Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
69/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
Data do Acordão: 05/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 1ºJUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 39º/1 DA LEI 100/97, DE 13/09, E DL 142/99, DE 30/04
Sumário: I – Na sequência do DL nº 142/99, de 30/04, foi criado o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), ao qual cabe garantir o pagamento das prestações devidas por acidente de trabalho nos casos de incapacidade económica e equiparados.

II – O DL nº 142/99 extinguiu o FGAP (Portaria 642/83, de 01/06) e determinou a transferência das suas responsabilidades para o FAT (Portaria 291/2000, de 25/05).

III – Consagrou-se, então, que o FAT continuaria a assegurar, até 25/5/2000, o pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte em caso de acidente de trabalho, da responsabilidade de entidades insolventes ou equiparadas.

IV – É jurisprudência do STJ que em face do que estabelece o artº 41º, nº 1, al. a) da Lei nº 100/97 e sendo a data em que ocorra o sinistro anterior a 31/12/1999, a transferência da responsabilidade pelo pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte em caso de acidente de trabalho, da responsabilidade de entidades insolventes ou equiparadas deve ser apreciada à luz do regime jurídico dos acidentes de trabalho instituído pela Lei 2127 e não do que lhe sucedeu e entrou em vigor em 1/01/2000.

V – Na verdade, de acordo com o que expressamente estabelece o artº 3º da Portaria nº 291/2000, as responsabilidades do FGAP que transitam para o FAT, correspondentes a acidentes de trabalho ocorridos até 31/12/1999 ficam limitadas às obrigações legais e regulamentares do anterior fundo.

VI – Tendo em consideração que o anterior Fundo não respondia pelas prestações resultantes de incapacidade temporária, de acordo com o prescrito no artº 6º do anexo à Portaria nº 642/83, de 1/06, não pode considerar-se que tais prestações são prestações “devidas” pelo FAT.

Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Coimbra:

   A..., residente ..., patrocinado pelo Ministério Público, interpôs recurso do despacho que, no âmbito de processo emergente de acidente de trabalho, ordenou a transferência de responsabilidade pelo pagamento do capital de remição da pensão a cargo de B..., LDA. para o FAT e indeferiu tal transferência quanto a incapacidades temporárias.

   Pede a substituição do despacho por outro que determine também a transferência, para a mesma entidade, da responsabilidade relativa a indemnizações por incapacidades temporárias.

   Assenta nas seguintes conclusões, que se resumem:

[…]

   FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO não contra-alegou.


*

   Das conclusões supra exaradas, extrai-se uma única questão a decidir: cabe ao FAT assegurar o pagamento das indemnizações por incapacidade temporária?


*

   Para cabal compreensão, registam-se os seguintes factos:

   1 – Por sentença proferida em 24/04/2003, B..., LDA., foi condenada, enquanto entidade patronal, no pagamento de parte de uma pensão anual vitalícia, com efeitos a 12/01/2001, da quantia de 6.854,93€ a título de diferenças nas IT e juros.

   2 – O acidente que originou esta sentença ocorreu em 21/04/99.

   3 – A transferência de responsabilidades para o FAT foi requerida em 29/06/2010.

   4 – Por despacho proferido em Janeiro de 2011 decidiu-se transferir para o FAT a responsabilidade pelo pagamento do capital de remição devido pela B...e indeferir a pretensão de transferência quanto a outras prestações, nomeadamente indemnização por incapacidades temporárias.


*

   Tendo-se decidido pelo preenchimento dos requisitos necessários à intervenção do Fundo de Acidentes de Trabalho, registou-se discordância relativamente à abrangência de tal intervenção.

   Daí que caiba, agora, dar resposta á questão acima enunciada, a saber, se o Fundo deve responder também pelo pagamento da indemnização por incapacidades temporárias.

   A questão discutiu-se na jurisprudência das Relações, tendo-se formado duas correntes distintas: uma, na qual se enquadrou esta Relação e a do Porto, segundo a qual, tendo o FGAP já sido extinto à data de prolacção da decisão de transferência de responsabilidades, o momento relevante para aferir da extensão da transferência, era o da data de prolacção da decisão respectiva, pelo que, neste momento, o FAT, seu sucessor, deveria assumir a obrigação de pagamento também das incapacidades temporárias em virtude de tal obrigação decorrer do regime legal vigente nesse momento ou, conforme se escreveu no Ac. da RC de 19/01/2005, que secundou o de 15/01/2004, também da RC, ‘a responsabilidade do FAT surge em consequência do despacho recorrido, verificada que foi a impossibilidade da entidade responsável proceder aos devidos pagamentos, e não como resultante de qualquer obrigação que já impendesse sobre o FGAP’ (www.dgsi.pt). Outra, sufragada pelas Relações de Lisboa e Évora, segundo a qual o FAT, relativamente a acidentes ocorridos até 1/1/2000, apenas suporta o pagamento das prestações por incapacidade permanente e por morte, nos termos da legislação em vigor à data do acidente. Ou seja, o Fundo apenas deve responder por aquilo que o seu antecessor responderia se tivesse sido chamado enquanto existia.

   Vejamos, então.

   Conforme se dá notícia na decisão recorrida, á data do acidente, vigorava a Lei 2127 de 3/08/65, que é a aplicável ao caso.

   Na sua Base XLV/1 dispunha-se acerca da constituição do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões – FGAP –, com o objectivo de assegurar o pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes. Tal Fundo foi, efectivamente, criado e, no que ora releva atenta a data do sinistro, no Artº 6º do Anexo[1] á Portaria 642/83 de 1/06, dispôs-se que o mesmo não responde pelas prestações decorrentes de incapacidades temporárias. Porém, conforme decorre do que se dispunha no Artº 4º, o fundo asseguraria o pagamento de prestações resultantes de acidente de trabalho sempre que, em execução do responsável, se verificasse impossibilidade de pagamento.

   Assim, em face da lei vigente à data do acidente, o Fundo não respondia pela prestação que nos ocupa.

   Com a entrada em vigor da Lei 100/97 de 13/09, que ocorreu em 1/01/2000, a situação alterou-se, tendo-se determinado a criação de um novo fundo – o Fundo de Acidentes de Trabalho, FAT-, ao qual caberia também assumir a responsabilidade pelas prestações aqui em discussão (Artº 39º/1).

   É assim que, na sequência do DL 142/99 de 30/04 é criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, ao qual cabe garantir o pagamento das prestações devidas por acidente de trabalho nos casos de incapacidade económica e equiparados.

   Daquele diploma resulta que seria estatuído um regime transitório a aplicar ao novo fundo (Artº 41º/1-b) da Lei 100/97).

   Ao mesmo tempo, o DL 142/99 extingue o FGAP e determina a transferência das suas responsabilidades para o FAT, o que sucederia nos termos de Portaria a publicar, Portaria essa que assumiu o nº 291/2000 de 25/05.

   Consagrou-se, então, que o FAT continuaria a assegurar, até essa data, o pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte em caso de acidente de trabalho, da responsabilidade de entidades insolventes ou equiparadas (Artº 1º). E, no Artº 3º, dispôs-se que as responsabilidades do FGAP, correspondentes a acidentes ocorridos até 31/12/99, ficavam limitadas ás obrigações legais e regulamentares do anterior fundo.

   É aqui que surge o problema ora suscitado: enquanto uma corrente jurisprudencial veio defender que só as responsabilidades já assumidas pela FGAP seriam transferidas, outra corrente defendeu que se transferiam as responsabilidades que pudessem ser assumidas por aquele. Ou seja, enquanto para a 1ª, o momento relevante é o da decisão que ordena a transferência, para a 2ª, é o da data de ocorrência do evento gerador de responsabilidade.

   O Supremo Tribunal de Justiça teve ocasião de se pronunciar sobre o assunto no Acórdão de 26/11/2003 (disponível em www.dgsi.pt), defendendo que em face do que estabelece o Artº. 41, nº1, al. a) da Lei nº 100/97 e da data em que ocorreu o sinistro, tudo indica que uma tal pretensão deverá ser apreciada à luz do regime jurídico dos acidentes de trabalho instituído pela Lei 2127 e não do que lhe sucedeu e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000.

   Assim o entendemos, também.

    Escreveu-se ali que nada autoriza “que quanto a este particular aspecto do pagamento das incapacidades temporárias e respectivos juros pela entidade criada com vista a assegurar o pagamento de prestações a cargo de entidade insolvente, se excepcionem a norma de aplicação da lei no tempo constante do art. 41º da Lei nº 100/97 e as regras específicas que o legislador criou. Assim, no nº 2 do art. 15º do D.L. nº 142/99 foi prevista a extinção do FGAP e o trânsito das suas responsabilidades para o FAT nos termos e condições a definir em futura portaria. Na sequência deste diploma veio a ser publicada a Portaria nº 291/2000 de 25 de Maio que considerou extinto o FGAP a partir de 15 de Junho de 2000 (art. 1º). Esta extinção não implica, contudo, que a lei antiga deixe de ser aplicável nesta matéria aos acidentes ocorridos antes de 1 de Janeiro de 2000[2].

   Na verdade, de acordo com o que expressamente estabelece o art. 3º da referida Portaria nº 291/2000, as responsabilidades do FGAP que transitam para o FAT "correspondentes a acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999 ficam limitadas às obrigações legais e regulamentares do anterior fundo".

   Assim, se dúvidas houvessem quanto à aplicação da legislação revogada nesta matéria aos acidentes anteriores a 1 de Janeiro de 2000, esta norma demonstra com clareza que há que distinguir no domínio da competência do FAT:

- por um lado a sua competência própria, que tem o âmbito traçado pelo art. 1º, nº 1 al. a) do D.L. nº 142/99 e abrange a indemnização pela incapacidades temporárias;

- por outro a sua competência enquanto sucessor do FGAP, que tem o âmbito traçado pelo art. 6º do Anexo à Portaria nº 642/83 que expressamente exclui da sua responsabilidade a indemnização pelas incapacidades temporárias.”

   É assim que se vem a decidir que, tendo o acidente ocorrido em data anterior à da entrada em vigor da nova LAT, “a responsabilidade do FAT surge..., não como decorrência directa do art. 1º, nº 1, al. a) do D.L. nº 142/99 de 30 de Abril, mas por virtude do trânsito de responsabilidades do extinto FGAP para o FAT que teve lugar nos termos da Portaria nº 291/2000 de 15 de Maio em conformidade com o art. 15º, nº 2 do D.L. nº 142/99.”

   Assim. neste caso, “de acordo com o art. 3º da Portaria nº 291/2000 de 25 de Maio, as responsabilidades do FGAP que transitam para o FAT correspondentes a acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999 ficam limitadas às obrigações legais e regulamentares do anterior fundo.
   Tendo em consideração que o anterior fundo não respondia pelas prestações resultantes de incapacidade temporária de acordo com o prescrito no art. 6º do anexo à Portaria nº 642/83 de 1 de Junho, não pode agora considerar-se que tais prestações são prestações "devidas" pelo FAT.”
   Mais se consigna ali que “a norma que traça o âmbito da competência do FAT alude expressamente a "acidentes ocorridos até 31 de Dezembro de 1999", deixando bem claro que
o critério a atender para a determinação de tal âmbito é o da data da ocorrência do acidente[3] e não o da data da decisão judicial que declarou ser a entidade patronal insolvente e responsabilizou o Fundo perante o sinistrado.

   Não erigindo o legislador qualquer outro critério (designadamente o da data da extinção do FGAP ou o das datas da decisão judicial, do seu trânsito em julgado ou de qualquer acto processual) para a definição da competência do FAT, é apenas à data do acidente que deverá atender-se.”

   Sufragamos o entendimento assim expendido, com o qual a decisão recorrida está em sintonia.

    Acrescentar-se-à ainda, como bem notou a RLx., em Acórdão proferido em 20/09/2006 (disponível no sítio www.dgsi.pt), que, manifestamente, o legislador se terá exprimido de forma deficiente, mas que “nada aponta para que se tivesse pretendido que a um acidente ocorrido no âmbito da LAT/69 se viesse a aplicar um regime de transferência de responsabilidade, em caso de incapacidade económica, estabelecido pela LAT/97”. Bem pelo contrário, todo o regime aqui instituído vai no sentido da separação clara de fronteiras entre acidentes ocorridos antes e depois da entrada em vigor da nova lei, com aplicação dos efeitos de uma ou outra consoante a data de ocorrência.

   Razão pela qual, improcede o recurso.


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   Em conformidade com o exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se, em consequência, o despacho recorrido.

   Sem custas.

   Notifique.


MANUELA BENTO FIALHO (RELATORA)
LUÍS AZEVEDO MENDES
JOAQUIM JOSÉ FELIZARDO PAIVA


[1] Que, segundo o Artº 89º, regulava o funcionamento do fundo
[2] Sublinhado nosso
[3] Sublinhado nosso