Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1780/16.7T8CBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: FGADM
FUNDO DA GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
PROCESSO TUTELAR CÍVEL
NOTIFICAÇÃO DO INCUMPRIDOR DE ALIMENTOS
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 41º, 43º, Nº 3, E 48º DO RGTC.
Sumário:
1 - Destinando-se a notificação a que alude o nº 3 do art 43º RGTC a que o alegado incumpridor da obrigação de alimentos fixada em processo tutelar cível possa em sua defesa alegar e provar o cumprimento, cujo ónus de prova lhe pertence nos termos gerais do art 762º e ss CC, tal notificação é uma notificação pessoal para o efeito do disposto no art 250º CPC.

2 - Por isso, e não obstante a natureza incidental do processo de incumprimento relativamente ao processo de regulação das responsabilidades parentais, tem de ser efectuada em função das disposições relativas à realização da citação pessoal.

3 - Só uma notificação pessoal nos termos referidos acautelará suficientemente os legítimos interesses do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores (e hoje a maiores em formação, em função da L 24/2017, de 14/5), sabido, como é, que um dos pressupostos da intervenção desse Fundo reside na declaração de incumprimento por parte do progenitor que ficou obrigado judicialmente à prestação de alimentos.

Decisão Texto Integral: Proc nº 1780/16.7T8CBR-C
Acordam na 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

M..., mãe dos menores M... e G... instaurou, em 18/9/2017, por apenso aos autos de regulação de Responsabilidades Parentais a eles referentes e contra o pai dos mesmos, N.., residente na Suíça, incidente de incumprimento.

Invocou que o Requerido não paga os alimentos devidos aos filhos, no valor de €150,00 para cada um, em que foi condenado por sentença de 29/5/2017, nem o abono de família que recebe, nem a sua quota parte da mensalidade do colégio desde Agosto de 2017, bem como o montante de €400 que acordou pagar até Junho de 2017 relativamente a alimentos vencidos, ascendendo a quantia em dívida ao montante de €2.082,00, requerendo que através do mecanismo previsto no art 48º do RGPTC sejam decretadas as medidas necessárias ao cumprimento coercivo da divida, designadamente, ordenando-se a notificação da Segurança Social da Suíça, bem como o respectivo Consulado e ainda a notificação dos Bancos M... e M..., bem como outros a indicar pelo BdP, para procederem à dedução da quantia em dívida nos saldos bancários de que aquele seja titular ou co-titular, requerendo ainda a condenação do mesmo em multa e indemnização a favor dos dois menores.

Sobre tal requerimento foi proferido o seguinte despacho:

«Ao abrigo do nº 3 do artigo 41º do Regime Geral do processo Tutelar Cível, dado que o incumprimento foi suscitado apenas no que toca ao pagamento da pensão de alimentos, notifique o requerido para, em 5 dias, alegar o que tiver por conveniente, devendo documentar nos autos os pagamentos alegadamente em falta, com a advertência de que, se não o fizer, se terá o incumprimento por verificado».

Tendo sido expedida carta registada para a indicada morada do Requerido, veio a mesma devolvida.

A Requerente – a quem não foi notificada a devolução da carta - deu notícia de sucessivos e novos incumprimentos por parte do Requerido, insistindo na respectiva notificação, nos termos e para o efeito do disposto no art 41º/3 do RG PTC.

O Ministério Público promoveu que se declarasse o incumprimento.

Foi então proferida decisão, na qual, depois de se evidenciar que «a decisão sobre o incumprimento do exercício do poder paternal a que se refere o artigo 41º do RGPTC depende não somente da prova da ocorrência do incumprimento, mas igualmente de que o mesmo é imputável ao faltoso (exigindo-se, pois, culpa na eclosão e na génese deste incumprimento)», referiu que, «contudo, se nada for alegado ou provado, deve o incumprimento ter-se por imputável ao devedor, por aplicação analógica do preceituado no artigo 799º do CC, já que estamos perante uma obrigação pecuniária, embora de fonte não contratual», e, em função destas razões, julgou procedente o incumprimento das responsabilidades parentais, declarando o Requerido em situação de incumprimento relativamente aos alimentos vencidos entre Agosto e Novembro de 2017, no montante de €1.200 euros; a €1.370,16 relativos aos abonos de família recebidos pelo Requerido entre Agosto e Novembro de 2017; a €260,41 das mensalidades de Setembro e Outubro do colégio dos filhos; e a €400 cujo pagamento assumiu em 29-5-2017, condenando-o a proceder ao respectivo pagamento. Fixando o valor da acção em 30.000,01 euros, condenou o Requerido em custas, fixando a taxa de justiça em 1 UC nos termos da tabela II anexa ao RCP.

E, de seguida, ordenou que se oficiasse o Consulado-Geral de Portugal na Suíça, solicitando informação acerca da situação retributiva do requerido, com indicação da respectiva entidade patronal, indeferindo a pretendida notificação dos bancos por exceder o âmbito do art 48º do RGPTC.

II - É desta decisão que o Requerido apela, pedindo se atribua ao recurso efeito suspensivo - na medida em que, invoca, liquidou no passado mês de Novembro o montante total peticionado na acção, juntando documento referente a esse pagamento - tendo concluído as respectivas alegações do seguinte modo:

...

A Requerente ofereceu contra-alegações, nelas invocando que o Requerido não pagou a totalidade dos valores por ela peticionados, estando de novo em situação de incumprimento, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, evidenciando que o Requerido «bem sabe que se obrigou voluntariamente no âmbito de regulação do exercício das responsabilidades parentais a pagar aos seus dois filhos menores uma pensão de alimentos até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária».

Tendo os autos ido com vista ao Ministério Público para que se pronunciasse acerca da invocada nulidade processual, o mesmo consignou que «a notificação foi efectuada no cumprimento do preceituado no art 41º, nº 3, do RGPTC, para a morada do requerido, considerando-se efectuada, atento o preceituado no art 247º, n.º 2 do CPC. Estamos no âmbito de um incidente e não de uma acção. Não se verifica, pois, a invocada nulidade».

O recurso foi recebido com efeito suspensivo, «tendo em consideração o pagamento por ele (Requerido) documentado aquando do oferecimento das alegações de recurso (em montante superior ao valor a que foi condenado na sentença recorrida) e o disposto no artigo 647º, nº 4 do C.P.C., com as devidas adaptações», invocando-se os arts 32º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível aprovado pela Lei nº 141/2015 de 8/9 e 637º/1 e 2, 644º/1, al. a), 645º/1, al. a) do C.P.C.

III – Devendo ter-se em consideração para a decisão do recurso as vicissitudes processuais acima relatadas, deverão considerar-se também os factos tidos como provados na decisão recorrida referentes ao incumprimento, decorrentes «dos elementos juntos aos autos e da análise dos autos principais e do apenso A»:

...

IV – Operando o confronto da decisão recorrida com as conclusões do recurso, de que decorre numa primeira linha o objecto do mesmo, analisa-se este em saber se, para efeitos do disposto no art 48º do RGTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível), a notificação ao requerido a que se reporta o nº 3/2ª parte do art 41º do mesmo diploma legal não pode ser presumida pelo simples envio de carta para a morada do mesmo conhecida no processo principal, sob pena de violação da proibição da indefesa decorrente do art 20º da CRP.

Como questão prévia cumpre, no entanto, apreciar a junção aos autos do documento apresentado com as alegações do recurso.

Ora, e sem maiores considerações, logo se entrevê que a admissão da junção aos autos desse documento - com que o Requerido pretende provar o pagamento dos alimentos peticionados na acção - está, relativamente a essa finalidade, dependente da decisão da questão acima evidenciada como correspondendo ao objecto do recurso, pois que apenas se se concluir que o mesmo não chegou a ser notificado nos termos e para os efeitos do nº 3 do art 43º RGTC, se poderá concluir que a sua apresentação não foi possível até esse momento e, decorrentemente, que a sua apresentação (com as alegações do recurso) apenas se tornou necessária em virtude de ter sido proferida a decisão recorrida, nos termos do art 651º/1 CPC. È que, caso se venha a entender que essa notificação ocorreu nos devidos termos, o Requerido, tendo sido notificado, teria tido oportunidade de proceder atempadamente à junção do referido documento - cfr art 425º CPC - como desde logo resultaria da advertência do despacho acima referido que ordenou a notificação do mesmo para «alegar em 5 dias o que tiver por conveniente, devendo documentar nos autos os pagamentos alegadamente em falta, com a advertência de que, se não o fizer, se terá o incumprimento por verificado»

O que não obsta a que o documento em referência tenha sido desde logo tomado em consideração para a atribuição de efeito suspensivo ao recurso como sucedeu nos autos.

A questão objecto do recurso tem vindo a ser controvertida na jurisprudência com uma corrente a entender que a notificação a que se reporta o art 41º/3 do RGTC não é pessoal, e por isso não tem que ser realizada com as formalidades próprias da citação, com a consequência de poder ser feita na pessoa do mandatário do pretendido devedor alimentar quando este o tenha constituído no processo principal, nos termos do art 247º CPC, ou com a consequência de se considerar efectuada quando, tendo sido efectuada por carta registada para a residência daquele nos termos do art 249º/1 CPC, tal carta venha devolvida, atento o preceituado no nº 2 desse preceito Nesse sentido, entre outros, Ac R G 7/1/2016 (Carvalho Guerra), Ac R G 2/5/2016 (José Amaral), Ac R C 28/11/2017 (Moreira do Carmo). , e outra no sentido contrário, exigindo para tal notificação o cumprimento das referidas formalidades Neste sentido e entre outros, voto de vencido de Mª João Areias no Ac desta Relação atrás referido e Ac R G 12/7/2016 (António Beça Pereira) .

A questão não é, pois, nova, tendo vindo a colocar-se ainda no âmbito de vigência da OTM perante o disposto nos respectivos arts 181º/2 e 189º, cujos textos correspondem, prática e respectivamente, ao nº 3 do art 41º e ao art 48º do RGTC (a diferença mais significativa reportar-se-á à introdução neste art 41º/3 da expressão «excepcionalmente» que não constava do paralelo nº 2 daquele art 181º, relativamente à alternativa colocada ao tribunal de, ao invés de convocar os pais para uma conferência, mandar notificar o requerido para alegar o que tivesse por conveniente).

Devendo salientar-se para início da apreciação da questão objecto do recurso que no domínio da OTM e, por conseguinte, em função da referida contraposição entre os seus arts 181º e 189º, chegou a ser defendido que os âmbitos de aplicação de uma e outra dessas normas não coincidiam – a do art 181º, reportar-se-ia ao incumprimento de prestações de carácter pessoal e a do art 189º ao incumprimento de prestações de carácter exclusivamente patrimonial (alimentos) - do que decorria que estando em causa apenas o incumprimento de alimentos se imporia de imediato fazer actuar o art 189º, sem se dever ter em conta o disposto no art 181º, e que implicava que ou de todo se excluísse ao requerido a possibilidade de contestar o incumprimento dos alimentos fixados de que era acusado - Neste sentido, Ac R P 7/2/1985, BMJ 344º-463, em cujo sumário se lê: «Ao não pagamento ou ao pagamento impontual dos alimentos devidos aos menores são aplicáveis as regras dos arts 189º e 190º da OTM II . O art 181º dessa mesma lei não é aplicável a tais faltas, mas apenas às hipóteses de incumprimento do regime relativo à situação do menor (…)», ou que essa possibilidade só sobreviesse depois da concreta adopção de qualquer das medidas executivas estabelecidas nas várias alíneas do art 189º Assim, Ac R E de 4/5/89 BMJ 387º- 680, em cujo sumário consta: «Após a regulação do poder paternal , se o cônjuge condenado a pagar alimentos o não fizer , não há que aplicar novamente o art 181º da OTM. II Haverá antes, naquele caso, que recorrer primeiro ao art 189º da OTM, procurando tornar efectiva a prestação dos alimentos devidos»

Ac R L 9/2/1988 in CJ T I-127, onde se refere: «(…) III – O procedimento previsto na al a ) do nº 1 do art 189º não tem que ser precedido por notificação ao requerido para dizer o que tiver por conveniente , nem de inquérito sumário, pois não lhe é aplicável o estabelecido no art 181º do citado diploma . IV. O requerido só tem que ser notificado do despacho que haja ordenado os descontos no seu vencimento, após estes se terem iniciado» .

Essa posição foi sendo posta de lado, - Sendo criticada por Rui Epifânio e Maria Clara Sotto Maior evidenciando-se que ao progenitor incumpridor objecto das providências do art 189º não lhe era possível, sequer, opor-se por embargos, como sucede na execução, ficando pois o mesmo sem defesa, tendo-se tornado pacífico que também em matéria exclusivamente de incumprimento dos alimentos cumpria ao tribunal, em primeiro lugar, decidir se se registava ou não o incumprimento, devendo fazê-lo através dos meios constantes do art 181º. Considerava-se que, em princípio, o disposto no nº 4 dessa norma - realização de inquérito sumário e quaisquer outras diligências que se entendessem necessárias – era apenas aplicável ao incumprimento de prestações de carácter pessoal, mas admitia-se que se pudesse lançar mão desses meios instrutórios mais complexos nas hipóteses de incumprimento de alimentos, caso se registassem controvérsias juridicamente relevantes do ponto de vista jurídico (factos que justificassem a recusa do cumprimento, como a mora creditoris ou a iliquidez da obrigação). Assim, na maioria das situações, sendo ouvido o inadimplente a respeito do não cumprimento da obrigação de alimentos, se este não comprovasse o pagamento ou não invocasse razão juridicamente atendível para o não cumprimento, declarava-se o incumprimento, com a passagem imediata ao cumprimento forçado do art 189º.

Ultrapassado que foi definitivamente o referido entendimento da não audição (pelo menos prévia) do devedor de alimentos em função da aplicação do disposto na 2ª parte do nº 2 do então art 181º e, consequentemente, adquirido que este tinha de ser sempre ouvido antes da aplicação de quaisquer das medidas executivas do art 189º, concluía-se que o legislador pretendia que a execução da obrigação de alimentos através do meio expedido e célere do então art 189º implicasse sempre uma prévia apreciação da existência do incumprimento.

Entendimento este que, naturalmente, transitou para o RGTC à luz dos correspondentes arts 41º/3 e 48º do RGTC.

De tal modo que se pode concluir que o processo incidental de incumprimento comporta uma fase declarativa – referente ao apuramento do incumprimento - a que são aplicáveis subsidiariamente as regras processuais referentes aos incidentes da instância, por força do disposto no art 986º/1 CPC - e uma fase executiva - referente ao decretamento das medidas tendentes ao cumprimento.

O que significa que a via executiva do art 189º da OTM e hoje do art 48º do RGTC se configura como diferente da via executiva normal, na medida em que, ao contrário do que sucede nesta, em que o titulo executivo faz presumir a existência do direito a certa prestação concreta, aqui, em matéria de incumprimento da obrigação alimentar decorrente de responsabilidades parentais, o legislador pretendeu que a execução só se iniciasse depois de confirmada a inexecução.

Por outro lado, há que evidenciar que as medidas executivas – taxativamente fixadas no art 48º do RGTC, como o eram no 189º da OTM (e por isso o Exmo Juiz a quo indeferiu a notificação de Bancos como vinha requerida) - «Regime Geral do Processo Tutelar Cível», Tome de Almeida Ramião, 2ª ed , p 191– são verdadeiras medidas executivas, traduzindo-se na satisfação do direito do credor através da entrega que lhe é directamente feita das quantias em divida, o que corresponde à consignação de rendimentos a que alude o art 803º CPC.

Se se usava referir o processo do art 189º da OTM e hoje o do art 48º do RGTC, como processo “pré-executivo”, é bom que se note que esta expressão não tem a ver com uma gradação inferior à do processo executivo, como se se tivesse em face de uma “quase-execução”, mas apenas com a circunstância de se estar «à margem de uma acção executiva e independente dela, no sentido de que a não procede», mas que a pode dispensar, pela satisfação que se quis mais expedita do interesse do credor através da já referida consignação de rendimentos.

O que se veio de dizer e reflectir destina-se a vincar a importância da notificação ao requerido a que se reportava o nº 2 do art 181º da OTM e hoje se reporta o nº 3 do art 41º do RGTC: só perante uma efectiva notificação se torna possível ao alegado incumpridor da obrigação de alimentos fixada em processo tutelar cível alegar e provar o cumprimento, cujo ónus de prova lhe pertence, nos termos gerais do art 762º e ss CC.

Pelo que só notificado nesses termos se pode concluir, perante a respectiva revelia, pela não prova do cumprimento e condena-lo no mesmo e em custas pelo incidente a que deu causa.

Logo se vê que a notificação a que alude o nº 3 do art 48º é uma notificação pessoal, para o efeito do disposto no art 250º CPC.

Dispõe essa norma que «para além dos casos especialmente previstos, aplicam-se as disposições relativas à realização da citação pessoal às notificações a que aludem os nº 4 do art 18º, 3 do art 27º e 2 do art 28º».

Trata-se estes especificados casos, nas palavras de Lopes do Rego - «Comentários ao Código de Processo Civil» , 2ª ed, 2004, Vol I, p 245, de situações referentes ao suprimento da incapacidade judiciária em que se considerou que a tutela dos interesses do incapaz se não bastava com a mera realização da notificação postal mediante aviso registado.

A respeito desta norma ponderam Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro-« Primeiras Notas ao Código de Processo Civil» 2004, 2º ed Vol I, p 247: «A expressão “notificação às partes ou seus representantes” presente na epígrafe tem o sentido de notificação feita directamente à parte. O artigo dirige-se, pois, ao universo dos casos em que a parte (ou o seu representante) é directamente notificada, não sendo, pois, a notificação feita na pessoa do patrono forense (art 247º/1). Mas não a todos: apenas àqueles designados na norma ou especialmente previstos na lei». Mas acrescentam a respeito destes últimos casos: «A previsão especial não carece de ser expressa. O que releva é a função desempenhada pela notificação pessoal em causa. Os casos de aplicação das regras da citação pessoal à notificação são, assim, aqueles em que esta tem uma função própria da citação: dar pela primeira vez conhecimento ao destinatário na acção – ou de representante do interessado – para que exerça os seus direitos- ainda que este interessado não seja formalmente designado de parte (art 219º/1)» - Exemplificando com as notificações dos arts 420º-2 (produção antecipada de prova), 699º/2 (recurso de revisão), 993º/3 ( conversão da separação em divórcio), e 1028ª/1 (notificação para preferência), a que se deverá somar a do art 773º/1 ( notificação do devedor na penhora de créditos)

Se, para Lopes do Rego, em face da redacção deste preceito, «não tem cabimento a notificação edital, porque a norma apenas remete para as disposições relativas à “realização da citação pessoal”, devendo, em consequência, frustrada que esta se mostre, a causa prosseguir os seus termos, já Lebre de Freitas/Joao Redinha/Rui Pinto - «Código de Processo Civil Anotado», vol I, 2ª ed, p 489, entendendo que em geral não há lugar à notificação edital («porque do regime da citação, só as normas respeitantes à prática do acto– conteúdo, modalidades, formalidades, pessoa perante quem é praticado – são mandadas observar)», entendem que, «quando a equiparação à citação visa garantir o direito de defesa, não pode deixar de se entender, sob pena de inconstitucionalidade, que se aplicam as normas respeitantes, nomeadamente, ao prazo para a arguição da nulidade (…) e à elisão da presunção do conhecimento (…) que regem no caso da citação, precisamente para garantia do direito de defesa, (…) do mesmo modo que, frustrada num destes casos a notificação pessoal, há que proceder à citação edital».

Já se viu, bastantemente, como na situação dos autos está em causa a garantia do direito de defesa, pelo que nenhumas dúvidas poderá haver em que a notificação a que se refere o nº 3 do art 89º do RGPTC se deve ter como pessoal.

Repare-se que uma notificação nestes termos – pese embora seja, obviamente, à partida, mais morosa, podendo até “complicar-se” em termos que exigirão, nos termos expostos, a notificação edital – assegura, à cabeça, maior eficácia às medidas executivas a que se refere o art 48º pois, não conhecendo o requerente da efectivação da prestação de alimentos a real residência do devedor, muitas das vezes não conseguirá conhecer a respectiva entidade empregadora.

Por outro lado e ainda só uma notificação pessoal nos termos referidos acautelará suficientemente os legítimos interesses do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (e hoje a maiores em formação, em função da L 24/2017, de 14/5), sabido como é que um dos pressupostos da intervenção desse Fundo reside na declaração de incumprimento por parte do progenitor que ficou obrigado judicialmente à prestação de alimentos.

Resta esclarecer que nada do que se veio de dizer exclui a natureza incidental do processo de incumprimento relativamente ao processo de regulação, não se acolhendo o entendimento que o apelante sugere na conclusão 8ª - E de que parte o Ac da R G 275/2016, acima já referido , no sentido de que se está perante um processo autónomo daquele outro. Faz sentido, ainda hoje, à luz do art 43º do RGTC, correspondente ao art 181º da OTM, referir, como se faz no Ac STJ de 24/1/89, - BMJ 361º-600 que «o requerimento feito a tribunal, ao abrigo do art 181º da OTM, para que determine as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa (…) constitui uma providência de cariz incidental, dado pressupor ou envolver uma ocorrência estranha aos termos e actos normais do processo de regulação do poder paternal, embora com uma tramitação própria, distinta da providência da regulação do poder paternal que lhe serve de matriz ou origem. Tendo a providência requerida o carácter de episódio ou acidente, pois que visa a resolução de uma questão secundária e acessória que se enxertou na questão fundamental (…)».

Deste modo, há que julgar procedente a apelação e em função das considerações acima expendidas em redor da norma do art 651º/1 CPC, considerar que seria de admitir a junção aos autos do documento apresentado com as alegações do recurso se não fora a circunstância de constituindo a omissão da notificação do requerido nos termos referidos nulidade processual, nos termos do nº 1 do art 195º CPC, se dever anular todo o processado subsequente ao despacho liminar, porque apenas com essa anulação e a subsequente notificação pessoal do requerido se propicia ao mesmo uma adequada defesa.

Em conclusão:

1- Destinando-se a notificação a que alude o nº 3 do art 43º RGTC a que o alegado incumpridor da obrigação de alimentos fixada em processo tutelar cível possa em sua defesa alegar e provar o cumprimento, cujo ónus de prova lhe pertence nos termos gerais do art 762º e ss CC, tal notificação é uma notificação pessoal para o efeito do disposto no art 250º CPC.

2- Por isso, e não obstante a natureza incidental do processo de incumprimento relativamente ao processo de regulação das responsabilidades parentais, tem de ser efectuada em função das disposições relativas à realização da citação pessoal.

3 - Só uma notificação pessoal nos termos referidos acautelará suficientemente os legítimos interesses do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores (e hoje a maiores em formação, em função da L 24/2017 de 14/5 ao), sabido como é, que um dos pressupostos da intervenção desse Fundo, reside na declaração de incumprimento por parte do progenitor que ficou obrigado judicialmente à prestação de alimentos.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, anulando o processado subsequente ao despacho liminar e determinando que o Requerido seja notificado desse despacho em função das disposições relativas à realização da citação pessoal, nos termos do art 250º CPC.

Sem custas.

Coimbra, 13 de Novembro de 2018

Maria Teresa Albuquerque

Manuel Capelo

Falcão de Magalhães