Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
44/09.7TBTND-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
Data do Acordão: 04/05/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 174.º E 175.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
Sumário: Por força do disposto nos artigos 174.º e 175.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo produto da venda de um imóvel sobre que recai uma hipoteca, o crédito do credor que beneficia dessa garantia é graduado antes dos créditos da Fazenda Nacional e da Segurança Social, que têm a seu favor um privilégio imobiliário geral.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

No processo de insolvência em que se declarou insolvente A..., L.da, que corre termos na comarca de Tondela, foi proferida sentença de graduação dos créditos.

Nos termos do aí decidido, pelo produto da venda do Prédio Urbano, Lote 7, inscrito na matriz sob o sob o artigo ....º da freguesia de ..., concelho de ..., foram graduados em primeiro lugar e em igualdade os créditos de 19 trabalhadores, o da Fazenda Nacional no montante de 22.476,82 €, o do Instituto da Segurança Social no montante de 115,871,56 € e o do Banco B..., S.A. no montante de 246.241,81 €.

Inconformado com esta parte da decisão, o Banco B..., S.A. dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem por objecto a sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que gradua os créditos privilegiados da Fazenda Nacional e do Instituto da Segurança Social, para serem pagos pelo produto da venda do bem imóvel apreendido para a massa insolvente, em igualdade com o crédito do ora Apelante garantido por três hipotecas constituídas e registadas a seu favor;

2. Dos factos assentes resulta que o crédito do ora Apelante ascende a € 246.241,81, em capital, e € 2.456,33, em juros, e encontra-se garantido por três hipotecas sobre o único imóvel apreendido no processo (pontos 3 e 4 da fundamentação de facto);

3. Da factualidade assente resulta que a Fazenda Nacional tem um crédito reconhecido de € 22.476,82 e o Instituto da Segurança Social um crédito reconhecido de € 115.871,56 (ponto 5 fundamentação de facto);

4. Dos factos assentes não resulta, nem poderia resultar, que aqueles credores - Fazenda Nacional e Instituto da Segurança Social - detenham qualquer garantia real ou privilégio especial sobre o único imóvel apreendido;

5. Aliás, da lista de credores reconhecidos extrai-se que o crédito reclamado e reconhecido à Fazenda Nacional tem por base IRC, IRS e IUC e o crédito reclamado e reconhecido ao Instituto da Segurança Social advém de contribuições;

6. A sentença proferida pelo Tribunal a quo, na respectiva fundamentação de direito, começa por identificar e definir o conceito de cada uma das classes de créditos sobre a insolvência, previstas pelo art. 47.º do C.I.R.E., distinguindo créditos garantidos, privilegiados, comuns e subordinados;

7. E, apelando ao preceituado no artigo 174.º, n.º 1, 1.ª parte, do C.I.R.E., afirma que vendidos os bens onerados com garantia real e abatidas as respectivas despesas, é, em primeiro lugar, realizado o pagamento dos credores garantidos, segundo a respectiva ordem de prioridade, apenas depois se seguindo “o pagamento dos créditos privilegiados por força do produto dos bens não afectos a garantias reais prevalecentes, segundo a respectiva ordem de prioridade no confronto com os créditos igualmente privilegiados, na proporção dos seus montantes, vide artigo 175.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”;

8. Ora, não obstante naquela mesma fundamentação o Tribunal a quo recordar que “(…) há que ter em conta que o credor B... possui uma garantia real de hipoteca sobre o imóvel (…)”, o certo é que , na parte decisória, acabou por graduar pelo produto da venda do imóvel em igualdade os créditos do Apelante, dos trabalhadores, da Fazenda Nacional e do Instituto da Segurança Social;

9. Apenas os créditos que gozem de privilégio imobiliário especial estão sujeitos ao regime do artigo 751.º do Código Civil, preferindo à hipoteca, não sendo o caso dos concretos créditos da Fazenda Nacional e do Instituto da Segurança Social;

10. Não estando em causa, no que toca à Fazenda Nacional, crédito por IMI, IMT ou IS devido pelo imóvel em causa, mas crédito reclamado e reconhecido tendo por base IRC, IRS e IUC, jamais poderá preferir à hipoteca, gozando apenas de privilégio imobiliário geral, o mesmo se dizendo em relação ao crédito do Instituto da Segurança Social.

11. Os créditos que gozam de privilégio imobiliário geral estabelecido em legislação avulsa (IRS, IRC e créditos da Segurança Social) ficam sujeitos ao regime prescrito no artigo 749.º do Código Civil, pelo que mal andou o Tribunal sob recurso ao graduar tais créditos em igualdade com o do Apelante;

12. O crédito do Apelante, face às três hipotecas de que é titular sobre o único imóvel apreendido a favor da massa insolvente, goza de garantia real (artigo 686.º do Código Civil), sendo, por isso, classificado como garantido para efeitos do C.I.R.E. (artigo 47.º/4 a), 1.ª parte) e devendo ser pago de acordo com o previsto no artigo 174.º daquele diploma;

13. Os créditos da Fazenda Nacional e do Instituto da Segurança Social devem ser qualificados como privilegiados, pelo facto de beneficiarem apenas de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente (artigo 47.º/4 a), 2.ª parte), até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto dos privilégios gerais, devendo ser pagos de acordo com o prescrito no artigo 175.º do C.I.R.E.;

14. Ao decidir graduar aqueles créditos em igualdade com o crédito do Apelante pelo produto da venda do imóvel, a decisão recorrida fez completa tábua rasa da aplicação da lei, ao arrepio do que tem sido o entendimento unânime das doutrina e jurisprudência;

15. Face ao exposto, o crédito do Apelante deveria ter sido graduado antes dos créditos privilegiados da Fazenda Nacional e da Segurança Social, na medida em que a hipoteca constituída lhe confere preferência de pagamento, nos termos das previsões conjugadas dos arts. 686.º, n.º 1, 753.º, n.º 3, 749.º e 751.º do Código Civil;

16. Assim não tendo entendido, a sentença recorrida violou, além do mais, as referidas previsões legais – artigos 686.º, n.º 1, 753.º, n.º 3, 749.º e 751.º do Código Civil, e artigos 174.º e 175.º do C.I.R.E. -, razão pela qual, deve ser revogada e substituída por outra que gradue à frente da Fazenda Nacional e do Instituto da Segurança Social o crédito garantido por hipoteca e reconhecido nos autos ao ora Apelante.

Termina pedindo o que seja dado provimento ao recurso, se revogue a decisão recorrida e se substitua por outra que gradue o crédito do Apelante à frente dos créditos da Fazenda Nacional e do Instituto de Segurança Social.

A insolvente contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão em crise.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se, como sustenta o recorrente, o seu crédito do deveria ter sido graduado antes dos créditos privilegiados da Fazenda Nacional e da Segurança Social, na medida em que a hipoteca constituída lhe confere preferência de pagamento.


II

1.º


Entre os factos provados que figuram na sentença recorrida consta o crédito da Fazenda Nacional de 22.476,56 €, sem que se mencione a que se reporta esse valor global.

Porém, na lista que o Administrador da Insolvência apresentou ao abrigo do disposto no artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, diz-se que, desses 22.476,56 €, 321.66 € são de IRC e seus juros, 1.149,58 € são relativos a IRS e seus juros, 1.056,09 € reportam-se ao IMI do imóvel apreendido e seus juros, 4.221,49 € são de IVA e respectivos juros e 144 € referem-se a IUC[1].

Estes factos não foram objecto de qualquer impugnação.

Assim, nos termos dos artigos 713.º n.º 2 e 659.º n.º 3 do Código de Processo Civil, eles serão levados aos factos provados.


2.º

Estão provados os seguintes factos:

1. A devedora A..., Lda., foi, por sentença de 16-02-2009, já transitada em julgado, declarada insolvente.

2. O prazo de 30 dias fixado na sentença para a reclamação de créditos, já há muito terminou.

3. Foram apreendidos os seguintes bens a favor da massa insolvente:

Prédio Urbano, Lote 7, com a área total de 2571 m2, constituído por armazém de actividade industrial com 2 pisos e logradouro, a confrontar do Norte e Nascente com arruamento, do Sul com X..., S.A., do Poente com Lote 6, inscrito na matriz sob o sob o Art.º ... da freguesia de ..., concelho de ..., com o Valor Patrimonial actual de 447.020,00 Os móveis descritos no auto de apreensão de fls. 4 a 13, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com o aditamento de fls. 16 e 21.

4. O imóvel supra descrito encontra-se onerado com hipoteca registada a favor do B...S.A. pela apresentação, nº 6 de 13-09-2004, com um capital máximo assegurado de €150.000,00; pela apresentação nº 1 de 03-04-2006, com um capital máximo assegurado de €75.000,00; pela apresentação 11 de 14-11-2007 com um capital máximo assegurado de €64.000,00;

5. Nos presentes autos de reclamação e graduação de créditos apenso ao processo de insolvência reclamaram e foram reconhecidos em verificação ulterior os seguintes créditos e credores:

Credor              Valor                  Valor dos Juros

             do capital em €        Créditos subordinados

Trabalhadores:

D...                      2.202,95

E...         10.461,22

F...                11.740,11

G...                      8.802,30

H...            10.267,67

I...                        5.617,67

J...                      11.721,35

L...                    5.337,74

M...                       4.823,43

N...                  4.843,93

O...                   8.396,28

P...       2.496,75

Q...          9.626,63

R...           7.633,24

S...                11.830,90

T...      12.070,07

U...                  10.611,20

V...                  10.392,17

Fazenda Nacional            22.476,82

Instituto da Seg. Social         115,871,56

Outros credores com garantias reais

Banco B..., S.A.                       246.241,81                2.456,33

Outros credores sem garantias reais sobre os bens da massa insolvente:

Banco C..., S.A.                      27.661,46                     912,58

Z...

AA... – S.A.                         15.728,71                    1.781,35

BB..., S.A.                           4.2896,70

CC..., Lda.               4.733,80                       49,28

DD..., Lda.                            7.444,83                     930,00

EE..., S.A. 1              8.121,13                     775,00

FF..., S.A.                              24.204,51                   2.364,05

GG..., S.A.                             2.798,43                      390,13

HH..., S.A.                            417,73

II..., S.A                               1.560,65                       302,27

JJ..., S.A.                               6.544,71                      341,73

LL..., Lda.                             1.520,78

MM..., S.A.                            184,88

NN... 674.40

OO... L.da                      226,03

PP...                            627,26

QQ... L.da                               169,26

RR...                                   1.203,60

SS... S.A                     768,85

TT...L.da        589,56

UU... L.da        573,55

VV... L.da                      1.791,41

XX... L.da            218,82

ZZ...                                166,12

K... L.da         864,79

Y... L.da     1.043,73

W...           3.340,98

KK... S.A.                             9.137,78

YY... S.A.                            940,48

WW... S.A.                199,37

AAA... L.da       683,52

BBB...                       9.418,03

CCC... L.da     1.640,39

LL... L.da   1.086,28

DDD... L.da                           377,10

X... S.A.                              8.402,57

EEE... L.da           2.989,90

FFF... L.da     562,66

GGG...S.A            3.257,69

HHH... L.da           5.315,48

III... L.da    867,50

6. Os trabalhadores supra referidos exerciam funções no estabelecimento da insolvente identificado em 3, bem como em outras obras que a insolvente possuía.

7. Foram reconhecidos por verificação ulterior de créditos os seguintes:

Fazenda Nacional                                      5.740,62                  144,31

Custas processuais                                    1.143,24

8. Do crédito da Fazenda Nacional de 22.476,56 € acima mencionado, 321.66 € são de IRC e seus juros, 1.149,58 € são relativos a IRS e seus juros, 1.056,09 € reportam-se ao IMI do imóvel apreendido e seus juros, 4.221,49 € são de IVA e respectivos juros e 144 € referem-se a IUC


3.º

Na sentença recorrida o Meritíssimo Juiz deixou dito que:

Os créditos sobre a insolvência distinguem-se, nos termos do n.º 4 do artigo 47.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, segundo a seguinte ordem de relevo: créditos garantidos, privilegiados, comuns e subordinados.

Os créditos garantidos são essencialmente os envolvidos de garantias reais sobre os bens da massa insolvente e até ao montante correspondente ao valor dos bens a que se reportem – cfr. artigo 47.º, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Os créditos privilegiados são, essencialmente, por seu turno, os envolvidos por privilégios creditórios especiais e de privilégios creditórios gerais sobre bens da massa insolvente até ao montante correspondente ao valor dos bens a que se reportem – vide artigo 47.º, a), do mesmo Diploma Legal.

Os créditos subordinados são aqueles que só são pagos depois do integral pagamento de todos os outros créditos, incluindo os comuns, como é o caso dos juros, dos suprimentos e daqueles que sejam desprovidos de contrapartida por parte do credor – cfr. artigo 47.º, alínea c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Os demais créditos são denominados comuns – vide artigo 47.º, alínea c), do referido Diploma Legal.

Na sentença de graduação de créditos importa operar a qualificação jurídica dos direitos de crédito existentes ao tempo da declaração da insolvência e que tenham sido declarados reconhecidos.

A lei não estabelece directamente uma ordem de graduação dos créditos, mas fá-lo indirectamente ao regular a prioridade de pagamento aos vários credores, neste sentido cfr. Salvador da Costa, in Concurso de Credores, 3ª Edição, pág. 363. Assim, estabelece a lei, no artigo 174.º, nº 1, 1ª parte, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que, vendidos os bens onerados com garantia real e abatidas as respectivas despesas, é, em primeiro lugar, realizado o pagamento dos credores garantidos, segundo a respectiva ordem de prioridade.

(…)

Segue-se o pagamento dos créditos privilegiados por força do produto dos bens não afectos a garantias reais prevalecentes, segundo a respectiva ordem de prioridade no confronto com os créditos igualmente privilegiados, na proporção dos seus montantes, vide artigo 175.º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Finalmente, prossegue-se com o pagamento dos créditos subordinados, depois do pagamento dos créditos comuns, segundo a ordem estabelecida no artigo 48.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na proporção dos respectivos montantes.

Acompanha-se o Meritíssimo Juiz quando, pelos motivos que expõe, considera que vendidos os bens onerados com garantia real e abatidas as respectivas despesas, é, em primeiro lugar, realizado o pagamento dos credores garantidos (…) e que segue-se o pagamento dos créditos privilegiados.

Com efeito, na hierarquia geral dos créditos, os privilegiados assumem, por regra, uma posição intermédia, situada entre os beneficiários de garantias reais e os comuns. (…) É neste contexto que deve ser compreendido o n.º 1 do art.º 175.º, que não pode deixar, ele próprio, de articular-se com o artigo anterior e os seguintes, maxime, o artigo 178.º[2]. Esta solução está, aliás, está em sintonia com a doutrina do Ac. do Tribunal Constitucional 363/2002 de 17-9-02 (publicado no DR de 16-10-02), que considera que o privilégio imobiliário geral não prefere à hipoteca.

No caso dos autos regista-se que o crédito do recorrente beneficia de três hipotecas sobre o imóvel que foi apreendido. Não há, assim, dúvidas de que, face o disposto no artigo 47.º n.º 4 a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, estamos na presença de um crédito garantido.

Por sua vez, o crédito da Fazenda Nacional (de 22.476,82 €) e o da Segurança Social foram qualificados como sendo privilegiados[3] e graduados em plano de igualdade entre eles.

Segundo o recorrente, dos factos assentes não resulta, nem poderia resultar, que aqueles credores - Fazenda Nacional e Instituto da Segurança Social - detenham qualquer garantia real ou privilégio especial sobre o único imóvel apreendido, acrescentando que da lista de credores reconhecidos extrai-se que o crédito reclamado e reconhecido à Fazenda Nacional tem por base IRC, IRS e IUC e o crédito reclamado e reconhecido ao Instituto da Segurança Social advém de contribuições[4];

O recorrente não tem inteira razão. Com efeito, na lista de credores a que faz alusão, não figuram apenas os créditos da Fazenda Nacional de IRS, IRC e de IUC; também lá está um crédito de 1.056,09 € relativo a IMI do imóvel apreendido e seus juros, para além de um outro de IVA. E o crédito de IMI refere-se ao imóvel apreendido.

Assim, tendo presente o estabelecido nos artigos 744.º do Código Civil e 122.º do Código do I.M.I., a Fazenda Nacional beneficia de privilégio imobiliário especial relativamente ao crédito de IMI[5], o que significa que, à luz do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 147.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, esse crédito é qualificado como garantido.

Portanto, este crédito de IMI no valor 1.056,09 € é, tal como o do recorrente, um crédito garantido. E, dado o disposto no artigo 751.º do Código Civil, ele devia até ser pago antes deste. Porém, nesta parte, há que considerar que em virtude do princípio consagrado no n.º 4 do artigo 684.º do Código de Processo Civil, está excluída a reformatio in pejus; o julgamento do recurso não pode agravar a posição do recorrente, tornando-a pior do que seria se ele não tivesse recorrido[6]. Com efeito, por força desta norma a decisão do tribunal de recurso não pode, pois, ser mais desfavorável ao recorrente que a decisão recorrida[7].

Consequentemente, o crédito de IMI não pode, por via do presente recurso, ser colocado à frente do do recorrente, pelo que se manterá a par dele.

Já o restante crédito da Fazenda Nacional de (22.476,82 € - 1.056,09 € =) 21.420,73 € e o crédito da Segurança Social, qualificados como privilegiados, qualificação essa que não foi colocada em crise neste recurso, não podem estar no mesmo patamar do do recorrente; o seu lugar é um degrau abaixo. Quer isto dizer que pelo produto da venda do imóvel apreendido os créditos da Fazenda Nacional de 21.420,73 € e o da Segurança Social só podem ser pagos depois de satisfeitos os créditos dos trabalhadores, o do recorrente e o daquela (de 1.056,09 €) relativo ao IMI.


III

Com fundamento no atrás exposto, julga-se:

- parcialmente procedente o recurso, pelo que, relativamente ao produto da venda do imóvel apreendido, gradua-se o crédito da Fazenda Nacional de 21.420,73 € e o da Segurança Social após os dos trabalhadores, o do recorrente e o daquela (de 1.056,09 €) relativo ao IMI, sendo aqueles pagos por esse produto apenas depois de satisfeitos estes, revogando-se, neste segmento, a decisão recorrida.

- improcedente, na restante parte, o recurso, mantendo-se no mais a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, pela Fazenda Nacional e pela Segurança Social na proporção dos decaimentos.


António Beça Pereira (Relator)
Nunes Ribeiro
Hélder Almeida


[1] Cfr. folha 5.
[2] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, pág. 582.
[3] O Meritíssimo Juiz não chega a dizer de forma tão clara, quanto era desejável, que estes créditos são privilegiados. Mas é isso que resulta do decisório e da frase que imediatamente o antecede - assim ter-se-á que graduar o crédito no mesmo patamar dos credores privilegiados.
[4] Cfr. conclusões 4.ª e 5.ª.
[5] Neste sentido Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 4.ª Edição, pág. 149.
[6] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1952, pág. 311.
[7] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição, pág. 41. Neste sentido Ac. STJ de 26-10-2010 no Proc. 209/07–6TBVCD P.1 S.1, em www.gde.mj. pt/jstj.