Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
36/02.7IDCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CONDEIXA-A-NOVA.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 8º Nº 7 DO RGIT
Sumário: 1.- A responsabilidade solidária estabelecida no art.º 8.º nº 7 do RGIT é de natureza meramente civil e não penal, e assenta no comportamento pessoal do causador de dano para a Administração Fiscal.

2.- Quando o arguido também tiver sido condenado como autor do crime imputado à sociedade, nada obstaculiza a que seja apresentado e deferido pedido de condenação do responsável solidário posteriormente à sentença condenatória.

Decisão Texto Integral: I – Relatório.
1.1. No processo principal supra epigrafado, mostra-se proferido a fls. 552/3, despacho judicial do seguinte teor:
A sociedade arguida W..., Lda. foi condenada, nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.º 1, com referência aos artigos 12.º, n.º 3, e 7.º, n.º 1, todos do RGIT, na pena de 700 dias de multa, à taxa diária de € 90,00€, num total de € 63.000,00 e, bem assim, numa coima no valor de € 5.000,00.
A sociedade arguida foi declarada falida, pelo que o Ministério Público reclamou nos respectivos autos o valor da pena de multa, da coima e das custas em que a sociedade arguida foi condenada.
Da totalidade da quantia devida e reclamada, apenas foi paga a importância de € 2.688,03.
O Ministério Público promove agora a determinação da responsabilidade subsidiária dos arguidos A... e B... pelo pagamento da pena de multa e da coima impostas à sociedade arguida, por se mostrarem preenchidos os pressupostos estabelecidos no artigo 8.º do RGIT.
Os arguidos, notificados para se pronunciarem, vieram opor-se ao promovido, por entenderem não ter aplicação in casu o citado comando normativo.
Cumpre apreciar e decidir.
A responsabilidade que está em causa é a prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º do RGIT, nos seguintes termos:
1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
2 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.
A responsabilidade regulada nesta norma é meramente subsidiária e respeita a crimes praticados por terceiro (a sociedade), colocando-se apenas em sede de execução, quando o património da sociedade seja insuficiente para o pagamento da multa ou coima que lhe foi aplicada e estiverem reunidos os demais pressupostos para desencadear a responsabilização subsidiária (cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 342179, em 24-03-2004, e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo n.º 1363/03-1, em 03-05-2004, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Todavia, o mesmo artigo 8.º prevê que os representantes da sociedade arguida (no caso, os gerentes - uma vez que se trata de uma sociedade por quotas) possam ser responsabilizados pelo não pagamento da multa a que a sociedade foi condenada, a título não subsidiário, mas sim solidário.
O n.º 7 desse artigo dispõe o seguinte:
Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso (redacção dada pela Lei n.º 60­-A-2005, de 30 de Dezembro - anterior n.º 6).
Como explicam Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, nas situações reguladas nessa norma “prevê-se uma responsabilidade solidária, de natureza civil, de quem colaborar com a prática de infracções tributárias, independentemente da responsabilidade própria, criminal ou contra-ordenacional, que for imputada àquele que presta a colaboração” (Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª edição, Áreas Editora, 2008, pág. 102).
Acrescentam os autores acima citados, ainda a propósito do n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, que “incorrerão nesta responsabilidade civil os co-autores e cúmplices de infracções tributárias, relativamente às sanções que vierem a ser aplicadas aos seus co-arguidos, cumulativamente com a sua própria responsabilidade” (idem, pág. 103).
Neste contexto, a norma em questão é aplicável ao caso em apreço, porquanto os gerentes da sociedade arguida, A... e B..., foram condenados, nos presentes autos, como co-autores do crime de abuso de confiança fiscal, juntamente com a sociedade arguida.
Importa ainda referir que as dúvidas de constitucionalidade suscitadas pelos mencionados autores acerca do artigo 8.º do RGIT (op. cit., págs. 97 e 98), secundadas pelo Tribunal da Relação do Porto no aresto acima referido, por violação do princípio da intransmissibilidade das penas (consagrado no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição), dizem respeito a uma situação distinta da dos autos.
Com efeito, tais dúvidas respeitam ao caso em que se responsabiliza pelo pagamento da pena uma pessoa que não possa ser responsabilizada pela prática do crime – caso em que a norma em questão configura uma espécie de responsabilidade por facto de terceiro. Ora, isso não sucede no caso dos autos, porquanto as pessoas chamadas a responder por via do n.º 7 do artigo 8.º do RGIT foram criminalmente responsabilizadas pelos factos que deram origem à pena cujo pagamento agora se lhes exige.
Saliente-se, por último, que “se é certo que na sentença nada se disse expressamente acerca da responsabilidade solidária no pagamento da multa em que a arguida sociedade foi condenada, não é menos certo que não era absolutamente imprescindível que ali fosse feita tal menção, pois tal responsabilidade decorre de norma imperativa e nada impede que seja reconhecida em momento posterior, precisamente quando, verificando-se que a responsável penal não havia pago a multa nem era viável o seu cumprimento coercivo, se registou a necessidade de chamar o responsável civil. Além de que o reconhecimento da referida responsabilidade não envolve a apreciação de novos factos, nem a prolação de uma nova decisão, mas apenas a extracção de uma mera conclusão que resulta daqueles que ficaram definitivamente assentes conjugada com o que decorre imperativamente da lei” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27-05-2009, referente ao processo n.º 47/02.2 IDPRT-B.P1, disponível in www.dgsi.pt).
Em face do exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 8.º do RGIT:
a) Considero A... e B... solidariamente responsáveis pelo pagamento da pena de multa e da coima em que a sociedade W..., Lda. foi condenada nos presentes autos, no valor de € 65.311,97 (sessenta e cinco mil, trezentos e onze euros e noventa e sete cêntimos), tendo sido já descontada à importância global de € 68.000,00 o valor de € 2.688,03, quantia obtida no âmbito do processo de falência da sociedade arguida; e
b) Determino que os mesmos procedam ao pagamento da quantia em questão, no prazo de 10 (dez) dias.
Notifique.
1.2. Desavindos com o mesmo, recorrem os visados A... e B..., extraindo da minuta com que fundamentaram o dissídio a seguinte ordem de conclusões:
1. Os arguidos foram julgados e condenados pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 24.º, n.ºs 1 e 5 do RJIFNA, e ora previsto pelo artigo 105.º, n.º 1 do RGIT, na pena de 2 anos de prisão, encontrando-se a sua pena extinta conforme despacho transitado em julgado.
2. A sociedade W..., Lda. foi condenada, por seu turno, em autoria material pela prática de crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 1; 12.º, n.º 3 e 7.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 700 dias de multa à taxa diária de € 90,00, totalizando € 63.000,00, bem como em coima de € 5.000,00.
3. O despacho recorrido visa a responsabilização solidária dos arguidos para com a pena penal aplicada à sociedade, acumulada à sua própria pena que lhes foi determinada, suspensa e extinta.
4. Como tal, a responsabilização dos arguidos pelo pagamento de multa no valor de € 68.000,00 e coima no valor de € 5.000,00, aplicadas à sociedade arguida constituiria violação do princípio non bis in idem; bem como,
5. O art.º 8.º do RGIT, interpretado no sentido de que ali se prevê a responsabilidade subsidiária por coimas é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da intransmissibilidade das penas, da presunção de inocência e da violação dos direitos de audiência e defesa, consagrados, respectivamente, no n.º 3 do art.º 30.º e n.ºs 2 e 10 do art.º 32.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Terminaram pedindo que em conformidade com o expendido seja revogado o despacho prolatado.
1.3. Acatado o estatuído pelo art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público, sufragando o improvimento da impugnação.
1.4. Proferido despacho admitindo-a, remeteram-se os autos a esta instância.
1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º do citado diploma adjectivo penal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a igual improvimento.
Cumpriu-se o subsequente art.º 417.º, n.º 2.
No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se nenhuma circunstância determinar a apreciação sumária do recurso, ou obstar ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever prosseguir seus termos, com recolha de vistos, o que sucedeu, e submissão à presente conferência.
Urge, pois, ponderar e decidir.
*
II – Fundamentação de Direito.
2.1. Como constitui jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal –, é através das conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, e nas quais deve sintetizar as razões do pedido [artigo 412.º, n.º 1, do mesmo diploma], que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal ad quem.
In casu, porque não intercede qualquer vício ou nulidade que reclame a nossa intervenção oficiosa, vendo-se as conclusões dos recorrentes, resulta ser constituído o thema decidendum pela questão de apurarmos se o normativo convocado na fundamentação do despacho recorrido padece das inconstitucionalidades invocadas e daí que, não podendo aplicar-se, acarrete a revogação respectiva.
2.2. Os factos a reter para dilucidação da questão suscitada, mostram-se os seguintes:
- A sociedade W..., Lda. foi condenada por sentença transitada em julgado, proferida nos autos principais, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.º 1, com referência aos artigos 12.º, n.º 3, e 7.º, n.º 1, todos do RGIT, na pena de 700 dias de multa, à taxa diária de € 90,00, num total de € 63.000,00 e, bem assim, numa coima no valor de € 5.000,00.
- Nos mesmos autos, e na aludida sentença, os ora recorrentes, aí arguidos, foram igualmente condenados pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 24.º, n.ºs 1 e 5, do RGIFNA, actualmente p.p. pelo artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de cinco anos, sob a condição de, em tal prazo, procederem ao pagamento dos impostos tidos como então em dívida.
- A sociedade arguida foi declarada falida, pelo que o Ministério Público reclamou nos respectivos autos o valor da pena de multa, da coima e das custas em que fora condenada.
- Da totalidade da quantia assim devida e reclamada, apenas foi paga a importância de € 2.688,03.
- Na sequência desta factualidade, e sob promoção do Ministério Público, foi prolatado o despacho em crise.
2.3. Sob o sumário “A responsabilidade subsidiária pelas multas e coimas estabelecida no artigo 8.º do Regulamento Geral das Infracções Tributárias é de natureza meramente civil e não penal, pelo que tal norma não viola nenhum princípio constitucional em matéria penal”, ponderando questão exactamente idêntica, discretou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em termos a que aderimos, de 23 de Junho de 2010, relatado pela Ex.ma Desembargadora Élia São Pedro, no âmbito do processo n.º 248/07.7 IDPRT-A.P1, acessível em www.dgsi.pt.jtrp, o seguinte:
O artigo 8.º, n.º 7, do RGIT tem a seguinte redacção:
Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for caso disso.”
Isto é, porque a leitura do preceito não deixa qualquer dúvida a respeito da responsabilidade solidária dos arguidos pelas dívidas da sociedade, resulta que ou se aplica o mesmo normativo, ou se recusa a sua aplicação com o fundamento em inconstitucionalidade.
Ora, não se configura esta segunda hipótese. Com efeito:
O citado art.º 8.º do RGIT foi objecto de apreciação no acórdão do Tribunal Constitucional, de 12 de Março de 2009, o qual decidiu: «não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n.º l do artigo 8.º do RGIT (…) na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação», com fundamento em que aquele preceito não consagra uma qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal ou contra-ordenacional imputável à sociedade, estabelecendo, antes, a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas (tratar-se-ia de uma responsabilidade de natureza civil extracontratual dos gerentes e administradores, resultante do facto culposo que lhes é imputável por terem causado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, determinante do não pagamento da coima, ou por não terem procedido ao pagamento da coima quando a sociedade foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo).
E entendimento idêntico veio a ser sufragado nos acórdãos de 25 de Março de 2009 e de 12 de Maio do mesmo ano, nos processos n.ºs 150/09 e 234/09, do mesmo Tribunal, que apreciaram a constitucionalidade da norma prevista no art.º 7.º-A do RJIFNA, equivalente à do art.º 8.º do RGIT.
De acordo com o Tribunal Constitucional, a responsabilidade subsidiária prevista no art.º 8.º do RGIT assenta não no facto típico que consubstancia a infracção contra-ordenacional, mas num outro facto diferente e autónomo: o comportamento pessoal causador de um dano para a Administração Fiscal, sendo que a «circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional. (…)».
Deste modo, e de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a responsabilidade pelas multas e coimas prevista no art.º 8.º do RGIT deve ser vista como uma responsabilidade civil e não como a transmissão da responsabilidade penal. Esta diversa natureza da responsabilidade afasta liminarmente a argumentação feita com base na intransmissibilidade das penas. Em suma, a responsabilidade subsidiária estabelecida no art.º 8.º do RGIT é de natureza meramente civil e não penal, pelo que essa norma não viola nenhum princípio constitucional em matéria penal. (sublinhado e itálico nosso)
O TC pronunciou-se, é verdade, sobre os casos de responsabilidade subsidiária previstos nas alíneas a) e b) do art.º 8.º, n.º 1 do RGIT mas, por maioria de razão, o seu entendimento é aplicável aos casos do art.º 8º, n.º 7.
Nestas hipóteses, em que a responsabilidade é solidária (e não subsidiária), ainda é mais flagrante a sua natureza civil, fundada na “colaboração dolosa” na prática da infracção.
Por outro lado, é pressuposto do n.º 7 do art.º 8.º do RGIT que o sócio-gerente tenha “colaborado dolosamente na prática da infracção”, o que significa que também tenha sido condenado no processo-crime.
E se é verdade que um juízo sobre a necessidade da pena ou a sua proporcionalidade (art.º 18.º da Constituição da República Portuguesa) deve limitar-se a assegurar a protecção dos bens jurídicos penalmente ofendidos e não a prossecução de receitas, o certo é que as finalidades da punição não podem ser invocadas para afastar a responsabilidade civil, ainda que fundada no mesmo facto ilícito. O fundamento da responsabilidade civil por facto ilícitos é essencialmente a reparação de um dano, ou seja, a consideração de que não deve ser o lesado a suportar um prejuízo ilicitamente causado por um comportamento alheio. Daí que o princípio da necessidade ou proporcionalidade, no que respeita à génese da responsabilidade civil, não seja ofendida por um regime jurídico que impõe o dever de indemnizar a quem causar (ou contribuir para sua causa) um dano. Trata-se, aliás, do regime regra da obrigação de indemnizar, conforme resulta do art.º 497.º do Código Civil.
Julgamos assim que não existe qualquer obstáculo constitucional à aplicação do art.º 8.º, n.º 7, do RGIT.
O que pode todavia questionar-se é outra coisa, continua o dito aresto. É saber qual o meio processual adequado a efectivar a responsabilidade civil prevista no art.º 8º, n.º 7 do RGIT, isto é, saber se tal responsabilidade civil deve ser pedida no processo-crime, onde vigora o princípio da adesão.
Nos termos do art.º 49.º do RGIT, “os responsáveis civis pelo pagamento de multas, nos termos do artigo 8.º desta lei, intervêm no processo e gozam dos direitos de defesa dos arguidos compatíveis com a defesa dos seus interesses.”
Deste preceito resulta sem qualquer ambiguidade que é no processo penal e não em processo autónomo que deve ser proferida a condenação dos responsáveis civis, a que alude o art.º 8.º do RGIT.
Resulta ainda do mesmo preceito que os responsáveis civis pelo pagamento de multas gozam dos direitos de defesa (dos arguidos) compatíveis com a defesa dos seus interesses, o que significa que devem poder defender-se dos pressupostos de que a lei faz depender a sua responsabilidade civil.
No caso previsto no art.º 8º, n.º 7 do RGIT, aquele que “colaborar dolosamente na prática da infracção tributária” deve ter as mesmas garantias de defesa do arguidos, para poder defender os seus interesses. Contudo, quando o arguido também for condenado como autor do crime imputado à Sociedade, mostra-se necessariamente preenchido este requisito. Nestes casos, o arguido teve oportunidade de se defender da prática do crime e, portanto, da colaboração dolosa na prática da infracção.
Mais problematiza, acto contínuo, sobre se nada dizendo a sentença penal condenatória sobre a responsabilidade solidária do arguido, relativamente ao pagamento da multa da sociedade, faz nessa medida caso julgado e, consequentemente, obstaculiza e impede a posterior condenação do arguido.
Aí se responde, inexistir caso julgado, ou qualquer obstáculo a que a condenação seja feita posteriormente. Colige em favor desta conclusão o entendimento sufragado, a propósito, no aresto do mesmo Tribunal, in processo n.º 47/02.2 IDPRT-B.P1, no dia 27 de Maio de 2009:
(…) É, pois, evidente que, perante esses factos, se mostra integralmente preenchida a previsão do actual n.º 7 RGIT (correspondente ao n.º 6, antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 60-A/2005 de 30/12) do art.º 8.º do RGIT – preceito que apenas trata da responsabilidade por multas aplicadas como sanção – do qual resulta a responsabilidade solidária do recorrente pelo pagamento da multa aplicada à arguida sociedade pela prática do crime por que foi, também ela, condenada. Ora, se é certo que na sentença nada se disse expressamente acerca da responsabilidade solidária do recorrente no pagamento da multa em que a arguida sociedade foi condenada, não é menos certo que não era absolutamente imprescindível que ali fosse feita tal menção, pois tal responsabilidade decorre de norma imperativa e nada impede que seja reconhecida em momento posterior, precisamente quando, verificando-se que a responsável penal não havia pago a multa nem era viável o seu cumprimento coercivo, se registou a necessidade de chamar o responsável civil. Além de que o reconhecimento da referida responsabilidade não envolveu a apreciação de novos factos, nem a prolação de uma nova decisão, mas apenas a extracção de uma mera conclusão que resulta daqueles que ficaram definitivamente assentes conjugada com o que decorre imperativamente da lei. Assim, o despacho recorrido mais não fez do que declarar o que já resultava da lei.
Por outro lado, não houve qualquer ofensa do caso julgado, na medida em que, ao considerar o recorrente solidariamente responsável pelo pagamento da multa em que a arguida sociedade foi condenada e ao determinar a sua notificação para proceder ao respectivo pagamento, não foi contrariado nem alterado nada do que foi decidido na sentença condenatória. De modo algum se pôs em causa o sentido da condenação daquela arguida, não sendo incompatível com a responsabilidade criminal desta, ali definida, o facto de se ter reconhecido, em momento posterior, que o recorrente também é responsável solidário pelo pagamento da multa em que ela foi condenada.”
2.4. Em síntese conclusiva, aplicável a tese sufragada nas hipóteses, como é a dos autos presentes, em que o “responsável civil” (ao abrigo do art.º 8.º, n.º 7 do RGIT) é o autor físico do crime por que a Sociedade foi condenada em multa. Todos os pressupostos da responsabilidade solidária são apurados no processo, onde o arguido gozou de todas as garantias de defesa legalmente previstas. A sentença penal não poderia condenar o “responsável civil”, enquanto tal não lhe fosse pedido. Só depois de o MP formular o pedido da condenação do “responsável civil” no pagamento da multa, o Tribunal pode apreciar o pedido. Vista a natureza da responsabilidade em causa – meramente civil e não penal –, sequer se mostra possível colocar-se a questão da eventual violação de algum (alguns) do (s) princípio (s) constitucional (ais) em matéria penal.
E, donde que nada obstaculiza a que, como sucedeu, seja apresentado e deferido pedido de condenação do responsável solidário, nos termos do art. 8.º, n.º 7, do RGIT, posteriormente à sentença condenatória, e tão-somente quando se apurar a impossibilidade do pagamento da multa pela Sociedade.
*
III – Decisão.
São termos pelos quais se nega provimento aos recursos interpostos.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individualmente devida em 5 UCs.
Notifique.
*
Brízida Martins (Relator)
Orlando Gonçalves