Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
509/07.5TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: DESTITUIÇÃO DE ADMINISTRADOR
SOCIEDADE ANÓNIMA
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.63, 64, 254, 257, 398, 303, 430 CSC, DL Nº 76-A/2006 DE 29/3
Sumário: I – A destituição com justa causa de um administrador de uma sociedade anónima ( SA ), tinha, mesmo antes da reforma de 2006 do CSC ( DL nº 76-A/2006 de 29/3 ), de ser baseada numa situação grave e, dizendo respeito à violação de deveres, o respectivo comportamento tinha que ser culposo.

II - Os fundamentos da destituição devem constar da acta, visto ser insubstituível para a prova das deliberações sociais.

III – O ónus da prova da existência da justa causa cabe à SA.

IV – A destituição sem justa causa não é, só por si, ilícita, mas dá direito ao destituído de ser indemnizado pelos lucros cessantes, isto é, por aquilo que auferiria até ao fim do mandato.

V – A esta indemnização não tem de se aplicar os princípios gerais da responsabilidade civil, porque os preceitos dos arts. 257/7 e 430/3, ambos do CSC (antes da reforma de 2006 aplicáveis por analogia ao administrador da SA; depois desta reforma os artigos 257/7 e 403/5 do CSC) são preceitos especiais.

VI – Por outro lado, o destituído tem a seu favor a presunção natural da perda do lucro cessante normal (segundo o curso regular das coisas), pelo que caberia à SA provar que o destituído, apesar de ter perdido a remuneração até ao fim do mandato, obteve o mesmo rendimento de outra fonte (aliunde perceptum), ou que se quisesse o poderia ter obtido, para o poder querer compensar com a indemnização em causa.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

               I (…), residente na Guarda, intentou a presente acção contra E (…) Construtor SA, com sede na Guarda, pedindo a condenação desta a pagar-lhe 25.900€ acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.
               Alega para tanto, em síntese e no que agora interessa, que é sócio da ré e foi nomeado seu administrador não executivo para o triénio de 15/08/2005 a 15/08/2008, em Assembleia Geral (= AG), na qual se decidiu também que os administradores não executivos aufeririam 600€ mensais; na AG extraordinária (= AGE) de 26/05/2006, os associados presentes delibe-raram destituir o autor do cargo de administrador com o fundamento de falta de solidariedade com o órgão que representa, quer porque chamou à sociedade pessoa estranha para lhe serem facultadas as informações previstas no artigo 286 do Código das Sociedades Comerciais (= CSC), quer pela recusa da prestação do aval às operações bancárias que o exigiam, pondo em risco a operacionalidade da empresa e ainda pela não aprovação do relatório e contas para o exercício de 2005.
               Impugna estas razões, dizendo: não aprovou o relatório e contas porque nem sequer teve conhecimento do conteúdo do mesmo; mandatou um advogado para receber as informações a que tinha direito; não prestou o aval porque tal nunca lhe foi solicitado, além de não ter sido demonstrada a necessidade da operação subjacente; a não aprovação das contas, o pedido de apoio a um advogado e a eventual recusa de prestar aval, são direitos do autor, que não podem ser sancionados; o valor pedido reporta-se à retribui-ção de 26,5 meses e a 10.000€ de danos profissionais e morais sofridos.
               A ré contestou a acção, excepcionando (embora não qualifique como tal a sua defesa nesta parte), dizendo que o autor interveio em todas as reuniões do Conselho de Administração (= CA) onde entendeu estar presente, foram-lhe sempre facultadas todas as informações que solicitou e inexistia qualquer fundamento para ele não aprovar o relatório e contas; estando ciente da importância da operação financeira para a sociedade e da necessidade de prestar o aval, recusou fazê-lo, pelo que, perante a sua recusa e a quebra de confiança, a sua destituição era a única possibilidade; pretende que o triénio foi de 15/08/2005 a 15/08/2007; acrescenta que na reunião ocorrida em 29/09/2006, em AG, foi aprovada a suspensão dos vencimentos dos administradores não executivos a partir de 01/10/2006; conclui pela improcedência da acção.
               O autor respondeu às excepções dizendo, para além do que já tinha dito em defesa antecipada na petição inicial, que caso a ré não pretenda pagar a indemnização, terá de provar a justa causa de destituição e que a deliberação que decidiu pela suspensão dos vencimentos dos administradores não executivos não é aplicável ao autor que, na altura, já não era administrador, encontrando-se o seu direito já vencido.  

               Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a ré do pedido, pois que entendeu que o autor tinha sido destituído com justa causa.

               O autor recorreu desta sentença – com o fim de ser revogada e substituída por outra em que a ré seja condenada a pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir em consequência da sua destituição sem justa causa e a indemnizá-lo -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
         1. As respostas dadas aos factos 20 e 22 da base instrutória são conclusivas e insuficientes para se concluir pela necessidade ou não da prestação de um aval pessoal do autor à ré, devendo até, considerada a sua deficiência, ser anuladas nos termos do disposto no art. 712/4 do Código de Processo Civil (= CPC).
         2. O aval é um acto pessoal e não um acto de administração.
         3. A recusa de prestação de um aval pessoal à sociedade não implica a violação de nenhum dever do autor enquanto administrador.
         4. É inexigível a prestação de aval pessoal à sociedade, quando o autor tinha votado a não aprovação das contas da mesma, assim mostrando a sua falta de confiança nas mesmas.
         5. Violou a sentença recorrida, para além do mais, o disposto nos arts 403 e 406 do CSC.

                                              *

A ré não contra-alegou.

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Questões a resolver: se as respostas dadas aos factos 20 e 22 da base instrutória são conclusivas e insuficientes e se, por isso, devem ser anuladas nos termos do disposto no art. 712/4 do CPC; se a ré provou a justa causa para a destituição do autor; se se concluir que não o provou, fica a questão de saber se deve ser condenada a pagar-lhe as retribuições pelo período que faltava para o termo do mandato e os danos morais por ele invocados.

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               Factos provados (os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob nºs. vêm da resposta aos respectivos quesitos da base instrutória):
         A) A ré é uma sociedade anónima que se dedica à construção civil, instalações eléctricas e obras públicas.
         B) O autor é sócio da ré, detendo acções no valor de 20% do capital social correspondente a 25.600 acções, no valor nominal cada de 5€.
         C) Em AG da ré, realizada em 24/06/2005, o autor foi eleito administrador não executivo para o triénio que vai de 15/08/2005 a 15/08/2008.
         D) Consta do documento de fls. 18 que em 26/05/2006 se realizou na sede da ré uma AGE com a presença dos sócios (…), representativo no seu conjunto de 79,30% do capital social.
         E) O autor esteve presente nesse mesmo dia e local.
         F) Resulta da acta da AGE, que foi interrompida pelas 23 h no dia 26/05/2006, sendo marcado para a sua continuação o dia 02/06/2006.
         G) Resulta da acta que em 02/06/2006 deliberou a AG da ré destituir o autor do cargo de administrador não executivo, com os seguintes fundamentos
            1. Pela manifesta falta de solidariedade com o órgão que representa e com os outros elementos do mesmo quando propôs e chamou à sua representação pessoa estranha à sociedade, para que lhe fossem facultadas as informações a que alude o art. 286 do CSC a que tinha todo o direito de acesso, tomando em consideração a sua função de administrador. Mais propunha, que depois de prestadas as mesmas, aquilatar da eventual instauração de inquérito judicial à sociedade, de que depois desistiu, eventualmente por falta de justificação;
            2. Pela recusa da prestação do seu aval às operações bancárias que o exigissem, contrariando o compromisso assumido aquando da tomada de posse de administrador. Perante a necessidade evidente comunicada através de carta em 02/05/2006 de contratar uma linha de crédito no Banco ... (= ...), que até hoje ainda não foi concretizada, pôs em risco a operacionalidade da empresa e a sua manutenção como unidade produtiva;
            3. Pela não aprovação do relatório e contas para o exercício de 2005, uma vez que as peças atrás referenciadas são proposta do CA (órgão a que pertence como administrador) para a AG anual.   
         H) A ordem dos trabalhos publicada para a AG de 26/05/2006 não continha na mesma a destituição do autor.
         I) O autor votou pela não aprovação do relatório e contas referente ao exercício de 2005.
         J) O autor pediu por intermédio de advogado que lhe fossem facultadas as informações referidas nos artigos 286 e 105/2 do CSC.
         K) O autor recusou dar o seu aval às operações bancárias propostas na reunião do Conselho de Administração de 26/05/2006.
         L) O autor não esteve presente na AG de 02/06/2006.
         1. Foi determinado na AG de 24/06/2005 que os administradores não executivos, em substituição do vencimento, teriam direito a uma senha mensal de presença no valor de 600€, independentemente do número de reuniões a que fossem chamados a participar.
         6. À data, os accionistas que subscreveram o aval e também o TOC da ré, concluíram pela necessidade da operação bancária subjacente ao aval.
         7. O autor ficou aborrecido com a sua destituição do cargo de administrador não executivo da ré.
         8. A ré é reconhecida regionalmente.
         11. O autor teve conhecimento da deliberação da AG de 02/06/2006 no dia 24/07/2006.
         12. No dia 26/05/2006  realizou-se uma AG da ré, na qual o autor não esteve presente porque abandonou a sede da ré, após a reunião do conselho de administração.
         13. O autor desde que tomou posse como vogal do CA da ré, sempre teve acesso e consultou todos os elementos da escrita e contabilísticos relativos à ré.
         14 e 15. O autor solicitou, por várias vezes, ao TOC vários elementos contabilísticos da ré, que lhe foram entregues por ele.
         16. O autor questionou os mesmos.
         17. A partir de Agosto de 2005 interveio nas reuniões da administração que entendeu estar presente.
         20. O autor tomou conhecimento da necessidade de prestar o seu aval a uma operação financeira negociada com o ... para desconto de cheques pré-datados e facturas.
         21. Avisado para prestar o seu aval recusou.
         22. Os restantes quatro administradores acederam avalizar a operação.
         23. A não realização da operação financeira reduziria a operacionalidade da ré, podendo mesmo contribuir para a sua inviabilização.

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               Quanto às respostas aos quesitos e à anulação delas:

               Quanto à conclusividade e insuficiência dos factos 20 e 22 é manifesto que o autor não tem razão. Basta, para concluir tal, regressar à leitura destes factos, acabados de transcrever. Aliás, a alegação do autor demonstra-o logo, quando relaciona aquelas características que lhes censura com a necessidade ou não da prestação de um aval pessoal do autor à ré. Ou seja, os factos, por si, nada têm de conclusivos ou insuficientes, podem é ser insuficientes para o sentido da decisão tomada. E, de qualquer modo, os factos foram quesitados e respondidos tal como alegados, pelo que o problema não seria da conclusividade ou deficiência das respostas, mas da alegação dos factos, pelo que a solução não passaria pela norma do art. 712/4 do CPC, que a estas se reporta, não àquelas.

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               Da justa causa:

               As normas que directamente interessariam à questão seriam as do art. 403º do CSC, relativo à destituição dos membros do CA (as transcrições de todas as normas que se seguem é feita a partir do sítio da PGD de Lisboa e reporta-se primeiro à redacção original do CSC, antes da reforma operada pelo Dec. Lei 76-A/2006, de 29/03, que só entrou em vigor, no essencial, em 30/06/2006, ou seja, depois da destituição do autor de administrador da sociedade):
         1. Qualquer membro do conselho de administração que não tenha sido nomeado pelo Estado ou entidade a ele equiparada por lei para este efeito pode ser destituído por deliberação da assembleia-geral, em qualquer momento.

               Mas este artigo não tem qualquer referência à justa causa, nem à consequência da destituição com base em justa causa.

               A definição desta e da sua consequência eram procuradas no art. 430º do CSC, também relativo à destituição, mas agora dos directores das SA:
         1. O conselho geral pode destituir qualquer director, com fundamento em justa causa.
         2. Constituem, designadamente, justa causa de destituição a violação grave dos deveres do director, a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções e a retirada de confiança pela assembleia-geral.
         3. Se a destituição não se fundar em justa causa, o director tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.

               Ou no art. 257º do CSC, relativo à destituição de gerentes das Lda:
         6. Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções.
         7. Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.

               Mas estas normas também não esclarecem o que é a justa causa, dão delas apenas exemplos.

               Pelo que a procura da definição tem ido para além delas, designadamente fazendo-se recurso das normas que prevêem proibições cuja infracção constituem justa causa de destituição de administradores e gerentes, como as dos artigos 254/5 e 398/3 e 4, do CSC, que se referem à actividade concorrente com a da sociedade sem consentimento dos associados.

               Ou em normas do CSC que criminalizavam determinadas condutas dos administradores e gerentes, considerando que tais condutas não podiam deixar de constituir justa causa de destituição.

               E ainda das normas do CSC que definem os deveres dos gerentes, administradores e directores das sociedades como as do art. 64 do CSC:
         Os gerentes, administradores ou directores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

               E tinha-se especial atenção às consequências que decorriam da destituição qualificada como com justa causa, designadamente a perda do direito à indemnização.

               Perante isto tudo, por exemplo, Raúl Ventura, Sociedade por quotas, Vol. III, Almedina, 1991, págs. 92 a 94, dizia:
         […] Importa, pois, verificar os efeitos da justa causa e com eles relacionar a noção.
         Percorrendo o art. 257 […] por fim (nº 7) não é devida indemnização ao gerente destituído.
         Exceptuado o caso do nº 5 […] o traço comum a todos esses casos consiste na preterição das disposições legais e contratuais destinadas a proteger o interesse do gerente no exercício dessas funções. A causa é justa quando for considerada bastante para produzir esse efeito. E pode mesmo suceder que o efeito específico pretendido pela invocação da justa causa influa na apreciação desta, o mesmo facto justifi­cando certo efeito e não outro.
         A jurisprudência portuguesa é escassa nesta matéria. No caso julgado pelo ac. Rel. Lisboa de 18/05/1977, CJ, 1977, p. 614, foram alegadas várias justas causas, que, por vários motivos, o acórdão não acolheu: recebimento de rendas, cujas quantias não estavam nos cofres da sociedade, cobrança de rendas antecipadas aos arrendatários, contrato de uma secretária a expensas da so­ciedade, sem que a esta prestasse serviços; arrendamento de um prédio rústico que se destinava ao mesmo tipo de exploração da sociedade.
         A doutrina alemã, com recurso à sua jurisprudência, fornece muitos exemplos de motivos graves para a destituição de geren­tes: utilizando o resumo feito por ANTÓNIO CAEIRO, As cláusulas restritivas da destituição do sócio-gerente nas sociedades por quotas e o exercício do direito de voto nas deliberações de destituição, hoje em Temas de direito das sociedades, p. 165, apontam-se: o facto de o gerente se ter deixado subornar, em prejuízo da sociedade, de ter praticado um abuso de confiança, de estar insolvente ou fortemente endividado, de fazer concorrência à sociedade, de ficar impossibilitado, por doença, de exercer as suas funções durante um largo período de tempo, a subscrição de uma letra com a firma social para garantir uma dívida pessoal, a falsificação da escrita ou do balanço, a diminuição injustificada do volume de negócios para conseguir a destituição de outros gerentes, a discórdia permanente entre os gerentes que se reflicta na boa marcha dos negócios sociais.
         Não tem interesse prolongar exemplificações, mais ou menos imaginativas, mas algumas hipóteses prováveis na prática mere­cem alguma consideração. No Título VII, disposições penais, do CSC estão descritos vários factos dos gerentes que os sujeitam a penas de prisão ou multa ou a coimas: em princípio, tais factos, nos termos em que forem puníveis, constituem vio­lações graves dos deveres dos gerentes e justificam a destituição.
         Uma hipótese discutível é a de mudança de orientação dos sócios quanto à administração da sociedade. A jurisprudência francesa decidiu várias vezes que não constitui justa causa o facto de as quotas terem mudado de mãos e os novos sócios quererem nomear gerente de sua escolha (RIPERT-ROBLOT, Traité Elemen­taire de Droit Commercial, 11ª edição, 1983, I. p. 676).

               João Labareda, Direito Societário Português, Quid Juris, 1998, págs. 73 a 83, diz:
            Porque tem carácter contratual, a relação de administração fica submetida ao princípio geral do nº 1 do art. 406° do CC e, conse­quentemente, «só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consenti­mento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei».
         Desta sorte, a extinção da relação de administração não é algo que a sociedade possa eficazmente decidir sempre e em qualquer circunstância a seu bel-prazer, senão na medida em que para tal esteja autorizada pela lei ou pelos termos do próprio contrato que mantém com o gestor.
         […] 3. Com o actual CSC, foi firmemente assumido o carácter predomi­nantemente funcional da gestão societária. […]
         Com este pano de fundo, não podia a lei deixar de tender a conferir prevalência ao interesse da sociedade na sua normal conflituação com o interesse pessoal dos gestores, sem prejuízo da fixação de esquemas de compensação quando o interesse lesado o mereça […].
         […] 4. Consagrou-se, pois, no CSC, com assinalável extensão, o direito de a sociedade promover, por acto unilateral seu, a cessação da relação de administração estabelecida com os seus gestores, que ficam, por tal motivo, sujeitos ao exercício desse poder potestativo, independentemente de ocorrer ou não razão que justifique o procedimento da sociedade.
         Mas, como é compreensível, as consequências da destituição ad nutum não são as mesmas da destituição justamente fundada. A protecção privile­giada do interesse social, que quis garantir-se com a atribuição do direito à destituição, não tem de sacrificar em absoluto o interesse do gestor, o qual, além do mais, organizou a sua vida com vista a poder assegurar plenamente o cumprimento das obrigações para ele decorrentes da relação de adminis­tração estabelecida com a sociedade, não sendo aceitável que possa, de um momento para o outro, ser confrontado com a cessação da relação, ficando de mãos completamente vazias.
         […] O art. 403°, que se refere à destituição dos administradores - aplicável, por isso, às anónimas que adoptam a estrutura clássica referi­da no art. 278/1a) -, legitimando a destituição ad nutum, é omisso quanto às consequências dela, nomeadamente no que respeita ao dever de compensar o destituído.
         […] Mantêm-se, no entanto, todas as razões que, no domínio da lei antiga, aconselhavam o sufrágio da ideia de que a destituição sem justa causa obriga à indemnização do destituído pelos prejuízos sofridos.
         Mas agora há novo e decisivo argumento. É que a lei expressamente consagrou esse regime para o caso da destituição de gerentes e directores e não há nada que possa razoavelmente fundamentar diferenças relativamente aos administradores.
         […]
         Agora importa procurar o esclarecimento do que por justa causa deve ser entendido.
         Na actual lei, são dois os preceitos fundamentais que devem ser tidos em conta, a saber: o art. 257º/6, e o art. 430°/2.
         Complementarmente a estas, existem outras disposições avulsas com interesse para o tema, na medida em que directa ou implicitamente qualifi­cam certos comportamentos dos gestores como justa causa de destituição ou, pelo menos, como violação grave dos seus deveres […] bem como o dos preceitos que, no título VII do Código, tipificam criminalmente certos procedimentos de gerentes, administradores ou directores
         […] a inserção […] do advérbio «designada­mente», mostra o carácter indicativo e aberto da enunciação, podendo, por isso, haver outras situações que como tal devam considerar-se.
         […] decorre também [dos normativos assinalados] que não é qualquer violação dos deveres do gestor que constitui justa causa de destituição; a lei expressa­mente refere a gravidade da violação como factor determinante da justa causa, e isso não pode deixar de excluir as violações não graves.
         Por outro lado, é sempre considerada justa causa a incapacidade para o «exercício normal das respectivas funções», e o modo como os preceitos estão formulados inculca a ideia de que o substantivo «incapacidade» não está utilizado em sentido técnico-rigoroso, abrangendo tanto o impedimen­to jurídico como o físico e ainda a ineptidão para o desempenho do cargo social. É, por conseguinte, verdadeira a afirmação de que a culpa do gestor não é essencial à verificação de justa causa (cfr. Ilídio Duarte Rodrigues, ob. cit., pág. 245).
         […] já constatámos não ser imprescindível um comportamento culposo do gestor, e nem mesmo ser preciso que ocorra um facto voluntário a ele imputável. Por isso, é que a incapacidade por impedimento físico justifica a destituição.
         Em contrapartida, podem verificar-se condutas culposas, sem que tal consubstancie justa causa, exactamente por faltar uma violação grave de deveres cometidos ao gestor.
         Já se sustentou que «a justa causa há-de ser um facto ou situação que tome inexigível à sociedade o respeito pelo interesse da estabilidade do vínculo por parte do administrador. Há-de tratar-se de uma situação que tome praticamente impossível a subsistência do vínculo, independentemente de culpa do administrador (Ilídio Duarte Rodrigues, ob. cit., pág. 246).
         Merece aplauso […] com efeito, traço essencial caracterizado r da ideia de justa causa de destituição, que resulta dos normativos pertinentes, é a inexigibilidade à sociedade de, face a circunstâncias concretas entretanto verificadas, manter os laços que a ligam ao gestor nessa qualidade, o que, a ter de acontecer, sacrificaria os seus interesses de modo não razoável e transcenderia os ditames da boa fé.
         Todavia, dispensando-se a culpa do gestor na produção do facto que toma compreensível a intervenção da sociedade, é, no entanto, preciso ser muito cauteloso no entendimento das condições que determinam a inexi­gibilidade de permanência do vínculo contratual, sob pena de favorecimento excessivo da sociedade e rompimento do justo equilíbrio das partes.
         Por outras palavras, se fosse entendida em sentido restrito, olhando apenas à posição e perspectiva da sociedade, a inexigibilidade, nos termos indicados, seria, realmente, uma condição necessária mas decerto não sufi­ciente para caracterizar o conceito de justa causa de destituição.
         Impõem-se aqui esclarecimentos complementares.
         Já se sabe que, em princípio, a sociedade tem o direito de afastar o gestor, fazendo cessar unilateralmente a relação jurídica de administração, mesmo na ausência de motivo atendível. Se o fizer, pratica, sem dúvida, um acto lícito.
         Simplesmente, como prejudica insensatamente o interesse do gestor, que merece tutela, a sociedade deve compensá-lo por isso.
         Ora, a ocorrência de justa causa de destituição o que traz de novo é, exactamente, a possibilidade de a cessação da relação de administração ocorrer sem qualquer ónus para a sociedade, por não lesar então nenhum interesse do destituendo, que ele pudesse razoavelmente pretender ver protegido.
         Compreende-se, assim, que a posição concreta do gestor destituendo não possa ser ignorada na avaliação sobre a inexigibilidade de manutenção do vínculo relacional entre as partes.
         A verdade é que podem ter lugar factos relevantes cuja verificação, na estrita perspectiva societária, tome praticamente impossível a perma­nência da relação de administração, sem que simultaneamente o gestor deva ficar sacrificado, porque precisamente tais factos não são de molde a retirar ao gestor a legitima pretensão de o continuar a ser, no quadro do contrato que celebrou com a sociedade e atentos os princípios da boa fé e da recipro­cidade.
         […] não havendo da parte dele a violação de qualquer dever ou sequer a adopção de um comportamento objectivamente perigoso para a sociedade, não se vê como deva razoavelmente condescender-se com a lesão, sem recompensa, do seu interesse na manutenção da relação de administração, exactamente porque não é despropositada, nem é abusiva, nem é contrária aos princípios da boa fé a pretensão de cumprimento recíproco das obri­gações voluntariamente assumidas pela sociedade.
         […] seria temerário prescindir da consideração da posição do gestor perante a situação criada, bastando então a simples ponderação da posição da sociedade. O resultado seria, inexoravelmente, a prevalência excessiva do interesse da sociedade face ao dos gestores, sem que isso sequer se mos­tre necessário para assegurar a conveniente tutela da sociedade.
         7. Vistas assim as coisas, pode dizer-se que há justa causa de destitui­ção de gerente, administrador ou director quando, atentas as circunstâncias concretas da sociedade e do gestor, é àquela inexigível que mantenha a relação de administração e a este infundada a pretensão de que a mesma permaneça.
         […]
         Mas há ainda um obstáculo a vencer.
         Contra toda a lógica do sistema, a parte final do nº 2 do art. 430° considera justa causa de destituição dos directores a retirada de confiança pela assembleia-geral, sem que imponha quaisquer limites à deliberação nesta matéria.
         À primeira vista, este preceito põe em causa a bondade da solução perfilhada quanto ao conceito de justa causa, uma vez que faculta a possi­bilidade de a sociedade destituir fundadamente mesmo sem que, objectiva ou subjectivamente, preceda facto ou situação que tome inexigível a manu­tenção do vínculo contratual e sem razão a normal pretensão do gestor em que ele permaneça. Basta, isso sim, um acto arbitrário de um órgão da sociedade, que, no entanto, não dispõe, por si, do poder de fazer cessar a relação.
         Não creio, todavia, que assim se deva pensar.
         A parte final do nº 2 do art. 430° não só não tem paralelo em qual­quer outro dispositivo da lei, como afronta a sua coerência interna. Por isso, atento o seu carácter excepcional, o preceito apenas pode ser aplicado no caso particular dos directores, apesar de a deliberação sobre a confiança no órgão executivo ser comum à sociedade por quotas e a anónima estrutu­rada segundo o modelo orgânico tradicional - cfr. arts 376/1c), e 248/1.
         De resto, que tanto neste último caso como nos outros tipos de socie­dade a assembleia geral não pode, por simples acto arbitrário seu, destituir sem ónus para a sociedade, é precisamente o que resulta de todo o regime legal que distingue entre a destituição com justa causa e a destituição ad nutum.

         O nº. 2, in fine, do art. 430°, pelo casuísmo de que se deixou revestir, é, assim, insusceptível de contribuir positivamente para a construção do conceito que emerge da lei e assenta solidamente nos normativos que realmente importam.”.

            Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, Vol. II, 2001, Almedina, diz (págs. 303 a 305):
         A noção de 'justa causa" não era, contudo, pacífica. Frente a frente duas orientações:
         - uma noção mais civilística, segundo a qual a "justa causa" seria qualquer motivo justificado, a apreciar livremente pelo Tribunal;
         - uma noção "mais laboral", que via, na "justa causa", um "com­portamento culposo desde que, pela sua gravidade e consequên­cias, tome praticamente impossível a sua manutenção em fun­ções".
         O CSC dá duas definições de justa causa de destituição [arts. 257º/6 e 430°/2]; Temos, ainda, um exemplo concreto de "justa causa": o do artigo 447°/8 que considera como tal a "... falta culposa de cum-primento do disposto nos n.ºs 1 e 2 deste artigo...", relativos à publicida-de de participações dos membros de órgãos de administração e fisca-lização. Pois bem: perante estas fórmulas, não res­tam dúvidas de que a justa causa é, antes do mais, a violação grave - com dolo ou negligência grosseira - dos deveres do administrador. A "incapacidade para o exercí-cio normal" não é incapacitação: esta conduz à caducidade; trata-se, antes, da incompetência profissional grave, a qual implica, sempre, um nível normativo e, daí: a viola­ção, necessariamente grave, dos deveres de estudo e de actualização exigíveis. Fica, por fim, o problema da "retirada de confiança", referida a propósito dos directores. Não faz sentido admitir, aqui, a hipótese duma "retirada arbitrária da confiança": isso não é justa causa. Tal "reti­rada" terá de se basear em justa causa. O extraordinário preceito do artigo 430°/2 deve, assim, na parte em que refere a retirada de confiança, ser simplesmente interpretado como dando legitimidade à assembleia-geral das sociedades anónimas de tipo germânico para destituir os direc­tores. Quanto às consequências de tal destituição: dependem, nos ter­mos gerais, de haver ou não justa causa.
         A noção "mais laboral" - portanto mais restritiva - que tem, na lei, uma base susceptível de alargamento, merece ser acolhida. Além do exposto, há boas razões de fundo para dispensar, aos administrado­res das sociedades, uma certa protecção, semelhante à que a lei concede aos trabalhadores subordinados. Não pode ter a mesma intensidade, sob pena de subverter a própria lógica do Direito societário; mas sempre será alguma: a total desprotecção dos administradores iria repercutir-se no seu profissionalismo, com danos para a própria sociedade. É sinto­mático, aliás, que a experiência alemã tenha sido a primeira a trilhar essa via. A jurisprudência portuguesa tem sido, maioritariamente, sensível a este ponto, sobretudo a nível do Supremo (acs. do STJ 20-Jan.-1983 (LIMA CLUNY), BMJ 323 (1983), 405-413 (412) e STJ 26-Nov.-1987 (LIMA CLUNY), BMJ 371 (1987), 490-495 (495).
         Pode-se ir mais fundo. A qualificação duma deliberação como tendo "justa causa" tem, sobretudo, a virtualidade de dispensar a indemniza­ção e outros institutos de protecção aos administradores: a liberdade, da própria sociedade, não está em causa, uma vez que a destituição é sem­pre possível, com ou sem justa causa. Por isso, a justa causa terá de ter um perfil totalmente imputável ao administrador; se não houver culpa e ilicitude por parte deste, ela não se justifica.
         Particularmente em causa, está o problema da mudança de orienta­ção, da sociedade. Tal mudança de orientação é sempre possível, sobre­tudo quando se venha a formar uma nova maioria de sócios. Poderá, então, haver que dispensar os administradores. Mas o risco é da socie­dade: se os administradores estiverem ainda dentro do mandato para que foram designados, eles têm direito a diversas compensações: não há justa causa.

            Pinto Furtado, “Curso de Direito das Sociedades”, 4.ª edição (anterior à reforma de 2006), pág. 367 (citado através do acórdão do TRL de 16/07/2009, referido abaixo; salvo erro a 3ª edição não trata do tema) diz que
         “Deverá (…) entender-se como justa causa de destituição “a violação grave dos deveres de gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções”(art. 257-6 do CSC). É um princípio que terá de aferir-se pelo dever de diligência definido no art.º 64 CSC, isto é, como a diligência de “um gestor criterioso e ordenado dos interesses da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores e reconduzir-se, deste modo, a um comportamento revelador de incompetência, negligência grave e continuada, falta de critério e de ordenação no exercício das funções que se insiram no quadro da sua competência”.

                    Quanto à jurisprudência:

               O ac. do TRL, de 17/11/2005 (9983/2005-6):
            II - A destituição sem justa causa, também designada por destituição “ad nutum”, enquanto manifestação do princípio da livre destituição do órgão de gestão, que o nosso direito consagra, verifica-se quando não ocorrer para o efeito motivo justificativo.
            III - Por seu lado, a destituição com justa causa verificar-se-á quando ocorrer um motivo atendível, pelo qual não seja exigível à sociedade manter a relação de administração.
            III - A justa causa de destituição não tem, todavia, que traduzir-se num comportamento culposo do órgão de gestão, comportamento que, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a sua manutenção em funções. A justa causa de destituição em apreço não pressupõe sequer a culpa daquele, ainda que esta também a possa determinar, bastando uma justificação objectiva e séria, ligada ao órgão de gestão ou à empresa.
            IV - A destituição sem justa causa constitui sempre a sociedade no dever de indemnizar o membro do órgão de gestão destituído.
            V – A destituição com justa causa não constitui a sociedade no dever de indemnizar, excepto nas hipóteses em que não haja culpa do órgão de gestão destituído, situações em que a sociedade se constitui igualmente no dever de indemnizar.

               O ac. do STJ de 02/02/2006 (05B2682) dizia:
            5. O art. 257 do CSC não fornece o conceito de justa causa de destituição do gerente, limitando-se a apontar, exemplificativa e genericamente, como tal, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções.
            6. Justa causa é qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, todo o acto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim; na destituição de gerente, a verificação de um comportamento na actividade deste - ou a prática de actos por sua parte - que impossibilite a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe.

               O ac. do STJ de 11/07/2006 (06A1884):
       III - Justa causa da destituição será aquela que tenha por fundamento a verificação de um motivo grave, de tal modo que não seja exigível à sociedade manter a relação de administração.

            O ac. do TRL de 09/06/2009 (700/1998.L1-1)
            III – Para encontrar uma definição operativa de justa causa, a jurisprudência tem adoptado um critério assente na culpa e na gravidade do comportamento do administrador, bem como na consequente impossibilidade de continuação deste no cargo.
            IV – Haverá justa causa quando se verificar uma conduta culposa e grave que torne impossível ou inexigível a subsistência da relação jurídica e funcional entre o administrador e a sociedade por ele administrada.
            V – Esta impossibilidade ou inexigibilidade deve ser aferida objectivamente, em função dos factos praticados pelo visado e das condições concretas existentes no seio da empresa societária.

               Ac. do TRL de 16/07/2009 (977/06.2TYLSB.L1-2):
         I - Existirá justa causa de destituição de gerente quando se apure a prática de actos que impossibilitem a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe ou por outras palavras quando dos factos apurados resulte uma situação em face da qual segundo a boa-fé não seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual com o gerente.
            […]
            III- Havendo numa sociedade por quotas um único gerente, constitui violação do dever de se abster de agir em conflito de interesses, como decorrência do dever de lealdade, a conduta do mesmo consubstanciado na atribuição a si próprio de um aumento de remuneração pelo exercício do cargo de gerência e dos prémios de gerência (pontos 58 e 59).
            IV- Todavia esta violação para fundamentar a suspensão do cargo de gerência há de ser de tal modo grave que torne inexigível à sociedade segundo os princípios da boa fé a manutenção da relação contratual pela manifesta quebra da relação de confiança, que, atentos os factos provados, não ocorre.

               Entretanto, em 30/06/2006, entrou em vigor (no essencial) a reforma do direito das sociedades, operada pelo Dec. Lei 76-A/2006, de 29/03, que manteve a redacção dos nºs. 6 e 7 do art. 257, eliminou o que se dizia sobre a questão nos nºs. 2 e 3 do art. 430, mas criou uma outra norma, a do nº 2, que passou a remeter a questão para os nºs. 4 e 5 do art. 403, e neste criou dois novos nº.s com a seguinte redacção:
         4. Constituem, designadamente, justa causa de destituição a violação grave dos deveres do administrador e a sua inaptidão para o exercício normal das respectivas funções.
         5. Se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.

               J. M. Coutinho de Abreu no seu estudo sobre a Destituição de administradores de sociedade, publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol LXXXIII (2007 – págs. 75 a 98), perante isto dizia:
            O que é justa causa?
            […] Em tese geral, diremos ser a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do administrador, torna inexigível àquela manter a rela­ção orgânica com este, designadamente porque o administrador violou gravemente os seus deveres, ou revelou incapacidade ou ficou incapa­citado para o exercício normal das suas funções [nota: A ideia central da noção (inexigibilidade) é pacífica na Alemanha - cfr. por todos HÜFFER, ob. cit., p. 428; convergentemente, entre nós, v. Duarte RODRIGUES, ob. cit., p. 246, João LABAREDA, Direito societário português - Algumas questões, Quid Juris?, Lisboa, 1998, pp. 79, ss.. A enumeração exemplificativa dos fundamentos da justa causa coincide no essencial com a prevista nos arts. 257.°, 6, e 403.°, 4 (coincidente, por sua vez, com a prevista na legislação alemã, p. ex. no § 84 (3) da AktG)].
            Quanto à violação dos deveres dos administradores (deveres estatu­tários, deveres legais específicos, deveres legais gerais), a própria lei comina para certas hipóteses a (possibilidade de) destituição com justa causa: arts. 398°/5 e 254°/5 (exercício não autorizado de actividade concorrente com a da sociedade) [nota: cfr. o Ac. da RG de 11/7/05, CJ, 2005, t. III, p. 295], 447°/8 (não comunicação à socie­dade, com culpa, da posse, aquisição, oneração ou cessação de titularidade de acções e obrigações), 449°/4 e 450.° (abusos de informação). Cons­tituem igualmente justa causa de destituição os comportamentos crimi­nosos previstos no CSC (que requer o dolo - art. 527°/1): v. g., falta de cobrança de entradas de capital (art. 509°), aquisição ilícita de participa­ções próprias (art. 510°), distribuição ilícita de bens da sociedade (art. 514°), recusa ilícita de informações ou prestação de informações falsas (arts. 518° e 519°), impedimento de fiscalização (art. 522°). Assim como os crimes praticados no âmbito da sociedade: v. g., furto, abuso de confiança, infidelidade, falsificação de facturas (CP, arts. 203° e 204°, 205°, 224°, 256.°). E a prática reiterada de actos excedendo o objecto social (mesmo que não danosos) - art. 6º/4, do CSC -, a apresentação injustificadamente tardia dos relatórios de gestão e das contas do exercí­cio (arts. 65°/5, 67°; v. também o art. 20°/1h), 2ª parte, do CIRE) [nota: cfr. os acs. da RP de 9/4/02, CJ, 2002, t. II, p. 216, e de 24/3/03, CJ, 2003, t. II, p. 18], o desrespeito de regras básicas da escrituração da sociedade [nota: V o ac. do STJ de 14/2/95, BMJ n.º 444 (1995), pp. 660-661 (subtracção de facturas várias à contabilidade da sociedade], o aproveitamento em beneficio próprio de oportunidades de negócio ou de bens da sociedade [Nota: no caso julgado pelo Ac. do STJ de 27/10/94, CJ (ASTJ), 1994, t. III, p. 114, o gerente destituído havia permitido, entre outras coisas, que os seus filhos abastecessem (gratuitamente) as respectivas viaturas com combustível da sociedade. Entendeu o tribu­nal que o facto não era relevante, "pois deve considerar-se que também os outros sócios assim procediam". Se um faz o que não deve, todos podem fazer o mesmo; fazendo todos o que não devem, não merece censura quem deixa fazer - é uma máxima lusitana], a perda, intencional ou por desleixo, de condições neces­sárias ou convenientes para a vida da sociedade [nota: cfr. o Ac. da RP de 31/3/03 cit., p. 183 (o gerente deixou caducar os alvarás de construção civil - objecto da sociedade -, anulou contratos de seguros de traba­lhadores)], etc.
            Fala-se aqui de incapacidade para significar, no essencial, quer a (revela-da) falta de conhecimentos necessários para uma gestão ordenada, quer a im-possibilidade física decorrente, por exemplo, de doença prolongada (incurável, nomeadamente) impeditiva do exercício normal das respecti­vas funções [nota: se a doença do administrador não for incurável e, presumivelmente, não se prolongar para lá do termo do período por que foi designado, deverá ter lugar, não a destituição, mas a suspensão, decidida por órgão com funções (só ou também) de fis­calização (art. 400°/1a), 430°/3) e com os efeitos referidos no art. 400°/2 […]].
            […] Há entre nós quem tenha compreensão diversa de "incapacidade [(art. 257°/6) ou "inaptidão" (art. 403°/4)] para o exercício normal das respectivas funções".
            Esta formulação significaria unicamente "incompetência profissional grave", implicando "violação, necessariamente grave, dos deveres de es­tudo e de actualização exigíveis" [nota: A. Menezes CORDEIRO, Direito das sociedades, I voI., 2." ed.,Almedina, Coim­bra, 2007, p. 896. Na mesma linha, realçando o facto de o legislador de 2006 ter alte­rado "incapacidade" (que aparecia no art. 430°/2) para "inaptidão" (agora no art. 403°/4), Ricardo RIBEIRO, Do direito a indemnização dos administradores de sociedades anónimas destituídos sem justa causa (relatório de Curso de Mestrado), FDUC, Coimbra, 2007, nº 2.1] A "incapacitação" física conduziria à "caducidade" [nota: 26 Menezes CORDEIRO, ob. e loco cits..]
            Não posso concordar.
            (1) A incompetência profissional, para justificar a destituição com justa causa, não tem de resultar de violação grave (com dolo ou negligência grosseira) de deveres de estudo e actualização.  Se  assim fosse, a incompe­tência incluir-se--ia, não na "incapacidade" ou "inaptidão" "para o exercí­cio normal das funções", mas antes na "violação grave dos deveres" dos administradores (arts. 257°/6, 403°/4, 64°/1a).
            (2) Contra as expectativas dos sócios [nota: e até, suponha-se, do administrador], o administrador, que apa­rentava possuir bom curriculum académico, e que não descurou o estudo, revela-se inapto para "praticar" a "teoria" e "ler" a realidade e carecente de intuição prospectiva mínima para os negócios. Basta isto para a possibili­dade de ele ser destituído com justa causa.
            (3) Não vejo fundamento jurídico-normativo para remeter a incapa­citação física (devida a doença, designadamente) para o grupo de casos de caducidade.
            (4) Poderia pensar-se em lugar paralelo que se encontra no art. 387/b), do CT (: o contrato de trabalho caduca "em caso de impossibi­lidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho"). Mas aí, como se vê, a impossibilidade de prestação tem de ser absoluta (total, não parcial ou de mera dificuldade) e definitiva (não tem­porária e irreversível). Ora, nada disto tem de verificar-se para legitimar a destituição de administrador com justa causa. Sem prejuízo, claro está, da aplicação dos regimes de segurança social, pública e/ou privada (incluindo nesta as pensões de reforma ou complementares referidas no art. 402°).
            (5) A incapacitação física de administrador, mesmo quando justifi­que destituição com justa causa, não tem de conduzir à destituição. Pode a sociedade optar, por exemplo, pela suspensão (cfr. o art. 400°).
            (6) "Incapacidade" e "inaptidão" são (também) para estes efeitos sinónimos. A inaptidão pode ser física. Com a alteração de "incapacidade" para "inaptidão", o legislador terá pretendido (e bem) evitar confusões com a incapacidade jurídica (ou de exercício) propriamente dita - pre­sente em vários outros artigos do Código (v. logo, pouco antes do art. 403°, o art. 401°).
            (7) Neste campo, o CSC bebeu claramente na legislação alemã (AktG, § 84 (3), GmbHG, § 38 (2)). E entende-se pacificamente na Ale­manha que situações de doença permitem a destituição com justa causa.
            Outras situações, além das incluídas nos grupos de exemplos previstos na lei (violação de deveres, incapacidade), podem tornar inexigível a manutenção da relação administrativa, configurando, pois, justa causa de destituição. Quer situações referíveis aos administradores enquanto tais - v. g., desentendimentos frequentes (ainda que não culposos) en­tre administradores que comprometem a boa marcha dos negócios sociais [nota: cfr. António CAEIRO, Temas..., pp. 165-166 (expondo doutrina e jurispru­dência alemãs), M. COZIAN/A VIANDIER/EDEBOISSY, Droit des sociétés, 17e éd., Litec, Paris, 2004, p. 141] -, quer não - v. g., a situação de insolvência de administrador, quando se reflicta negativamente na sociedade (afugenta financiadores ou clientes, por exemplo), ou a prática de crimes (fora da sociedade) que abala seriamente a confiança no carácter do administrador [nota: Já não é justa causa a mudança no controlo societário (e o desejo ou interesse da nova maioria na mudança de administradores). É entendimento praticamente con­sensual. Em contrário, v. Paolo AGOSTONI, Mutamento della maggioranza azionaria quale giusta causa di revoca degli amministratori, Le Società, 1998, pp. 262, ss. (posição quase iso­lada na doutrina italiana e não aceite na jurisprudência - v. ibid., p. 265)].
            O que fica dito parece suficiente para se verificar que a justa causa de destituição de administrador não é equivalente ou análoga à justa causa de despedimento (laboral) [nota: no mesmo sentido, v. Duarte RODRIGUES, ob. cit., p. 245, João LABAREDA, ob. cit., p. 79, Ac. da RL de 17/11/05, CJ, 2005, t. V, p. 100. Em contrário, v. Ac. do STJ de 3/11/94, BMJ n. o 441 (1994), p. 360, Menezes CORDEIRO, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, Lex, Lisboa, 1997, p.. 380 (= Manual. .., p. 897) - a noção "mais laboral” merece ser acolhida; "a justa causa terá de ter um perfil total­mente imputável ao administrador; se não houver culpa e ilicitude por parte deste, ela não se justifica" -, Ac. da RC de 2/11/99, CJ, 1999, t.V, p. 17, Ac. da RP de 8/4/02, CJ, 2002, t. II, p. 217] No despedimento por facto imputá­vel ao trabalhador, a justa causa exige sempre comportamento culposo (art. 396° do CT) [nota: Mas há afinidades entre esta justa causa e a da destituição fundada em viola­ção grave dos deveres de administração]. E no despedimento colectivo e por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação superveniente ao posto de traba­lho (arts. 397°, ss. do CT) a "justa causa objectiva" está longe das situa­ções não imputáveis ao administrador que justificam a destituição..

                    Ricardo Ribeiro, no seu relatório Do Direito a Indemnização dos Administradores de Sociedades Anónimas Destituídos sem Justa Causa, publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol LXXXIII (2007), págs. 811 a 815, diz:
            E o que se deve entender por justa causa de destituição?
            Antes da reforma societária de 2006, deviam ser tidos em conta dois preceitos fundamentais, a saber: o art. 257°/6 do CSC, relativo aos gerentes das sociedades por quotas, e o art. 430°/2 do CSC, refe­rente aos directores das sociedades anónimas.
            […]
            À luz destas disposições, doutrina e jurisprudência dividiam-se quanto à interpretação a dar ao conceito.
            Uma corrente importante preconizava o carácter não essencial da culpa do gestor para a verificação de justa causa e concluía pela falta de analogia entre a justa causa de destituição de membro da administração e a justa causa de despedimento de trabalhador. Alegava-se que o termo "incapacidade" não vinha utilizado em sentido rigoroso, abrangendo quer a falta de conhecimentos necessários para o desempenho do cargo social, quer a incapacidade por impedimento físico (motivo indepen­dente de culpa) e, além disso, havia ainda que contar, no caso dos direc­tores, com a simples retirada de confiança pela assembleia geral, a cons­tituir justa causa, independentemente de facto imputável ao desti­tuendo [nota: neste sentido, Ilídio Duarte RODRIGUES, op. cit., p. 245, João LABAREDA, Op. cit., pp. 77 e sS., e Coutinho de ABREU, op. cit., pp. 154 e ss..]
            Outra linha de pensamento seguia orientação oposta: acolhia a no­ção «mais laboral» de justa causa e via nesta um comportamento culposo que, pela sua gravidade e consequências, tornasse praticamente impossí­vel a subsistência da relação de administração [nota: assim, Menezes CORDEIRO, Manual de Direito das Sociedades, I - Das Socieda­des em Geral, cit., p. 742; Ac. do STJ de 3/11/94, BMJ n.º 441 (1994), p. 360; Ac. da RC de 2/11/99, CJ, 1999, t.V, pp. 16 e 17; Ac. da RP de 9/4/02, CJ, 2002, t. II, p. 217].
            Este último entendimento era o melhor de jure constituendo, mas não podia ser sufragado de jure constituto.
            Sucede, porém, que, com a reforma de 2006, o quadro normativo concernente à justa causa de destituição foi objecto de alterações.
            E estas alterações, segundo cremos, têm um determinado signifi­cado; apontam um determinado caminho que deve ser iluminado pelas considerações subsequentes.
            Vejamos.
            Conquanto mantendo intocado o art. 257°, o legislador de 2006 eliminou o conteúdo do anterior art. 430°/2 e, em seu lugar, dei­xou uma norma remissiva para o art. 403°, n.°s 4 e 5. Por sua vez, o art. 403°/4 dispõe: «constituem, designadamente, justa causa de destitui­ção a violação grave dos deveres do administrador e a sua inaptidão [nota: naturalmente, o itálico é nosso] para o exercício normal das respectivas funções». E nada mais é dito. Por outras palavras: o actual art. 430°/2, ao remeter para o art. 403°/4, eliminou a referência à «retirada de confiança pela assembleia-geral» como justa causa de destituição.
            Em face do art. 403°/4, a primeira conclusão que podemos extrair é a seguinte: a lei não define justa causa (conceito indetermi­nado), antes se limita a enumerar duas circunstâncias que a configuram, sendo certo que a enumeração é meramente exemplificativa (“designa­damente”) e não taxativa. Consequente-mente, podem verificar-se outras situações que consubstanciem justa causa de destituição.
            Por outro lado, no que diz respeito à violação dos deveres dos administradores, a própria lei, em disposições avulsas, comina a justa causa de destituição para certos casos específicos, como por exemplo: arts. 398°/5 e 254°/5 (exercício não autorizado de actividade concorrente com a da sociedade), e art. 447°/8 (falta culposa de cumprimento do dever de comunicar à sociedade «o número de acções e de obrigações da sociedade de que são titulares e bem assim todas as suas aquisi­ções, onerações ou cessações de titularidade, por qualquer causa, de acções e de obrigações da mesma sociedade e de sociedades com as quais aquela esteja em relação de domínio ou de grupo»).
            Além disso, o Código das Sociedades Comerciais tipifica no Título TII (Disposições Penais) uma série de factos ilícitos (crimes e ilícitos de mera ordenação social) que sujeitam os administradores a penas de prisão ou multa ou a coimas. Ora, em princípio, esses factos ilícitos confi­guram também justa causa de destituição [nota: A jurisprudência, na sua actividade judicativo-decisória, tem vindo a concre­tizar o conceito de justa causa de destituição, mormente no que tange aos gerentes de sociedades por quotas, mas com soluções que, mutatis mutandis, podem aplicar-se aos administradores de sociedades anónimas. Desta forma, há, v.g., justa causa de destituição, quando os membros do órgão de administração subtraem várias facturas à conta­bilidade da sociedade (v. o Ac. do STJ de 14/2/95, BMJ, n.º 444 (1995), pp. 660-661); aproveitam, em beneficio próprio, determinadas oportunidades de negócio, in casu: venda de um estabelecimento por 83.000.000$, quando podia ter sido feita por 260.000.000$ (v. Ac. da RE de 28/5/98, CJ, 1998, t. III, pp. 262-265); cumprem tar­diamente (2 ou 3 anos depois) o seu dever de relatar a gestão e de apresentar as con­tas do exercício (v. Ac. da RP de 9/4/02, cit., p. 216); deixam caducar alvarás de cons­trução civil, anulam contratos de seguros de trabalhadores e passam facturas falsas para efeitos contabilísticos (v. Ac. da RP de 24/3/03, CJ, 2003, t. II, pp. 180-183).
            Até aqui, a justa causa é justa causa subjectiva, ou seja, funda-se num acto imputável ao administrador, a título de culpa.
            Resta saber como deve ser interpretada a parte final do art. 403º/4 do CSC: «a inaptidão para o exercício normal das respectivas funções». Já vimos que o legislador, em sede de sociedades anónimas, falava primeiramente em «incapacidade» e o mesmo acontecia - e acontece - em sede de sociedades por quotas (art. 257°/6 do CSC). Mas, agora, para os administradores de sociedades anónimas, o termo é outro: inaptidão». Estes dois termos querem dizer o mesmo? É minha opinião que não. Parece que a lei, com essa alteração, quis significar coisa diversa, pois, de contrário, teria mantido o termo «incapacidade»; não o teria substituído por outro, aparentemente sinónimo. Assim sendo, e presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º/3 in fine do Código Civil), «a inaptidão para o exercício normal das respectivas funções» deve ser compreen­dida, não também como incapacitação por impedimento físico, mas, única e exclusivamente, como incompetência profissional, levando, assim, pressuposta uma ideia de culpa: o administrador, v.g., negligencia os seus deveres de estudo e actualização, exigidos pelas novas realidades da empresa [nota: nestes precisos termos, quanto à interpretação do art. 257°/6 do CSC, Menezes CORDEIRO, Manual de Direito das Sociedades, II - Das Sociedades em Especial, cit., p. 417. O Autor já perfilhava a mesma opinião, antes da reforma de 2006, em Manual de Direito das Sociedades, I - Das Sociedades em Geral, cit., p. 741]. E o mesmo se diga, por uma questão de coerência sis­temática, da expressão «incapacidade para o exercício normal das res­pectivas funções» que o art. 257º, nº 6 do CSC, inadvertidamente, manteve.
            Posto isto, e tendo presente a eliminação da justa causa que era a «retirada de confiança pela assembleia-geral», somos levados a admitir que a culpa deve, em princípio, ser erigida em pressuposto da justa causa de destituição.
            Até por outra razão. Na verdade, não seria justo que um adminis­trador pudesse ser destituído com justa causa e sem direito a indemniza­ção, por facto que lhe não fosse imputável, a título de culpa. Tanto é assim que reputada doutrina, antes da reforma, sentiu necessidade de proteger o administrador, defendendo a estipulação contratual de in­demnização para as hipóteses de justa causa, quando não houvesse culpa do administrador na sua verificação [nota: Cfr. Ilídio Duarte RODRIGUES, op. cit., p. 245 n. (379) e p. 258, bem como Coutinho de ABREU, op. cit., p. 163].
            Ora, o nosso entendimento parece preferível, porquanto tenta redu­zir a justa causa à justa causa subjectiva e esvaziá-la de justas causas objectivas», remetendo estas últimas para os quadros da destituição sem justa causa e garantindo, por essa via, ao administrador destituído o res­sarcimento dos prejuízos sofridos.
            Destarte, não nos repugna a aproximação do conceito de justa causa de destituição do administrador ao conceito de justa causa de despedimento do trabalhador (art. 396°/1 do Código do Trabalho [nota: A justa causa será aqui «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho»]).
            Em suma: não obstante a necessidade de concretização casuística do conceito, sempre diremos, em abstracto, ser a justa causa de destituição, qualquer circunstância, facto ou situação (em princípio, imputáveis ao administrador), em face dos quais não seja exigível à sociedade manter relação de administração [nota: Baptista MACHADO (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Coimbra 1979, p. 21) ensaia, em tese geral, uma aproximação ao conceito de justa causa, em termos que convém reter: «Será uma "justa causa" ou um "fundamento importante" qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa)”.

                                                                 *

               Conclusão:

               Perante isto tudo, há pelo menos três pontos comuns quanto àquilo que se tinha como justa causa no CSC antes da reforma de 2006:

               A situação invocada – quer como causa objectiva (para quem a aceitava) quer como causa subjectiva - tinha que ser grave, isto é, adequada, no que ao caso interessa, a produzir o efeito de perda da indemnização. Quando se tratasse da violação de deveres, essa violação tinha que ser, para além de grave, culposa, fosse na forma de dolo, fosse na forma de negligência. A questão da simples e arbitrária (para quem a aceitava) retirada da confiança só se colocava na hipótese de directores das sociedades anónimas, o que não era o caso do autor.

                                                                 *  

               O que é que como valer como invocação de justa causa

               O que é que foi invocado como justa causa no caso dos autos?

               A resposta a esta pergunta depende do entendimento daquilo que vale como invocação de justa causa:

               Segundo o acórdão do ac. do STJ de 11/03/1999, que confirma, nesse aspecto, a posição tomada pelo tribunal da relação do Porto, e que é anotado favoravelmente pelo Prof. António Pinto Monteiro, na RLJ 132, págs. 53 e segs, o que vale é o que consta da acta.

               Daí que se diga:
         No sumário: No caso dos autos, a destituição do autor foi ilícita porque a acta não refere factos passíveis de integrarem o conceito de justa causa, tendo-se tratado, por isso, de uma destituição livre, ad libitum ou ad nutum, que seria permitida se não existisse o acordo parassocial.
         No texto […] Não constando da acta da AG em que o autor foi destituído as razões dessa destituição, deve concluir-se ter-se tratado de uma destituição “ad nutum” e não por justa causa, por apenas interessar a fundamentação constante da acta - ou a ausência dela [o acórdão diz: ou dela ausente, mas a forma utilizada, em itálico, tirada de Pinto Monteiro – 1ª coluna da pág. 54 - é mais correcta].

               Mais precisamente diz-se no acórdão do STJ:
            […] escreveu-se no acórdão recorrido:
            A acta é um documento particular (…) embora não integrando a forma da deliberação, é indispensável para a sua prova. Da acta resulta a prova positiva dos factos nela referidos e a prova negativa de se não terem passado os factos que ela não relata. A acta enquanto documento necessário para a validade do acto ou da deliberação tornada é um documento ad substantiam, e sendo assim, exclui-se a sua substituição por qualquer outro meio de prova (mesmo confissão), ou por outro documento que não seja de força probatória superior
cfr. artigo 364.º, n.° 1, do Código Civil.

               E depois lembra:
            A propósito da acta da assembleia-geral, a jurisprudência do STJ tem sustentado, em acórdãos muito recentes, o seguinte:
            — No Acórdão de 04/02/96, Proc. n.° 449/96, 1 Secção, decidiu-se que a falta de acta da assembleia não pode ser suprida por outro meio de prova como, v.g., a confissão expressa, e postula a ineficácia da respectiva deliberação.
            — No Acórdão de 07/10/97, Proc. n.° 264/97, 1. Secção, considerou-se que, em princípio, a acta narra os factos ocorridos numa dada assembleia-geral, reconstitui a historicidade da deliberação, mas não é a deliberação nem integra a forma da deliberação. Em princípio, a acta certifica não a historicidade da deliberação como ainda a sua existência e o seu conteúdo.
            - No Acórdão de 02/07/96, Proc. n.° 67/96, 1 a Secção, entendeu-se que a acta é expressamente apresentada pelo artigo 63.°, n.° 1, do CSC, como um documento ad probationem. Mas, não obstante, a sua falta, face aos termos peremptórios do dispositivo legal citado, não pode ser suprida por outro meio de prova, como a confissão expressa, ao contrário do que sucede no âmbito do direito civil, e postula unicamente a ineficácia da deliberação social. Mas se a acta é imprescindível ou insubstituível para a prova das deliberações sociais, então a declaração nelas contida só pode valer com um sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto da acta.
            Cotejando o entendimento que se desprende dos citados acórdãos deste Supremo Tribunal com os extractos a que procedemos do acórdão ora recorrido, fácil é constatar que, se é unânime o juízo de que a acta da assembleia geral da sociedade não integra a própria deliberação, mas que é indispensável para sua prova, já o não é a conclusão de que a acta constitui uma formalidade ad substantiam da deliberação, havendo quem propenda a considerá-la como formalidade ad probationen, um documento informativo testemunhal, a apreciar livremente pelo tribunal, nos termos do artigo 396.° do CC, fazendo apelo ao próprio texto do artigo 63º do CSC: a deliberação não documentada não deixaria de existir pela circunstância de não ter sido documentada, mas apenas poderia ser provada, sobrevindo litígio, pela acta.
            O que significa que, em termos práticos, e no que à economia do presente caso diz respeito, não resultam consequências de relevo, independentemente da concepção que, a propósito da natureza jurídica da acta, se viesse a adoptar. Com efeito, sempre se poderia defender que, aquando da deliberação consubstanciada na acta, não se fundamentou a mesma, e não será agora possível vir a fundamentá-la, o que equivaleria a uma fundamentação sucessiva. Só que tal entendimento, apesar de exacto, se circunscreve ao âmbito da própria deliberação social.
            Concorda-se, assim, com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo no sentido de que, não constando da acta da assembleia geral em que o autor foi destituído as razões dessa destituição, se deverá concluir ter-se tratado de uma destituição ad nutum e não por justa causa, por apenas interessar a fundamentação constante da acta — ou dela ausente.

Também nesse sentido vai o ac. do STJ de 15/02/2000 (CJ.STJ.2000.I, pág. 104).
            I - Na acção de indemnização proposta pelo administrador destituído ad nutum, ao autor cabe provar a sua qualidade de administrador, a destituição e os prejuízos e à ré sociedade incumbe alegar e provar a justa causa, os fundamentos de destituição.
            II - Estes fundamentos de destituição devem constar da acta, como base que são da própria deliberação.
            III - A justa causa de destituição é, pois, matéria de excepção, como se decidiu na 1ª instância - nº 2 do art. 342° do CC. -, cumprindo à ré sociedade demonstrar em juízo que os fundamentos que levaram à destituição e que foram aceites pela assembleia-geral integram, efectivamente, justa causa de destituição.
            IV - Se a assembleia-geral se limitou a votar a destituição, sem consideração dos motivos a dar-lhe causa, pode questionar-se, mesmo, se a prova da justa causa está ao alcance da sociedade.
            V - À falta de prova da justa causa, a sociedade fica constituída na obrigação de indemnizar o administrador destituído pelos prejuízos que a este resultaram da resolução unilateral da relação contratual de administração.

               No ac. do STJ de 14/12/2006 (06A3803) dá-se notícia de que:
         “foi já decidido, com trânsito em julgado, pela não verificação da justa causa de destituição dos autores, não porque estes não tivessem praticado factos passíveis de integrar o conceito jurídico de "justa causa", mas antes porque tais factos não foram consignados na acta da AG da ré (onde foi deliberado proceder à sua destituição do cargo de gerentes que nela exerciam), nem nessa assembleia foram apontadas as razões factícias que determinaram a destituição da gerência.

               Contra, no entanto, sem razão, veja-se o artigo de Coutinho de Abreu, nota 51, citando três acórdãos do STJ no mesmo sentido (mas também referindo, contra, o de 15/02/2000):

               Esses acórdãos citados pelo autor são:

               O de 23/06/1992 (081795 = BMJ 418/793 com um sumário muito diferente mas no mesmo sentido; os quatro primeiros pontos do sumário têm interesse para se entender o porquê da acta, para este acórdão do STJ, não interessar):
            I - O poder conferido aos sócios no n.º 1 do artigo 257 do CSC, de deliberar a todo o tempo destituir o gerente, apresenta-se no mesmo alinhamento do princípio da liberdade de revogação dos poderes de administração das sociedades civis e do princípio da liberdade de revogação dos contratos de prestação de serviços e de mandato (artigos 986, n. 3, 1156 e 1170 do CC).
            II - Ressalvada a hipótese do n.º 3, não é necessária a verificação da "justa causa" para que os sócios reunidos em assembleia deliberem a destituição do gerente.
            III. No contexto do artigo 257, a "justa causa" apresenta-se como um conceito indeterminado, sendo que no n. 6 desse artigo tipificam-se dois casos significativos:    1) violação grave dos deveres do gerente; 2) incapacidade para o exercício normal das respectivas funções - sem que se absorvam totalmente os casos relevantes de "justa causa" de destituição do gerente.
            IV - Incumbe ao gerente destituído alegar e provar a sua destituição sem justa causa, para efeito de ter direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, na conformidade do disposto no n. 7 do artigo 257 do CSC, em conjugação com a regra geral, contida no n. 1 do artigo 342 do CC.
            V – No BMJ acrescenta-se o seguinte ponto, entre outros: Nem o art. 257, em particular o seu nº. 7, nem outro dispositivo exigem que constem da acta da assembleia respectiva os factos, contrários ao interesse da sociedade, que tenham servido de base à deliberação de destituição, podendo o tribunal aceder a eles mediante outros meios de prova.                                          

               Na anotação de EMLC (no BMJ, pág. 801) são citados como tendo diferente concepção da acta, em relação a este acórdãos, os acs do STJ de 12/06/1962, o do TRE de 06/01/1977, publicado na CJ.1977, tomo II, págs. 116 e segs; e  o do ac. do TRP de 06/03/1979, publicado na CJ.1979, tomo II, págs. 429 e segs.

               O de 18/06/1996 – CJ.STJ.96.II, pág. 155 e segs (= 96A102)
            I - Salvo casos excepcionais a destituição de gerente em assembleia-geral da respectiva sociedade é livre.
            II - A relevância de justa causa, nesse contexto, interessará para efeitos de haver ou não indemnização ao destituído.
            III - O conceito de justa causa será integrado pelos factos comprovados em processo judicial em que tal se discute, inseríveis nas perspectivas abrangentes da deliberação tomada.

               Este acórdão, como fundamentação para a questão, invoca apenas o ac. de 23/06/1992…

               E o de 20/1/1999 – BMJ. 483, págs. 176 e segs, mais precisamente na pág. 182 que simplesmente remete, na questão em causa, para o ac. do STJ de 18/06/1996.

               Mais suave é a posição do ac. do STJ de 02/02/2006 (05B2682):
            7. Sendo certo que à apreciação da questão da existência ou não de justa causa interessam os factos trazidos ao processo e neste comprovados, ainda que não explicitados na deliberação de destituição, embora insertos nas razões genéricas dessa deliberação.

               A posição correcta é a dos acórdãos do STJ de 1999 e 2000, sendo que a posição do acórdão do STJ de 1992, base sucessiva dos posteriores que foram nesse sentido (de 1996 e 1999), assenta numa posição de princípio que é hoje praticamente recusada por todos (como se verá à frente), ou seja, a de que cabe ao autor o ónus da prova de ter sido destituído sem justa causa.

               É o que resulta, desde logo, da 1ª parte do art. 63 do CSC que estabelece que as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias. Devendo ser tidas como documentos ad probationem, são elas o único meio de provar os motivos da destituição que foram aceites na deliberação; “se a acta é imprescindível ou insubstituível para a prova das deliberações sociais, então a declaração nelas contida só pode valer com um sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto da acta” (segue-se a fundamentação do acórdão de 02/07/1996, citado acima).

               É certo que outras questões podem levantar-se (como o explicam o acórdão do STJ de 11/03/1999 e a anotação do Prof. Pinto Monteiro), quando já não se está a discutir a verificação da justa causa, mas sim, por exemplo, a da responsabilização pelos danos (no caso de uma destituição ilícita), mas isso é outra questão (e que no caso não tem interesse, pois que a destituição, como se verá, foi lícita).

                                                                 *

               Do que foi invocado como justa causa

               Tudo isto implica duas limitações:

               Só vale o que consta da acta e, do que aí consta, só vale o que se provar em julgamento (no caso de se discutir a validade da destituição…).

               Quanto ao limite decorrente dos motivos invocados na acta transcrita em G), diga-se que esta os divide em três.

               Tendo em consideração o seu conteúdo e comparando-os com os factos provados, temos que apenas os sob I), J), K), 20, 21, 23 podem ser aproveitados.

               Por outro lado, tendo ainda em conta os motivos invocados na acta, tem que se ter em conta o que aí é de facto invocado e que não se provou, o que no caso tem logo relevo a nível do motivo relacionado com o aval.

                                                                 *

               Antes de prosseguir, no entanto, note-se o seguinte:

               Os três motivos invocados são colocados como violação de deveres: violação do dever de solidariedade, o 1º;  violação do dever de prestar aval, o 2º; e não aprovação do relatório e contas apesar de estas peças terem sido propostas por um órgão de que faz parte, o 3º, pressupondo-se pois a violação do dever de o aprovar.

               Assim, no caso, como se disse acima, trata-se da violação de deveres, violação que tem de ser culposa e tem de ser grave – grave o suficiente para justificar destituir alguém sem sequer o indemnizar dos prejuízos que vai sofrer. 

                                                                 *

               Por outro lado, importa ainda ver a questão do ónus da prova:

               Por força da posição tomada quanto ao que pode ser invocado, logo se diria que a única posição correcta é a de que o ónus da prova da existência da justa causa cabe à ré. É uma decorrência simples de a justa causa se reportar a factos ou situações que já têm que existir quando ela invocada e que têm que constar da acta da deliberação que a invoca.

               E foi isto mesmo que decidiu a sentença recorrida, ou seja, que o ónus da prova da existência de justa causa cabia à ré (invocando nesse sentido, o ac. do TRL de 08/10/2009, embora tenha tido o cuidado de chamar a atenção para posição contrária tomada pelo acórdão do TRL de 18/12/2002).

               Mas mesmo que não se siga tal posição quanto ao valor da acta – como aliás na prática não a segue a própria sentença -, a única posição correcta é a de considerar que a justa causa é um facto constitutivo do direito da sociedade de destituir o administrador sem indemnização e por isso está a cargo dela a prova da justa causa (embora outros a considerem um facto impeditivo do direito do autor a ser indemnizado, também a provar… pela ré).

               Neste sentido, veja-se por exemplo, a posição de Coutinho de Abreu, obra citada, nota 50, citando doutrina e variadíssimos acórdãos nesse sentido, tal como a de Ricardo Ribeiro, obra citada, págs. 830/831, e a de João Labareda, obra citada, pág. 93, etc).

Também nesse sentido vai o ac. do STJ de 15/02/2000 (CJ.STJ.2000.I, pág. 104), citado acima.

               O ac. do STJ de 02/02/2006 (05B2682) diz que:
            4. Na acção destinada a obter a indemnização, configurando-se a justa causa de destituição do gerente de sociedade por quotas, deliberada pelos sócios, como circunstância impeditiva do direito à indemnização pelo gerente destituído, o ónus da prova dos respectivos factos cabe à sociedade.

               O ac. do STJ de 11/07/2006 (06A1884) diz que:
         IV. A justa causa da destituição é matéria de excepção, pelo que incumbe á sociedade ré o respectivo ónus da prova.

            O ac. do STJ de 12/07/2006 (06B988) diz que:
         5. À ré incumbe demonstrar a justa causa da destituição do gerente.

            O ac. do TRL de 09/06/2009 (700/1998.L1-1)
         VI – Provado que o administrador recebeu uma carta comunicando-lhe a exoneração, sem que lhe tenham sido comunicadas e especificadas as concretas razões da sua destituição, a posterior invocação de justa causa apenas na contestação constitui matéria de excepção que à ré sociedade cabe provar.

                                                                 *

               Passando agora à apreciação em concreto dos motivos invocados:

               Vendo agora cada um dos motivos invocados e começando pelo relativo ao aval, diga-se que, na parte que se lhe refere, censura-se a recusa da prestação do aval porque contrariaria o compromisso assumido aquando da tomada de posse de administrador. Ou seja, a deliberação de destituição reconhece implicitamente que não é a recusa de prestar o aval, tão só, que poderia constituir justa causa, mas só o seria se resultasse da recusa de um compromisso livremente assumido, ou da a violação de um dever.

               Ora, a esta última parte reportavam-se os quesitos 18 e 19, que foram dados como não provados…

               Pelo que, um dos motivos realmente invocados, não se provou e poderia, desde já, ser afastado.

                                                                 *

               Mas, suponha-se que não, isto é, que não há aquele reconhecimento implícito que aqui se está a invocar. A recusa de prestar aval pode, só por si, ser considerada uma violação grave e culposa de um dever e justificar, por isso, a destituição do administrador?

               Não: a prestação de um aval é um acto negocial, que tem de estar na disponibilidade de quem o presta, se não houver uma obrigação nesse sentido. Com o aval, aquele que o presta está a garantir o cumprimento de uma obrigação cambiária (arts. 30 da LULL e 25 da LUCh)  passando a ser responsável da mesma maneira que a pessoa que ele garante (arts. 32 da LULL e 27 da LUCh). Ora, ninguém pode, pela simples vontade de outrem, ser colocado nesta situação de obrigado cambiário. E ameaçar destituir um administrador por não prestar um aval (e é disso que no fundo se trata), era tentá-lo coagi-lo a fazer isso, coacção que não é admissível (art. 255 do CC).

                                                                 *

               Mas, para ponderar o caso perante a posição daqueles que admitem a cessação por justa causa sem culpa, poderia perguntar-se se seria possível ver na recusa da prestação do aval, não a violação de um dever, mas uma situação objectiva de justa causa completada pelo resto que constava do ponto 2 da acta transcrito acima, mais ou menos comprovada pelo que consta dos factos 20 e 23, e esquecida a referência ao compromisso ali referido?

               A resposta continuaria a ser a mesma, desde logo porque nem sequer se alegou que o autor, querendo, estivesse em condições ou pudesse prestar tal aval, que aliás nem se sabe que encargos lhe imporia. A que propósito pois é que se poderia dizer que a ré teria razões, sem prova do que antecede, para dizer que tinha deixado de ter, justificadamente, falta de confiança no autor e que lhe era inexigível manter a relação com ele, podendo-o destituir, sem ter em conta o interesse deste na manutenção da relação?

               E tudo isto continua a ser assim, mesmo tendo consideração a posição divergente de Coutinho de Abreu e acórdãos já referidos quanto àquilo que pode relevar, isto é, se para além do que consta da acta, se tivessem ainda em conta outros factos, como os factos provados sob 6 e 22, pois que tais factos dizem respeito aos outros administradores, nada esclarecendo quanto à posição e condições do autor.

                                                                 *

               E para além disto tudo, não deixa de ser verdade o que o autor escreve a propósito, nas suas alegações de recurso, embora com fundamentação algo diferente:
         “Recorde-se que ficou provado que o autor votou pela não aprovação do relatório de contas de 2005 (facto I)), o que mostra desde logo a sua discordância em relação à gestão da sociedade e a sua suspeita em relação às contas da mesma. Obrigar alguém que votou contra o relatório de contas de uma empresa a constituir-se avalista da mesma é, no mínimo, violento - sobretudo quando não resulta dos factos provados a necessidade concreta desse aval (ou a sua dimensão, já agora).
         Mas mesmo que houvesse necessidade do aval do autor e que as suspeitas deste em relação às contas da ré fossem infundadas, mesmo assim não é clara a sua obrigação em prestar o aval ou que a recusa constitua justa causa de destituição.
         Efectivamente, a justa causa de destituição, nos termos do disposto no art. 403/4 do CSC, assenta na violação grave dos deveres do administrador ou na sua inaptidão para o exercício normal das respectivas funções.
         Será dever geral do administrador, em princípio, o desempenho das suas funções conforme descritas no pacto social ou na lei. A falta de melhor norma, aplicar-se-á aqui o regime do art. 406 do CSC. Este, quando a avais, apenas prevê, na alínea f), as cauções e garantias pessoais ou reais prestadas pela própria sociedade.
         O aval é um acto pessoal, não um acto de gestão ou administração.
         Ninguém no seu perfeito juízo assumiria o cargo de administrador de uma sociedade se tivesse a obrigação de lhe prestar avais pessoais. Sobretudo quando o administrador não tem funções executivas e é ao mesmo tempo sócio minoritário da sociedade (facto B)).
         Assim, não só era inexigível ao autor a prestação de um aval pessoal como esta recusa nunca poderia fundamentar a sua destituição com justa causa.”

                                                                 *

               Quanto ao 1º motivo invocado, a ré nem sequer o alegou na contestação, limitou-se a impugnar o que o autor dizia em contrário na petição inicial. Daí que só tenha ficado provada a 1ª parte de tal motivo, na versão dada pelo autor. É o facto J): o autor pediu por intermédio de advogado que lhe fossem facultadas as informações referidas nos artigos 286 e 105/2 do CSC.

               Ora, se o autor tem o direito de pedir as informações em causa, pode-o fazer também por representante, se não houver, como não há, norma que o impeça (ao contrário do que acontece para os sócios não gerentes, nos arts. 181/3 e 214/4, ambos do CSC; aliás, nas sociedades anónimas, até os accionistas se podem fazer representar no direito de consulta: arts. 288/3 e 380, ambos do CSC), pelo que não se vê em que é que tal conduta lhe pode ser censurada, tanto mais que não se invoca qualquer situação de abuso de informações (arts. 449/5 e 450, ambos do CSC). Aliás, a própria sentença reconhece que “esta factualidade […] poderá, por si só, não consubstanciar justa causa para a destituição” (embora depois acrescente que “mas acaba por ser já notória a falta de confiança e algum desentendimento e mal estar nas relações entre o autor e a ré” – supõe esta ressalva, assim, que “esta factualidade” pode ser integrada com outro motivo, para compor a justa causa; ver-se-á se assim é, se o outro motivo invocado tiver relevo; mas relembre-se que a simples retirada subjectiva da confiança nunca poderia ser considerada justa causa para destituição de uma administrador não director; e, já agora, não se vê qual o facto que permita invocar a falta de confiança contra o autor e não contra os outros administradores; o facto de haver desentendimentos entre administradores, só por si, não pode implicar que um deles, arbitrariamente, seja considerado a fonte de tal falta de confiança).

               E contra isto nenhum relevo tem o mais que constava do motivo invocado na acta como justificativo: isto é, a sugestão de que não se tornava necessária a representação porque o autor sempre tinha tido todo o direito de acesso, tomando em consideração a sua função de administrador. Bem como os demais factos alegados e apurados na acção e que não constavam da acta, ou seja, os factos 13 a 17. Porque nada disto responde à objecção de que o autor estava no direito de se fazer representar na obtenção daquelas informações (até para melhor exercer o seu direito, inclusive em benefício da sociedade… o que até poderá justificar o facto que consta da parte final do 1º motivo invocado, no que se refere à intenção não concretizada do autor).

                                                                 *

               Falta o 3º motivo invocado. O facto de o autor ter votado pela não aprovação do relatório e contas para o exercício de 2005.

               Diz a sentença:
         “Esta não aprovação das contas denota, desde logo, e até porque o autor, pelo menos nestes autos nem sequer a justificou, o transparecer de alguma desconfiança e ausência de bom relacionamento, que levam a concluir pela inviabilidade da sua manutenção como administrador”. 

               Este motivo invocado pela ré é, notoriamente, errado. Se alguém tem que votar alguma coisa, tem que ter liberdade de voto na questão. Isto pelo menos quando não haja – como não há no caso dos autos - acordo de voto (previsto no art. 17 do CSC). Ora, pressuposto desta liberdade é que do exercício da mesma não se possam retirar consequências negativas para o seu autor, apenas pelo simples facto de ter votado num dado sentido.  Até porque, o voto contrário é que pode ser o voto errado e então os outros administradores é que deviam ser destituídos.

               Por outro lado, tendo a sentença concluído que é à ré que cabe o ónus da prova da justa causa, não se vê a razão de aqui dizer que era o autor que tinha que justificar ter votado em sentido contrário. Isto só faria sentido, por outro lado, se se considerasse que quem vota contra a maioria nunca tem razão e merece ser censurado por isso. E ainda se volta à mesma questão de há pouco: porque é que “o transparecer de alguma desconfiança e ausência de bom relacionamento” há-de ser imputável ao autor e não aos outros administradores? O princípio da maioria apenas implica que ela vença a votação, não que o voto maioritário esteja necessariamente certo e que quem vota contra esteja a actuar dolosa ou negligentemente.

                                                                 *

               Pode-se pois concluir que o autor foi destituído sem justa causa: como é que exercer o seu direito de voto num sentido diverso ao da maioria (em questões que aliás não têm a ver com a gestão da sociedade), fazer-se representar num pedido de informações a que tinha direito (sem que se diga que houve abuso de informação, nos termos dos arts. 449/5 e 450 do CSC) e recusar, sem que a tal estivesse obrigado, prestar aval (acto pessoal como diz o autor), pode ser considerado uma violação grave do exercício de deveres (ainda para mais, como lembra o autor, sendo ele um administrador não executivo) ou revelar incapacidade para o exercício normal das suas funções?

                                                                 *

               Concluído que o autor foi destituído sem justa causa (ou melhor, com invocação de justa causa que não se provou), fica por resolver a questão que a sentença recorrida não resolveu por estar prejudicada pela resposta negativa à primeira. Ou seja, da indemnização pedida.

               Da indemnização

               Não havia assim fundamento para a destituição.

               Note-se entretanto, aqui, aquilo que já resulta de tudo o que antecede: não se trata de uma destituição que se possa dizer ilícita, já que o autor não discute, pelo menos agora, isso. Não há nenhuma norma ou acordo que se possam dizer violados ou em contradição objectiva com a destituição. Trata-se simplesmente de uma destituição sem justa causa.

               Ora, nestes casos de destituição sem justa causa, a lei – se não o tiver feito o contrato - atribui ao gerente ou ao administrador (ou ao director - tendo em conta a redacção anterior à reforma de 2006) a indemnização dos prejuízos sofridos (arts. 257/7 e 430/3, ambos do CSC – apesar do art. 403 na redacção anterior à reforma de 2006 não o prever expressamente, já antes se entendia, em relação aos administradores, que seriam indemnizáveis nos casos de destituição sem justa causa – neste sentido, veja-se tudo aquilo que foi dito por João Labareda, Ricardo Correia, citados acima).

               Esta indemnização, no caso, é uma indemnização por acto lícito (veja-se o que diz a propósito Raúl Ventura, Sociedade por quotas, vol. III, Almedina, 1991, págs. 117 a 119, ou nos Novos estudos sobre sociedades anónimas e sociedades em nome colectivo, Almedina, 1994, págs. 29/30; no mesmo sentido, veja-se o artigo citado de Coutinho de Abreu, referindo também Ricardo Ribeiro; este, por sua vez, no seu relatório citado, cita, a págs. 815 e 816, no mesmo sentido João Labareda e Ilídio Rodrigues, e os acs. do STJ de 07/02/2006 e de 11/07/2006, e refere contra a posição isolada de Menezes Cordeiro que entende que se trata de um acto ilícito, na edição posterior à reforma de 2006), logo também sem culpa (assim, por exemplo, Ricardo Ribeiro, pág. 822), e reporta-se apenas aos prejuízos “resultantes da perda dos proventos do gerente, nessa qualidade, durante certo tempo (não há prejuízo, se a gerência for gratuita); a indemnização consiste, portanto, na quantia correspondente aos esperados proventos” (Raúl Ventura, pág. 119; no mesmo sentido, vai Ricardo Correia, pág. 814).

               Coutinho de Abreu, vai mais longe e admite, por esta via, a indemnização também dos danos emergentes (pág. 88). Mas o autor destes autos não fala destes, pelo que esta questão não tem interesse.

                                                                 *

               Da prova dos prejuízos:

               Tem sido dito por muita jurisprudência que não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência para que o gerente destituído tenha direito à mesma:

            No ac. do STJ de 12/07/2006 (06B988) diz-se que:
         4. Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, resultantes da perda dos proventos do gerente, nesta qualidade, durante certo tempo, bem como dos danos não patrimoniais, em particular quando a perda do posto de trabalho importe quebra de prestígio profissional e social.
         […]
         6. Ao gerente destituído incumbe o ónus de alegação e prova dos danos citados em 4., da mera invocação de perda da remuneração pelo exercício da gerência, não se podendo, sem mais, concluir pela existência dos preditos danos patrimoniais.

               Anote-se, no entanto, que neste caso a gerência era gratuita…

               No ac. do STJ de 11/07/2006 (06A1884):
         V. Ao autor cabe provar a sua qualidade de administrador, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade.
         VI. Sendo a destituição ad nutum dá lugar a indemnização pelos prejuízos causados, valendo, quanto aos danos patrimoniais, a teoria da diferença.
         VII. Trata-se de um caso de responsabilidade por facto lícito.

               Neste acórdão diz-se ainda: não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da administração, pois os prejuízos para o autor só se verificam se ele não teve a oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional. É que não se afigura justo que seja indemnizado o administrador destituído que, por culpa sua, não obteve novo emprego de nível idêntico, em prazo razoável.

               O acórdão do STJ de 14/12/2006 (06A3803; o relator é o mesmo que do anterior) diz que:
         II. Cabe ao autor provar os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, a qualidade de gerente, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade, conforme a regra geral do ónus da prova prevista no art. 342, nº 2, do CC.
         III. A indemnização devida a gerente destituído sem justa causa deve ter como suporte a alegação e prova da existência de prejuízos.
         IV. Se o gerente não os alegou nem provou, não há que fixar indemnização.
         V. Não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência.

               O acórdão no texto esclarece que neste sentido se tem orientado a jurisprudência do STJ (ac. de 23/06/1992, BMJ 418/473; de 27/10/1994, CJ.STJ.94, tomo III, pág. 112; de 20/05/2004 - 04B1218 – e de 11/07/2006 (06A1884) e explica: os prejuízos para os autores só se verificam se eles não tiveram oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional, o que se ignora. Não tendo os autores alegado e provado o suporte fáctico que fundamente a real existência de prejuízos, não lhes pode ser reconhecido o direito a qualquer indemnização. E não se justifica a remessa para liquidação em execução de sentença, por não ter ficado provada a existência de quaisquer danos.

               O ac. do TRL de 12/06/2007 (7363/2006-1) diz que:
         I. A perda de remuneração decorrente da destituição ‘ad nutum’ de gerente/administrador não consubstancia necessariamente um dano indemnizável.
         II. É sobre o gerente/administrador destituído que impende o ónus da prova da existência de dano.

               Este acórdão tem voto de vencido no sentido de que há dano pelo simples facto da quebra de relação laboral, só não sendo assim, se a ré tivesse provado que o autor tinha obtido de imediato lugar com remuneração e demais benefícios complementares idênticos)

               O  ac. do TRL de 09/06/2009 (700/1998.L1-1)
         II – O princípio da livre destituição dos administradores das sociedades anónimas, a qualquer momento, com ou sem justa causa, implica que, neste último caso, o destituído antes do termo mandato tenha direito a ser indemnizado pela sociedade.
         VII – A indemnização a arbitrar ao administrador destituído sem causa justa, na ausência de outros danos, deve corresponder ao lucro cessante consubstanciado nos vencimentos que, encontrando-se desempregado, deixou de auferir até ao termo do mandato.

               No texto acrescenta-se: da conjugação de todos estes preceitos, resulta que o autor, destituído que foi do cargo de administrador da ré, sem justa causa, tem direito a ser indemnizado. E, na ausência de outros danos, tem desde logo direito a ser ressarcido do lucro cessante correspondente aos vencimentos que deixou de auferir até ao termo do seu mandato. Em concreto, provou-se que o autor se encontrava desempregado à data da propositura desta acção, pelo que os danos foram computados, e bem, em função dos vencimentos que receberia até ao fim do referido mandato. Com efeito, além de não ser exigível ao autor que mantivesse o vínculo ao seu emprego anterior, também não está demonstrado que tal lhe era possível, pois a ré excepcionante nem sequer aduz estes e outros factos ou circunstâncias idóneos que, a provarem-se, sustentassem alguma culpa do lesado relevante para efeitos de fixação da indemnização, nos termos do art. 494º, do CC.

               O ac. do TRL de 08/10/2009 (132/1996.L1-2): 
         VI – A norma do art 403º/5 CSC não comporta uma cláusula penal indemnizatória, não podendo por isso concluir-se que caso a sociedade não prove que os reais prejuízos do administrador destituído foram inferiores ou nenhuns relativamente àquele montante, ele resulte assegurado ao administrador destituído.
         VII- O valor a que se refere essa norma é um valor máximo, e não necessário, para a indemnização em causa, cujo montante, tendo aquele tecto, se há-de encontrar “nos termos gerais de direito”, isto é, em função dos prejuízos (danos emergentes e lucros cessantes) que forem efectivamente provados, incumbindo o ónus da prova ao administrador.
         VII - A aplicação da teoria da diferença que decorre do nº 2 do art 566º CC, leva a que o objecto da acção permaneça ilíquido até ao encerramento do julgamento em 1ª instância, na medida em que o juízo comparativo a que aquela teoria exige, deverá ser feito entre a situação patrimonial do lesado nessa altura e que a ele teria, também nessa mesma altura, se não tivessem ocorrido os danos.

               Este acórdão do TRL lembra, no entanto, a posição contrária de Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 5ª ed, pág. 369, Almedina:
         “(…) não tem de se aplicar os princípios gerais da responsabilidade civil, porque temos, para as sociedades de quotas (para as sociedades anónimas, cfr o preceituado no art 403º CSC) o preceito especial determinando que, fora da justa causa, haverá sempre indemnização, e qual o montante a indemnizar”, acrescentando, tal autor, explicitamente, “não concordamos, pois, minimamente, com a jurisprudência que tem excluído, nas sociedades de quotas, o dever de indemnizar sempre que o destituído não tenha provado danos sofridos, ou que tem aferido o respectivo montante pelo dano provado. O valor a atribuir, salvo estipulação constante do contrato é o referido no nº 7 do art 257º CSC”.

               O ac. do STJ de 07/07/2010 (5416/07.9TBVNG) diz que:
         A concessão da indemnização prevista no art. 257/7 do CSC, exige a demonstração de factos concretos reveladores de que a situação económica real do gerente é, após a destituição, pior do que aquela em que se encontraria se ela não tivesse ocorrido, não bastando a prova da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência.

               Não obstante, aquilo que se provou na prática no caso deste acórdão do STJ – e mesmo assim a indemnização foi concedida – foi apenas que a autora trabalhava como gerente, que auferia a remuneração, tinha deixado de trabalhar e de auferir a remuneração e se não fosse a destituição teria continuado a trabalhar e a auferir a remuneração…. [13) Desde então a Autora nunca mais trabalhou nas questões e afazeres societários. 14) E não mais recebeu quaisquer proventos daí advindos. 15) Apesar de contabilisticamente não se encontrar inscrita qualquer remuneração afecta à Autora, o certo é que a Autora auferia mensalmente um vencimento de 855,00 € liquidado 14 vezes/ano. 16) Vencimento este de que a Autora se vê privada desde Agosto 2003 até à pre­sente data. 17) A Autora exerceu o cargo de gerente e as funções durante 17 anos. 18) Comprometendo ainda a possibilidade de exercício pela Autora de outra actividade remunerada a idêntico nível económico, atentos os seus 61 anos de idade. 19) A Autora manter-se-ia no cargo ainda por mais quatro anos, uma vez que não foi designado qualquer prazo para a sua duração.20) Sendo que nenhuma acta lhe foi então exibida”].

               Coutinho de Abreu, obra citada, pág. 87, diz que é o destituído que tem de provar os danos sofridos.

               Ricardo Correia, relatório citado, pág. 829, nota 59, diz:
         “não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da administração. O administrador terá de alegar e provar a existência e o valor dos danos sofridos. Se o não fizer, não há fixar a indemnização.” e esclarece que essa é também a posição de Coutinho de Abreu, no Governação das Sociedades Comerciais, pág. 161.

               Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, Vol. II, 2006, Almedina (págs. 421-422 – citado no relatório de Ricardo Correia) diz:

         “Particularmente criticável nos parece ser a postura de desconsiderar os lucros cessantes com a alegação de que o destituído, entretanto, angariou outros meios de vida. Premiamos o infractor: quanto mais o destituído trabalhar, menos pagará a entidade responsável. E se o destituído se remeter à completa ociosidade, então a responsabilidade da sociedade será máxima…” [mas sobre isto, podem-se ver algumas respostas na nota 2031 do Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Dez2008, de Paulo Mota Pinto, págs. 714 a 717, a propósito de questão tratada mais à frente neste acórdão].

                                                                 *

               Posto isto:

               Por um lado, a posição de Pinto Furtado, é a que melhor se coaduna com a letra da lei. E com ela parece concordante quer a passagem citada de Menezes Cordeiro (que na edição citada não se teve oportunidade de conferir) quer a passagem acima citada de Raúl Ventura.

               Não parece possível que a lei esteja a atribuir uma indemnização que não poderá ser pedida logo à data da verificação da respectiva previsão normativa, mas antes está dependente do decurso de um período de tempo e dependente ainda do facto de o destituído não ter recebido nada correspondente durante o mesmo período, pressupostos estes exigidos em abstracto por alguma da jurisprudência citada mas que não constam da lei.

               Na prática, a interpretação contrária à de Pinto Furtado, acaba por ser a negação do direito atribuído por lei. Exigir que aquele que é destituído em 2006, tenha, para receber o direito à indemnização pela antecipação da cessação da relação que só devia terminar em 2008, de aguardar pelo fim deste período para provar que durante o mesmo não auferiu qualquer remuneração alternativa é contraditório: o direito nasce naquele momento, não no fim do período em causa. E se ele tem o direito, tem que o poder exercer logo (art. 2/2 do CPC).

               O destituído em 2006 vem ao tribunal pedir, logo no dia a seguir, a indemnização a que o art. 257/7 do CSC lhe dá direito, por estar mandatado até 2008. O tribunal manda-o embora, dizendo-lhe que espere até 2008 e que até lá não faça nada igualmente remunerado, pois que se fizer não lhe é atribuída a indemnização…

                                                                 *

               Mas mesmo que não se concorde com a posição de Pinto Furtado, a afirmação genérica do ónus de prova a cargo do destituído – que obviamente tem de ser aceite, por corresponder à lei (art. 342/1 do CC – não implica necessariamente aquilo que alguma da jurisprudência citada parece retirar dela.

               Paradigmática é a posição do acórdão de 2010 do STJ  (5416/07.9TBVNG) cujo sumário parece implicar o contrário do que afinal acabou por ser decidido.

               Relembre-se: o que se provou de facto nesse caso foi apenas que a autora trabalhava como gerente, que auferia a remuneração, tinha deixado de trabalhar e de auferir a remuneração e se não fosse a destituição teria continuado a trabalhar e a auferir a remuneração….

               E, apesar disso, o ac. do STJ concedeu a indemnização (confirmando a posição do tribunal de 1ª instância e da Relação).

               É que o facto de se dizer que o destituído, como autor, tem o ónus da prova do dano, não quer dizer que ele não possa beneficiar de uma presunção, natural, de prejuízo, decorrente do facto de ter um direito a uma remuneração e depois da destituição ter deixado de o ter (e não se diga que também deixou de ter o dever correspectivo, pois que não foi por sua vontade que o deixou de ter). Não é isto o suficiente para se concluir, face à normalidade das coisas, de que o titular do direito sofreu um lucro cessante, que perdeu uma fonte de rendimentos?

               É certo que pode ter arranjado uma ocupação com uma remuneração equivalente, e aí, se não for de seguir a posição de Pinto Furtado ou a de Menezes Cordeiro, verifica-se um facto que, a título de compensação do dano com lucro (art. 795/2 do CC), deve levar a que não lhe seja concedida a indemnização. Só que, então, este facto é um facto impeditivo cuja prova está a cargo da sociedade que destituiu o gerente (art. 342/2 do CC).

               Num lugar paralelo, não se põe a cargo do trabalhador o ónus da prova do aliunde perceptum, isto é, põe-se a cargo da entidade que despede o trabalhador a prova de que ele passou a receber, por outro lugar, remuneração equivalente, para poder descontar na indemnização devida esta outra remuneração (com base nas normas dos arts. 13/2b) da LCCT – Dec. Lei 64-A/89, de 27/2, 437/2 do CT2003 e 390/2a) do CT2009; veja-se, por último, a questão no ac. do STJ de 22/09/2010 – 235/07.5TTMAI.P1.S1: Tal sucede com o rendimento do trabalho que tenha sido conseguido pela disponibilidade laboral deixada peio despedimento e até ao limite da retribuição que era auferida no empregador anterior, bem como com o subsídio de desemprego. Tal ónus da prova cabe ao empregador, por se tratar de facto impeditivo ou extintivo do direito do trabalhador às retribuições vencidas e vincendas, também designadas vulgarmente por salários de tramitação, atento o disposto no art. 342°/2 do CC e o ac. do STJ de 17/07/2010, 615-B/2001.E1.S1, que lembra que neste STJ, a jurisprudência tem vindo a orientar-se, há já algum tempo e de modo uniforme, no sentido de que aqueles ónus recaem sobre o empregador (cf., entre outros, os acórdãos de 20 de Setembro de 2006, Processo n.º 899/06, de 14 de Dezembro de 2006, Processo n.º 1324/06, de 12 de Julho de 2007, Processos nºs 4104/06 e 4280/06, de 10 de Julho de 2008, Processo n.º 457/08, e de 25 de Março de 2010, Processo n.º 690/03.2TTAVR-B.C1.S1, todos da 4.ª Secção). Isto se não fosse de recusar que a outra fonte de remuneração tenha a sua causa na destituição do gerente, isto é, que se possa considerar um benefício decorrente da exoneração, pelo que nem sequer podia ser compensada (sobre a questão veja-se Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, págs. 404 a 407, e Paulo Mota Pinto, obra citada, nota 2031, págs. 714 a 717).

               Uma situação algo parecida e a discussão gerada à volta dela, pode ser chamada à colação:

               Paulo Mota Pinto, obra citada, a propósito da indemnização do dano da privação do uso, entende (pág. 586), que:
            “é, porém, duvidoso que a perturbação da possibilidade abstracta de uso resultante da propriedade da coisa, do “jus utendi et fruendi”, integrado do licere do proprietário (justamente porque integrante apenas de um licere), constitua logo, para além de um acto violador do direito (ilícito), um dano (uma lesão de um bem) que exija imediatamente uma protecção indemnizatória, independentemente das circunstâncias concretas”.

               Posição com que se concorda. Mas, note-se que, do que este autor escreve nas págs. 590/592 e respectivas notas, resulta - e com isto também se concorda -, que deve presumir-se uma vontade e possibilidade de utilização de bens de uso corrente – pelo que, nestes casos, cabe ao lesante provar que o lesado não teria a possibilidade ou a vontade de utilizar a coisa; ou, noutra perspectiva, a sua aceitação, na questão dos lucros cessantes em sentido próprio, como é o caso dos autos, e neste particular, da posição de Abrantes Geral, que é da presunção de um lucro cessante normal (segundo o curso regular das coisas), sendo ao lesante que compete o ónus da prova da sua inexistência, ou, noutros termos ainda, de que compete ao lesante a prova de que o lucro cessante normal não seria realizado.

               Ou seja: se alguém tem algo que costumava utilizar e deixa de o poder fazer em consequência de acto de terceiro, deve presumir-se, naturalmente, que sofre um dano e deve ser indemnizado pelo mesmo, excepto se o terceiro provar que ele não o ia ou não o poderia utilizar.

               Ora, no fundo é exactamente este o raciocínio a fazer no caso dos autos (a não se seguir a posição de Pinto Furtado, repete-se): o autor estava a receber uma remuneração, deixou de lha ser paga, presume-se naturalmente que tem um prejuízo decorrente dessa falta. Era à sociedade que cabia a prova de que o autor começou a receber, de outro lado, a mesma remuneração, ou só não continuou a receber a mesma remuneração porque não quis.

            Ainda de outro modo: a afirmação genérica feita pela maioria da jurisprudência entende-se e aplica-se para os danos morais, para os danos emergentes e para casos de gerências gratuitas. Já  não para casos de lucros cessantes, relativos a perda de remuneração que estava contratada. Que se exija de alguém, que recebia uma remuneração e a deixa de receber em consequência da destituição, que prove o lucro cessante, é algo que não é de aceitar.

               A posição correcta é pois a de Pinto Furtado (se é que não se pode dizer que é também a de Raúl Ventura – aliás, na nota, 45, onde Coutinho de Abreu, obra citada, refere doutrina e jurisprudência a pôr a cargo do destituído o ónus da prova, assim, sem mais, Raúl Ventura vem referenciado como tendo posição diferente, ao lado de Pinto Furtado e de Menezes Cordeiro). Mas se assim não se entender, deve pelo menos ser seguida a posição de Menezes Cordeiro, do voto de vencido do ac. do TRL de 12/06/2007, do ac. do TRL de 09/06/2009 e, na prática, a assumida pelo acórdão do STJ de 07/07/2010.

               Assim, o autor tem direito à retribuição correspondente ao período pelo que tinha sido nomeado (até 15/08/2008).

                                                                 *

               Note-se que é este o período de nomeação que foi dado como provado (até 15/08/2008). E apesar de a ré o ter discutido inicialmente (dizia que era só até 15/08/2007), não o meteu agora em causa (o que o podia fazer nos termos do art. 684-A/2 do CPC), pelo que se tem como assente. De resto, o prazo de duração dos mandatos era de três anos (conforme a inscrição nº. 1 da matrícula da sociedade que consta da certidão da CRC da Guarda) e de 15/08/2005 a 15/08/2007 só vão dois anos.

                                                                 *

               Este direito constituiu-se na esfera jurídica do autor com a sua destituição sem justa causa. Depois de constituído, a prática de actos posteriores unilaterais (da ré) não tem reflexos. A ré não pode, por acto seu, apagar direitos que já existiam na esfera patrimonial do autor. A deliberação da suspensão dos vencimentos, de 29/05/2006, invocada pela ré na contestação, mas que não passou para os factos provados, é irrelevante, tal como defendia o autor na resposta à contestação. 

                                                                 *

               Dos danos morais

               O autor também poderia ter direito a indemnização por facto ilícito, designadamente por violação de contrato ou da lei, mas aí o acto ilícito tem de ser culposo e provocador de danos (art. 483 do CC – no mesmo sentido, veja-se de novo Coutinho de Abreu, artigo citado, pág. 88).

               Esta seria em princípio a base normativa do direito à indemnização pedido pelo autor relativamente aos danos morais, embora Menezes Cordeiro e Paulo Olavo Cunha entendem que estes danos seriam indemnizáveis logo pela norma do art. 403/5 do CSC (contra, para além de Coutinho de Abreu, acabado de citar, veja-se ainda o estudo de Ricardo Ribeiro, págs. 819 a 822 – não se opta por nenhuma das posições – daí que se diga “em princípio” - por desnecessidade, como se vê já de seguida).

               O único facto que se provou quanto aos danos morais é o referido no ponto 7 – o aborrecimento do autor por ter sido destituído do cargo – dano que não tem gravidade suficiente para merecer a tutela da lei (art. 496 do CC).

               Sendo claro que não se verifica um dos pressupostos do direito a esta indemnização, não se vai discutir a verificação dos restantes: a ilicitude e a culpa da destituição deliberada pela ré.

                                                                 *

               Sumário:

               I – A destituição com justa causa de um administrador de uma SA, tinha, mesmo antes da reforma de 2006 do CSC, de ser baseada numa situação grave e, dizendo respeito à violação de deveres, o respectivo comportamento tinha que ser culposo.

               II – “A acta é insubstituível para a prova das deliberações sociais”, pelo que “a declaração [de destituição e respectiva fundamentação] nelas contida só pode valer com um sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto da acta”.

               III – O ónus da prova da existência da justa causa cabe à SA.

               IV – A destituição sem justa causa não é, só por si, ilícita, mas dá direito ao destituído de ser indemnizado pelos lucros cessantes, isto é, por aquilo que auferiria até ao fim do mandato.

               V – A esta indemnização não tem de se aplicar os princípios gerais da responsabilidade civil, porque os preceitos dos arts. 257/7 e 430/3, ambos do CSC (antes da reforma de 2006 aplicáveis por analogia ao administrador da SA; depois desta reforma os artigos 257/7 e 403/5 do CSC) “são preceitos especiais determinando que, fora da justa causa, haverá sempre indemnização, e qual o montante a indemnizar” (Pinto Furtado).

               VI – Mesmo que não se concorde com a conclusão antecedente, o destituído tem a seu favor a presunção natural da perda do lucro cessante normal (segundo o curso regular das coisas), pelo que seria à SA que caberia provar que o destituído, apesar de ter perdido a remuneração até ao fim do mandato, obteve o mesmo rendimento de outra fonte (aliunde perceptum), ou que se quisesse o poderia ter obtido, para o poder querer compensar com a indemnização em causa.

                                                                 *

               Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julga a acção parcialmente procedente, condenando-se a ré, por ter destituído sem justa causa o autor, a pagar-lhe a remuneração que ele auferiria até ao termo do mandato, isto é, de Junho de 2006 a 15/08/2008, no total de 15.900€ (= 600€ x 26,5 meses), absolvendo-a do demais pedido.

               Custas pelo autor e pela ré na proporção do decaimento, quer na acção quer no recurso.

           


Pedro Martins ( Relator )
Emídio Costa
Gonçalves Ferreira