Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/11.9TBTCS-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: CONDENAÇÃO EM MULTA
TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
APELAÇÃO AUTÓNOMA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ARTºS 644º, Nº 2, AL. E), E 638º, Nº 2 DO NCPC; 27º, Nº 6 DO RCP
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTºS 644º, Nº 2, AL. E), E 638º, Nº 2 DO NCPC; 27º, Nº 6 DO RCP.
Sumário: I – De acordo com o disposto nos artºs 644º, nº 2, e), e 638º, nº 2 do nCPC, cabe apelação autónoma, a interpor no prazo de 15 dias, da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual.

II – O Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26/02, dispõe no nº 6 do seu artº 27º: ‘da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa’.

III – Esta norma não dá a quem é condenado ao seu abrigo a opção de recorrer autonomamente ou não, não lhe confere a possibilidade de só observar o prazo de 15 dias aí referido quando entenda recorrer autonomamente dessa condenação.

IV – Se a aplicação da multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional é proferida no âmbito de despacho ou de sentença que, ‘per se’, independentemente dessa condenação, é desfavorável ao assim condenado e é recorrível – atentos os restantes pressupostos gerais de recurso, v.g., os do valor da causa e da sucumbência -, situação esta em que, sendo efectivamente interposto recurso dessa decisão, a impugnação da referida condenação integra-se no regime do recurso desse despacho ou sentença, não sendo, nessa ocasião, impugnável autonomamente e podendo, por isso, beneficiar de um prazo de recurso mais longo do que o previsto no nº 6 do seu atº 27º (é o caso, v.g., de a aplicação da multa ou taxa sancionatória excepcional ter lugar em sentença ou despacho que se moldem à previsão do nº 1 do artº 644º do nCPC).

V – Sucedendo que a condenação em multa ou em taxa sancionatória excepcional seja proferida em despacho avulso, ou que, não obstante ter sido proferida em despacho em que foram decididas outras questões de modo desfavorável ao condenado, este, no que respeita à decisão dessas questões não possa interpor apelação autónoma – ou que não possa mesmo interpor recurso (por estar consagrada a sua irrecorribilidade, ... -, sendo nestas situações, em que a impugnação tem de se restringir à condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, que o respectivo recurso é autónomo e que, por isso, deve ser interposto no prazo de 15 dias, de acordo com o nº 6 do artº 27º do RCP e em consonância com o que preceitua a al. e) do nº 2 do artº 644º do nCPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – J... e mulher Z... intentaram acção contra M... e marido, A... (1ºs RR), M... e marido, R... (2ºs RR), J... e mulher, M... (3ºs RR), e F... e mulher, A... (4ºs RR), peticionando:

- O reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio rústico descrito em 1.º da petição, bem assim como o reconhecimento do seu direito de preferência sobre o prédio rústico identificado em 10.º, substituindo-se aos 4.º RR., na escritura de compra e venda desse prédio;

- A condenação dos réus a reconhecerem tal direito e entregarem o prédio referido aos AA., livre e desocupado e que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os 4.ºs RR., compradores, hajam feito a seu favor em consequência da compra desse prédio.

Alegaram, em síntese, que são proprietários de um prédio confinante com um outro que os 4.ºs réus adquiriram aos demais réus, sem que por estes lhes tenha sido dada, a eles, AA, opção de preferência.

2) - A acção foi contestada pelos réus F... e esposa, A... (4ºs RR), que se defenderam por impugnação, deduzindo, ainda, pedido reconvencional.

3) - Houve resposta dos AA e tendo a causa prosseguido os seus ulteriores termos foi-lhe fixado o respectivo valor, valor este que, subsequentemente ao decidido em recurso, veio a ser definitivamente fixado em 4.060,00 €.

4) - Procedeu-se à audiência final, que se prolongou por mais de uma sessão, a última das quais teve lugar em 27/03/2015.

5) - Ao longo dessas sessões, em que os AA estiveram sempre representados por ilustre Mandatário, foram sendo ditados para a acta despachos, que versando requerimentos dos AA condenaram estes no pagamento de diversas UCs de multa ou de taxa sancionatória excepcional.

6) - Quanto a essas condenações, constantes desses despachos avulsos, proferidos para a acta, os AA não interpuseram qualquer apelação autónoma.

7) - Em 14 de Agosto de 2015 foi, pela Instância Local - Secção de Competência Genérica (J1), da Comarca da Guarda (Trancoso), proferida sentença (colocada no Citius em 21 de Agosto de 2015), na parte dispositiva da qual se consignou:

“Pelo exposto, decidimos:

A. Julgar integralmente improcedente a ação e, consequentemente, absolver os réus dos pedidos contra eles deduzidos;

B. Julgar improcedente a exceção da nulidade do contrato de compra e venda titulado por escritura pública de 13 de abril de 2010;

C. Julgar integralmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos 4.ºs réus;

D. Absolver os 4.ºs réus do pedido de condenação como litigantes de má-fé deduzido pelos autores.

Custas por Autores e 4.ºs Réus, em função do respetivo decaimento, que se fixa em partes iguais, atenta a integral improcedência das suas pretensões - n.ºs 1 e 2 do art. 527.º e n.º 1 do  art. 528.º, ambos do Código de Processo Civil.”.

B) - 1) - Mediante requerimento de 21 de Setembro de 2015, vieram os Autores interpor recurso para esta Relação, no qual, para além das questões relativas à sentença, que dizem ser nula, por omissão de pronúncia e da qual discordam, por motivos vários, entre os quais se conta a violação, por essa decisão, do caso julgado formado pela sentença homologatória da transacção efectuada no processo nº ..., suscitam outras questões, designadamente, a da nulidade das decisões que os condenaram em multa e taxa de justiça sancionatória, pedindo que se declare a nulidade dessas decisões condenatórias ou, quando assim se não entenda, que se reduzam essas multas e sanções ao mínimo legal.

2) - Em 19/10/2015 foi proferido despacho, onde, com respeito ao recurso dos AA, para além de se refutar a nulidade imputada à sentença, só se admitiu este na parte em que se invocava a violação do caso julgado - artº 629º, nº 2, a) “in fine” do novo Código de Processo Civil[1] (doravante NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se passará a identificar como CPC) -, alicerçando-se a não admissão do recurso, no que concerne às decisões que haviam condenado os AA em multa ou taxas de justiça sancionatórias, na manifesta extemporaneidade do recurso (artºs 638º, nº 1 e 644º, nº 2, e), ambos do NCPC), e, no que concerne às restantes questões - quer as atinentes à divergência da improcedência da acção (tirando a relativa ao caso julgado), quer as respeitantes à absolvição dos RR do pedido de condenação como litigantes de má fé -, na circunstância de o valor da causa não ser superior à alçada do Tribunal de 1ª Instância (artº 629º, nº 1, do NCPC).

3) - Desse despacho vieram os AA., através de requerimento apresentado em 02/11/2015, reclamar para este Tribunal da Relação, nos termos do art.º 643º do NCPC, terminando esse assim esse seu requerimento:

«Deve ser admitida a presente reclamação e, em consequência, ser a questão atinente à condenação do recorrente em taxa e multa sancionatória excecional apreciada em sede de recurso que se interpôs.

Mais se requer, conforme artigo 31º supra, que os autos baixem e seja feita a ampliação do pedido quanto à peritagem requerida para consolidação do princípio do contraditório e da boa decisão da causa.».

C) - Tal reclamação, por despacho do Relator proferido em 26/01/2016, veio a ser indeferida, mantendo-se o despacho reclamado.

II - A) - Arguindo, também, a nulidade da referida decisão do Relator, vieram os reclamantes requerer, nos termos do artº 652º, nº 3, do NCPC (aplicável “ex vi” do artº 643, nº 4 “in fine”, do mesmo código), que sobre essa decisão recaísse Acórdão.

B) - No termo dessa reclamação para a conferência, apresentaram-se as seguintes “conclusões”:

«[…] A) O douto despacho conclui dizendo: “Assim, pelo exposto rejeita-se por ser manifestamente extemporâneo, o recurso interposto quanto às referidas condenações, ao abrigo das citadas disposição legais.”

B) Embora estejamos perante decisões que admitem recurso imediato, reunindo as mesmas os pressupostos da recorribilidade, o possam ser impugnadas no âmbito do recurso único que eventualmente veio a ser interposto da decisão final, como o foi efetivamente.

C) Até porque se das mesmas fosse interposto recurso autónomo, tendo a audiência marcada para os dois dias previamente e tendo a segunda sido adiada por iniciativa do tribunal a quo para uma semana após, implicaria no caso sub judice certamente a interposição de 2 recursos autónomos, o que punha em causa o principio da celeridade processual.

D) Interpretando-se a expressão contida no artigo 27.°, n.° 6, do Regulamento das Custas Processuais - “fora dos casos legalmente admissíveis" no sentido de que da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional cabe sempre recurso se tal condenação não assentar em qualquer disposição legal que a preveja, se não for abstratamente enquadrável na previsão de qualquer norma legal, ter-se-á de afirmar que, enquadrando-se, em abstrato, no âmbito de qualquer previsão legal, a decisão condenatória será recorrível, nos termos gerais do disposto no artigo 629.°, n.° 1, do CPC, isto é;

E) Desde que o valor da causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e que a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

F) Na verdade, resulta do disposto no art° 27°, n° 2 do RCP que a multa ou penalidade só pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC, ou seja, a um valor máximo de 1020 euros e que a taxa sancionatória excecional, nos termos do art° 10° do RCP, só pode ascender ao máximo de 15 UC, ou seja, a um valor máximo de 1530 euros - sendo, pois, tais valores máximos sempre inferiores a metade da alçada da Iª instância, razão pela qual o legislador contemplou a dedução autónoma nos quinze dias após a notificação do despacho que condenou em multa ou taxa sancionatória.

G) Assim, faz sentido defender-se que o recurso da multa ou das sanções processuais, expressamente admitido nos termos previstos no artigo 644°, n° 2, al. e) do CPC, está sujeito às exigências de valor fixado no artigo 629°, n° 1 do mesmo código;

H) Quando afinal o RCP não permite por norma, expressamente, que a multa ascenda ao valor de sucumbência fixado em tal norma.

I) Assim, haverá de atender-se conjugadamente ao disposto nos artigos 27°, n° 2 e n° 6 do RCP e aos artigos 629°, n° 1, e 644°, n° 2, al. e) do CPC para se obter uma interpretação que tenha em conta a unidade do sistema jurídico, uma vez que se afigura indubitável que o legislador pretendeu manter a possibilidade de recurso das decisões que aplicam multas e manteve no novo CPC a norma do art° 644°, n° 2, al. e), com nova formulação para abranger quer a muita quer outra sanção processual.

J) Tal interpretação não pode deixar de ser a de não sujeitar o recurso de multas e outras sanções às exigências do valor da ação e da sucumbência previstas no art° 629°, n° 1 do CPC, tal como sucede na litigância por má-fé.

K) Entendemos que o disposto no art° 27°, n° 6 do RCP, em consonância com a jurisprudência mais atenta, deve ser interpretado no sentido de ser sempre admissível recurso, quer da condenação em muita, quer em taxa sancionatória excecional, tal como se prevê a admissão de recurso no caso da condenação por má-fé, nos termos do art° 542°, n° 3 do CPC, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

L) Não tendo seguido o entendimento supra exposto, houve violação inequívoca por parte do douto despacho recorrido do disposto no art° 27°, n° 6 do RCP e artigos 629°, n° 1, e 644°, n° 2, al. e) do CPC;

M) Pois deveria ter interpretado tais normas no sentido constante das conclusões acima enunciadas, por a mesma reunir os pressupostos de recorribilidade, ou seja, é desfavorável aos recorrentes/reclamantes e ultrapassa o valor da alçada do tribunal de que se recorre.

N) Em suma, conclui-se que a interpretação mais conforme do n.° 6 do art. 27.° do RCP é a de que as decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional, fora dos casos de litigância de má-fé, são recorríveis em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, quando deduzidas autonomamente nos 15 dias posteriores à notificação do despacho;

O) Isto porque por norma e se reitera - só pode ascender ao máximo de 15 UCs, ou seja, a um valor máximo de 1530 euros (cfr. art. 10° do RCP) - sendo, pois, tais valores máximos sempre inferiores a metade da alçada da 1.ª instância.

P) No caso sub judice consideramos inédita tal condenação e ainda que, salvo melhor entendimento, não houve razões de facto e de direito para tal condenação com tais montantes astronómicos aplicados, que até à presente data se desconhecem e que em nada dignificam a aplicação da justiça.

Q) Razão pela qual o legislador contemplou recurso das mesmas, tendo presente por a aplicação até às 15 UCs, caso em que o recurso se o mesmo não for deduzido autonomamente nos 15 posteriores ao da notificação do despacho, deixou em aberto a possibilidade, querendo, de o poder ser após a prolação da sentença final.

R) Tendo o douto despacho proferido pelo Exmo. Relator sido no sentido do não conhecimento do recurso único de apelação por tal decisão, por ter sido desfavorável aos recorrentes e se sentirem prejudicados, requerem nos termos do artigo 643°, n° 4 e n° 3 do artigo 652° do Código de Processo Civil, para que recaia acórdão da conferência.

Assim se fazendo JUSTIÇA seja declarado nulo o douto despacho proferido e substituindo-o por acórdão que admita a reclamação em causa, de acordo com o recurso único de apelação já apresentada com outros pedidos, porquanto:

a) O douto despacho deve ser em conferência declarado nulo por inequivocamente ofender o n° 6 do artigo 27° do RCP e o artigo 629°, n°1 do Código de Processo Civil, de acordo com as nulidades arguidas;

b) Em consequência seja declarada a sua contemporaneidade e este tribunal se pronuncie quanto às taxas sancionatórias e multa aplicadas nos termos do recurso deduzido, isentando delas o recorrente ou reduzindo-as ao mínimo legal.

c) Deve ser reformulado o douto despacho por manifesto lapso quanto à aplicação da norma violada, aplicando o artigo 629°, n° 1 do CPC a proceder nos termos gerais face ao valor em causa;

d) Devendo-se pronunciar este tribunal acerca das nulidades suscitadas nos articulados 12° e 13° do presente requerimento afim ser submetido à Conferência. […]».

III - A) - Exposta a razão de ser do presente Acórdão, importa decidir nele se ocorre a invocada nulidade e se é de manter a decisão do Relator de 26/01/2016, que indeferiu a reclamação apresentada nos termos do art.º 643º do NCPC.

B) - Essa decisão do Relator, é, na parte da respectiva fundamentação, a que se passa a reproduzir[2]: «[…] De acordo com o nº 1 do artº 643º, “Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.”.
E o nº 4 do mesmo artigo preceitua “A reclamação, logo que distribuída, é apresentada ao relator, que, em 10 dias, profere decisão que admita o recurso ou o mande subir ou mantenha o despacho reclamado, a qual é suscetível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º.”.
Daqui resulta que o âmbito da reclamação do artº 643º, motivada pelo despacho do Tribunal “a quo” que decidiu não admitir o recurso, se circunscreve à questão de saber se este é, afinal, de admitir, ou se é de manter esse despacho.
Não é, pois, a reclamação, a sede própria para conhecer do mérito das questões suscitadas no recurso ou das que, na sequência do conhecimento deste - se vier a ser admitido -, o Tribunal Superior possa apreciar oficiosamente.
Do exposto resulta ser aqui inadmissível e portanto votado ao fracasso o pedido que os reclamantes formulam no sentido da “…ampliação do pedido quanto à peritagem requerida para consolidação do princípio do contraditório e da boa decisão da causa.”.
Do mesmo modo não tem cabimento nesta sede alterar os despachos nos quais o Tribunal “a quo” decidiu condenar os AA em multa ou em taxa sancionatória excepcional, não merecendo aqui acolhimento, pelo menos de forma directa, o escopo que estes anunciam no ponto 2 da reclamação, ao dizerem: “A reclamação que ora se interpõe visa colocar em crise as decisões interlocutórias proferidas pelo tribunal a quo, na parte em que condenou os autores, ora recorrentes em multa e taxa sancionatória excecional no valor correspondente de 77 UCs!!!”.
O que importa aqui decidir é, pois, apenas se o recurso interposto pelos ora reclamantes, na parte em que respeita às condenações destes em multas ou em taxa sancionatória excepcional, proferidas em sede de audiência de julgamento, em despachos orais ditados para a acta, é de admitir.
Ora, como se refere no despacho reclamado, tais “condenações de que os AA. foram alvo ocorreram no decurso das diversas sessões da audiência, onde estavam devidamente representados por Mandatário”, sendo que a última dessas sessões teve lugar em 27/03/2015.
Assim, tendo por referência essa data e partindo do pressuposto - pois que o fundamento da não admissão do recurso, na parte que aqui está em causa, não respeitou ao valor da causa ou da sucumbência dos AA, mas sim a sua extemporaneidade - que as decisões de condenação em multa ou em taxa sancionatória excepcional são passíveis de recurso ordinário independentemente de o respectivo valor, ou o da respectiva causa, não exceder a alçada do Tribunal de que se recorre[3], as decisões de condenação dos AA em multa ou em taxa sancionatória excepcional seriam recorríveis mediante apelação autónoma, a interpor no prazo de 15 dias a contar das datas em que foram proferidas, pois que o mandatário dos AA se encontrava presente nessas ocasiões (cfr. artº 638º, nº 3, do NCPC), prazo esse se esgotou, tendo em conta a condenação mais tardia (ocorrida em 27/03/2015) em 20/04/2015 (29/4 a 06/04 - férias judiciais), pelo que estava há muito excedido aquando da interposição, em 21 de Setembro de 2015, do recurso da sentença.
Explicitemos, com mais minúcia.
De acordo com o disposto nos artºs 644º, nº 2, e) e 638º, nº 2, do NCPC, cabe apelação autónoma, a interpor no prazo de 15 dias, da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual.
O Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26/02, dispõe no nº 6 do seu artº 27º: “Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa.”.
Dizem os AA no ponto 26 da sua reclamação: “Nos termos do n.º 6 do art. 27.º do RCP, as decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, pelo que o mesmo não foi deduzido autonomamente.”.
Ora, não se entende esta afirmação quando pretende relacionar a não dedução autónoma do recurso à regra da recorribilidade das condenações a que alude o nº 6 do citado artº 27º.
Essa regra da recorribilidade não dispensa o recorrente de respeitar os prazos e regras de interposição dos recursos.
A norma do nº 6 do seu artº 27º não dá, a quem é condenado ao seu abrigo, a opção de recorrer autonomamente ou não, não lhe confere a possibilidade de só observar o prazo de 15 dias aí referido quando entenda recorrer autonomamente dessa condenação.
O alcance que se julga ser de atribuir à norma é, salvo o devido respeito por outro entendimento, o seguinte:
Em princípio, se a aplicação da multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional é proferida no âmbito de despacho ou de sentença, que, “per se”, independentemente dessa condenação, é desfavorável ao assim condenado e é recorrível - atentos os restantes pressupostos gerais de recurso, v.g., os do valor da causa e da sucumbência - situação esta em que, sendo efectivamente interposto recurso dessa decisão, a impugnação da referida condenação integra-se no regime do recurso desse despacho ou sentença, não sendo, nessa ocasião, impugnável autonomamente e podendo, por isso, beneficiar de um prazo de recurso mais longo do que o previsto no nº 6 do seu artº 27º (é o caso, v.g., de a aplicação da multa ou taxa sancionatória excepcional ter lugar em sentença ou despacho que se moldem à previsão do nº 1 do artº 644º do NCPC).
Em sintonia, ao menos em parte, com o ora exposto, embora referindo-se especificamente à alínea e) do nº 2 do citado artº 644º, diz Abrantes Geraldes[4]: “Se a multa for aplicada em decisão que ponha termo ao processo, deixa de fazer sentido a invocação do regime previsto no nº 2, al. e), atenta a prevalência do que se dispõe no nº 1”.
Pode suceder, no entanto, que a condenação em multa ou em taxa sancionatória excepcional seja proferida em despacho avulso, ou que, não obstante ter sido proferida em despacho em que foram decididas outras questões de modo desfavorável ao condenado, este, no que respeita à decisão dessas questões não possa interpor apelação autónoma - ou que não possa mesmo interpor recurso (por estar consagrada a sua irrecorribilidade, ou por faltarem requisitos de recorribilidade, v. g., os relativos ao valor da causa ou à sucumbência), sendo nestas situações, em que a impugnação tem de se restringir à condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, que o respectivo recurso é autónomo e que, por isso, deve se interposto no prazo de 15 dias, de acordo com o nº 6 do citado artº 27º e em consonância com o que preceitua a alínea e) do nº 2 do artº 644º do NCPC.
Integrando-se o caso “sub judice” neste circunstancialismo que se apontou, de necessidade de interpor recurso autónomo das decisões em que se condenaram os AA em multa, ou taxa sancionatória excepcional, o que sucedeu, reafirma-se, é que os AA tendo o prazo de 15 dias para recorrer, a contar da notificação da dessas decisões (ou seja, 15 dias a contar da data em que tais decisões forma proferidas para a acta estando o Exmo. Mandatário presente - cfr. artºs 27º, nº 6, do RCP e 638º, nº 3, do NCPC), não recorreram autonomamente, e quando, em 21/09/2015, interpuseram o recurso da sentença, em que incluíram a impugnação de tais decisões, já esse prazo de 15 dias havia decorrido há muito, sendo, por isso, o recurso, no que a essa matéria respeita, extemporâneo, o que obstava a que, como bem se decidiu no despacho reclamado, fosse admitido.[…]».

IV - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados “supra”.

Ora, o nosso entendimento é o de que a questão suscitada na reclamação apresentada nos termos do art.º 643º do NCPC foi solucionada pelo Relator, na decisão de 26/01/2016, em termos que merecem a plena concordância deste Colectivo.

Efectivamente, no caso “sub judice”, não tendo os AA interposto recurso autónomo das várias decisões que os condenaram em sanções abarcadas no artº 27º, nº 6, do RCP, tendo a última dessas decisões sido proferida para a acta da audiência de 27/03/2015, quando, em 21/09/2015, impugnaram tais decisões no recurso que interpuseram da sentença, já o prazo de 15 dias para a respectiva impugnação (ou mesmo o de 30 dias, se fosse esse a atender, em lugar daquele), havia decorrido há muito, sendo, por isso, o referido recurso, no que a essa matéria respeita, extemporâneo.

A acrescer ao já alegado e que foi versado na decisão do Relator, vêm os Reclamantes invocar a nulidade da decisão ora reclamada, alicerçando-a nos nºs 13 e 14, que ora se transcrevem:

«13) Ora, o despacho violou a teleologia do art. 27°, n° 6 do RCP, sendo claramente contrário ao que o legislador quis contemplar com a referida norma legal, o que violou explicitamente a formalidade que a lei prescreve, dado que o recurso quanto às taxas sancionatórias excecionais e multas, subiu em recurso único conjuntamente com os outros pedidos, sendo que tal violação influi no exame e na decisão da causa ao inviabilizar a reclamação, em prol da tese defendida pelo tribunal a quo, o que incorreu na nulidade prevista no artigo 195°, n°1, do Código de Processo Civil que se alega expressamente.
14) Dada a omissão de pronúncia do artigo 629°, n°1 do CPC, que a reclamação contemplou e por a mesma norma contemplar o recurso de apelação, dado o valor em causa ultrapassar o valor da alçada em 1ª instância (€ 5.000,00), incorre o douto despacho, na nulidade atípica prevista no artigo 195°, n°1 do CPC, por tal omissão influir no exame da causa e na boa decisão.».
Começando pela nulidade que é imputada à decisão do Relator, ora reclamada, vê-se, pela referência que os Reclamante fazem à norma do artº 195º, nº 1, do (novo) CPC, que confundem nulidade processual - que é a que está prevista nessa norma - com nulidade de decisão (despacho, sentença ou Acórdão), que ocorre quando se verifica algum dos vícios enunciados nas diversas alíneas do nº 1 do artº 615º do NCPC.
Não se entende a alegação no sentido da “omissão de pronúncia do artigo 629°, n°1 do CPC”.
A omissão de pronúncia é vício de decisão que está previsto na 1ª parte da alínea d) do referido artº 615.

Ora, a sanção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC (alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do anterior CPC), para a omissão de pronúncia tem a ver com a inobservância do que se preceitua no n.º 2 do artº 608º do mesmo Código (nº 2 do artº 660º do pretérito CPC), na parte que impõe ao juiz o dever de - para além de conhecer daquelas questões que é seu mister julgar oficiosamente -, “...resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras...”.

“Questões”, para efeito do disposto no aludido n.º 2 do artº 608º, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[5] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.

Tendo em consideração o exposto, importa atentar, ainda, que a apreciação das questões de conhecimento não oficioso, nos recursos, está limitada pelo respectivo objecto que, em regra, é definido nas conclusões da alegação.

Mas, já se vê, atento o que se referiu ser de entender por “questões”, que pode haver matéria constante das conclusões que não se enquadre nessa classificação e que, por esse motivo, não se imponha ao Tribunal apreciar.

Também não haverá omissão de pronúncia quando às questões que o Tribunal, embora fazendo-lhes referência, não apreciou o respectivo mérito, por entender que essa apreciação não tinha, no caso, cabimento.

Finalmente, também não enferma de omissão de pronúncia a decisão que não conhece de determinadas questões em virtude da respectiva apreciação estar prejudicada pela solução que previamente se deu a outra questão.

Por outro lado, como resulta do despacho do Relator, a reclamação a que se reporta no artº 643º do NCPC tem um escopo preciso, que, “ab initio”, circunscreve a actividade cognitiva do Tribunal à indagação sobre se o recurso é de admitir ou de mandar subir, ou se, pelo contrário, é de manter o despacho reclamado.

Ora, tendo a decisão do Relator cumprido o escopo que está delineado no nº 4 do artº 643º do NCPC, não enfermando, assim, de omissão de pronúncia, cumpre relembrar algumas passagens do mesmo -, já que os ora reclamantes insistem em utilizar este meio processual para atingir escopo que lhe é completamente estranho (cfr. itens nºs n.º 7) e 11) e alíneas G) K) e b)).

«[…] Não é, pois, a reclamação, a sede própria para conhecer do mérito das questões suscitadas no recurso ou das que, na sequência do conhecimento deste - se vier a ser admitido -, o Tribunal Superior possa apreciar oficiosamente.

(…)

… não tem cabimento nesta sede alterar os despachos nos quais o Tribunal “a quo” decidiu condenar os AA em multa ou em taxa sancionatória excepcional, não merecendo aqui acolhimento, pelo menos, de forma directa, o escopo que estes anunciam no ponto 2 da reclamação, ao dizerem: “A reclamação que ora se interpõe visa colocar em crise as decisões interlocutórias proferidas pelo tribunal a quo, na parte em que condenou os autores, ora recorrentes em multa e taxa sancionatória excecional no valor correspondente de 77 UCs!!!”.

O que importa aqui decidir é, pois, apenas se o recurso interposto pelos ora reclamantes, na parte em que respeita às condenações destes em multas ou em taxa sancionatória excepcional, proferidas em sede de audiência de julgamento, em despachos orais ditados para a acta, é de admitir […]».

Os reclamantes, ao referirem, a propósito da putativa omissão de pronúncia do despacho do Relator, que esse despacho “…violou a teleologia do art. 27°, n° 6 do RCP”, estão, nitidamente, a apontar um erro de julgamento e não uma nulidade dessa decisão, mas, como já acima se adiantou, nenhuma dessas situações de verifica.

Os reclamantes voltam a invocar a questão da recorribilidade em função do valor, quando, com inequívoca clareza se disse na decisão do Relator: “…o fundamento da não admissão do recurso, na parte que aqui está em causa, não respeitou ao valor da causa ou da sucumbência dos AA, mas sim a sua extemporaneidade…”.

Essa regra da recorribilidade não dispensa o recorrente de respeitar os prazos e restantes requisitos a que deve obedecer a interposição dos recursos.

A regra da recorribilidade estabelecida no nº 6 do seu artº 27º do RCP, não dá, a quem é condenado ao seu abrigo, a possibilidade de, por sua livre escolha, não recorrer dessa condenação autonomamente - e assim não se sujeitar ao prazo de 15 dias aí referido - e optar por só vir a incluir essa matéria num recurso que venha a interpor de outra decisão posterior, sendo, para este Colectivo, o entendimento que se expressou na decisão do Relator, aquele que faz a adequada interpretação desse preceito do RCP.

E é esse entendimento, quer-nos parecer, que melhor se compagina com o efeito suspensivo que se prevê no artº 647º, nº 3, e), do NCPC.

Portanto, a especialidade essencial que se consagra no nº 6 do artº 27º do RCP - pois que não está prevista nos artºs 644º, nº 2, e) e 638º, nº 1, ambos do NCPC, que, quanto à decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual só prevêem a recorribilidade autónoma, no prazo de 15 dias -, é a de estabelecer a recorribilidade da decisão - que as aplique “fora dos casos legalmente admissíveis” - independentemente do valor da alçada ou da sucumbência[6] (valor da multa ou de outra sanção processual).

Acolhendo-se, pois, o entendimento expendido pelo Relator na decisão de 26/01/2016, é de indeferir a reclamação apresentada nos termos do art.º 643º do NCPC, o que ora se decide.

V - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em indeferir a arguição da nulidade da decisão do Relator de 26/01/2016 e manter essa decisão, assim confirmando o indeferimento da reclamação apresentada, nos termos do art.º 643º do NCPC.

Custas pelos Reclamantes.

Coimbra, 07/04/2016


(Luiz José Falcão de Magalhães)

(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Maria Domingas Simões)



[1] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6.
[2] As notas de rodapé, embora também se transcrevam, poderão não manter a numeração que têm no texto original.
[3] Há divergência, entre os Tribunais Superiores, quanto a este aspecto, que ora não é relevante, deixando-se, no entanto, assinalado que o STJ entendeu, no Acórdão de 06 de Junho de 2015 (Revista nº 1008/07.0TBFAR.D.E1.S1), que , “…nos termos do n.º 6 do art. 27.º do RCP, as decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, são sempre recorríveis em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência.”; Cfr. tb., em sentido idêntico, o Ac. do STJ, de 26/03/2015 (Revista nº 2992/13.0TBFAF-A.E1.S1).
[4] “Recursos No Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Julho de 2013, pág. 158, nota 226.
[5] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070.
[6] Embora que “…apenas em um grau, por paralelismo com o disposto no n.º 3 do art.º 452.º do CPC…” (citado Ac. do STJ, de 26/03/2015).