Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
504/13.5TBMGL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, VISEU, JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 59º DO CPC, 8º E 17º, DO REGULAMENTO (CE) 2201/2003 DO CONSELHO DE 27 DE NOVEMBRO E ARTIGO 8º, N.º 2 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Sumário: 1. O Tribunal internacionalmente competente em matéria de regulação/alteração de responsabilidade parental é o Tribunal com competência em família e menores da área da residência habitual da criança.

2. Residindo a criança com carácter habitual e duradouro em França, trata-se de uma permanência estável e duradoura em França, pelo que a situação sub judice deve ser apreciada e decidida pelos tribunais franceses, por força do critério da proximidade e do superior interesse da criança.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... , já identificado nos autos, intentou a presente acção de alteração das responsabilidades parentais, contra B... , relativamente à filha de ambos, C... , também, já identificadas nos autos.

Alega para tal que por sentença proferida nos autos principais e já transitada em julgado, se decidiu que a menor ficava a residir com a mãe, o que acontece desde 2013, em França.

No entanto, a menor, no ano lectivo 2016/2017, esteve a estudar e a residir em Portugal, tendo regressado a França em Agosto de 2017, sem que o requerente disso tivesse sido informado e sendo vontade da menor residir e prosseguir os seus estudos em Portugal.

Requer, em conformidade, a alteração da regulação das responsabilidades parentais, determinando-se que a menor passe a residir em Portugal, sendo-lhe confiada a respectiva guarda ou a uma sua tia paterna (que identifica).

Dada vista ao MP, pronunciou-se, este, no sentido de ser declarada a incompetência internacional do tribunal a quo, cf. promoção de fl.s 9 a 13, com o fundamento em a menor ter a sua residência em França e atento o disposto no artigo 8.º, do Regulamento 2201/2003 (Bruxelas II-A).

O requerente, para tal notificado, na pessoa da sua Ex.ma Mandatária, pronunciou-se no sentido de ser competente, internacionalmente, o tribunal a quo.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, foi proferida a decisão de fl.s 50 e 51 (aqui recorrida), que se passa a transcrever:

“Dos autos resulta que a progenitora da criança vive em França com a criança, desde o ano de 2013, pese embora a criança tenha residido um ano em Portugal de agosto de 2016 a agosto de 2017, sendo França país o da residência habitual da criança, onde esta tem a sua vida estabilizada, frequenta o sistema de ensino e reside de forma permanente.

A residência habitual da criança é aquela onde a criança tiver a sua maior permanência, interesses e vida organizada, uma vez que o tribunal dessa residência é aquele melhor colocado para proceder à avaliação da situação e decisão em virtude de se encontrar em melhores condições para conhecer da realidade familiar, social em que a criança se encontra inserida.

Tendo sido requerida a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais de uma criança residente em França, importa, antes do mais, aferir da competência internacional deste Tribunal para os termos do processo.

Ao abrigo dos artigos 59º do CPC, 8º e 17º, do Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro e artigo 8º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, é competente para a regulação das responsabilidades parentais da criança o Tribunal com competência em família e menores na área da residência da criança, sendo assim o Juízo de Família e Menores de Viseu, internacionalmente incompetente para o prosseguimento de tal ação, pelo que, excecionando a incompetência internacional deste tribunal, julgo verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal (artigos 96º, alínea a), 99º, n.º 1, 577º, alínea a), e 578º, todos do Código de Processo Civil, e artigos 8º e 17º do Regulamento (CE) 2201/2003, de 27 de novembro, absolvendo-se a Requerida da instância.

Custas a cargo do Requerente.”.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o requerente A... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 71), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1 - O fundamento específico de recorribilidade da sentença aqui em causa assenta na não justificação e especificação dos fundamentos de facto, na omissão de pronúncia, e no erro da aplicação do direito.

2- Com o devido respeito, e salvo melhor opinião, a douta sentença enferma de erro ao decidir julgar verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal nos termos do artigo 577 alínea a) do C.P.C. 578 8 artigos, 96º e 99 n.º 1 do C.P.C

3- Mais concretamente, erro na determinação da norma aplicada, fundamentando – se exclusivamente no critério da residência habitual do regulamento comunitário 2201 /2003, ao aplicar o artigo 8º

4. Tal critério – Residência habitual - foi aplicado de forma rígida e inelástica, não tendo sido feita uma valoração do mesmo acordo com especificidades do caso concreto, sendo contrário à jurisprudência, como o demonstram os seguintes Acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 11/10/2017; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido 22/09/2011; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 20/01/2009.

5- Na decisão proferida a juiz a quo não teve em conta factos alegados pelo Requerente, mais concretamente:

a) A menor nasceu em Portugal no dia 10 de junho de 2006.

b)– A menor residiu em Portugal desde a data do seu nascimento até Agosto de 2013, até perfazer 7 anos.

c) De Agosto de 2013 até aos meses de Agosto/Setembro de 2016, a menor residiu em França, dos 7 aos 9 anos de idade.

d) Entre Setembro de 2016 a Agosto de 2017 a menor residiu novamente em Portugal, dos 9 aos 10 anos de idade.

e) Na primeira semana de agosto de 2017 a menor voltou para França.

f) No dia 29 de Agosto de 2017 o Requerente deu entrada do Requerimento de Alteração de regulação das responsabilidades Parentais, apenas terem passado 20 dias desde a data da ida da menor para França

g) As partes processuais aqui envolvidas são todas de nacionalidade portuguesa.

h) O processo de Regulação das Responsabilidades Parentais relativas à menor foi requerido em Portugal, no Tribunal Judicial de M... .

i) O presente requerimento de Alteração das responsabilidades Parentais corre, obrigatoriamente, por apenso ao processo principal, de regulação das responsabilidades parentais.

6 – Com o devido respeito e salvo melhor entendimento, com base no que supra se deixou dito, o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo de Família e Menores, deveria ter-se considerado territorialmente competente.

7 – O Tribunal não permitiu ou ponderou sequer a produção de prova requerida pelo Requerente, nomeadamente, a inquirição de testemunhas, a audição da menor, e que fosse oficiado junto do Agrupamento de Escolas de M... se a menor alguma vez o tinha frequentado, e junto do Centro de Saúde para se aferir se a menor estava lá inscrita.

8 - Deveria o meritíssimo Juiz ter aplicado o artigo 15.º, n.º1, n.º 2 e n.º 3, alínea c) e d) do regulamento CE 2201/2003 de 27 de Novembro, optando pelo critério da proximidade, da nacionalidade.

9 -Violou, assim, o disposto no artigo 62º do C.P.C. alínea a) c) e artigo 59º do C.P.C., ao não dar como verificados os elementos de conexão referidos, mais concretamente, o elemento de conexão pessoal.

10- O tribunal, ao assim, decidir, não adotou o critério da proximidade nem o critério da nacionalidade, e da ligação particular da criança a Portugal, sendo estes um dos critérios pelos quais o julgador se deve pautar.

10- Nos presentes autos o Tribunal, salvo melhor opinião, convocou uma norma que não se aplica ao caso concreto, o art.º 8.º do regulamento CE 2201/2003 de 27 de Novembro.

12-Existindo assim um erro na determinação da norma aplicável.

13-Pelo que, deveria o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo de Família e Menores, ter-se considerado competente e a Acão seguir os seus termos até final

14-Deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue o Tribunal de Viseu competente para a Acão de alteração das responsabilidades parentais.

15-Mais, deve ser o requerente absolvido das custas em que foi condenado.

Assim se fazendo justiça.

Contra-alegando, o MP, em 1.ª instância, pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento no já invocado na promoção acima referida.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de aferir da competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer e decidir a presente acção, à luz do que se dispõe no Regulamento (CE) n.º 2201/2003.

A matéria de facto relevante é a que consta do relatório que antecede.

Se se verifica a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer e decidir a presente acção, à luz do que se dispõe no Regulamento (CE) n.º 2201/2003.

Importa, pois, averiguar se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para decidir da pretendida alteração da regulação das responsabilidades parentais, relativamente à menor C... .

Os factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses encontram-se referidos nos artigos 62.º e 63.º do CPC, sem embargo do estabelecido nas normas de direito internacional, bem como nas convenções internacionais ratificadas pelo Estado Português – cf. artigo 8.º da CRP.

Entre estas contam-se os Regulamentos da Comunidade Europeia de que Portugal (como a França) fazem parte.

Em causa está o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, que revogou o anterior Regulamento (CE) n.º 1347/2000.

Refere-se na sua consideração 12.ª que: “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.

Na esteira do que se dispõe no seu artigo 8.º, n.º 1 que:

“Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.

Assim, a chave da solução para a determinação da competência internacional está no facto de a criança residir “habitualmente” num determinado Estado-Membro.

Não nos diz o Regulamento em causa o que se deva entender por “residência habitual”.

Esta, como expresso no Acórdão do STJ, de 20/01/2009, Processo n.º 08B2777, disponível no respectivo sítio do itij, por reporte ao guia prático para aplicação do citado Regulamento, deve ser determinada “pelo juiz em cada caso com base nos elementos de facto. O significado da expressão deve ser interpretado em conformidade com os objectivos e as finalidades do Regulamento. Deve-se sublinhar que não se trata de um conceito de residência habitual com base na legislação nacional, mas de uma noção “autónoma” de legislação comunitária.

(…)

A determinação caso a caso pelo juiz implica que enquanto o adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração, não se pode excluir que uma criança possa adquirir a residência habitual num Estado-Membro no próprio dia da sua chegada, dependendo de elementos de facto do caso concreto”.

Em idêntico sentido se pronunciou o STJ, nos seus Acórdãos de 26 de Janeiro de 2017, Processo n.º 1691/15.3T8CHV-A.G1.S1 e de 28 de Janeiro de 2016, Processo n.º 6987/13.6TBALM.L1.S1, disponíveis no mesmo sítio do anterior, referindo-se, neste último e citando Maria Helena Brito, in Estudos em Memória do Prof. Doutor António Marques dos Santos, vol. I, Almedina, pág. 323, que por residência habitual se deve ter “o local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses, entendendo-se que, para efeitos de determinação dessa residência, é necessário ter em conta todos os elementos de facto dela constitutivos”.

Ali se acrescentando que por referência à supra mencionada consideração n.º 12, “as regras de competência nele (Regulamento em apreço) fixadas são definidas em função do superior interesse da criança, em particular do critério da proximidade”.

Citando-se, ainda, a decisão do TJUE, de 22 de Dezembro de 2010, no qual se referiu que a residência habitual, na vertente ora em causa “corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar” e que não se trate de uma presença num determinado Estado-Membro de “carácter temporário ou ocasional”.

Ora, in casu, refere-se na decisão recorrida (sem que tal haja sido impugnado) que a C... reside em França, com a mãe, desde 2013, com interregno de Agosto de 2016 a Agosto de 2017, período em que viveu em Portugal e, aquando da propositura da presente acção já se encontrava, de novo, a residir em França, com a mãe.

Ou seja, nos últimos cinco anos, a menor em causa apenas residiu um ano em Portugal, tendo residido em França, com a mãe, durante os restantes anos, onde estudou e privou com as pessoas que lhe são próximas.

Trata-se, assim, de uma permanência estável e duradoura em França, valendo o supra citado critério da proximidade e do superior interesse da mesma em que a situação sub judice seja apreciada e decidida pelos tribunais franceses, onde reside com carácter habitual e duradouro, o que implica a manutenção da decisão recorrida.

De salientar, ainda, que as únicas excepções previstas à aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2201/2003, são as previstas no seu n.º 2 (aqui não aplicáveis, por inexistência da factualidade de que depende a respectiva aplicação).

Não sendo, igualmente, de aplicar o disposto no seu artigo 15.º, porque, este pressupõe que esteja assente a competência dos tribunais de um Estado-Membro para conhecimento de determinada questão de mérito, partindo deles a iniciativa de a delegar nos tribunais de outro Estado-Membro e desde que verificados os pressupostos nele enumerados.

Na situação em apreço, trata-se, em primeira linha, de determinar a competência internacional dos tribunais portugueses e, estes, face ao exposto, não a detêm para a apreciação e decisão da questão que se pretende submeter à sua apreciação jurisdicional.

Consequentemente, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 8 de Maio de 2018.