Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
839/07.6TBPBL-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: ARROLAMENTO
PERIGO
OCULTAÇÃO DO PATRIMÓNIO
INVENTÁRIO
Data do Acordão: 09/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 421º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: A providência adequada para prevenir o risco de dissipação ou ocultação de bens comuns e acautelar o efeito útil do processo de inventário instaurado para partilha destes bens - efeito útil que consiste não só na partilha dos bens comuns, mas também na entrega aos interessados dos bens que lhe couberem em partilha - é o arrolamento [artigo 421º do Código Civil] e não o arresto.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A..., residente na rua (...), Pombal, requereu contra B..., seu ex-marido, residente na rua (...), Pombal, o arresto dos seguintes bens:

a) O saldo da conta n.º 45367438254, na agência do Banco Millenium BCP, cujo titular ou co-titular é o requerido B...;

b) O depósito à vista, saldo da conta n.º 13721874, constituído no Banco Millenium BCP de Pombal em 5 de Março de 2007, no valor de € 19 954,81;

c) O depósito “carteira de títulos”, conta n.º 13721874, constituído no Banco Millenium BCP de Pombal em 5 de Março de 2007, no valor de € 13 894,17;

d) O depósito seguro poupança/U.Link, seguro Vida, cuja conta associada na Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida SA, conta n.º 13721874, constituído no Millenium BCP de Pombal, em 5 de Março de 2007, no valor de 235 000 euros;

e) O saldo da conta de depósitos à ordem n.º 41583509, constituído no Millenium BCP, agência de Pombal, com saldo de € 8 380,08 em 26 de Março de 2007;

f) O saldo da conta de depósitos a prazo n.º 2222552368, constituída no Millenium BCP, agência de Pombal, no valor de 20 500 euros;

g) O saldo da conta de depósitos a prazo n.º 2095408454, constituída no Banco Millenium BCP, agência de Pombal, no valor de € 20 500.

A requerente justificou o pedido alegando, em síntese, o seguinte:
1. Foi casada com o requerido sob o regime da comunhão de adquiridos;
2. Como preliminar da acção de divórcio, pediu o arrolamento dos bens comuns;
3. Entre os bens cujo arrolamento foi decretado contam-se os saldos das contas no Banco Millenium BCP;
4. No inventário que se seguiu ao divórcio, os montantes de dinheiro ficaram em partes iguais para a requerente e o requerido;
5. O requerido procedeu ao levantamento da importância de 235 000 euros, respeitante à aplicação financeira na Ocidental – Companhia Portuguesa, Seguros de Vida, SA, e transferiu-a para uma conta pessoal no Banco Millenium BCP, agência de Pombal, com o propósito de se apropriar desse valor;
6. O requerido pode movimentar e transferir, a todo o momento, os demais valores arrolados, visto que são valores facilmente movimentados;
7. O requerido não tem quaisquer bens, tirando os que fazem parte do património comum;
8. Tem vindo a fazer uma vida de despesas desmesuradas;
9. Tem procedido ao levantamento de importâncias das demais contas que se encontram arroladas, a nível de juros, de três em três meses;
10. O requerido declara, perante terceiros, que há-de fazer desaparecer todo o dinheiro;
11. Assim, a fim de procurar garantir o património existente e de modo a não permitir que o requerido o possa fazer desaparecer a todo o momento, sem deixar rasto, importa arrestar o saldo das contas acima mencionadas.

Produzida a prova oferecida pela requerente, o tribunal a quo proferiu decisão, negando o decretamento do arresto.

A requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso, pedindo a revogação e a substituição da decisão recorrida por outra que decretasse o arresto.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. Como preliminar da acção de divórcio litigioso instaurada pala requerente contra o requerido, foi decretado o arrolamento dos saldos das contas bancárias, então indicadas e existentes no BCP Millenium e, do Banco Alemão Sparkane Subloto Pospark nº 262024531;
2. Da conta nº 13721874 do BCP Millenium, o requerido efectuou aplicações financeiras só em seu nome e beneficiário, na Ocidental Companhia Portuguesa de Seguros, sucursal desta entidade bancária, em apólices no valor global de € 235.000,00, mantendo-as associado à mesma conta;
3. Tais aplicações, denominando-se “Seguro de Poupança/Unit Linked”, e o depósito na conta do banco alemão não foram nem estão arrolados;
4. Os valores resultantes da rentabilidade das ditas aplicações financeiras eram creditadas e associadas à sua conta do BCP Millenium, trimestralmente;
5. O requerido, já após o divórcio e o inventário para a separação de meações, passou a movimentar, por levantamento e emissão de cheques, valores das contas arroladas em seu proveito e benefício exclusivo;
6. Do mapa informativo da partilha constante do inventário foram adjudicadas à requerente, em pagamento, metade das verbas nº 1, 2 e 3 ao inventário, somando a quantia de € 133.924,49; sendo a verba nº 3 constituída pelo montante das aplicações “seguro Poupança Link”, o que equivale à requerente o valor de € 133.924,49;
7. Em 29/10/2012 e 30/12/2012, o requerido, por escrito, determinou junto da Ocidental Companhia Portuguesa de Seguros que todas as aplicações, à data do vencimento (14/10/2013), em alteração da conta de depósitos a que estava associada (13721874), para serem pagas noutra conta, por si aberta, em seu nome exclusivo, nº 45362438254;
8. No processo de inventário não foi proferida sentença;
9. O requerido pode movimentar todos os valores sem que a requerente possa tomar qualquer intervenção e, assim, ficar completamente sem garantia patrimonial do seu crédito/valor de meação nos montantes depositados;
10. De facto, como a própria Ocidental Seguros considerou ao Tribunal a quo, em 08/04/2013, no elemento das apólices, se não forem recepcionadas instruções do tribunal, o reembolso será efectuado junto da conta de depósito à ordem, associada às apólices e aplicações de seguro link, ou seja, não à conta nº 13721874, mas à nova conta nº 45367438254, conforme instruções do requerido; mas,
11. Mesmo ainda que fosse aquela certo e, no entender do BCP Millenium, como os valores são os da data do arrolamento, o requerido podia proceder ao seu movimento na parte excedente, como aliás vem sucedendo com o valor ali creditado, decorrente da rentabilização das apólices;
12. Tais valores pertencem em parte à requerente;
13. Como se apurou, a requerente e o requerido foram casados um com o outro, encontrando-se divorciados; pese embora a providência cautelar de arrolamento de bens, os valores aplicados na Ocidental Companhia de Seguros, SA no montante de € 235.000,00 e do banco alemão não foram arrolados; instaurado o inventário, a requerente tem direito a metade dos valores das verbas 1, 2 e 3; de acordo com o mapa informativo da partilha é devedora de € 17.069,72; nos dias 29 e 30/10/2012, o requerido solicitou junto do BCP Millenium (mediador), que a conta de depósitos associada aos contratos de seguro, passasse a ser da conta do Millenium BCP nº 45367438254;
14. Como igualmente indiciariamente comprovado pelos documentos juntos, entretanto carreados para os autos, e dos demais apensos que o requerido tem ocultado o valor aquisitivo no Banco Alemão, que tem levantado as quantias geradas pela maturidade trimestral da apólice na Ocidental, SA, com o propósito de se apropriar da sua meação, quando o requerido tem apenas três terrenos de cultivo e faz uma vida de consumo com gastos, designadamente, em viagens, passeios, festas; tendo o mesmo sido condenado por maus-tratos à requerente, o apregoar junto de terceiros, que a mesma com nada haverá de ficar;
15. A alteração da decisão, quanto à matéria de facto, face aos mesmos e elementos probatórios impõe-se;
16. À luz da experiência comum e ao bom senso, a requerente tem justificado receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito/meação;
17. Por erro de interpretação e/ou aplicação não foram devidamente apreciados os princípios gerais do direito civil e processual e mostram-se violados os artigos 619º do CC e artigos 406º, 407º e 408º do CPC.


*

Como se vê da exposição acabada de fazer, a pretensão da requerente – consistente em ver revogada e substituída a decisão recorrida por outra que decrete o arresto – assenta, por um lado, na modificação da decisão de facto e, por outro, na interpretação dos factos no sentido de que preenchem os requisitos legais do arresto previsto no artigo 619º do Código Civil, e nos artigos 406º, 407º e 408º, todos do Código de Processo Civil [o CPC referido neste acórdão era o que estava em vigor na altura em que foi proferida a decisão recorrida, revogado, entretanto, pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho].

No que diz respeito à modificação da decisão de facto, a recorrente pretende que este tribunal julgue provadas as seguintes alegações:

1. Que o requerido procedeu ao levantamento de movimento de quantias existentes na aplicação financeira detida na Ocidental Companhia de Seguros Vida SA e que há indicação de transferência desses tais valores, na ordem de €235.000,00, para uma conta pessoal;

2. Que o requerido agiu com o propósito concretizado de se apropriar metade do valor integro ao quinhão da requerente;

3. Que o requerido não tem património para além dos imóveis relacionados como integrante no património comum;

4. Que o requerido tem uma vida com gastos e hábitos de consumo, com viagens, festas, convívios, passeios, saídas aéreas sucessivas de Portugal para Alemanha e vice-versa;

5. Que o requerido tem levantado trimestralmente de contas arroladas, com juros de mora, com fim de fazer tais importâncias suas e de não prestar à requerente contas na parte que lhe competia e que lhe pertence;

6. Que o requerido não renuncia intenção de dissipar património comum, por forma a exaurir à requerente da sua parte que lhe compete;

7. Que o seu comportamento processual ao longo do mesmo revela ausência das diligências, com a justificação de doença para fazer prolongar o inventário;

8. Que o requerido já foi condenado por maus-tratos, no âmbito do processo crime nº. 123/07.5GBPBL, do 2º Juízo, deste Tribunal.

Quando o recurso suscitar questões de facto e questões de direito, o julgamento do recurso deverá começar pelas questões de facto, uma vez que estas tem precedência lógica sobre as de direito. À luz deste entendimento, estaria indicado começar o julgamento do recurso pelo conhecimento da impugnação da decisão de facto.

Sucede que, assim como o tribunal só deverá seleccionar a matéria de facto se esta for relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito [artigo 511º, n.º 1, do CPC], também só deverá conhecer da impugnação da decisão de facto se este conhecimento tiver relevância para a decisão do recurso. Em abono deste entendimento cita-se António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, página 298, para quem o tribunal da Relação deve “abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque dos factos provados ou não provados”.

Ora, no caso, ainda que este tribunal alterasse a decisão de facto no sentido pretendido pela recorrente, a sorte do recurso continuaria a ser a improcedência. E seria a improcedência porque, como se procurará demonstrar mais à frente, o arresto não tem cabimento no caso dos autos. Por esta razão, não se irá conhecer da impugnação da decisão de facto.  

Não havendo lugar ao conhecimento da impugnação da decisão de facto e não havendo razões para alterar a matéria assente, consideram-se provados os seguintes factos discriminados na decisão recorrida:
1. A... e B... casaram um com o outro no dia 4 de Setembro de 1976, segundo o regime de comunhão de bens adquiridos.
2. No dia 12 de Abril de 2007, a requerente instaurou acção de divorcio litigioso, a que os presentes autos correm por apenso, tendo o seu casamento sido dissolvido por sentença datada de 28 de Outubro de 2008.
3. A requerente requereu ainda, no dia 20 de Março de 2007, providência cautelar especificada de arrolamento dos bens comuns do casal, tendo sido proferida sentença a arrolar os depósitos bancários, bens móveis e imóveis que integravam o património comum do casal e melhor documentados a fls.7 e 8 do apenso com a letra A.
4. Instaurado processo especial de inventário que corre por apenso aos autos de divórcio, foi o requerido nomeado cabeça-de-casal, tendo, em sede de conferência de interessados, resultado a adjudicação dos bens constantes do mapa informativo de fls. 40 destes autos, cujo teor dou aqui por integrado, onde o requerido ficou credor de tornas da requerente no valor de 17 069,72 €.
5. Por acordo obtido no processo de inventário, em 14 de Março de 2013, foi prescindida a sua efectiva entrega por parte da requerente, sua devedora e outrossim acordado que tal valor ficaria cativo na metade da verba n.º 3 da relação de bens que foi adjudicada à aqui requerente.
6. A aplicação financeira titulada pelo requerido na Ocidental, Companhia de Seguros Vida, S.A., no valor de 235.000,00 €, é constituída por sete apólices naquele valor global e trata-se de um seguro vida do tipo Unit Linked, com risco de perda de todo o capital investido e valorização dependente da cotação do fundo a que se mostram associados, que vence juros trimestrais.
7. No dia 29 e 30 de Novembro de 2012, o requerido solicitou, junto do mediador de seguros, que a conta de depósitos associada aos contratos de seguro em apreço passasse a ser a conta do Millenium BCP n.º 45367438254.


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Como resulta da exposição efectuada mais acima, a requerente requereu o arresto de vários depósitos bancários, de uma carteira de títulos e de um seguro poupança/seguro de vida.

Para tanto alegou, em síntese:

1. Que no inventário a que se procedeu em consequência do divórcio entre a requerente e o requerido, couberam à requerente, entre outros, os seguintes bens: 1) 9 477,40 euros, correspondentes a metade de um depósito bancário [cujo valor era em 5 de Março de 2007 18 954,81 euros; 2) 6 947,09 euros, correspondentes a metade de depósito bancário; 3) 117 500,00 euros, correspondentes a metade de depósito “seguro/poupança” U.Link, no montante total de 235 000 euros; 4) 35 000 euros correspondentes a metade do valor existente numa conta do Banco Alemão.

2. Que, apesar de estes depósitos estarem arrolados, o requerido já procedeu ao levantamento da aplicação financeira no montante de 235 000 euros, tem procedido ao levantamento de outras importâncias, inclusive das demais contas que se encontram arroladas, ocultou o saldo da conta existente no banco Alemão e declara que a requerente não há-de ficar com nenhum valor.

3. Que o requerido pode, assim, movimentar e transferir os demais valores depositados.

A decisão recorrida não questionou se o arresto era a providência cautelar adequada para prevenir o perigo invocado pela requerente.

Laborando implicitamente no pressuposto de que o arresto era a providência adequada à situação descrita no requerimento, tratou de apurar se a requerente havia demonstrado os requisitos de que a lei faz depender o decretamento do arresto.

Requisitos que se encontram definidos no n.º 1 do artigo 619º do Código Civil e no n.º 1 do artigo 406º do Código de Processo Civil, nos seguintes: “o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.

Tratando da questão do preenchimento dos requisitos, entendeu o seguinte. Em primeiro lugar, embora no âmbito do processo de inventário, a requerente não fosse credora do requerido [no inventário era a requerente que era devedora de tornas ao requerido], “era possível afirmar, com verosimilhança, a existência de uma expectativa de aquisição por parte da requerente de um crédito correspondente à sua meação nos bens comuns do dissolvido casal, em valor documentado no mapa de partilha”. Em segundo lugar, não se mostrava – e passamos a citar - “… minimamente indiciada uma situação que, em termos objectivos, revele justificado e fundado o seu receio de que sem o imediato arresto das contas bancárias tituladas pelo requerido, a requerente veja posta em causa a garantia patrimonial do seu crédito sobre os bens comuns que são administrados pelo requerido”.

Com base nestas premissas, a decisão recorrida concluiu que não estavam preenchidos os requisitos legais do arresto. 

A requerente/ora recorrente labora também no pressuposto de que o arresto era a providência cautelar adequada para prevenir o perigo por si invocado e que o direito, cuja garantia patrimonial corria perigo, era o crédito/meação nos montantes depositados.

Diverge, no entanto, da decisão recorrida na parte em que esta afirmou que não havia factos que indiciassem que era fundado o receio de perda da garantia patrimonial. No seu entender, estavam demonstrados factos que justificavam o seu receio de perder a garantia patrimonial do crédito/meação nos montantes depositados.

Vê-se, assim, da síntese que acaba de ser feita que a divergência da recorrente em relação ao que foi decidido diz respeito à verificação do fundado receio de perda da garantia patrimonial do direito, denominado “crédito/meação nos bens depositados”.

Sucede que a primeira questão que o pedido suscitava era a de saber se o arresto previsto no n.º 1 do artigo 619º do CC e no n.º 1 do artigo 406º do CPC era a providência cautelar adequada para prevenir o risco de lesão do direito que havia sido invocado pela requerente e para acautelar o efeito útil da acção da qual o arresto era dependência

Como se procurará demonstrar, de seguida, o arresto não era a providência adequada para os fins pretendidos pela requerente. A providência apropriada era o arrolamento. Vejamos.  

O arresto [referimo-nos ao arresto previsto no n.º 1 do artigo 619º do Código Civil e no n.º 1 do artigo 406º do CPC] é um meio posto à disposição do credor para conservar a garantia patrimonial do seu crédito.

A conservação faz-se mediante a apreensão judicial dos bens do devedor susceptíveis de penhora [n.º 2 do artigo 406º do CPC], uma vez que são os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos do artigo 601º do Código Civil, constituem a garantia geral das obrigações.

Apreensão à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora [n.º 2 do artigo 406º, do CPC].     

Apreendidos os bens, fica acautelado o efeito útil da acção da qual depende o arresto, uma vez que o credor fica com a garantia de que, no caso de o devedor não cumprir voluntariamente a sua obrigação, poderá executar os bens que foram apreendidos ao devedor e obter, com o produto da venda deles, o pagamento do seu crédito.

O credor só está, no entanto, em condições de beneficiar do arresto dos bens do devedor se provar o justo receio de perda da garantia patrimonial. É o que resulta de modo inequívoco do n.º 1 do artigo 619 do Código Civil e o n.º 1 do artigo 406º do CPC, ao disporem que “o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer arresto de bens do devedor”.

Segue-se do exposto o seguinte:
1. Que os direitos protegidos pelo arresto são direitos de crédito;
2. Que a protecção consiste na conservação da garantia patrimonial desses créditos;
3. Que a conservação da garantia patrimonial é efectivada mediante a apreensão dos bens do devedor susceptíveis de penhora.

Assim sendo, o arresto teria cabimento no caso se o direito invocado pela requerente fosse um direito de crédito, cujo sujeito passivo fosse o requerido, e se a apreensão dos bens visasse conservar a garantia patrimonial desse direito, o que pressupunha, como é bom de ver, que os bens fossem do requerido.

Sucede que nem a natureza jurídica do direito que a requerente quer proteger com o arresto dos bens acima indicados é a de um direito de crédito, nem a apreensão dos bens visa conservar qualquer garantia patrimonial do direito invocado pela requerente.

Vejamos.

O direito que a requerente invoca e que designa por crédito/meação [e que a decisão recorrida designou por “expectativa de aquisição de um crédito correspondente à sua meação nos bens comuns do dissolvido casal”] é o direito de propriedade sobre alguns dos bens que lhe foram atribuídos na partilha dos bens comuns do casal.

Por seu turno, o arresto pretendido pela requerente não visa conservar a garantia patrimonial de qualquer direito de crédito.  

O que a requerente quer com a apreensão é garantir que os bens que lhe foram atribuídos na partilha lhe sejam entregues após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha. E quer esta garantia uma vez que, segundo alega, há o risco sério de esses bens serem entretanto ocultados ou dissipados pelo recorrido.

Sucede que a providência adequada para prevenir o risco de dissipação ou ocultação de bens comuns e acautelar o efeito útil do processo de inventário instaurado para partilha destes bens - efeito útil que consiste não só na partilha dos bens comuns, mas também na entrega aos interessados dos bens que lhe couberem em partilha - é o arrolamento [artigo 421º do Código Civil].

Assim, a providência que cabe ao caso é o arrolamento. Daí que, embora por razões diferentes das da decisão recorrida, seja de negar o decretamento do arresto.

Não se ignora que, nos termos da primeira parte do n.º 3 do artigo 392º do CPC, o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, e que ao abrigo desta disposição o tribunal tinha o poder de decretar o arrolamento dos bens indicados pela recorrente.

Sucede que a aplicação ao caso do disposto no n.º 3 do artigo 392º do CPC está prejudicada uma vez que, segundo alegou a requerente no requerimento inicial, já foi proferido despacho com trânsito em julgado a decretar o arrolamento dos bens que agora pretendia arrestar.    


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Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.


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      As custas serão suportadas pela requerente

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Emídio Santos (Relator)

Catarina Gonçalves

Maria Domingas Simões