Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
93/12.8TALSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: NOTIFICAÇÃO
ACUSAÇÃO
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
COMUNICAÇÃO DE NOVA MORADA DO ARGUIDO
Data do Acordão: 04/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (LOUSÃ - INSTÂNCIA LOCAL - SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 196.º, N.º 3, AL. C), SEGMENTO FINAL, E 283.º, N.º 6, DO CPP
Sumário: A indicação, pela mãe de um arguido e pela advogada de outro, de moradas diversas das constantes nos TIR por aqueles prestados, sem que ambas disponham de poderes especiais de representação para esse efeito, não prevalecem, inter processualmente, nomeadamente para os fins previstos nos artigos 196.º, n.º 3, al. c), segmento final, e 283.º, n.º 6, do CPP, sobre a declaração antes prestada, nos referidos Termos, pelos arguidos.
Decisão Texto Integral:
Em conferência na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.                

RELATÓRIO

1- Na Comarca de Coimbra - Lousã – Instância Local - Sec. Comp. Gen., foi a fls. 12-13 deste recurso determinado, por despacho judicial, que se remetesse a os autos aos Serviços do Ministério Público para procederem à repetição das notificações da acusação contra os arguidos abaixo referidos, nos  termos dos arts 113º, nº 1, al. c) a contrario, 196º, nº 3, al. c) e 119º, al. d) todos do CPPenal.

 2 - Inconformado, recorreu o Ministério Público, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :

Antes de ser proferida acusação nenhum dos arguidos, por si ou através de defensor com poderes especiais, indicou morada diferente da que foi indicada nos TIR anteriormente prestados para efeitos de notificação, nos termos previstos no art. 196º, n.º 3, al. c) in fine do Código de Processo Penal.

Uma informação prestada nos autos pela mãe de um arguido a indicar que o filho se encontra temporariamente no Reino Unido à procura de trabalho, em morada que indicou, não configura alteração de morada para efeitos de notificação nos termos desta última norma legal.

Do mesmo modo, uma informação prestada nos autos pela defensora de um arguido, sem poderes especiais, de que este se encontra no Reino Unido a trabalhar, em morada que indicou, em nada afecta a possibilidade de notificar o arguido na morada indicada no TIR.

Em nenhuma das duas situações estamos perante requerimentos entregues pelos arguidos ou por si remetidos por via postal registada, como impõe o art. 196°, n.º 3, al. c) in fine do Código de Processo Penal.

Pelo que as informações/comunicações a que acima se aludiu não têm a virtualidade de alterar a morada indicada no TIR para efeitos de notificação.

Ainda que assim não se entenda e se considere (como considerou a Mma Juiz) que os arguidos não foram regulamente notificados (caso em que estaríamos perante uma irregularidade de conhecimento oficioso), era aos respectivos serviços que competia proceder às diligências necessárias à sanação do vício.

O que não podia era a Mma Juiz ter ordenado a devolução dos autos ao Ministério Público para sanar o vício, pois isso viola os princípios constitucionais do acusatório, da independência e da autonomia do Ministério Público.

Pelo exposto, decidindo como decidiu, a Mma Juiz do Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação da lei, violando o disposto nos arts. 113º, n.º 1, al. c) e n.º 3, 196.º, n.º 2 e 3, al. c) e 311º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, 32°, n.º 5 e 219º da Constituição da República Portuguesa.

Deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que, saneando os autos e recebendo a acusação, designe data para julgamento.

3 - Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer no qual, acompanhando o MP da 1.ª instância, conclui pela procedência do recurso.

 4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

5 - O despacho recorrido tem o seguinte teor :

« (…) O arguido A... prestou Termo de Identidade e Residência a fls. 225, indicando como residência a rua x... , Lousã. Por requerimento que deu entrada nos serviços do Ministério Público em 30-06-2014, foi comunicada por este arguido a alteração de morada que consta a fls. 603, indicando como actual morada o Reino Unido.

De igual forma, o arguido B... prestou Termo de Identidade e Residência a fls. 278, indicando como morada a Rua y... Miranda do Corvo. Posteriormente, por termo de fls. 606 dos autos, foi comunicada nova morada deste arguido em Inglaterra.

Decorre da al. c) do nº3, do art. 196º do CPPenal que as posteriores notificações à prestação de Termo de Identidade e Residência apenas serão feitas por via postal simples para a morada indicada aquando da prestação de tal medida de coacção, caso o arguido não comunique uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento.

Compulsados os autos, constata-se que ambos os arguidos procederam à comunicação junto da secretaria dos serviços do Ministério Público, ainda na Fase de Inquérito, de alteração de morada da Lousã e de Miranda do Corvo, respectivamente, para Inglaterra.

Desta feita, as notificações feitas por via postal simples para as moradas indicadas aquando da prestação do TIR (cfr. fls. 625, e 630, e ainda fls. 639 e 643, respectivamente) do despacho de acusação de fls. 607 a 623 não se encontram regularmente efectuadas. Desta feita, os arguidos A... e B... , não se poderão considerar regularmente notificados de que foi deduzida acusação nos autos de Inquérito nos termos do art. 283º do CPPenal pelos factos aí constantes, e de que dispunham do prazo de 20 dias para requerer, caso quiserem, a abertura da fase de Instrução nos termos do art. 287º do CPPenal; e bem assim, sobre o teor do despacho de arquivamento quanto aos restantes factos por que se encontrava(m) indiciado(s).

Face ao exposto, dando baixa da distribuição, remeta os autos aos Serviços do Ministério Público para procederem à repetição das notificações nos termos expostos – cfr. arts 113º, nº1, al. c) a contrario, 196º, nº3, al. c) e 119º, al. d) todos do CPPenal ».
   
Sendo a situação processual a que é relatada no despacho recorrido e no recurso do MP, importa agora ter como referência o disposto no 196.º do CódProcPenal, que prescreve, além do mais: « Termo de identidade e residência : 1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º  2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos  termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. 3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento: a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado; b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado; c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento; d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º (…)».

Por seu turno, dispõe o art 283.º do CódProcPenal que «Acusação pelo Ministério Público: 1 - Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de  se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele (…)».

E quanto ao formalismo a observar nessas comunicações, prescreve o n.º 6 do art. 283.º do Código de Processo Penal, que se efectuam “mediante tacto pessoal ou por via postal registada, excepto se o arguido e o assistente tiverem indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos do artigo 113º, nº 1, al. c)”.

Ora, conforme mostram os autos e ficou descrito supra,  os arguidos em causa, quando foram constituídos arguidos na fase de inquérito, também prestaram termos de identidade e de residência, em que declararam as suas residências para efeitos de posteriores notificações a realizar no âmbito deste processo e foi-lhes dado conhecimento do dever de “não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o local onde pode ser encontrado” e ainda “de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada por si indicada, excepto se comunicar outra”, advertência que consta dos termos de identidade e de residência assinados pelos próprios  (cfr. fls. 14 e 15 deste recurso ). O que quer dizer que, desde então, os arguidos ficaram cientes de que qualquer notificação a realizar-lhe no âmbito do aludido processo seria remetida por via postal para aquela morada, enquanto não comunicasse outra.

E assim, em princípio, a comunicação a realizar ao arguido do despacho de acusação podia e deveria ser efectuada mediante via postal simples com prova de depósito, nos termos prescritos no n.º 6 do art. 283º, segmento final, e no art. 113º, nº 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal.

O facto de a mãe de um dos arguidos e a advogada de outro arguido (sem poderes para tal) terem indicado moradas diferentes das referidas nos TIR em nada podem sobrepor-se e prevalecer, para efeitos processuais, à declaração prestada pelos próprios arguidos. Residências podem os arguidos ter as que quiserem e onde quiserem, mas para efeitos processuais apenas relevam a que os próprios declararem. Aliás, bem pode conjecturar-se, e com pertinência, que tivessem os arguidos sido notificados para outras moradas diversas do TIR, poderiam reclamar de terem sido notificados para moradas diferentes das que tinham declarado.

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DECISÃO

Pelos fundamentos expostos :

I - Concede-se provimento ao recurso, devendo ser proferido despacho que ,apreciando a acusação pública, determine, se for caso disso, a data do julgamento.

II - Sem custas.

                                                

Coimbra, 29 de Abril de 2015
       
 (Paulo Valério - relator)
(Frederico Cebola - adjunto)