Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
855/19.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
EXERCÍCIO DO COMÉRCIO
RAU
PRAZO
DURAÇÃO LIMITADA
CLÁUSULA CONTRATUAL
Data do Acordão: 12/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 98, 117, 123 RAU, ARTS.1097, 1101 CC, DL Nº 275/95 DE 30/9, LEI Nº 31/2012 DE 14/8
Sumário: I – Apesar dos arts. 98º e 117º do RAU exigirem que a estipulação de um prazo para a duração efetiva dos arrendamentos conste de cláusula inserida no texto escrito do contrato, não se mostra necessário que do próprio texto escrito do contrato conste expressis verbis que as partes pretendem celebrar um contrato de duração limitada.

II – A única exigência legal é, que o prazo conste “inequivocamente” de uma cláusula contratual.

III – Na medida em que o prazo de duração efetiva/limitada não pode, legalmente, ser inferior a 5 (cinco) anos, o estabelecimento de 1 (um) ano como prazo para o contrato mostra-se incompatível com o regime de duração efetiva e não permite afirmar a existência da “inequivocidade” exigida pelos arts. 98º, nº1 e 117º, nº1 do RAU.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]                                                                                             *

1 – RELATÓRIO

C (…), LDA.”, sociedade por quotas com sede (…) , matriculada sob o número único de matrícula e pessoa coletiva (…), intentou ação declarativa comum contra  “P (…), S.A.”, sociedade comercial sob a forma anónima, com sede em (…) , matriculada sob o número único de matrícula e pessoa coletiva (…)peticionando que seja a R. condenada a entregar à A. o imóvel (posto de abastecimento de combustíveis e loja de apoio), livre de pessoas e bens que não lhe pertençam, no dia 31 de Dezembro de 2019, com as consequências legais.

Alega para tanto que adquiriu, em 2007, um imóvel no qual se encontrava instalado um posto de abastecimento de combustíveis, com bar anexo e loja de apoio.

Em 30 de Junho de 1999, havia sido celebrado entre L (…) e a Ré um dito “contrato-promessa” de arrendamento, com efeitos reportados a 1/1/1999, relativamente ao posto de abastecimento e respetiva loja de apoio, sitos em tal imóvel.

Tendo a R., assim, “tomado de arrendamento”, desde essa data, o referido imóvel e loja de apoio. Nos termos da cláusula 4ª desse documento, o mesmo era celebrado pelo prazo de um ano, renovável por períodos iguais e sucessivos se não fosse denunciado por qualquer dos contraentes.

Tem sido por esse documento de 30/6/1999 que se tem regido a relação contratual de arrendamento entre A. e R.

Sucede que, no dia 4 de Dezembro de 2018, enviou à Ré carta registada com aviso de receção, opondo-se à renovação do contrato de arrendamento a ocorrer no dia 1 de Janeiro de 2020, solicitando a desocupação do locado até ao dia 31 de Dezembro de 2019.

Porém, a Ré recusa-se a entregar o locado, invocando que não assiste o direito à denúncia, por ter sido o contrato celebrado por tempo indeterminado, para fins não habitacionais.

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Regularmente citada, veio a R. contestar, por impugnação, deduzindo ainda pedido reconvencional.

Em suma, a R. afirma que, à data da celebração do contrato em causa, vigorava a norma do artigo 98.º do RAU, aplicável ao arrendamento não habitacional ex vi do artigo 117.º do mesmo diploma, que previa que, sendo estipulado um prazo para a duração efetiva do contato de arrendamento, tal prazo não podia ser inferior a 5 anos.

Pelo exposto, no entender da R., a estipulação de um prazo de um ano acarreta a nulidade da cláusula, sendo aplicável ao contrato o regime do arrendamento de duração indeterminada e não dispondo o senhorio do direito a denunciar o contrato de arrendamento.

Sem prescindir, sendo nula a cláusula, haveria que proceder à redução do negócio entre A. e R., considerando-o válido quanto a todos os elementos, com exceção do prazo inicial de duração.

A este seria aplicável o prazo mínimo de 5 anos, renovável automaticamente no seu termo, por períodos mínimos de 3 anos.

Neste conspecto, a carta enviada pela A. à R., a 4/12/2018, não poderia produzir os efeitos pretendidos – a desocupação do imóvel a 31/12/2019, porquanto o contrato já se havia renovado em 2018, por um período de 3 anos, terminando, portanto, a 31/12/2021.

E, de qualquer forma, a denuncia deveria ter sido efetuada com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação, o que não ocorreu.

A título subsidiário, deduz pedido reconvencional, para o caso de se entender que a denúncia foi regularmente efetuada, impetrando da A. o pagamento de uma compensação que computa, no mínimo, em € 108.361,20.

Alega, para tanto e em suma, que desde que tomou de arrendamento o locado, procedeu a diversas obras e melhoramentos no local, tendo ainda apostado na atração de clientela, implementação de campanhas publicitárias e de fidelização.

Do mesmo modo, por força da fusão com o Grupo “(…)”, verificou-se um aumento da capacidade da Ré, que possui agora um universo de cerca de 150 postos de abastecimento, o que se traduz numa gestão mais adequada e rentável do posto de abastecimento.

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À matéria reconvencional e a matéria que considera de exceção, respondeu a A., no seu articulado de réplica, cujos fundamentos se dão aqui por reproduzidos, brevitatis causa.

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Foi proferido despacho a 3/9/2019, no qual se admitiu a reconvenção da R., ao abrigo do disposto no artigo 266.º, n.º 1, al. a) e b) e 583.º, ambos do CPC.

A 24/10/2019, foi proferido despacho saneador e de fixação do objeto do litígio e designada data para audiência de discussão e julgamento.

*

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais, como se alcança das respetivas atas.

Na sentença considerou-se, em suma, que não obstante a existência de uma cláusula no contrato ajuizado a prever que o mesmo era “feito por um ano”, tal não traduzia a vontade das partes em criar um contrato de duração limitada (por não se demonstrar uma vontade inequívoca de que assim fosse), pelo que importava concluir que o contrato em causa era um contrato de duração ilimitada, face ao qual não haveria propriamente lugar a oposição à renovação, mas sim, eventualmente, a denúncia do contrato pelo senhorio, sucedendo que sendo aplicável a tal o disposto no artigo 1101º do C.Civil (na redação emergente da Lei 31/2012, de 14/8), dos termos da al. c) deste normativo resultava estar previsto o direito de livre denúncia da parte do proprietário, conquanto subordinado à observância de um prazo de dois anos sobre a data da pretendida cessação do contrato, donde, importava concluir que o prazo de antecedência legalmente prescrito não havia sido respeitado, e, portanto, que a denúncia (a considerar-se a declaração da A. como tal) não havia sido validamente efetuada, pelo que o contrato entre A. e R. se mantinha em vigor, improcedendo a ação, e, em consequência, se considerava prejudicado (cf. art. 608º, nº 2, do CPC) o conhecimento do pedido reconvencional deduzido pela R., termos em que se concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”:

«Dispositivo

Nestes termos e pelo exposto, decido:

a) Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção intentada por C (…)., contra P (…)., absolvendo a R. do pedido;

b) Considero prejudicado, face à decisão da alínea anterior, o conhecimento do pedido reconvencional deduzido pela Ré;

Custas pela Autora (artigo 527.º do CPC).

Registe e notifique.»

                                                           *

Inconformada com essa sentença, apresentou a Autora recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes “conclusões”:

«A) A Recorrente exerceu um direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento, previsto e acordado entre as próprias Partes do contrato que rege a relação entre elas;

B) A oposição à renovação do contrato de arrendamento é legítima ao abrigo desse direito contratualmente definido;

C) E tal disposição contratual é, por sua vez, conforme à legislação aplicável às relações contratuais de arrendamento do tempo em causa (cfr Lei nº 6/2006), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1097.º do CC, aplicável ex vi n.º 1 do artigo 1110.º do CC, na redacção anterior à versão da Lei n.º 13/2019;

D) Os autos dizem respeito a um contrato de arrendamento com prazo certo, e nunca por prazo incerto;

E) Um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado na data em que o foi, não se transforma em contrato por tempo incerto, ao fim de determinadas renovações só porque dura há vinte ou mais anos;

F) Ao abrigo do referido artigo 1097.º, n.º 1, alínea c) do CC o senhorio goza de um prazo de 240 dias para impedir a renovação automática do contrato, se o prazo da respectiva duração inicial ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;

G) Tratando-se de um contrato celebrado por um ano e renovável por iguais e sucessivos períodos, observou a Recorrente, o prazo para comunicar à Recorrida, a oposição à renovação do contrato, mais de 240 dias;

H) Aliás; se se aplicasse ao caso o prazo da denúncia, também ele foi respeitado, uma vez que a carta anunciando a intenção da Recorente de dar por finda a sua relação contratual com a Recorrida foi remetida com mais de um ano de antecedência sobre esse término!

I) Se as partes pretendessem que o contrato em causa fosse ou passasse a ser de duração ilimitada tê-lo-iam declarado e/ou demonstrado;

J) Nunca, foi afastada a possibilidade de oposição à renovação pelo senhorio;

K) O Tribunal a quo fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, violando o disposto nos artigos 1094.º, n.º1, 1095.º, n.º1 e 1097.º, n.º1, alínea b), todos do Código Civil, pelo que deve ser revogada a sentença por ele proferida, e substituída por acórdão que condene a Recorrida na entrega imediata do locado à Recorrente.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida e condenando-se a Recorrida, a entregar imediatamente à Recorrente, devoluto de pessoas e bens, o imóvel de que é proprietária.

Assim, se fará

JUSTIÇA!»

                                                           *

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                           *

Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                           *

2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Autora nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

- errada subsunção jurídica que conduziu à improcedência da ação [designadamente porque se estava no caso perante um contrato de arrendamento com prazo certo, e nunca por prazo incerto, donde o prazo aplicável de oposição à renovação era o de mais de 240 dias de antecedência relativamente à mesma, o que havia sido observado, sendo certo que, se se aplicasse ao caso o prazo da denúncia, também ele havia sido respeitado, «uma vez que a carta anunciando a intenção da Recorrente de dar por finda a sua relação contratual com a Recorrida foi remetida com mais de um ano de antecedência sobre esse término»].

                                                           *

3 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Vejamos o elenco factual que foi considerado “fixado”/“provado” pelo Tribunal a quo, sendo certo que o recurso deduzido pela Autora/recorrente, por nada ter sido formulado pela mesma no quadro do art. 640º do n.C.P.Civil, se encontra circunscrito à matéria de direito. 

Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de “Factos provados”:

«1. A Autora é uma sociedade por quotas que se dedica ao comércio de combustíveis e óleos, cafés, snack-bar, restaurante, casa de pasto e similares hoteleiros.

2. Por escritura pública denominada “compra e venda”, outorgada a 9/11/2007, na qual foram outorgantes M (…), C (…), F (…), S (…) , todos por si e ainda na qualidade de sócios, sendo os três primeiros igualmente gerentes, em representação da A., declararam que, “pelo preço de oitocentos e cinquenta euros, já recebido, vendem à sociedade por eles representada “C (…), Lda.”, livre de quaisquer ónus ou encargos, o prédio (…) sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de Leiria, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o número dois mil e setenta e quatro (…) inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1536 (…)”, declarando ainda que “para a sociedade que representam, C (…) Lda., aceitam a presente venda, nos termos exarados”.

3. Os referidos outorgantes haviam adquirido o imóvel, por herança, por morte de L (…)

4. Encontra-se registada a favor da A., pela Ap. 26 de 2007/11/14, a aquisição do imóvel referido nos pontos anteriores, actualmente sob o artigo matricial 2008 da freguesia de (...) e (...) .

5. Nesse imóvel encontra-se instalado um posto de abastecimento de combustíveis, com bar anexo e loja de apoio.

6. Em 30 de Junho de 1999, por escrito particular denominado “contrato promessa de arrendamento”, em que intervieram o anteriormente referido L (…)como 1º outorgante e a R., como 2ª, o 1ª outorgante declara dar “de arrendamento à Segunda Outorgante” o referido posto de abastecimento e loja de apoio, convencionando-se ainda que “o contrato de arrendamento é feito pelo prazo de um ano, com início em 01/01/1999 e renovável por períodos iguais e sucessivos, se não for denunciado por nenhum dos contratantes, nos termos legais.”

7. Nos termos do pacto de constituição da A., datado de 1993, a gerência da empresa pertencia a L (…) e sua mulher M (…).

8. Desde 1/1/1999 que a R. tem o gozo efectivo do referido posto de abastecimento e loja de apoio, não tendo sido celebrado qualquer “contrato de arrendamento” relativamente ao posto de abastecimento supra referido.

9. A Ré paga actualmente à A., a título de renda, a quantia mensal de 905,26€.

10. No dia 4 de Dezembro de 2018, a A. enviou à R. uma carta registada, com aviso de recepção, na qual declara que “vem, pela presente, a C (…) Lda., na qualidade de Proprietária, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil, aplicável ex vi n.º 1 do artigo 1110.º do Código Civil, opor-se à renovação do contrato de arrendamento, celebrado entre esta empresa e a P (…), S.A., que ocorreria no dia 1 de Janeiro de 2020, relativo ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 2074, em que se encontra instalado um Posto de Abastecimento de Combustíveis. Nesses termos, deverão V. Exas., até dia 31 de Dezembro de 2019, desocupar o imóvel em causa, bem como as instalações adjacentes, entregando-os, em tal data, a esta empresa.

11. No dia 12 de Dezembro de 2018, a R. respondeu à carta da A., comunicando-lhe que “Com referência ao Contrato de Arrendamento convosco celebrado em 30 de Junho de 1999, vimos comunicar a nossa vontade de permanecer como Arrendatários do locado em causa – Posto de Abastecimento e Loja de apoio – considerando que não Vos assiste o direito à denúncia do mesmo. Efetivamente, os contratos celebrados por tempo indeterminado para fins não habitacionais celebrados antes ou na vigência do RAU, não são livremente denunciáveis pelo Senhorio, pelo que se renovam independentemente da vontade do mesmo.”

12. Em resposta, a A. enviou nova carta registada, datada de 19/12/2018, na qual diz, na parte que aqui importa, que “Ao contrário do que V. Exas. Afirmam – ou pelo menos sugerem – o contrato de arrendamento em causa, de 30 de Junho de 1999, não foi celebrado por tempo indeterminado. Aliás, a esse propósito, o clausulado em causa é bem explícito, referindo-se, expressamente, que a respectiva duração é de um ano, “renovável por períodos iguais e sucessivos, se não for denunciado por nenhum dos contratantes, nos termos legais”. Reiteramos, pois, o conteúdo da n/ carta de 4 de Dezembro p.p., solicitando a V. Exas, esclarecida que está a questão, a desocupação do imóvel em causa, bem como as instalações adjacentes, entregando-os até dia 31 de Dezembro de 2019.”

13. A R. remeteu ainda à A. nova carta datada de 26/12/2018, na qual, sumariamente, reitera os argumentos aduzidos na sua missiva anterior.

14. A. e R. celebraram escrito particular, datado de Maio de 1993, denominado “Contrato de Fornecimento”, no qual, para além do mais, se estipulava que a R. se obrigava a “fornecer e instalar, em regime de comodato, quatro tanques e duas bombas multi-produto, nas instalações do consumidor sitas em (...) ;” (cláusula 9ª); e ainda que “as obras de montagem e de construção civil constituem encargo da P (…)” (Cláusula 10ª);

15. Desde que “tomou de arrendamento” o imóvel, a Ré passou a explorar directamente o posto de abastecimento de combustíveis, com bar anexo e loja de apoio, tendo levado a efeito as obras necessárias ao desenvolvimento da sua actividade.

16. Em 2013/2014, foi necessário proceder à renovação do alvará de exploração, mostrando-se necessário adaptar o posto às novas exigências legais, designadamente em matéria ambiental (instalação de separador de hidrocarbonetos), de defesa do consumidor e da autoridade da concorrência (obrigatoriedade de colocação de painéis para afixação dos preços dos combustíveis) e de condições de segurança e higiene no trabalho.

17. Nessa altura, a Ré levou a cabo obras de remodelação do posto, designadamente de construção civil, de instalação eléctrica e das infraestruturas de comunicações, de instalação mecânica – combustíveis -, de estruturas e revestimentos metálicos, equipamentos mecânicos, equipamentos do edifício de apoio, de imagem exterior e interior, sistema informático, de honorários de projectos de licenciamento civil, de taxas de exploração à Câmara Municipal e à Direcção Geral de Geologia e Energia (DGCE), investimento que ascendeu a 49.685,78€.

18. A par deste investimento, a Ré tem vindo a apostar na atração de clientela, implementando campanhas publicitárias e de fidelização.

19. Acresce que, em 2014, por força da fusão com o Grupo (…) verificou-se um aumento da capacidade da Ré nas próprias dinâmicas de exploração de postos de abastecimento, que ascenderam a um universo de cerca de 150 postos de abastecimento.

20. O posto em causa apresenta vendas de combustível de cerca de 1.500.000 litros/ano.»

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Apreciando a linha de argumentação da Autora ora recorrente, vejamos da ordem de questões suscitadas, a saber, a da errada subsunção jurídica que conduziu à improcedência da ação [designadamente porque se estava no caso perante um contrato de arrendamento com prazo certo, e nunca por prazo incerto, donde o prazo aplicável de oposição à renovação era o de mais de 240 dias de antecedência relativamente à mesma, o que havia sido observado, sendo certo que, se se aplicasse ao caso o prazo da denúncia, também ele havia sido respeitado, «uma vez que a carta anunciando a intenção da Recorrente de dar por finda a sua relação contratual com a Recorrida foi remetida com mais de um ano de antecedência sobre esse término»]

Será assim?

Salvo o devido respeito, esta argumentação desconsidera ostensivamente toda a argumentação jurídica perfilhada pela sentença recorrida, sem que, em contraponto, seja evidenciada a valia doutrinária e dogmática da solução preconizada em sede recursiva.

Senão vejamos.

Atentos os termos como a questão vem configurada pela A./recorrente, é crucial e primordial para a boa decisão do recurso saber se se está na presença de um contrato de arrendamento de duração limitada ou de duração ilimitada.

Tenha-se presente que o art 10º do RAU[2] refere que o prazo do arrendamento “urbano” é de 6 meses, se outro não for determinado pela lei, pelas partes, ou estabelecido pelos usos.

Contudo, se o art 68º, nº1 do mesmo diploma preceitua que o arrendatário pode impedir a renovação automática do contrato procedendo à denúncia regulada no art. 1055º do C.Civil, já o seu nº 2 diz que a denúncia pelo senhorio só é possível nos casos previstos na lei e pela forma nela estabelecida.

Decorre desta norma por último citada que o designado “regime vinculístico”[3] [que já vinha de pretérito], continuava a ser a regra no RAU, sendo o contrato de duração limitada, precisamente a previsão através da qual o legislador pretendeu revitalizar o mercado “habitacional”.

E, consabidamente, foi o DL nº 275/95 de 30/9 [4], que introduziu no RAU os contratos de duração limitada no âmbito dos arrendamentos para o “exercício do comércio ou indústria ou de profissão liberal, ou outra aplicação lícita do prédio” – isto tendo presente que o contrato de arrendamento em causa nos autos é  indiscutivelmente de arrendamento “para outros fins não habitacionais”.

De referir que a previsão do contrato de duração limitada, no que respeita aos contratos de arrendamento “habitacional”, decorre dos arts 98º e segs do RAU, referindo logo o nº 1 do art 98º que, «as partes podem estipular um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para habitação, desde que a respectiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes», e estabelecendo o nº 2 desta disposição legal que «o prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a 5 anos». [sublinhado nosso]

E bem assim que o art 100º explicita que estes contratos, de duração limitada, celebrados nos termos do art 98º se renovam automaticamente, no fim do prazo – já aludido, no mínimo, de 5 anos – e por períodos mínimos de 3 anos se outro não estiver especialmente previsto, «quando não sejam denunciados por qualquer das partes».

Por sua vez, o art 117º do RAU (aditado por este DL nº 275/95), sob a epígrafe, “Estipulação de prazo de duração efectiva”, refere no seu nº 1, que «as partes podem convencionar um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para comércio ou indústria, desde que a respectiva cláusula seja inequivocamente prevista no texto do contrato, assinado pelas partes» [sublinhado nosso], acrescentando o seu nº 2 que, «aos contratos para comércio ou indústria de duração limitada, celebrados nos termos do número anterior, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime dos arts 98º a 101º, salvo o disposto no artigo seguinte».

Sendo certo que o aditado art 123º do RAU – na redação do mesmo DL nº 275/95 – refere que «aos contratos de arrendamento urbano para qualquer aplicação lícita do prédio, não habitacional e diferente das constantes dos capítulos III e IV do presente diploma, pode ser aplicável a disposto nos arts 117º a 120º, sem prejuízo do disposto no número seguinte.».

Ora, tanto quanto é dado perceber pela consulta dos autos, desde logo face ao constante dos articulados, nenhuma das partes assume diretamente uma posição sobre qual foi a real e efetiva vontade das mesmas, aquando da celebração do arrendamento, no que ao aspeto da duração do contrato dizia respeito, pelo que se desconhece a “vontade subjetiva comum das partes”, e/ou a de qualquer delas, sobre se queriam um contrato de duração limitada ou ilimitada.

Na verdade, ambas as partes se posicionam diretamente nos autos em dizer que a cláusula convencionada quanto a esse particular no contrato estipula nos termos literais nela expressos [na respetiva cláusula 4ª – cf. fls. 14 vº], a saber, que «o contrato de arrendamento é feito pelo prazo de um ano, com início em 01/01/1999 e renovável por períodos iguais e sucessivos, se não for denunciado por nenhum dos contratantes, nos termos legais», donde que a interpretação daí resultante é a por cada uma delas perfilhada nos termos já antecedentemente expostos – para a A. que estamos «perante um contrato anual renovável por períodos semelhantes, salvo denúncia por qualquer das partes» (cf. art. 24º da p.i.), e, para a Ré, que sendo nula a cláusula que estipulou a duração de um ano, «deverá ser-lhe aplicável o regime de duração indeterminada» (cf. art. 8º da contestação), ou então, por aplicação do regime da “redução do negócio”, que «o prazo inicial efetivo do arrendamento celebrado entre as partes não poderia ser inferior a 5 (cinco) anos, renovável, automaticamente, no fim do prazo e por períodos mínimos de 3 (três) anos (artigo 100.º, n.º1 do RAU)» (cf. art. 12º da contestação).

Isto é, as partes posicionam-se diretamente na validade e interpretação do clausulado, sendo certo que será critério incontornável para qualquer intérprete – inclusive para os julgadores nesta sede recursiva! –, para além de atentar no sentido objetivo do texto contratual, intentar perscrutar o sentido «que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário» deduziria do comportamento do declarante, nos termos do nº 1 do art 236º do C.Civil.

Mas será que as partes deveriam ter feito constar do próprio texto escrito do contrato, expressis verbis, que pretendiam celebrar um contrato de duração limitada, sob pena de não se poder entender que o mesmo fora efetivamente o querido por elas?

 Parece ser hoje pacifico o entendimento de que «a lei não exigiu que as partes adoptassem a designação legal ou nomen júris de contrato de duração limitada ou efectiva, mas apenas que convencionassem um prazo para tal duração e que tal prazo constasse de uma cláusula contratual inequívoca, isto é, de forma clara, sem ambiguidades, cláusula essa que estivesse plasmada no texto do contrato», acrescentando-se, «claro que as partes podem celebrar o contrato indicando expressamente que o pretendem fazer no regime de duração limitada e, simultaneamente, fixar o prazo, o que se traduzirá numa cautela adicional que em nada as prejudica (quod abundat non nocet), antes pelo contrário, mas a única exigência legal é, como deflui do texto legal transcrito, que tal prazo conste inequivocamente de uma cláusula contratual, portanto inserta no texto contratual assinado pelos contraentes», para se concluir que, «o que aí deve ser inequivocamente previsto é a cláusula respeitante à convenção das partes sobre o prazo para a duração efectiva do arrendamento e não a indicação de que adoptam tal regime». [5]

Revertendo ao caso ajuizado, temos que a fixação da duração limitada (ou efetiva) não se encontra referida expressamente no enunciado contratual.

Pelo que, determinar se o contrato dos autos encerra um contrato de arrendamento de duração limitada ou ilimitada, depende, em última análise, da respetiva “interpretação”, maxime a da citada cláusula 4ª - única que se refere ao “Prazo” – naturalmente que sem a desligar do seu contexto contratual.

Vejamos o que já foi doutamente sustentado a este propósito para um caso com evidente paralelismo com o ajuizado[6]:

«(…)

Se, de facto, os referidos arts 98º/1 e 117º/1 do RAU não exigem que as partes façam referência expressa no texto do contrato à duração limitada deste, será inultrapassável que exigem que a cláusula referente à fixação do prazo ao contrato seja tal, que resulte inequívoco que se pretendem vincular daquela forma.

Ora a partir do momento em que o prazo é um elemento próprio da essência do contrato de arrendamento – e também do de duração ilimitada - quando as partes expressamente nada refiram a respeito da pretendida duração limitada deste, e estipulem prazo para o mesmo diferente do de cinco anos, não poderá sustentar-se estar em causa contrato de duração limitada, pois que nessas circunstâncias não é inequívoco que as partes quiseram vincular-se desse modo. Bem pelo contrário, e como a apelante o põe em relevo nas alegações da presente apelação: o recurso ao prazo contratual de um ano é típico dos contratos de arrendamento vinculísticos … pelo que estipular um prazo de um ano resulta ambíguo relativamente ao carácter limitado ou ilimitado da duração do contrato.

E essa ambiguidade, no caso do contrato dos autos, não resulta afastada com os mais dizeres da referida cláusula 3ª, pois que nela apenas se acrescenta, também ambiguamente, «renovável por iguais períodos, se não for denunciado nos termos legais…»

O estabelecimento de um prazo de um ano mostra-se incompatível com o regime de duração efectiva e não permite afirmar a existência da inequivocidade exigida pelos arts 98º/1 e 117º/1 do RAU.

No caso do contrato dos autos há ainda um elemento coadjuvante no sentido de se não está na presença de contrato de duração limitada e que resulta do teor da sua cláusula 7ª, referente à cessão da posição contratual, na medida em que ficou estipulado que «a senhoria autoriza o inquilino a ceder as instalações objecto do presente contrato a qualquer outro serviço do Ministério da Justiça, ou de qualquer outro Ministério». Com efeito, que necessidade é que se poderia ter de uma cláusula deste tipo num contrato de duração de um ano que se quisesse de duração limitada?

(…)»

Aderimos por inteiro a uma tal linha de argumentação.

Atente-se que no caso ajuizado o “elemento coadjuvante” reside na circunstância de ter sido estipulado, sob a respetiva cláusula 10ª do contrato, que «A arrendatária fica desde já autorizada a ceder a exploração do Posto de abastecimento e Loja de apoio.» [cf. fls. 14 vº].

É que a esta luz, um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, entenderia a cláusula 4ª do contrato (conjugada com esta 10ª por último citada) como referente a um contrato de duração ilimitada.

Acresce que, na medida em que o prazo de duração efetiva/limitada não pode, legalmente, ser inferior a 5 (cinco) anos, atribuir-se àquela cláusula o sentido de valer como cláusula referente a um contrato de duração limitada, implicaria que esse sentido não colhesse o mínimo de correspondência com o texto do documento [como o exige o nº 1 do art 238º do C.Civil para os negócios formais].

Ademais, como sublinhado enfaticamente na sentença recorrida, «E mais – dificilmente se conceberia que se estivesse perante um contrato de duração limitada quando o objecto do arrendamento – um posto de abastecimento e loja de apoio que a R. se predispunha a explorar – importava para esta custos consideráveis, nomeadamente em termos de equipamento necessário para o exercício de tal actividade, que certamente não assumiria se fosse entregar o posto ao proprietário findo o prazo de um ano.

Veja-se que, apesar da previsão de tal prazo de um ano, o contrato vigora há mais de 20!».

Nada há, assim, que censurar à sentença recorrida quando concluiu que o contrato dos autos era um contrato de duração ilimitada, e que, consequentemente, a comunicação efetuada pela Autora, de “oposição à renovação”, não poderia operar como tal, mas sim, eventualmente, como denúncia do contrato pelo senhorio.

Sucede que – como evidenciado na sentença recorrida – sendo aplicável a tal o disposto no artigo 1101º do C.Civil (na redação emergente da Lei 31/2012, de 14/8), dos termos da al. c) deste normativo resultava estar previsto o direito de livre denúncia da parte do proprietário, mas subordinado à observância de um prazo de 2 (dois) anos sobre a data da pretendida cessação do contrato, donde, importava concluir que o prazo de antecedência legalmente prescrito não havia sido respeitado, e, portanto, que a denúncia (a considerar-se a declaração da A. como tal) não havia sido validamente efetuada, pelo que o contrato entre Autora e Ré se mantinha em vigor, improcedendo a ação.

Na verdade, a Autora remete à Ré missiva datada de 12 de Dezembro de 2018, instando esta última a entregar o locado a 31 de Dezembro de 2019, quando o prazo de 2 anos em vigor a essa data apenas decorreria em Dezembro do corrente ano de 2020…

Sendo estes os normativos aplicáveis, a interpretação que deles se fez e faz parece-nos a mais fundada legalmente, para além de insofismável.

Termos em que, brevitatis causa, fatalmente improcedem as alegações recursivas e o recurso.

                                                           *                                                          

5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Apesar dos arts. 98º e 117º do RAU exigirem que a estipulação de um prazo para a duração efetiva dos arrendamentos conste de cláusula inserida no texto escrito do contrato, não se mostra necessário que do próprio texto escrito do contrato conste expressis verbis que as partes pretendem celebrar um contrato de duração limitada.

II – A única exigência legal é, que o prazo conste “inequivocamente” de uma cláusula contratual.

III – Na medida em que o prazo de duração efetiva/limitada não pode, legalmente, ser inferior a 5 (cinco) anos, o estabelecimento de 1 (um) ano como prazo para o contrato mostra-se incompatível com o regime de duração efetiva e não permite afirmar a existência da “inequivocidade” exigida pelos arts. 98º, nº1 e 117º, nº1 do RAU.

                                                           *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final julgar totalmente improcedente o recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

Custas pela Autora/recorrente.

                                                           *

Coimbra, 14 de Dezembro de 2020

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

Ana Márcia Vieira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Ana Vieira
[2] A lei aplicável ao caso é o RAU (e o subsequente DL nº 257/95 de 30/9) pois que foi no domínio temporal destes diplomas que ocorreu a celebração do contrato, bem como a realização da comunicação de “oposição à renovação” ajuizadas.
[3] No ensinamento de PINTO FURTADO, in “Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos”, 2ª ed, a págs.119, «são arrendamentos vinculísticos os dos prédios em que o senhorio não poderá resolver o contrato nos termos gerais, mas vinculado a casos taxativamente enumerados na lei, nem os poderá denunciar no seu termo de duração, senão também em condições legalmente fixadas, prorrogando-se automaticamente, se o arrendatário não quiser usar em tempo da sua livre faculdade de denúncia».
[4] Em cujo preâmbulo se lê o seguinte: «Cabe agora estender a reforma aos arrendamentos destinados ao comércio, indústria e ao exercício de profissões liberais, e bem assim, aos contratos destinados a outros fins não habitacionais. Também neste domínio a reanimação do mercado de arrendamento passará pela possibilidade, reconhecida às partes, de conferir natureza temporária aos contratos de arrendamento, podendo ainda ser convencionado um prazo para denúncia por parte do senhorio».
[5] Citámos o acórdão do STJ de 20.01.2010, proferido no proc. nº4125/06.0 TVLSB.L1.S1; cfr., no mesmo sentido, o acórdão do mesmo STJ de 12.05.2005, proferido no proc .nº 05B081, estando ambos estes arestos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[6] Trata-se do acórdão do TRL de 3.03.2011, proferido no proc. nº 4498/06.5TVLSB.L1-2, acessível em www.dgsi.pt/jtrl, aliás também ele invocado na sentença recorrida.