua própria convicção, assegura o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto (ou seja, a actividade da Relação não se pode/deve circunscrever a um mero controlo formal da motivação efectuada na 1.ª Instância).

Efectuados tais prévios e “tabelares” esclarecimentos, debruçando-nos sobre as concretas questões – tendo presente as posições assumidas pelas partes nos articulados, analisados os documentos juntos aos autos e ouvido o registo, efectuado em CD, da sessão de julgamento – concluímos, antecipando desde já a solução, que assiste razão parcial à A/apelante.

Vejamos:

Segundo a A/apelante, devia ter sido dado como provado que

“Em 23/11/2009, foi enviada carta registada com aviso de recepção ao R. com a informação das visitas efectuadas ao imóvel”; e que

“Foi entregue por C... à A. informação pessoal para efeitos de obtenção de crédito indispensável à compra”.

Quanto ao primeiro de tais factos, foi o mesmo, no essencial, confessado pelo próprio R. no depoimento de parte que efectuou.

Efectivamente, o mesmo admitiu que, em Novembro de 2009, teve conhecimentos dos contactos entre a A. e a C... e que recebeu carta da A. sobre as visitas por ela conduzidas ao imóvel.

Por conseguinte, aos factos provados da sentença recorrida, ter-se-á que acrescentar o seguinte facto:

“Em Novembro de/2009, a A. enviou carta ao R. com a informação das visitas efectuadas ao imóvel”.

Quanto ao segundo de tais factos – com relevância jurídica bastante discutível – pese embora o depoimento, em tal sentido, da testemunha D..., inclinamo-nos, assim como a sentença recorrida, para o não considerar provado.

Sem prejuízo, salienta-se, de reputarmos no fundamental como convincente, persuasivo e verdadeiro o depoimento de tal testemunha, que foi a “angariadora” que manteve contactos pessoais com a C....

Efectivamente – regista-se aqui para que conste (embora tal não esteja em causa) – não há a menor dúvida sobre tal testemunha, como angariadora/trabalhadora da A., haver mostrado o imóvel à C... em Julho de 2009 (após troca de emails com ela), que se interessou seriamente pela sua aquisição, tendo-se então iniciado uma breve negociação com o R. (negociação “distanciada”, em que nunca estiveram os três) que não chegou a bom porto.

Porém, quanto à “entrega da informação pessoal para efeitos de obtenção de crédito indispensável à compra”, em face do insucesso da negociação e não tendo a A. junto qualquer documento susceptível de exemplificar tal informação pessoal – e se o tivesse não deixaria por certo de o juntar aos autos – perdura a dúvida sobre a realidade de tal facto e, em consequência, mantém-se o mesmo como não provado.

É quanto há a dizer e concluir sobre o recurso de facto, que procede, em parte, nos exactos termos acabados de referir.


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Isto dito sobre o recurso de facto da A./apelante, ainda não fica tudo dito sobre a decisão de facto.

Foi considerada não provada a alegação constante do art. 10.º da contestação; em que o R. alegou que “quando perguntou à C... como é que ela tinha tido conhecimento de que a casa estava à venda, ela disse-lhe que tinha sido através do “site” da “ A...”, mas nunca lhe referiu que tinha chegado a encetar qualquer tipo de contacto com a referida imobiliária”.

Em face das regras que presidem à selecção da matéria de facto – principalmente da que manda considerar como assentes os factos desfavoráveis (cfr. 352.º do C.C.) – a primeira parte de tal alegação logo ficou assente findos os articulados.

Assim, ao abrigo do “exame crítico” imposto pelos art. 659.º, n.º 3, e 713.º, n.º 2, ambos do CPC, altera-se a decisão de facto, dando-se ainda como provado que “quando o R. perguntou à C... como é que ela tinha tido conhecimento de que a casa estava à venda, ela disse-lhe que tinha sido através do “site” da A...”.


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III – Fundamentação de Facto

Os factos, ordenados lógica e cronologicamente, são os seguintes:

1 – A A., A..., Lda., tem como escopo social a mediação imobiliária;

2 – No âmbito da sua actividade, por escrito datado de 05 de Maio de 2009, intitulado “contrato de mediação imobiliária nº 33.2009”, a A. e o R., B..., acordaram que a A. ficaria incumbida – em regime de não exclusividade, por 6 meses, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo – de angariar interessados na compra do prédio urbano composto de casa, anexos, logradouro e jardim, destinado a habitação, sito em Oiã, ..., freguesia de Oiã, concelho de Oliveira do Bairro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o número ...da freguesia de Oiã, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...;

3 – Em contrapartida, caso se viesse a celebrar contrato de compra e venda com algum dos interessados indicados pela A., foi acordada a comissão no valor de 4 % (quatro por cento), acrescidos de IVA;

4 – A A. diligenciou no sentido de obter interessados para a aquisição do aludido prédio;

5 – No dia 05/07/2009, a A. foi contactada por C... D..., via internet (cf. contacto 21675 do portal Casa Sapo), com vista a saber mais informações sobre o referido prédio;

6 – Em 27/07/2009, foi realizada uma visita ao mencionado prédio, entre a então trabalhadora da A., D..., e C... ;

7 – O R. conheceu C...e E..., em data não concretamente determinada, situada antes do dia 20 de Agosto de 2009, quando aquela se deslocou ao prédio, sem estar acompanhada por qualquer vendedor da A.;

8 - Quando o R. perguntou à C... como é que ela tinha tido conhecimento de que a casa estava à venda, ela disse-lhe que tinha sido através do “site” da A...”;

9 – No dia 20 de Agosto de 2009, o R. celebrou com C...e E... contrato-promessa de compra e venda do aludido prédio;

10 – Quando o Réu celebrou o referido contrato-promessa, desconhecia que os mesmos tinham estado a visitar casa em finais de Julho de 2009 na companhia de vendedores da A.;

11 - Em Novembro de/2009, a A. enviou carta ao R. com a informação das visitas efectuadas ao imóvel;

12 – No dia 29/12/2009, o R. celebrou com C...E E..., no Cartório Notarial de Oliveira do Bairro, contrato de compra e venda do imóvel indicado, onde também interveio enquanto credor hipotecário o Banco Santander Totta, S.A., em conformidade com a cópia que constitui o documento n.º 6 junto com a PI, tendo o imóvel sido vendido pelo preço de € 148.000,00 que o R. recebeu e de que deu quitação;

13 – A venda do prédio, a negociação do respectivo valor e demais condições contratuais, foi feita na ausência da A.;


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IV – Fundamentação de Direito

Na origem do litígio dos autos/recurso está um contrato de mediação imobiliária – é absolutamente pacífico – visando a A/apelante, enquanto mediadora, que lhe seja paga a retribuição; pretensão que a sentença recorrida não lhe concedeu.

É pois à volta dos exactos termos e circunstâncias em que pode ser devida a retribuição no contrato de mediação imobiliária que gira toda a questão/controvérsia dos autos/recurso.

Questão/controvérsia a que a decisão impugnada deu uma resposta que, pese embora os dois factos agora aditados, merece a nossa concordância, razão por que para ela se remete; alinhando-se aqui, em síntese, o essencial da ratio decidendi.

Assim:

Consiste o contrato de mediação no contrato pelo qual uma parte (o mediador) se vincula para com a outra (o comitente ou solicitante) a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros (os solicitados) com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico.

Significa isto que, para haver mediação contratada, tem o mediador que ter recebido uma incumbência, expressa ou tácita; que tem que haver um acordo entre mediador e solicitante no sentido do primeiro servir de intermediário num ou mais contratos a celebrar pelo último com terceiros, preparando e aproximando as respectivas partes.

Significa igualmente que o mediador é um profissional independente que actua por conta própria e com imparcialidade relativamente aos contraentes que aproxima; que o mediador é um profissional que actua na base de operações de intermediação para negócios concretos, de forma independente e equidistante relativamente aos interesses das respectivas partes.

Contrato de mediação que, embora nominado, se pode continuar a considerar no essencial como atípico, na medida em que não dispõe dum regime geral próprio e unitário, existindo tão só normas que regulam o exercício de determinadas actividades profissionais de mediação; normas em que o legislador se ocupa sobretudo de regular a figura do mediador, determinando, para este, deveres e encargos, deixando o “conteúdo” contratual para segundo plano.

Temos pois que, quanto ao regime jurídico do contrato de mediação, relevam, em primeira linha, as estipulações das partes; e, na sua falta, uma vez que a mediação é, por essência, uma prestação de serviço, acabam por ser-lhe extensíveis (cfr. art. 1156.º CC) as regras do mandato.

Sem prejuízo, evidentemente, quanto às actividades de mediação licenciadas, das esparsas normas avulsas pertinentes que estejam consagradas na respectiva lei especial.

É o que sucede com a actividade de mediação imobiliária[1], actualmente regulada no DL 211/2004, de 20-08, que, quanto à forma – não estando à partida a mediação, enquanto contrato atípico, sujeita a qualquer forma específica – exige, relativamente ao contrato de mediação imobiliária, a forma escrita (cfr. art. 19.º), embora a sua inobservância gere uma mera nulidade atípica; e que, quanto à remuneração, diz o seguinte, no seu art. 18.º:

“1 – A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.

2 – Exceptuam-se do disposto no número anterior:

a) Os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração;

b) Os casos em que tenha sido celebrado contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação, nos quais as partes podem prever o pagamento da remuneração após a sua celebração”.

3 – Sem prejuízo do disposto no n.º 4, é vedado às empresas de mediação receber quaisquer quantias a título de remuneração ou de adiantamento por conta do mesmo, previamente ao momento em que esta é devida nos termos dos n.º 1 e 2. (…)”

Enfatiza pois tal art. 18.º o carácter aleatório do contrato, que só dará azo a retribuição quando a mediação tiver êxito, isto é, pode haver actividade material de promoção, pode haver esforços por parte do mediador imobiliário, e não haver lugar a qualquer retribuição; mas não contempla/prevê com precisão todas as circunstâncias em que a retribuição pode/deve ser ou não paga.

De tal maneira – na falta/insuficiência de estipulações das partes, como é o nosso caso, e de normas legais – que a jurisprudência[2] tem procurado elaborar uma série de “hipóteses típicas” em que a retribuição pode/deve ser paga, que, no que ao caso releva, podem ser sintetizadas na seguinte ideia/critério:

A retribuição será ainda devida sempre que a actividade do mediador se apresente como causa adequada do fecho do contrato definitivo; será ainda devida se o fecho do contrato foi alcançado como efeito de intervenção do mediador, se a actuação do mediador tiver contribuído para o êxito final. E, em linha de raciocínio com tal ideia/critério, a retribuição também será devida na hipótese do contrato definitivo só não ser concluído por causa imputável ao comitente; na hipótese de ser este a “bloquear” o contrato definitivo.

Ao que se acrescenta e se esclarece que é ao mediador que cabe fazer a prova de que a conclusão do negócio definitivo resultou da sua intervenção.

É justamente aqui, na concreta aplicação desta ideia/critério resultante da ponderação jurisprudencial, que reside – como ressalta da sentença recorrida e das alegações de apelante e apelado – o centro da controvérsia/questão do presente litígio.

Concreta aplicação que – não nos custa reconhecê-lo, pese embora logo havermos antecipado a concordância com a sentença recorrida – não será, em face do quadro factual provado, pacífica, indiscutível e irrefutável.

A A/apelante – demonstrou-se claramente – desenvolveu uma concreta actividade de promoção do negócio em causa; a ponto da C... (terceiro interessado/solicitado) ter tomado conhecimento do imóvel através de anúncio colocado pela A/apelante na internet, no portal Casa Sapo, e ter estabelecido contacto com a A/apelante e visitado, com uma trabalhadora da A/apelante, o imóvel.

Perante esta factualidade, a primeira impressão é, reconhece-se, a de afirmar que o negócio definitivo, celebrado entre o R. e C... (tendo por objecto tal imóvel), está directamente relacionado com a concreta actividade desenvolvida pela A/apelante; concluindo-se que foi em consequência da actividade de intermediação que o negócio se veio a concretizar.

“Primeira impressão” a que, se estivéssemos perante um contrato em “regime de exclusividade”, seria difícil fugir.

Tratando-se, todavia, como é o caso, dum contrato em “regime de não exclusividade” – tendo-se provado que o R. não tomou conhecimento do concreto interesse da C... através da A/apelante, mas sim “em data não concretamente determinada, situada antes do dia 20 de Agosto de 2009, quando aquela se deslocou ao prédio, sem estar acompanhada por qualquer vendedor da A.” (cfr. facto 7), que “quando o R. perguntou à C... como é que ela tinha tido conhecimento de que a casa estava à venda, ela disse que tinha sido através do “site” da A...” (cfr. facto 8) e que, quando o Réu celebrou o referido contrato-promessa, desconhecia que a C... tinha estado a visitar casa em finais de Julho de 2009 na companhia de vendedores da A. (cfr. facto 10) – a relação de causa adequada, pese embora a proximidade temporal entre a data da visita com a trabalhadora da A/apelante e a data do contrato-promessa com a C..., esfuma-se.

Vejamos:

Em face da cláusula/regime de “não exclusividade” o R. não só podia, com vista ao negócio projectado, contratar outro mediador, como podia ele próprio “descobrir” um terceiro interessado; pelo que não pode constituir motivo de surpresa ou suspeição o ter negociado directamente com a interessada C....

Evidentemente, em qualquer relação contratual de mediação – seja de exclusividade ou não – há que observar o princípio da boa fé (art 762.º/2, do C. Civil), há que ter um comportamento honesto, correcto, leal e fiel, há que cumprir os deveres acessórios e laterais de conduta ao caso atinentes; assim e designadamente, as partes – mediador e comitente – devem prestar mutuamente todas as informações pertinentes e relevantes, devem manter-se leais, praticando todas as condutas que viabilizem o escopo do negócio.

O que, porém, não significa, estando o R. “autorizado” a contratar outro mediador e a “descobrir” (ou a “ser descoberto”) ele próprio um terceiro interessado, que fosse seu dever, a propósito de qualquer interessado que lhe surgisse “desacompanhado”, consultar os mediadores contratados e certificar-se que tal interessado não lhe estaria a omitir a verdadeira “fonte” do seu interesse.

Na execução dum contrato, o agir de boa fé, o ter um comportamento honesto, correcto e leal, é algo que é totalmente recíproco; que não tem, conforme o contraente, geometria variável.

Se no âmbito das operações de mediação dum contrato de “não exclusividade”, o mediador obtém/angaria interessados e, por uma questão de estratégia comercial dele próprio[3], prefere manter e mantém oculta do comitente a identidade dos interessados até à eventual e próxima conclusão do negócio, não pode aspirar ou pretender (ubi commoda ibi incommoda) que o comitente, por si mantido na ignorância sobre a identidade de potenciais interessados, se certifique que um interessado que lhe chega “desacompanhado” não é um daqueles que o mediador lhe ocultou a identidade; e, não se certificando, não pode pretender que a sua actividade de mediador e o negócio que venha a ser directamente concretizado (entre comitente e interessado) sejam ainda considerados como estando numa relação de causa e efeito.

Enfim, o critério/ideia supra referido, procurando fazer coincidir o direito à retribuição com o êxito substantivo da actividade do mediador, obstando a que expedientes “manhosos” privem o mediador da justa retribuição, não pode deixar de ser considerado “quebrado” e não preenchido, quando, num contrato de “não exclusividade”, o comitente, embora a contraparte/interessado haja tido um primeiro contacto com o mediador, negoceia e conclui o negócio pretendido directamente com a contraparte/interessado, desconhecendo por completo, no momento da conclusão do negócio[4], o inicial contacto entre o interessado e o mediador [5]; desconhecendo por completo que a “economia” do contrato a que se vinculou iria ser sujeita a um superveniente factor de desequilíbrio – a comissão/retribuição do mediador.

Num caso como o presente, o negócio só se concretiza – e porventura nos termos em que o foi – por o interessado ter procurado directamente o comitente e por lhe haver omitido o inicial contacto com a mediadora, circunstâncias estas que pela sua não normalidade “quebram” a relação de causa e efeito entre a provada actividade da A. e o negócio concretizado.

Concluindo, a provada actividade de mediação da A./apelante não pode ser considerada causa adequada do negócio concluído pelo R., razão por que não assiste à A/apelante o direito a qualquer pagamento, a título de retribuição/comissão, no contrato de mediação imobiliária celebrado.

Assim como não lhe assiste, a qualquer outro título ou causa jurídica, o direito a um qualquer outro crédito/pagamento; designadamente, a título de enriquecimento sem causa.

Normalmente, o enriquecimento sem causa soçobra por o obrigado à restituição apenas restituir o valor com que se locupleta, com o limite (para a sua obrigação) de a restituição não poder exceder o que o empobrecido despendeu (cfr. 479.º do C. Civil), e o requerente não curar de alegar a medida do enriquecimento do obrigado à restituição (limitando-se, via de regra, a tão só a alegar a medida do seu empobrecimento).

É também o caso; uma vez que nem sequer se vislumbra o que é que a A. – fora da relação de mediação imobiliária e da retribuição que, a tal título, se lhe negou – pudesse alegar susceptível de integrar o enriquecimento do R. e o empobrecimento da A.

Ademais, mais relevantemente, importa referir que, gorada uma deslocação patrimonial por a actividade/contrato de mediação imobiliária não ser no caso remunerável, não se pode aspirar à sua “remuneração” a título de enriquecimento sem causa.

Para que haja obrigação de restituir, nos termos do art. 473.º, n.º 1, do CC, é necessário que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a perdeu; porém, a falta de causa justificativa tem que ser alegada por quem pede a restituição do indevido; e depois provada, de harmonia com o princípio geral do art. 342.º do CC.

Ora, admitindo como hipótese de raciocínio que houve empobrecimento da A/apelante, a circunstância de se haver considerado que aquela actividade/contrato de mediação imobiliária não é remunerável significa, do mesmo passo e desde logo, que aquele hipotético empobrecimento não pode ser considerado sem “sem causa justificativa” (a causa está/ria justamente em aquela actividade/contrato de mediação imobiliária não ser remunerável).

É quanto basta para julgar totalmente insubsistente o apelo da A/apelante ao instituto, subsidiário (cfr. 474.º do CC), do enriquecimento sem causa.

Outro tanto se devendo dizer sobre a peticionada condenação do R. como litigante de má fé; para o que nos limitaremos a mencionar que a sua absolvição, em ambas as instâncias, é por si só reveladora, bem ao invés, do fundamento – e da não alteração de factos relevantes – da sua oposição.


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Improcede, assim, tudo o que em contrário a A/apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio do recurso e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.

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V - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação[6] e, consequentemente, confirma-se totalmente a sentença recorrida.

Custas pela A/apelante.


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Barateiro Martins (Relator)

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Sujeita desde 1961 – com o DL 43.767, de 30/06/1961 – a uma regulamentação especializada.
[2] Cfr, v. g. Ac. STJ de 28/02/1978, in BMJ 274, pág. 229; Ac. STJ de 08/03/2005, in Proc 05A375/ITIJ; Ac. Rel. Coimbra de 07/10/1997, in BMJ 470, pág. 692; e Ac. Rel. Porto de 08/09/2011, in CJ, Tomo IV, 2011, pág. 165.

[3] Tal estratégia comercial não só decorre da globalidade dos factos, como foi explicitamente admitida pela testemunha F...– que foi sócio da A. de 2006 a Julho de 2010 – ao dizer que “em princípio, não divulgam o nome do interessado”.
[4] Que do ponto de vista do R. – do ponto de vista da sua vinculação contratual para com a C... – ocorre na data do contrato-promessa; ou seja, o facto 11 – a informação prestada ao R. sobre as visitas efectuadas ao imóvel – ocorreu em data posterior à conclusão do negócio.
[5] Desconhecimento que o facto 8 não infirma, uma vez que a internet é de acesso aberto e espontâneo.

[6] Cujo único sentido útil, evidentemente, tem a ver com a improcedência dos 2 últimos pedidos, uma vez que – como claramente resulta da sentença recorrida (e como foi aceite pela R.) – a celebração do contrato de mediação imobiliária e a comissão então acordada, como retribuição, são indiscutíveis.