Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4353/07.1TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 06/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 485, 494, 496 CC, DL Nº 298/92 DE 31/12
Sumário: I – Os bancos, porque, vg., é suposto estarem tecnicamente apetrechados e conhecerem as regras da ars bancária, têm o dever jurídico de prestarem aos seus clientes informações exactas e fidedignas de sorte a acautelarem os interesses destes no âmbito do relacionamento comercial que com eles mantiverem, ficando responsáveis pelos prejuízos para estes advenientes decorrentes de informações falsas, incorrectas ou inexactas – artº485º nº2 do CC e 73º e segs do RGIC.

II- Assim, incorre em tal responsabilidade o banco que informou o seu cliente que um cheque internacional era válido e tinha boa cobrança, creditou o seu valor na conta deste - o que o levou a efectuar uma transferência de um determinado montante de tal conta - mas que depois, afinal, constata que o cheque é falso e debita o valor do cheque desta conta, situação em que o banco deve responder pelo reembolso do referido montante de que o cliente ficou desapossado/prejudicado.

III- Considerando a tutela acrescida hodiernamente atribuída à personalidade moral na qual se inclui, vg. o direito ao sossego e à paz de espírito, porque fulcrais para uma sã e boa qualidade de vida, e porque afectações a este nível, por pequenas e pouco relevantes que aparentem, são, normalmente, psicologicamente prejudiciais e negativamente marcantes, importa ser menos exigente na valoração dos factos necessários à atribuição da responsabilidade por danos não patrimoniais no âmbito do artº 496º nº1 do CC.

IV – Provando-se que o autor sofreu preocupações e inquietações, vg, por se sentir enganado pelo réu, instituição bancária credível, e por se encontrar desapossado e prejudicado na quantia de 2.900,00 euros, deve ser indemnizado por danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA


1.
A (…), instaurou contra B (…) Agência de (…) acção declarativa de condenação com processo sumário .
Alegou:
 Em virtude de ter recebido uma informação inexacta do réu, procedeu a um pagamento a terceiro no montante de € 2900,00, que, sem tal erro, não teria feito, o que lhe causou preocupações e vergonha por ter sido enganado, tendo visto o seu bom nome e reputação atingidos e, sendo certo que o réu lhe debitou € 43,86 de juros pelo descoberto de conta em função do dito pagamento.
Pediu:
 Que o réu seja condenado a pagar-lhe o montante de € 2.943,86 e, bem assim, € 1.200,00 por danos não patrimoniais, com juros à taxa legal desde a data do prejuízo até integral ressarcimento.

Contestou o réu, declinando qualquer responsabilidade e pedindo a improcedência do pedido.

2.
Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo a final, sido proferida sentença que:
 Julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu a pagar ao autor o montante de € 3.693,86 – sendo que 750,00 euros a título de danos não patrimoniais -  a que acrescem juros de mora às taxas supletivas legais sobre € 2943,86, desde 04/04/2006 até à data da decisão e sobre aquela importância desde esta data até integral pagamento.

3.
Inconformado recorreu o réu.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- Por força da prova produzida nos autos, o artigo 22º da Base Instrutória merece a resposta de não provado. Na verdade,       
2- À matéria constante de tal artigo, relativa à circunstância de o recorrido haver ou não ficado desapossado da quantia de € 2.900,00, foram ouvidas as testemunhas (…), pai do recorrido e (…), amigo do recorrido, cujos depoimentos se encontram gravados através do programa H@bilus Media Studio e constam de CD.  
3- Relativamente a tal questão, o que resulta da prova testemunhal produzida é o que refere a testemunha (….): o recorrido não tem aquele valor e a sua conta, aquando da comunicação com o recorrente, estava a negativo.  
4- Ressalvando o muito e devido respeito por opinião contrária, não se afigura à recorrente que tal depoimento seja fundamento bastante para se dar como provada a matéria constante do artigo 22º da Base Instrutória.
5- Tal é ainda assim se o depoimento da testemunha for conjugado com o documento de fls, junto aos autos com a petição inicial como doc. nº 7, e que representa o extracto de conta do recorrido no decurso do mês de Março de 2006 e pelo qual se verifica que antes de o recorrido proceder ao depósito do cheque internacional a conta apresentava um saldo de € 700,19, sendo certo que só por virtude do depósito do cheque em causa da conta passou a constar um saldo superior a € 5.000,00. 
6- Porém, tudo o que resulta de tal extracto e mesmo o que referiu a testemunha (…) traduzem operações de natureza contabilística, e apenas isso.
7- Não resulta dos autos que o recorrido tenha ficado prejudicado em € 2.900,00, tão só que a conta apresenta um saldo negativo em consequência da transferência desse valor.       
8- E se aqueles € 2.900,00 correspondiam a parte do valor do cheque, não se pode afirmar e dar como provado que o recorrido ficou desapossado deles, mais a mais não resultando dos autos que por via do lançamento a débito do montante do cheque tenha efectivamente sofrido algum prejuízo, designadamente, que tenha deixado de solver algum compromisso financeiro.         
9- Nos termos do disposto no art.º 712º, nº 1, al. a), a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.º 690º-A, a decisão com base neles proferida.
10- O que, pelos motivos expostos, a recorrente desde já requer a este Venerando Tribunal, no sentido de ser alterada a resposta dada ao artigo 22º da Base Instrutória, nos termos acima descritos, para não provado.
11- Não se provando que o recorrido tenha ficado desapossado da quantia de € 2.900,00, não poderá a recorrente ser condenada no pagamento da mesma, pois não se verifica ter a situação dos autos causado dano ao recorrente de valor correspondente a tal montante.
12- A título de compensação por danos não patrimoniais foi arbitrada ao recorrido a quantia de € 750,00, com o fundamento de que o comportamento do recorrente causou preocupações e inquietações àquele, que se sentiu enganado pelo recorrente, por quem tinha todo o respeito e consideração. Foram estes, e só estes, os fundamentos para a atribuição do montante em causa, e foram estes, tão só, os factos que a propósito da questão ora em discussão resultaram provados - cfr. artigos 23º e 24º, ambos da Base Instrutória.     
13- Considera o recorrente que - ressalvando, sempre, o muito e devido respeito por opinião contrária - a situação vivida pelo recorrido e retratada naqueles artigos 23º e 24º da Base Instrutória não merece, à luz do que dispõe o art.º 496º do CCivil, a tutela do direito e, consequentemente, o arbitramento de qualquer quantia a título de compensação.
14- Aliás, daqueles factos não resulta, em concreto, qualquer dano ou prejuízo para o recorrido, que ademais não logrou provar, como lhe competia, que a situação lhe tenha originado preocupações e inquietações fortes, tendo perdido diversas noites de sono, ou que tenha sentido vergonha por se sentir enganado – cfr. respostas restritivas aos quesitos 23º e 24º da Base Instrutória, nem que viu o seu bom nome e reputação atingidos fortemente – cfr. resposta negativa ao artigo 26º da Base Instrutória. 
15- Na douta sentença fez-se incorrecta valoração dos factos e menos acertada aplicação da Lei, nomeadamente, dos art.ºs 485º e 496º, ambos do CCivil e do art.º 655º do CPCivil.

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Improcedência da acção.

5.
Apreciando.
5.1.
 (…)
5.1.5.
Consequentemente, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:
- O autor é titular da conta n.º 217052148 da Agência do B (…), em Aveiro. - A)
- E apresentou na referida sucursal, a 21/03/2006, o cheque internacional do K... n.º ..., no valor de € 5.000,00. - B)
- A funcionária que o atendeu informou-o de que o cheque ia ser enviado para Lisboa e que quando tivesse mais informações entrava em contacto com o autor. - C)\
- No dia 30/03/2006, foi feito pelo réu, na conta do autor, um movimento a crédito, no valor de € 4.987,00, que surgiu no B (…) com a indicação “CHEQ. TOMADOS DO”. - D)\
- Nessa mesma data o autor procedeu à transferência da sua referida conta bancária, via Western Union (de que em Portugal é representante (…), de € 2.900,00 para o estrangeiro. - E)
- Alguns dias depois de efectuada a transferência dos € 2.900,00, alguém identificado como sendo funcionária do B (…), tentou entrar em contacto com o autor, através de contacto telefónico para o domicílio deste. - F)
- E informou o pai do autor, que atendeu o telefone, que tinha muita urgência em falar com este. - G)
- No dia 4 de Abril de 2006, por contacto via telemóvel, o autor foi inquirido pela funcionária do réu sobre se já tinha visto o seu extracto de conta, pois a mesma estava negativa, uma vez que o valor do cheque identificado em B) tinha sido debitado já que o mesmo seria falso. - H)
- O autor preencheu na agência bancária identificada em A), a 04/04/2006, a folha de reclamação junta a fls. 20/21, cujo teor se dá aqui por reproduzido. - I)
- A referida reclamação veio a receber resposta do Banco de Portugal a comunicar-lhe não terem sido colhidos indícios de que o ora réu tivesse "violado normas por cujo cumprimento caiba ao Banco de Portugal zelar enquanto autoridade de supervisão" - fls. 23. - J)
- O autor subscreveu o documento próprio relativo a "Depósito de Cheques Sobre o Estrangeiro", junto a fls. 14, apondo a sua assinatura sob a frase impressa "tomamos inteira responsabilidade pelo cheque negociado". - L)
- Foi enviado pelo réu ao autor a nota de lançamento junta a fls. 90 da qual consta que o referido cheque ficava "sujeito às regras uniformes relativas às cobranças. Salvo boa cobrança". - M)
- Em meados de Março de 2006, foi proposto ao autor, via Internet, por um cidadão estrangeiro de nome (…) a entrega do cheque referido em B). - 1.º
- Do valor do referido cheque o autor receberia, como meio de pagamento pela venda de um cão, a quantia de € 2.100,00.- 2.º
- O autor devia remeter os restantes € 2.900,00. - 3.º
- Esta proposta suscitou algumas dúvidas e reservas no autor, não só pelo teor da mesma mas também porque nunca tinha movimentado um cheque estrangeiro. - 4.º
- Dirigiu-se à sua agência bancária identificada em A) a fim de que lhe fossem esclarecidas as implicações, os custos e os riscos que poderiam resultar desse cheque. – 5.
- O autor foi aí informado de que não havia problemas de maior no recebimento de um cheque estrangeiro, nomeadamente despesas adicionais. -6.º
- Após o que concordou com o envio do cheque em questão. -7.º
- Foi-lhe, então, remetido pelo (…) o cheque referido em B). -8.º
- O autor, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em B) procedeu ao depósito do cheque para crédito da sua conta à ordem, sujeito aos usos bancários normais, nomeadamente à boa cobrança. -9.º
- O autor explicou à funcionária que o atendeu que, quando se confirmasse a boa cobrança do cheque, necessitaria de proceder a uma transferência bancária de parte do seu valor, para cumprir o acordado com o cidadão estrangeiro (…).-10.º
- No dia 30 de Março de 2006, a dita funcionária entrou em contacto telefónico com o autor, informando-o de que o cheque tinha sido objecto de boa cobrança, e que por isso o valor do cheque já se encontrava creditado estando disponível na sua conta. -11.º
- O autor dirigiu-se ao balcão da referida agência a fim de confirmar as informações que lhe tinham sido dadas por via telefónica e pelo Multibanco. -12.º
- Aí a dita funcionária confirmou-lhe as informações referidas em 11.º - 13.º
- O autor efectuou, por isso, a transferência referida em E). - 14.º
- As informações prestadas pela funcionária do banco e pela caixa ATM criaram confiança no autor em relação à informação prestada referente à validade do referido cheque e ao montante de saldo disponível na sua conta identificada em A). -15.º
- O que foi essencial e determinante para que o autor realizasse a transferência referida em E).-16.º
- Que de outra forma não teria realizado. -17.º
- O autor não chegou a enviar o cão para o estrangeiro. -21.º
- Encontra-se desapossado dos € 2.900,00 que transferiu para o cidadão estrangeiro. -22.º
  - Esta situação originou no autor preocupações e inquietações. -23.º
- O autor sentiu-se enganado pelo réu, pelo qual tinha todo o respeito e consideração. -24.º
- A sua conta ficou a descoberto. -25.º
- O autor apresentou-se no Banco réu, solicitando que este lhe comprasse o cheque de € 5.000,00 referido em B). -27.º
- O Banco aceitou prestar o serviço que lhe era solicitado. -28.º
- Nos casos de imediata disponibilização na conta isso não significa que o cheque tenha boa cobrança, podendo vir a ocorrer eventual devolução, com o esclarecimento de que o autor não foi avisado pelo réu de tal risco. -30.º
- Se essa devolução ocorrer, o seu montante é debitado em conta, por forma a anular o crédito inicial que tenha sido efectuado. -31.º
  - O autor disse ao réu que tinha urgência na disponibilização do montante do cheque. -32.º
- Nos casos de cheque comprado sem crédito imediato, o seu valor só é creditado em conta como disponível, depois de boa cobrança. -36.º

5.2.
Segunda questão.
5.2.1.
No concernente aos danos patrimoniais.
O Sr. Juiz julgou a acção procedente com os seguintes argumentos:
«…As informações prestadas pela funcionária do banco e pela caixa ATM criaram confiança no autor em relação à informação prestada referente à validade do referido cheque e ao montante de saldo disponível na sua conta, o que foi essencial e determinante para que o autor realizasse a dita transferência, que de outra forma não teria realizado.
…simples conselhos, recomendações ou informações,…podem, excepcionalmente, envolver responsabilidade civil: a) quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos; b) quando haja o dever jurídico de os dar e se tenha agido com culpa; (…). Para que o comportamento do autor seja considerado antijurídico, é necessário que, além de ter dado um mau conselho ou feito má recomendação, ou prestado inexacta informação, ele tenha o dever legal ou negocial de os prestar.”
Ora, afigura-se-nos que o réu, em função da relação jurídica que estabeleceu com o autor, tinha o dever de lhe prestar a informação que este lhe pediu e responsabilizar-se por ela. Se um banco não garante informações o tipo da que lhe foi pedida pelo autor, quem haverá de a garantir? Se o réu, depois de ter obtido as informações que se prestara a obter, e que dada a actividade a que se dedica estava em condições de o fazer, sobre a regularidade do documento apresentado pelo autor, o informou de que o cheque tinha sido objecto de boa cobrança e que por isso o valor do cheque já se encontrava creditado estando disponível na sua conta, que mais haveria o autor de fazer para se certificar que isso correspondia à verdade?
…o autor, não tendo melhor meio de se inteirar do negócio que lhe era proposto, fez o que deveria fazer um bom pai de família e escolheu o réu para o fim que pretendia. Ora, foi em função da confiança que depositou nos conhecimentos deste e determinado por ela que procedeu ao pagamento a outrem do que lhe não devia e que, se não fosse o teor da informação prestada pelo réu, não faria.
Tem, pois, o réu de ser responsabilizado por ter induzido o autor em erro, ainda que de forma meramente negligente e, com isso, ter-lhe causado o prejuízo emergente dos autos, ao menos na parte respeitante ao montante do que este pagou por erro e bem assim ao débito de juros feito pelo réu ao autor.
Também se nos afigura dever o autor ser indemnizado pelos danos não patrimoniais causados pelo comportamento do réu, consubstanciados nas preocupações e inquietações sofridas por se encontrar desapossado do dinheiro que transferiu para o estrangeiro e por se sentir enganado pelo réu...».

Mostra-se perfeitamente acertado e curial este discurso argumentativo, perante os factos apurados e a melhor interpretação que dos mesmos deve ser feita.
Havendo, pois, que corroborá-lo, na sua essencialidade relevante.
Na verdade estatui o artº 485º do CC:
1-Os simples conselhos, recomendações ou informações não responsabilizam quem  os dá, ainda que haja negligencia da sua parte.
2- A obrigação de indemnizar existe, porém, quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligencia ou intenção de prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto punível.
Ademais o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC) aprovado pelo Decreto-Lei n.º298/92, de 31.12, com as alterações subsequentes, contém um complexo de normas relativas às regras de conduta do banqueiro, aí sendo destacadas, no que tange a deveres gerais, regras respeitantes à competência técnica, às relações com os clientes, ao dever de informação e ao critério de diligência  - arts. 73º a 76º.
A competência técnica (art. 73º) tem subjacente deveres de qualidade e de eficiência: o banqueiro deve assegurar ao cliente, em todas as actividades que exerça, “elevados níveis de competência técnica”, devendo, para a consecução de tal objectivo, dotar a sua organização empresarial “com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.
No tocante às relações com os clientes (art. 74º) vem referenciado o dever de adopção, por parte do banqueiro, enquanto instituição, de procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados.
E quanto ao critério de diligência (art. 76º), aponta ele para o modelo do banqueiro, enquanto instituição, criterioso e ordenado, no que pode ver-se a recuperação, com fins bancários, da figura do bonus pater familias, prudente e dedicado.
Pode, assim, concluir-se que:
«Os bancos são entidades legalmente habilitadas a praticar profissionalmente actos bancários, sendo essa uma prática habitual, lucrativa e tendencialmente exclusiva.
Estas características obrigam as instituições bancárias a adoptar uma orgânica própria e muito especializada, capaz de responder eficazmente ao complexo de deveres a que estão vinculadas, e que têm a ver, no sector bancário, não só com preocupações de política económica, de salvaguarda do sistema, mas também com a tutela dos direitos e interesses dos clientes.
 No tocante às relações com os clientes, o RGIC impõe ao banqueiro, enquanto instituição, o dever de adopção de procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados.
O banqueiro está, assim, vinculado a deveres de actuação conformes com aquilo que é expectável da parte de um profissional tecnicamente competente, que conhece e domina as regras da ars bancaria: tem um fundamental dever de prestação de serviços, que lhe impõe colocar à disposição do cliente a sua estrutura organizativo-funcional, em ordem à execução de tarefas de tipo variado, no âmbito da actividade bancário-financeira, e uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, que lhe impõe uma continuada promoção e vigilância dos interesses deste» - Ac. do STJ de 18.12.2008, dgsi.pt., p. 08B2688.
Perante os factos apurados forçoso é inferir que o réu, no mínimo, agiu negligentemente, subsumindo-se, consequentemente a sua conduta, no disposto no artº 485º nº2 do CC, porque violadora das normas de actuação do RGIC supra citadas.
Aliás o sucesso da pretensão do réu, neste particular, passava pela alteração dos factos por ele pretendida.
Não tendo logrado ganho de causa neste particular e não tendo o recorrente sequer posto em crise a decisão em face dos factos em que se alicerçou e que se mantiveram, há apenas que confirmá-la.
5.2.2.
No atinente aos danos não patrimoniais.
Neste ponto o recorrente insurge-se contra a decisão mesmo perante os factos em que ela se encontra sufragada.
Vejamos.
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.
A indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.
 Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distracções - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.
Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
Atenta esta natureza e o evoluir dos tempos e das concepções ético-jurídicas que vêm impregnando as sociedades modernas em geral, de que a portuguesa não é excepção, tem-se vindo a verificar uma gradual amplitude no acolhimento da indemnização a este título.
É, assim, de notar, ser hoje pacífico que tal indemnização é admissível não apenas na responsabilidade extra-contratual, como na obrigacional e que ela abarca não apenas as afectações decorrentes da lesão da integridade física como da personalidade moral.
E entendemos ser saudável e de defender  esta evolução jurisprudencial.
Pois que, como referimos, ela corresponde a uma maior protecção que se pretende atribuir às afectações ou prejuízos imateriais, muitas vezes tão ou mais afectantes que os danos materiais.
Na verdade numa sociedade, como a portuguesa, em que as necessidades básicas materiais estão, com maior ou menor dificuldade, asseguradas pela generalidade dos cidadão, a qualidade de vida passa já, e reclama, por um certo sossego ou paz de espírito.
Transtornos, canseiras, aborrecimentos, angústias, etc, são pois, susceptíveis de afectar tal sossego ou paz e, assim, potencialmente idóneos a serem elementos constitutivos da obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais.
No caso sub Júdice apurou-se que, vg. por virtude de se sentir enganado pelo réu e, por se encontrar desapossado - e, consequentemente e tanto quanto, logicamente, se pode depreender, prejudicado - na quantia de 2.900,00 euros, o autor teve preocupações e inquietações.
Consideramos que tais factos, na economia e na ponderação de toda a situação que se vislumbra algo meandrosa e trabalhosa para o demandante, são suficientes – maxime se perspectivados no âmbito da evolução supra mencionada que se revela menos exigente na valoração dos factos e das circunstancias que se têm como relevantes para fazer despoletar esta responsabilidade – para que se subsumam no citado segmento normativo.
Até porque o valor indemnizatório fixado – 750,00 euros – é, considerando designadamente o cabedal económico-financeiro do réu,  modesto ou diminuto.
 Na verdade resta sempre difícil apurar, com rigor, da adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afectações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.
Certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjectivos, resultantes de uma sensibilidade particular.
Há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade são os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender.
Devendo ainda considerar-se que a mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas, sendo que, hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.
Nesta conformidade há que convir que o valor fixado na sentença se alcança  até algo parcimonioso.
Pelo que, também por este motivo, mas essencialmente porque, tudo visto e ponderado e no sufragar de uma jurisprudência mais humana e generosa, se alcança como justo e equitativo operar uma interpretação mais plástica, abrangente e menos restritiva dos factos apurados de sorte a consecutir-se o desiderato da fixação de uma adequada e justa indemnização.
Sendo, consequentemente, outrossim neste particular, de manter a sentença e o quantum  nela apurado.

6.
Sumariando
I – Os bancos, porque, vg., é suposto estarem tecnicamente apetrechados e conhecerem as regras da ars bancária, têm o dever jurídico de prestarem aos seus clientes informações  exactas e fidedignas de sorte a acautelarem os interesses destes no âmbito do relacionamento comercial que com eles mantiverem, ficando responsáveis pelos prejuízos para estes advenientes decorrentes de informações falsas, incorrectas ou inexactas – artº485º nº2 do CC e 73º e segs do RGIC.
II- Assim, incorre em tal responsabilidade o banco que informou o seu cliente que um cheque  internacional era válido e tinha boa cobrança, creditou o seu valor na conta deste -  o que o levou a efectuar uma transferência de um determinado montante de tal conta -  mas que depois, afinal, constata que o cheque é falso e debita o valor do cheque desta conta, situação em que o banco deve responder pelo reembolso do referido montante de que o cliente ficou desapossado/prejudicado.
III- Considerando  a tutela acrescida hodiernamente  atribuída á personalidade moral na qual se inclui, vg. o direito ao sossego e à paz de espírito, porque fulcrais para uma sã  e boa qualidade de vida, e porque afectações a este nível, por pequenas e pouco relevantes que aparentem, são, normalmente, psicologicamente prejudiciais e  negativamente marcantes, importa ser menos exigente na valoração dos factos  necessários à atribuição da responsabilidade por danos não patrimoniais  no âmbito do artº 496º nº1 do CC.
IV– Destarte provando-se que o autor sofreu preocupações e inquietações, vg, por se sentir enganado pelo réu, instituição bancária credível, e por se encontrar desapossado e prejudicado na quantia de 2.900,00 euros, tal basta para fazer surgir tal responsabilidade,  devendo ela ser mantida, maxime se o seu quantum foi parcimoniosamente fixado em 750,00 euros.

7.
Deliberação.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.