Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
533/12.6GESLV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
BURLA QUALIFICADA
MODO DE VIDA
Data do Acordão: 10/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CRIMINAL – J4)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 410.º, N.º 2, AL. C), DO CPP; ARTS. 217.º E 218.º DO CP
Sumário: I - Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

II - A existência de duas versões contraditórias não implica necessariamente a aplicação do princípio in dubio pro reo, dando como não provada a autoria dos crimes de burla imputados à arguida.

III - A tutela jurídico-criminal na área da burla não abdicará, portanto, e na análise do estado de erro provocado por “acção astuciosa”, da consideração da natureza “desleal” ou “desonesta”, à luz dos ditames da boa fé objectiva, de um determinado comportamento.

IV - No caso dos autos estamos perante uma actuação requintadamente ardilosa por parte da arguida, fazendo-se passar por dona de apartamentos para arrendar e que afinal dos mesmos não dispunha, utilizando endereços electrónicos na Internet, com a intenção de enriquecer à custa dos pretensos arrendatários, assim os determinando à prática de actos que lhes causaram prejuízo, equivalente à quantia por cada um despendida.

V - Não se exige que o agente se dedique de forma exclusiva à prática de um daqueles tipos legais de crime, mas sim que a série de ilícitos contra o património que o agente pratique seja factor determinante para que se possa concluir que disso também faz modo de vida.

Decisão Texto Integral:









Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório
No processo supra identificado o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida A... , solteira, nascida em 15 de Julho de 1984, filha de (...) e de (...) , natural de Lisboa, com última residência na (...) , Sátão, actualmente presa no Estabelecimento Prisional de Tires, imputando-lhe a autoria material, na forma consumada, e em concurso real, de dois crimes de burla qualificada, p. e p. nos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b), ambos do Código Penal (CP).
*
O tribunal colectivo deliberou:
- Condenar a arguida, como autora material de um crime de burla qualificada, p. e p. nos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b), ambos do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (situação relativa ao ofendido E... );
- Condenar a arguida, como autora material de um crime de burla qualificada, p. e p. nos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b), ambos do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (situação relativa ao ofendido D... );
- Operando-se o cúmulo jurídico, condenar a arguida A... na pena única de 3 (três) anos de prisão (efectiva).
*
Inconformado recorreu a arguida, o qual pugna pela sua absolvição, formulando as seguintes conclusões:
«1. O douto Acórdão recorrido, na parte relativa à determinação da medida da pena aplicada ao recorrente, carece da especial fundamentação legal e judicialmente exigida, tendo-se o tribunal a quo limitado a usar fórmulas tabelares e conclusivas.
2. Nessa medida, foram violados os artigos 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e 71.°, n.º 3 do Código Penal, 32.°, n.º 1 e 205.° nº 1, da Constituição, sendo, por isso, o acórdão nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), daquele diploma adjectivo - o que aqui se vem arguir, ao abrigo do n.º 2 desta última norma, requerendo-se que seja declarada tal nulidade e ordenada a remessa do processo ao tribunal a quo para que proceda à elaboração de novo acórdão que sane o apontado vício.
3. QUANTO À MATÉRIA DE FACTO. Discorda a recorrente de parte da matéria de facto dada como provada, porquanto considera não resultar a mesma da prova produzida, com tal não se conformando. Além disso constata-se na própria sentença, erro notório na apreciação da prova. Ao decidir conforme decidiu, violou o tribunal a quo o princípio da livre apreciação da prova. Mais entende, a recorrente, ter sido efectuada uma errada interpretação e aplicação do direito.
4. Pelo que solicita a recorrente A REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Produzida a prova, o Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
(Reproduz os factos de 1 a 52 dados como provados!)
(…)
5. - DA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
Sem questionar o essencial princípio da livre valoração da matéria probatória e da livre convicção do julgador, o certo é que, os mesmos, não podem ser sinónimo de juízo arbitrário, divorciados dos factos concretamente apurados ou não apurados em sede processual. Pois é sobre esses factos que se há-de julgar e aplicar o Direito que ao caso compete, e não sobre factos hipotéticos e inexistentes. Se é possível a aquisição processual de factos não provados por presunção a partir de outros factos provados, é mister que estes existam e aqueles possam ser logicamente dedutíveis, sem prejuízo das regras fundamentais da lógica e das regras da experiência de vida.
6. Porém, tal não é o que se verifica no caso concreto. Outrossim, constata-se que erros de dedução lógica presidiram, s.d.r., à formação da convicção do Tribunal, conduzindo-o, desde logo, a dar como provado, aquilo que não poderia sequer ter sido presumido, desde logo, entre outros factos, a identidade da arguida enquanto agente do crime em questão.
7. Os factos em que se fundamenta o Tribunal a quo, ainda que corroborados por alguma prova, não têm a virtualidade de permitir ao Tribunal extrapolar a conclusão decisiva de que foi a arguida, ora recorrente, quem praticou os factos cm causa.
8. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. MATÉRIA ERRADAMENTE DADA COMO PROVADA: Foi erradamente considerada provada, tendo havido erro notório na apreciação da prova, toda a factualidade vertida sob os pontos 1; 2; 4; 5; 7; 9 a 14;16 a 20; e 22 a 33, a qual deve, outrossim, ser dada como não provada.
9. Com efeito, não se provou, desde logo, o facto principal de todos os demais: a identidade do agente que praticou o crime, uma vez que, nem sequer, alguma das testemunhas ou algum dos ofendidos, viu pessoalmente a arguida. Nem mesmo a testemunha B... , titular da conta bancária para a qual foram transferidos os montantes a título de sinal, a qual referiu expressamente e por várias vezes só ter contactado com a pessoa que terá praticado o crime em questão, via telefónica, também nunca a tendo visto.
10. Com efeito, refere o ofendido E... que jamais viu ou conhece a arguida, que se encontrava presente na sala de audiência (gravação digital: sessão de 05.01.2016, 19:19ss).
11. Também o ofendido D... afirmou que não conhece a arguida, que se encontrava presente na sala de audiência (gravação digital: sessão de 05.01.2015, 00:28ss; 05:56; 06:00ss).
12. O agente policial F... , que também depôs como testemunha, afirmou ele próprio que “a única coisa que nós conseguimos foi uma referência multibanco (relativamente ao telefone de contacto do anúncio) que se encontrava em nome de um outro individuo que na sua inquirição ele informou que não conhecia nenhum dos intervenientes no processo”. Não tendo conseguido identificar o titular do telemóvel (gravação digital: sessão de 05.01.2015,03:54ss).
13. Mais esclarece este agente que foram informados do nome da pessoa que, por identidade desse mesmo nome com o da arguida, conduziu a investigação à pessoa desta arguida, através da testemunha B... , titular da conta bancária para a qual foram transferidos os valores de "sinal" e perguntado se fizeram alguma diligência junto dos CTT para averiguar a informação [prestada pela testemunha B... de que enviava os montantes transferidos para uma pessoa com o mesmo nome que a arguida através de vales de correio], o mesmo respondeu negativamente, porquanto não havia sido efectuada qualquer averiguação junto dos serviços postais dos GIT (gravação digital: sessão de 05.01.2015,05:22ss).
14. Finalmente, a testemunha B... B... , titular da conta bancária para a qual foram transferidos os montantes de "sinal", também nunca viu a arguida, limitando-se a contactar com a pessoa com o mesmo nome que a arguida, por via telefónica (gravação digital: sessão de 05.01.2015, 18:26ss).
15. Por outro lado, em termos de prova documental, a fls. 216 dos autos, vêm os serviços de telecomunicações respectivos informar que o telemóvel utilizado corresponde a um "cartão pré-pago", não sendo, por isso, possível identificar o seu titular e utilizador.
16. Assim, não pode deixar a recorrente de questionar toda a factualidade dada como provada, desde logo, a identidade do agente que praticou os crimes em questão, como tendo sido a arguida, ora recorrente, se o que se prova é que nenhum dos intervenientes que prestaram depoimento, alguma vez viu a arguida (!) e o próprio agente policial é concordante em afirmar que nenhuma das diligências efectuadas, durante o inquérito, foram aptas a associar a pessoa da arguida aos factos investigados. Assim, esta factualidade, já atrás descrita, deve ser dada como não provada, existindo erro notório na apreciação da prova.
17. Quanto ao nome da arguida e os vales dos CTT, particularmente, referiu a testemunha B... que enviava por vales de correio os montantes transferidos para a sua conta, para alguém de nome C... , tendo até exibido tais vales, os quais, todavia, não passam de simples cópias cujo valor é, por isso, absolutamente questionável (não se compreendendo o porquê de os não ter junto mais cedo aos autos e, bem como, os respectivos originais, centrando-se, aliás, a sua preocupação, mais em desresponsabilizar-se de toda a sua (comprovada) colaboração nos factos investigados, assim não merecendo grande credibilidade).
18. Sucede, porém, que o nome de alguém não é, por si só, elemento identificativo da identidade de uma pessoa. Motivo pelo qual, aliás, nos cartões de cidadão portugueses, o nome atribuído a alguém, não é o único elemento identificativo que nele consta. Nele encontramos também, no que ao caso interessa, um número de identificação, a filiação, e até, note-se bem, uma impressão digital e, hoje, na era das tecnologias, um certificado de assinatura digital! Pergunta-se, pois, como fazer derivar do facto de alguém ter um nome idêntico ao da arguida, a identidade desta como autora de um crime. A vingar uma tal tese, não poderia nenhum cidadão permanecer tranquilo, antes pelo contrário, estaria na constante iminência de poder ser acusado (e condenado!) pela prática de um qualquer crime praticado por alguém que tivesse, por azar, um nome idêntico ao seu. E basta ir à internet e ali colocar o nome da arguida, para verificar que existem mais «Cs » neste mundo e que, sob pena de se incorrer na mais aberrante condenação, não pode o Tribunal condenar, unicamente, com base neste simples elemento factual.
19. Tal não constitui senão um indício que, para fundar uma verdadeira prova, seria necessário que a investigação tivesse averiguado junto dos serviços postais CTT a efectiva identidade da C... , a tal que, supostamente, junto dos CTI, terá procedido ao levantamento daqueles vales de correio; desde logo, apurando qual o cartão de cidadão que aí foi exibido. O que não foi de todo trazido ao processo, sendo o inquérito totalmente omisso quanto a esse dado fundamental, embora só perante essa prova segura se pudesse fundar uma certeza de que aquele nome corresponde a esta identidade, ou seja, à pessoa concreta da arguida.
20. Nem existe sequer, nos autos, qualquer facto do qual se possa presumir estoutro e, sob pena de ofensa ao mais elementar senso de justiça, na ausência de prova, não pode jamais a arguida ser condenada apenas porque, noutros processos, foi também condenada por actos de semelhante natureza.
21. Assim, e por falhar, desde logo, a prova do preenchimento do pressuposto básico e fundamental do conhecimento da identidade do agente do crime, todos os factos considerados provados sob os pontos 1; 2; 4; 5; 7; 9 a 14;16 a 20; e 22 a 33, devem ser considerados como não provados.
22. Por outro lado, e com relevância para a aplicação do direito aos factos, deve ser dado como provado que:
1. O ofendido E... efectuou apenas dois contactos telefónicos com a anunciante do site "Olx", após o que transferiu o "sinal" (gravação digital: sessão de 05.01.201.5, 14:22ss).
2. O ofendido E... , ao transferir o "sinal", desconfiava poder estar a ser enganado (gravação digital: sessão de 05.01.2015, 05:50ss)
3. O ofendido E... possui uma situação financeira razoavelmente confortável (gravação digital: sessão de 05.01.2015, 16:14ss)
4. O ofendido D... efectuou apenas um contacto telefónico com a anunciante do site "Olx", após o que transferiu o "sinal" (gravação digital: sessão de 05.01.2015, 04:33; 06:14ss).
5. O ofendido D... , ao transferir o "sinal", desconfiava poder estar a ser enganado (gravação digital: sessão de 05.01.2015, 04:50ss).
6. O ofendido D... possui uma situação financeira razoavelmente confortável (gravação digital: sessão de 05. 01.2015, 04:57 ss).
Estas conclusões de facto assentam exclusivamente nos depoimentos dos próprios ofendidos.
7. O site "Olx" transmite recomendações aos seus utilizadores para que não antecipem transferências de dinheiro e realizem os negócios pessoalmente (facto notório, de conhecimento público, bastando aceder ao respectivo site "Olx” para o constatar).
23. QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO. DO CRIME DE BURLA QUALIFICADA.
Uma vez reformulado o conjunto da factualidade que deve ser dada como não provada e como provada, há que extrair as devidas conclusões em matéria de direito.
24. Desde logo, a primeira conclusão a retirar é, necessariamente, a de que, não provada a identidade do agente que praticou o crime de burla qualificada que consta da acusação, deve a arguida ser absolvida por total ausência de prova, nestes autos, contra si.
25. Todavia, ainda que assim não se entenda, o que, só por mero dever de patrocínio se supõe, deve, ainda assim, ser a arguida absolvida pelas seguintes razões substantivas:
26. Da astúcia e da "mentira qualificada" como elemento do tipo objectivo do crime de burla:
Conforme se refere no Acórdão do TRL de 24-04-2012, proc. n.º 1174/06.2TAFIG.L1-5 " Para que exista a astúcia própria do crime não basta qualquer mentira, é necessário um "especial requinte fraudulento" ou uma "mentira qualificada", só assim se garantindo a plena observância do princípio da legalidade, uma vez que astúcia significa "manha" ou "ardil". Mais referindo que, apesar da imoralidade que pode acompanhar a celebração de certos negócios, o comportamento do agente só se ajusta à fattispecie penal quando, pelo recurso à mentira, à maquinação, (...) usa de astúcia, enquanto instrumento de deslocação patrimonial indevida." Além disso, "há casos em que não é fácil estabelecer a linha divisória entre a burla e o simples ilícito civil (...)".
27. Com efeito, tomando por referência estas doutas afirmações, e perante a factualidade provada acerca do modo como "alguém" terá desenvolvido o engodo em causa, não podem restar grandes dúvidas, atenta a era da comunicação e da tecnologia em que nos movemos, e a facilidade com que, hoje em dia, os cidadão têm acesso aos meios informáticos e, sobretudo, à internet, é imperioso concluir que, abrir uma conta num site de grande difusão como é o "Olx" (e outros semelhantes), praticamente nenhuma astúcia exige. Antes pelo contrário, é até exageradamente fácil (e daí todas as cautelas exibidas pelos próprios gestores daquela plataforma informática e as suas recomendações para uma utilização prudente).
28. Ora, seguindo a jurisprudência deste douto acórdão, é de concluir que o que está em causa nestes autos não é, pois, uma "mentira qualificada", um engodo que exija um especial conhecimento técnico e, neste caso, informático, uma especial astúcia. Assim, não obstante possa ser algo de "imoral" e, sem dúvida que, sancionável do ponto de vista cível, a conduta em causa não tem força suficiente para assumir verdadeira dignidade penal, a ponto de a podermos subsumir a um crime de burla. Pelo que, a arguida deve ser absolvida da sua prática.
29. Da ausência de convicção por parte dos ofendidos quanto ao objecto do crime.
Por outro lado, e conforme considerámos provado, os próprios ofendidos manifestaram a sua desconfiança perante o engodo em que estavam a incorrer, afirmando que sabiam estar a correr um risco, mas, que se deixaram levar (o que é patente nas afirmações: "eu desconfiar até desconfiei! (...) Deixei-me levar", D... . Gravação: sessão de 05.01.16, 04-:49ss! "não olhei aos riscos", E... , Gravação: sessão de 05.01.16, 10:47ss). Ora, cabe perguntar se, em tal circunstância deve considerar-se estar o ofendido a ser vítima de um crime de burla, uma vez que este pressupõe - até pelo iter processual que lhe está subjacente, sendo um crime de execução vinculada e complexo - um perfeito convencimento do ofendido de que o que está a fazer é totalmente conforme aos seus interesses e à sua vontade, ou seja, o ardil criado deve ter sido apto a criar neles a convicção de que o negócio que estavam a realizar era verdadeiro, sem qualquer margem para dúvidas que se reportem à idoneidade do negócio e dos sujeitos que são parte nesse mesmo negócio. Ora, tal não foi o caso dos presentes autos, em que os ofendidos assumem que sabiam que estavam a correr um risco, desconfiando do próprio negócio e, mesmo assim, decidiram "apostar" o seu pecúlio naquela semana de férias no Algarve! Pelo que, tanto basta para que não se possa ter como verificado o tipo objectivo do ilícito criminal da burla (qualificada).
30. Da falta de diligência típica do bonus pater familiae, pelos ofendidos.
Acresce a este facto que, os ofendidos, na verdade, só de si próprios se podem queixar, uma vez que, dada a factualidade que consideramos dever ser dada como provada, estes, definitivamente, não agiram como cidadãos minimamente zelosos dos seus interesses, minimamente prudentes e sagazes, como seria exigível de acordo com o critério do "bónus pater familiae", E assim sendo, estamos perante uma verdadeira causa de exclusão da ilicitude a determinar também, por esta via, a absolvição da arguida do crime de que vem condenada. O Ac. TRP de 02-12-2010, proc. n.º 8861/07.6TDPRT.Pl, refere mui doutamente que "o enriquecimento obtido pelo agente à custa dos sucessivos erros cometidos por falta de diligência e/ou má organização da (…) lesada elide o crime de burla: não há erro nem engano, quando o queixoso não procede com a diligência mínima que lhe é exigível no tráfego comercial". Ora, transferir montantes pecuniários para uma conta bancária de um desconhecido, após um, no máximo, dois singelos contactos telefónicos, e alguns lacónicos "e-mails", através de um site que bastamente dá alertas e recomendações aos seus utilizadores, prevenindo-os para os perigos do uso arbitrário daquela plataforma é, não só prova do descuido e da negligência que os ofendidos colocaram na defesa dos seus interesses, como é, diria mesmo, uma conduta civicamente censurável e que, por isso, deverá ter também as suas consequências. Pelo que, também por esta via, deve a arguida ser absolvida.
31. Do não empobrecimento das vítimas. A não colocação em situação económica difícil.
Finalmente, não se preenche o tipo legal objectivo do crime de burla pelo facto de que, desde logo, não se verificou qualquer empobrecimento por parte do ofendidos com a transferência patrimonial que realizaram para a conta de B... . Pois, com efeito, não é qualquer deslocação patrimonial que pode ter a virtualidade de configurar um prejuízo. Um cêntimo de deslocação patrimonial não pode, sem ofensa das regras do bom senso, ser considerado como um empobrecimento. Ou seja, é necessário contextualizar esse empobrecimento, tendo em conta, não só a quantia transferida, como a capacidade económica do "empobrecido". ln casu, e atentos os factos que se pretendem dados como provados, não há dúvida de que os ofendidos auferem salários acima da média dos cidadãos Portugueses (que é o salário mínimo nacional), permitindo-lhes até custear férias em família no Algarve, usufruindo, pois, de uma condição financeira razoavelmente confortável, e, aliás, nem sequer tendo apresentado pedidos cíveis. Ora, tal como se refere no acórdão do STJ de 17-10-2007, a colocação em "situação económica difícil é condição de punibilidade" do crime de burla que, inexistindo no caso dos autos, deve conduzir, necessariamente, à não verificação dos elementos típicos objectivos do crime de burla. Pelo que, também por esta via deve a arguida ser absolvida da prática do crime de que vem condenada.
32. Dos elementos subjectivos do tipo legal de crime.
Quanto aos elementos subjectivos do tipo, realça-se que o dolo da arguida, exigível para a consumação do crime em apreço, deve dirigir-se à realização de todos os elementos objectivos do tipo legal de crime que, in casu, incluem a colocação do lesado em "situação económica difícil". Ora, ainda que se possa presumir o seu dolo a partir de factos objectivos, desde que provados, o facto é que, destes factos, não se pode presumir o dolo específico consubstanciado em representar e querer colocar as vítimas em "situação económica difícil". Pelo contrário, verifica-se que a arguida se terá coibido de pedir quantias excessivamente avultadas (o ofendido D... chegou mesmo a esclarecer que a pessoa que contactou via telefónica lhe terá dito que poderia transferir "o que quisesse" e que ele, ofendido, transferiu o montante que efectivamente quis. (gravação digital: depoimento de D... , sessão de 05.0116, 04:18ss). Pelo que, também pelo não preenchimento do elemento subjectivo do tipo legal de crime de burla deve a arguida ser absolvida, não se tendo consumado a prática do crime em questão.
- Em face do exposto, foram violados os artigos 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, 71.°, n.º 3 do Código Penal, 32.°, n.º 1, 205.°, n.º 1, da Constituição, sendo, por isso, o acórdão nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP. É também nulo o acórdão por violação do disposto no artigo 379.º do CPP, Tendo-se violado também o disposto no artigo 127.º do CPP e 217.º e 218.º do CP, pelo que, deve conceder-se provimento a presente recurso, fazendo-se a já costumada JUSTIÇA!».
*
Em cumprimentos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, notificados os sujeitos processuais, respondeu o Ministério Público na 1.ª instância, sustentando que não se verifica qualquer dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, não foi violado o princípio in dúbio pro reo, nem o princípio da livre apreciação da prova e a pena mostra-se justa e adequada à situação dos autos.
*
Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, a qual, em síntese, emitiu douto parecer acompanhando de perto a posição do Ministério Público na 1.ª instância, no sentido de que deve improceder totalmente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida
*
Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, na apresentou resposta.
*
Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.
*
Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação.
Factos provados
1 – Desde, pelo menos, o ano de 2009 que a arguida levou a cabo, juntamente com a sua mãe, K... , um plano que possibilitasse a ambas apoderarem-se de quantias monetárias pertencentes a terceiros, que consistia em publicitar arrendamentos de casas de férias, solicitando a quem se revelasse interessado na casa anunciada o pagamento do respectivo “sinal”, e cessando os contactos com os interessados uma vez feito tal pagamento, restando então os interessados prejudicados no valor das quantias por eles despendidas, das quais se apropriavam a arguida e a sua mãe;
2 – para tanto, a arguida colocava anúncios de casas para arrendar em vários sites, com fotografias atractivas e preços reduzidos para as casas, locais e altura do ano em que seriam arrendadas, utilizando diversos endereços de correio electrónico e números de telefone, também fornecendo nomes diferentes do seu às pessoas que a contactavam;
3 – nessa sequência, e devido à prática de factos do jaez dos mencionados nos pontos 1 e 2 (da presente factualidade provada) e à sua dimensão, à arguida foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, em 10 de Julho de 2012, no âmbito do processo comum colectivo n.º 2615/09.2TACBR, tendo sido condenada, a final, bem como a sua progenitora, pela prática, em co-autoria, de 203 crimes de burla qualificada, praticados entre 2009 e 2011, na pena única de 7 anos de prisão, decisão que transitou em julgado em 3 de Fevereiro de 2014;
4 – em todo o contexto que vem sendo descrito, em data não concretamente apurada, mas anterior a Abril de 2012, a arguida registou-se como utilizadora no sítio da Internet com a designação “OLX”, indicando o endereço de correio electrónico F... 500@hotmail.com;
5 – posteriormente, no dia 24 de Abril de 2012, a arguida colocou naquele sítio da Internet com a designação “OLX” um anúncio para arrendamento de um apartamento de férias, na localidade de Armação de Pêra, visualizado, à data, através do hiperligação http://armazaodepera.olx.pt/t2-frente-ha-praia-de-armacao-de-pera-idd-361546588, e indicando como contacto o número de telefone 96 (...) ;
6 – o anúncio referido no ponto 5 (destes factos assentes) descrevia as comodidades disponíveis, indicando a tipologia e apresentando fotografias das divisões e da vista do apartamento, enfatizando também a circunstância de o imóvel se situar em frente à praia algarvia de Armação de Pêra;
7 – na sequência da visualização do aludido anúncio, E... , residente em (...) , Lisboa, em Maio de 2012 estabeleceu contacto com o número de telefone 96 (...) , tendo então falado com a arguida, a qual se identificou como sendo J... e lhe disse que para reservar o apartamento teria – o apontado E... – de transferir a quantia de €300, sendo o restante pago posteriormente, aquando do acto de entrega das chaves na (...) , em Armação de Pêra;
8 – o mencionado E... ainda efectuou contactos através do seu endereço de correio electrónico, denominado E... @unicre.pt, para o endereço F... 500@hotmail.com, indicado no dito anúncio, solicitando informação sobre o número de identificação bancária (N.I.B.) da conta, tendo em vista a realização da transferência do valor acordado;
9 – no dia 2 de Junho de 2012, o referido E... efectuou uma transferência bancária da sua conta bancária n.º (...) para a conta bancária da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, que lhe foi indicada pela arguida, com o N.I.B. (...) , titulada por B... , da quantia de € 100, e no dia seguinte (3 de Junho de 2012) efectuou, nos mesmos moldes, uma transferência de € 200;
10 – após 3 de Junho de 2012, o mencionado E... nunca mais conseguiu estabelecer qualquer contacto com a arguida, apesar de ter tentado, por diversas vezes, ligar-lhe para o número de telefone 96 (...) que constava do anúncio acima referido;
11 – veio posteriormente a apurar, o dito E... , através de pesquisa na Internet, que as fotografias constantes do anúncio pertenciam a outro apartamento que se encontrava para arrendar, localizado a alguns metros da morada fornecida pela arguida;
12 – a arguida não tinha na sua disponibilidade, quer para arrendar quer para ceder a qualquer outro título, o apartamento publicitado no aludido anúncio;
13 – em data não concretamente apurada, mas anterior a 18 de Junho de 2012, a arguida registou-se como utilizadora, no mesmo sítio da Internet com a designação “OLX”, indicando o endereço de correio electrónico ferias1000@hotmail.com.;
14 – no dia 18 de Junho de 2012, pelas 11 horas e 25 minutos, a arguida colocou naquele sítio da Internet com a designação “OLX” um anúncio para arrendamento de um apartamento para férias na localidade de Armação de Pêra, visualizado, à data, através do link http://armazaodepera.olx.pt/t2-armacao-de-pera-ferias-na-1-linha-da-praia-idd-401576242;
15 – o anúncio aludido no ponto 14 (da presente matéria fáctica assente) descrevia as comodidades disponíveis, indicando que se tratava de um apartamento de tipologia “T2”, apresentava fotografias de algumas das divisões, e enfatizava ainda o facto de o apartamento se situar na primeira linha da praia algarvia de Armação de Pêra;
16 – na sequência da visualização do anúncio, D... , residente em (...) , Montemor-o-Velho, pelas 13 horas e 25 minutos do dia 18 de Junho de 2012 estabeleceu contacto com a arguida através do seu endereço de correio electrónico D... @sapo.pt para o endereço ferias1000@hotmail.com, indicado no anúncio, solicitando informação sobre a disponibilidade do apartamento entre os dias 4 e 11 de Agosto de 2012, e ainda o preço do arrendamento do imóvel para tal período de tempo;
17 – nesse primeiro contacto estabelecido pelo mencionado D... , foi-lhe dito pela arguida, em uma mensagem de correio electrónico, no mesmo dia 18 de Junho de 2012, que o valor do arrendamento era de € 400, vindo todavia a arguida, e após nova troca de mensagens de correio electrónico, a assentir em fixar o valor em € 350, perguntando-lhe: «Aceita?»;
18 – questionada pelo referido D... acerca do modo de pagamento e outros aspectos relacionados com o apartamento, a arguida respondeu, em 21 de Junho de 2012: « B... (...) avenida beira mar n 13, a entrada, as 10 da manha»;
19 – ainda no dia 21 de Junho de 2012, o aludido D... transferiu da sua conta bancária n.º (...) para a conta bancária da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, que lhe foi indicada pela arguida, com o N.I.B. (...) , titulada por B... , o quantitativo de €200;
20 – após 21 de Junho de 2012, o dito D... nunca mais conseguiu estabelecer qualquer espécie de contacto com a arguida, apesar de ter tentado por diversas vezes fazê-lo para o número de telefone 92 (...) que constava do anúncio;
21 – só no dia 4 de Agosto de 2012, quando se deslocou com a sua família de (...) para Armação de Pêra, o mesmo D... verificou que o apartamento em causa se encontrava fechado e não era habitado;
22 – a arguida não tinha na sua disponibilidade, quer para arrendar quer para ceder a qualquer outro título, o apartamento publicitado no aludido anúncio;
23 – o endereço de correio electrónico ferias1000@hotmail.com, com o qual a arguida efectuou o referido registo no sítio da Internet “OLX”, tinha, na altura aludida no ponto 21 (destes factos provados), publicitados os seguintes anúncios:
a) http://guarda-guarda.olx.pt/procuro-alguem-serio-iid-401550036, publicado em 17 de Junho de 2012, pelas 19 horas e 34 minutos;
b) http://evora-evora.olx.pt/cartomante-seria-ajuda-e-da-orientacao-iid-401550388, publicado em 17 de Junho de 2012, pelas 19 horas e 36 minutos;
c) http://armazaodepera.olx.pt/t2-armacao-de-pera-ferias-na-1-linha-da-praia-iid-401576242, publicado em 18 de Junho de 2012, pelas 11 horas e 25 minutos;
d) http://albufeira.olx.pt/t1-olhos-de-agua-condominio-com-piscina-e-vista-mar-ferias-iid-401551968, publicado em 18 de Junho de 2012, pelas 11 horas e 27 minutos;
e) http://quarteira-faro.olx.pt/t2-em-quarteira-mes-de-julho-e-agosto-ainda-livre-iid-401543540, publicado em 18 de Junho de 2012, pelas 11 horas e 43 minutos;
f) http://vilarealdesantoantonio.olx.pt/t2-montegordo-para-periodo-de-ferias-em-agosto-400-euros-semana-iid-4015400300, publicado em 18 de Junho de 2012, pelas 11 horas e 45 minutos;
g) http://lagos-faro.olx.pt7t1-no-centro-de-lagos-bom-preco-iid-401547860, publicado em 18 de Junho de 2012, pelas 11 horas e 48 minutos;
h) http://vilarealdesantoantonio.olx.pt/11-em-montegordo-julho-semana-se-300-euros-iid-401538224, publicado em 18 de Junho de 2012, pelas 11 horas e 49 minutos;
i) http://albufeira.olx.pt/t2-com-piscina-centro-de-albufeira-para-ferias-de-verao-iid-401840895, publicado em 18 de Junho de 2012, pelas 12 horas e 47 minutos;
j) http://mantarota.olx.pt/t2-com-piscina-com-jardim-em-manta-rota-ferias-iid-401853587, publicado em 18 de Junho de 2012, pelas 13 horas e 36 minutos;
l) http://portimao.olx.pt/t1-alvor-a-5m-a-pe-da-praia-em-julho-350-euros-semana-ferias-iid-401908223, publicado em 18 de Junho de 2012, pelas 15 horas e 56 minutos;
m) http://albufeira.olx.pt/apartamento-t3-perto-da-praia-a-800m-da-praia-de-santa-eulalia-ferias-iid-404263666, publicado em 24 de Junho de 2012, pelas 0 horas e 50 minutos;
n) http://portimao.olx.pt/t3-portimao-ferias-iid-404965878, publicado em 26 de Junho de 2012, pelas 0 horas e 44 minutos;
o) http://altura-faro.olx.pt/casa-vivenda-t3-junto-ha-praia-de-altura-julho-e-agosto-livre-bom-preco-iid-404183781, publicado em 24 de Junho de 2012, pelas 5 horas e 15 minutos;
24 – em Fevereiro de 2012, a arguida começara a frequentar consultas de orientação de cartas prestadas por B... e, nessa sequência, encetaram ambas uma relação de amizade, motivo pelo qual a arguida solicitou a B... que lhe disponibilizasse o N.I.B. da sua conta bancária, para que aí fossem depositadas algumas quantias de que a arguida se intitulou credora, mais justificando não ser titular de conta bancária e encontrarem-se as contas dos seus pais sob a vigilância das Finanças;
25 – assim, a aludida B... assentiu no pedido da arguida e forneceu-lhe o seu N.I.B. ( (...) ), passando a arguida a utilizá-lo;
26 – por isso, e em tal contexto, indicou e utilizou a arguida o N.I.B. da mencionada B... nos anúncios supra referidos, aos quais responderam os ofendidos E... e D... ;
27 – pelo que desde o momento aludido no ponto 25 (dos presentes factos assentes) começaram a ser depositadas na conta da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” com o N.I.B. (...) , titulada por B... , diversas quantias, inclusive as depositadas em Junho de 2012 pelos ofendidos E... e D... , sendo que a B... posteriormente as enviava para a arguida, através de vale de correio, apropriando-se a arguida de tais montantes;
28 – a arguida nunca pretendeu cumprir os arrendamentos que publicitava, tanto mais que utilizava nomes vulgares e distintos do seu, números de telefone diversos e sem identificação do titular e contas bancárias pertencentes a terceiros, por forma a não se lograr a sua identificação;
29 – a arguida visou e logrou ludibriar os ofendidos E... e D... , convencendo-os erradamente de que tinha casas para arrendar, aproveitando-se da facilidade de manipulação, alteração e montagem de anúncios na Internet, da possibilidade de esconder a sua identidade através de tal actuação, da aparência de seriedade que a apresentação de números de contacto telefónico e fornecimento de um N.I.B. induzia, da maior predisposição de terceiros em correr maiores riscos quando estão em causa quantias monetárias menores a título de sinal e, assim, conseguiu que aqueles ofendidos transferissem montantes para a conta bancária de uma terceira pessoa de sua confiança, que sabia fazer-lhe depois a entrega de tais quantias;
30 – com o seu desígnio, quis e conseguiu a arguida fazer crer aos aludidos ofendidos E... e D... que os apartamentos lhes seriam arrendados, tendo para esse efeito publicitado fotografias e elementos de localização dos mesmos, o que determinou os ofendidos a transferirem as quantias supra referidas, obtendo um beneficio patrimonial a que sabia não ter direito, e que nessa concomitante medida prejudicava os ofendidos, garantindo assim o seu sustento regular;
31 – actuou a arguida com o propósito, concretizado, de obter a soma equivalente às transferências efectuadas pelos ofendidos E... e D... , para assim fazer face às suas despesas quotidianas, à custa do empobrecimento do património dos ofendidos, contra a vontade daqueles, causando-lhes a perda dos valores que transferiram e a perturbação dos seus períodos de férias, querendo agir da forma por que o fez;
32 – à data da prática dos factos, a arguida não trabalhava nem tinha qualquer fonte de rendimento, praticando estes factos de forma exclusiva, regular e homogénea na sua execução, entre 2009 e 2012, com o intuito de obter para si proventos dessa prática;
33 – a arguida actuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;
34 – a arguida estudou até aos 16 anos de idade, altura em que, após diversas reprovações, abandonou o sistema de ensino;
35 – trabalhou como empregada de limpezas durante cerca de seis meses, fixando-se no Algarve e nas zonas de Aguiar da Beira e Sátão, aí laborando também em actividades ligadas à restauração e à apanha de fruta;
36 – é solteira e não tem filhos;
37 – actualmente, encontra-se, tal como a sua mãe, em cumprimento de pena de prisão efectiva;
38 – à data da prática dos factos em causa nos presentes autos havia sido já a arguida julgada e condenada, no processo comum singular n.º 2265/05.2TDLSB, da 1ª Secção do 5º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 2 de Outubro de 2004, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 5;
39 – foi também julgada no processo comum singular n.º 629/10.9PBBJA, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Beja, por decisão de 6 de Junho de 2012, pela perpetração, em 6 de Dezembro de 2010, de um crime de burla simples, sendo condenada na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5;
40 – já depois do cometimento da factualidade em questão nos presentes autos, foi julgada no processo comum singular n.º 1159/10.4JAPRT, do 1º Juízo Criminal de Gondomar, por decisão de 18 de Março de 2013, pela perpetração, em Junho de 2010, de um crime de burla simples, sendo condenado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5;
41 – foi também julgada e condenada no processo comum colectivo n.º 2615/09.2TACBR, da 2ª Secção das Varas de Competência Mista de Coimbra, por decisão de 23 de Julho de 2013, pela perpetração, entre 2009 e 2011, de 203 crimes de burla qualificada, sendo condenada na pena única de 7 anos de prisão (processo acima referido no ponto 3 destes factos provados);
42 – foi julgada e condenada no processo comum singular n.º 772/11.7PCLRA, do Tribunal Judicial de Sátão, por decisão de 11 de Outubro de 2013, pela perpetração, em 23 de Novembro de 2011, de três crimes de burla simples, na pena única de 240 dias de multa, à taxa diária de € 5;
43 – foi também julgada e condenada no processo comum singular n.º 2085/10.2JAPRT, do 4º Juízo Criminal de Matosinhos, por decisão de 15 de Outubro de 2013, pela perpetração, em Novembro de 2010, de um crime de burla simples, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de 1 ano;
44 – foi julgada e condenada no processo comum singular n.º 370/11.5GAACN, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, por decisão de 6 de Novembro de 2013, pela perpetração, em Dezembro de 2011, de um crime de burla simples, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de 1 ano, mediante a imposição de deveres de conduta;
45 – foi ainda julgada e condenada no processo comum singular n.º 510/10.1SKLSB, do 1º Juízo Criminal de Via Franca de Xira, por decisão de 20 de Novembro de 2013, pela perpetração, em 5 de Abril de 2010, de um crime de burla simples, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de 1 ano, mediante a imposição de deveres de conduta;
46 – foi julgada e condenada no processo comum singular n.º 96/10.0TAFND, do 2º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, por decisão de 26 de Novembro de 2013, pela perpetração, em 3 de Março de 2010, de um crime de burla simples, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5;
47 – foi julgada e condenada no processo sumaríssimo n.º 1169/12.7T3AVR, da Comarca do Baixo Vouga, por decisão de 2 de Dezembro de 2013, pela perpetração, em 1 de Junho de 2012, de um crime de burla simples, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 5;
48 – foi também julgada e condenada no processo comum colectivo n.º 447/12.0TDLSB, da 1ª Secção Criminal – Juiz 6 – da Instância Central de Lisboa, por decisão de 27 de Maio de 2014, pela perpetração, em Dezembro de 2011, de dois crimes de burla simples, sendo condenada na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão;
49 – foi julgada e condenada no processo comum singular n.º 1018/09.3PBVIS, da Secção Criminal – Juiz 1 – da Instância Local de Viseu, por decisão de 24 de Junho de 2014, pela perpetração, no ano de 2009, de um crime de burla qualificada, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período;
50 – foi julgada e condenada no processo comum singular n.º 85/12.7SLLSB, da Secção Criminal – Juiz 2 – da Instância Local de Lisboa, por decisão de 25 de Junho de 2014, pela perpetração, em 24 de Maio de 2012, de um crime de burla simples, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período;
51 – foi também julgada e condenada no processo comum singular n.º 1088/11.4PDAMD, da Secção Criminal – Juiz 1 – da Instância Local da Amadora, por decisão de 19 de Março de 2015, pela perpetração, em 9 de Dezembro de 2011, de três crimes de burla simples, na pena única de 12 meses de prisão;
52 – e, finalmente, foi julgada e condenada no processo comum singular n.º 759/11.0PBLRA, da Secção Criminal – Juiz 3 – da Instância Local de Leiria, por decisão de 27 de Maio de 2015, pela perpetração, em 26 de Julho de 2011, de um crime de burla informática, na pena de 6 meses de prisão.
*
Factos não provados:
Não existem factos não provados com interesse para a presente causa.
*
Convicção do tribunal:
O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, concatenada e “peneirada” à luz das regras normais da experiência da vida [cfr. art. 127º do Código de Processo Penal (C.P.P.)].
Diga-se que este foi um dos julgamentos em que se fez sentir, de forma evidente, a necessidade de adopção de um especial senso crítico na depuração dos contributos processuais prestados em sede de audiência, maxime para efeitos da determinação dos segmentos factuais praticados pela arguida.
Destarte, o ditame do art. 127º C.P.P., com o seu apelo às regras da experiência [ou seja, das «(…) definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judicio, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade» – Prof. Manuel Cavaleiro de Ferreira, “Curso de processo penal”, volume II, Lisboa, 1988, pág. 30] e à livre convicção da entidade julgadora, revelou-se de uma especial acuidade e oportunidade na apreciação da prova produzida, por forma a, de modo realista e convincente, edificar a estrutura sustentadora de uma ciência minimamente resistente a dúvidas, incertezas e aporias.
Tudo o que acaba de ser exposto é enquadrável, no entanto, na ideia geral de que a verdade judicial não é (nem pode ser) uma verdade “absoluta”, no sentido de uma verdade “ontologicamente” indestrutível. A verdade judicial alicerça-se em factos alcançados – e alcançáveis – através da interpretação e depuração dos diversos elementos probatórios produzidos e analisados em audiência de julgamento (quando a mesma ocorra) ou relativamente aos quais as partes (se o processo as admitir) estão de acordo quanto à significação e valoração próprias. A convicção do julgador baseia-se, pois, em tal conjunto de elementos, mediante a produção do referido juízo de verosimilhança, a que as normais regras da experiência comum não poderão ser alheias. Podendo assim dizer-se que a verdade intra-processual assume contornos algo “formais” (no sentido de que é “elaborada” a partir de um determinado percurso metódico delineado pelas próprias regras processuais) e “contextuais” (porque dependente da prova adquirida e da quantidade e qualidade de informação e conhecimento que tal prova inclui) (a propósito, Prof. Rossano Adorno, “La fisionomia del thema probandum nel processo penale”, “Il Foro Italiano”, Anno CXXXVIII, n.º 4, 2013, págs. 134 e 135).
Posto isto, o que temos nós in casu?
Temos, antes do mais, os depoimentos das duas vítimas da actuação da arguida, isto é, E... e D... , que, de um modo claro, circunstanciado e sincero, deram a conhecer tudo o que rodeou o “engodo” por que se deixaram “apanhar”, na sua demanda por um apartamento para as férias de Verão (dos próprios e respectivas famílias).
Assim, E... confirmou haver tomado conhecimento do contacto telefónico acima mencionado no ponto 5 da factualidade provada através do anúncio existente na Internet para arrendamento de um apartamento de férias situado na localidade algarvia de Armação de Pêra (conforme pôde a testemunha constatar através do visionamento do link http://armazaodepera.olx.pt/t2-frente-ha-praia-de-armacao-de-pera-idd-361546588 – cfr., a propósito, fls. 249 e 251 e 252 do presente processo); interessado em saber mais pormenores, para além daqueles decorrentes das fotografias que, segundo o anúncio, diziam respeito ao apartamento pelo mesmo anúncio promovido, o depoente contactou o número telefónico em questão, sendo “atendido” pela suposta dona do apartamento, uma tal “ F... ” (que nunca viu pessoalmente, mas que assim – como “ F... ” – sempre se apresentou perante o ofendido), e acabando os pormenores de pagamento do (também suposto…) “sinal” de € 300 por ser definidos e indicados pela apontada “ F... ”. O depoente realizou então a transferência da referida quantia por duas tranches (de € 100 e € 200 – vide fls. 250 destes autos), para o N.I.B. em questão, inerente à testemunha B... (fls. 18 e 48 do presente processo), com os resultados que se conhecem: o desapossamento dos € 300 (dos quais nunca obteve o ofendido qualquer restituição, por quem quer que fosse), e a crua constatação de que, a par da “volatilização” da referida “ F... ” (a qual, consumada a transferência do valor do dito “sinal”, nunca mais atendeu qualquer chamada telefónica empreendida pelo depoente), nunca “apareceria” também o apartamento em causa (e percebendo até o ofendido, nas suas posteriores pesquisas na Internet, que as fotografias constantes do anúncio pertenciam efectivamente a um outro apartamento que se encontrava para arrendar, e que nada tinha que ver com aquele referido no apontado anúncio).
E o mesmo, mutatis mutandis, pode ser aplicado ao episódio em que se viu envolvido o ofendido D... . De facto, explicou ele que após ter conhecimento, na Internet, de um apartamento para arrendar, situado em Armação de Pêra, cujas características lhe pareceram interessantes (características essas apreensíveis através do visionamento do link http://armazaodepera.olx.pt/t2-armacao-de-pera-ferias-na-1-linha-da-praia-idd-401576242 – fls. 23 a 27 deste processo), encetou contacto com a pessoa que se intitulava dona de tal apartamento e comunicava por via do endereço de correio electrónico indicado no anúncio. Tendo sido fixado o montante de € 350 para o arrendamento em questão (cfr. fls. 14 e 15 dos presentes autos), acabou a testemunha por proceder à transferência de € 200 a título de “sinal” (vide fls. 13 deste processo), fazendo-o para o N.I.B. indicado pela pessoa que, “do outro lado” (quer através de contacto electrónico, quer mediante telefonema), se apresentou como “ B... ”. O resto, também aqui, já o sabemos: nem apartamento, nem dinheiro…
Depois, revelou-se particularmente importante o depoimento de B... , titular da conta bancária cujo N.I.B. a arguida foi indicando aos ofendidos tendo em vista o depósito, por estes, das quantias acordadas a título do suposto “sinal”. Desde logo, explicou a depoente o contexto no qual se foi desenvolvendo entre si e a arguida uma proximidade afectiva (originada pelas consultas, via telefónica, que a testemunha, na sua qualidade de cartomante, ia realizando para a arguida), de tal modo que, a dado passo, e ainda que sempre através de contactos telefónicos, se sentiam ambas bastante irmanadas pelos assuntos do “espírito”. Assim, neste entorno, acedeu a depoente a facultar à arguida o seu N.I.B., por forma a que na respectiva conta bancária fossem sendo depositadas determinadas quantias pecuniárias que, segundo lhe relatou a própria, proviriam de supostos devedores da arguida. A partir daí, a testemunha, residente na cidade de Évora, efectuava a remessa dos montantes em questão para a estação dos correios de Sátão, através de vales de correio em nome da arguida [e ainda que por vezes – palavras da depoente – “deduzidos” das “comissões” relativas ao trabalho de cartomante que ela – B... – efectuava para a destinatária dos ditos vales (fls. 841 a 844 dos presentes autos)].
O que acaba de ser exposto em relação ao depoimento da referida B... , não obstante provir de alguém que poderia ter mais a contar (pois as apontadas “comissões por cartomancia” seriam eventualmente idóneas a suscitar uma ou outra dúvida sobre se também a B... , e no mínimo, não deveria ter intuído a que se destinava o seu N.I.B.…), não deixa de “encaixar”, segundo as normais regras da experiência do acontecer, nas demais peças do puzzle gizado pela arguida. Isto é, percebe-se que tal engenhoso esquema levasse a que as quantias pecuniárias desembolsadas pelos ofendidos apenas no final da “cadeia” entrassem em poder da verdadeira beneficiária, e através de dinheiro mais ou menos “vivo”, ou seja, já mediante os vales de correio “depurados” de movimentos ligados a depósitos bancários.
Deparamos, em suma, com uma personalidade – a da arguida – claramente “talhada” para a criação da “ilusão” perante terceiros, ou seja, perante aqueles (in casu, os ofendidos E... e D... ) que acabaram por redundar em vítimas de tal “ilusão”.
Pelo que, à luz das regras da experiência da vida, e segundo uma visão realista e desapaixonada da normalidade do acontecer, a conjugação de todos os elementos acabados de referir – a que acresce, ainda, o depoimento do agente policial F... , e os esclarecimentos por ele prestados acerca de algumas démarches investigatórias ocorridas no processo – aponta, segundo cremos, no sentido da perpetração dos factos em causa pela arguida, com evidente (e por ela pretendida) prejuízo a redundar para os ofendidos.
Quanto ao mais que se refere à personalidade e ao modus vivendi da arguida, valeu o que consta do respectivo relatório social junto aos autos.
Por fim, e para além da documentação já supra mencionada, tomou-se também em conta o conteúdo de todos os restantes elementos recolhidos no processo em que nos encontramos (com destaque para o inerente certificado do registo criminal, e ainda a definição factual tomada no processo comum colectivo n.º 2615/09.2TACBR, acima melhor identificado no ponto 3 dos factos supra assentes, definição essa da qual decorre, muito claramente, a “dedicação” da arguida e da sua mãe ao tipo de comportamentos do jaez dos aqui tratados – cfr. fls. 405 a 454 e 744 a 753 dos presentes autos), devidamente conjugados com o demais manancial, à luz das apontadas regras da experiência da vida comum».
*
II- O Direito
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:

a) Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, relativamente aos factos provados sob os pontos 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33, os quais devem ser dados como não provados.
b) Erro notório na apreciação da prova e violação dos princípios in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova.
c) Enquadramento jurídico-penal dos factos.
d) Nulidade por falta de fundamentação da pena aplicada.

Apreciando:
a) Da impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento.
A arguida impugna a matéria de facto, por erro de julgamento, relativamente aos factos provados sob os pontos 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33, os quais em seu entender devem ser dados como não provados.
Por outro lado, pretende, por se mostrarem com relevância para a decisão, que de dêem como provados os seguintes, que resultam dos depoimentos prestados na sessão de 5/01/2015, pelos ofendidos E... (passagens 14:22; 05:50; 16:14) e D... (passagens 04:33; 04:50; 04:57):
«1. O ofendido E... efectuou apenas dois contactos telefónicos com a anunciante do site "Olx", após o que transferiu o "sinal".
2. O ofendido E... , ao transferir o "sinal", desconfiava poder estar a ser enganado.
3. O ofendido E... possui uma situação financeira razoavelmente confortável.
4. O ofendido D... efectuou apenas um contacto telefónico com a anunciante do site "Olx", após o que transferiu o "sinal".
5. O ofendido D... , ao transferir o "sinal", desconfiava poder estar a ser enganado.
6. O ofendido D... possui uma situação financeira razoavelmente confortável.
7. O site "Olx" transmite recomendações aos seus utilizadores para que não antecipem transferências de dinheiro e realizem os negócios pessoalmente.
Sem por em causa o teor dos depoimentos em causa diremos desde já que esta factualidade se mostra absolutamente irrelevante para a decisão da causa, pelo que não deve ser levada aos factos provados, pois conclui-se dos ofendidos que àquela data confiaram na pessoa com quem contactaram e que por isso se decidiram fazer as transferências a título de sinal.
Tanto que acreditaram que se deslocaram ao local para verem as casas que pensaram ter arrendado. 
Por outro lado não resulta do depoimento dos ofendidos a situação económica nos termos acima referidos e que se pretende levar à matéria de facto dada como provada, além de não haver elementos que apontem naquele sentido e se mostrar irrelevante, uma vez que não há condenação em pedido de indemnização cível.
Importa pois apreciar se há fundamento para alterar a matéria de facto nos termos apontados pela arguida.
Salvo o devido respeito a recorrente não observou com rigor as formalidades quanto à impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.
Nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP a motivação especifica os fundamentos do recurso, devendo terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, devendo ainda obedecer às prescrições dos n.ºs 2 a 5.
Em bom rigor o art. 412.º, n.º 3, do CPP impõe o seguinte:
«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devam ser renovadas».
Formal e substancialmente o recorrente não cumpre de forma adequada as exigências legais de impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.
O recorrente ao indicar os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, isto é, os factos que constavam da acusação e que o tribunal deu como provados, deveria indicar em que termos aponta a prova por si oferecida, fazendo referência às concretas passagens da gravação e que em seu entender levam a que sejam dados como não provados.
Quanto às provas concretas limita-se a indicar o ponto de referência dos depoimentos, sem especificar a extensão do segmentos e sem fazer referência ao que consta da acta da sessão de 5/1/1016, na qual foram prestados, indicando os ofendidos E... (passagem 19:19) e D... (passagens 00:28; 05:56; 19:19) e as testemunhas F... (passagem 03:54) e B... (passagem 18:26).
 Obviamente que o tribunal deve apreciar de forma crítica todos os elementos probatórios e não só os depoimentos indicados pelo recorrente e tomados parcialmente.
A impugnação da matéria de facto não se pode tornar numa repetição do julgamento da 1.ª instância, sob pena dos tribunais superiores deixarem de cumprir o que legalmente lhe está atribuído, que é julgar em sede de recurso, isto é, limitar-se a corrigir cirurgicamente o que estiver errado.
Não se deve repetir a prova, só porque o recorrente tem dela uma versão diferente.
Lembramos mais uma vez que para se alterar a matéria de facto com base em erro de julgamento, os depoimentos nos quais o Ministério Público alicerça a impugnação têm que “impor decisão diversa da recorrida”, conforme se exige no art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, não deixando alternativa ao julgador.
Se a testemunha diz que é “branco” o juiz não pode dar como provado que é “preto”.
O juiz enganou-se e não há outra solução que alterar aquele facto concreto, de acordo com a versão objectivamente transmitida pelo elemento probatório.
No caso dos autos, a recorrente, em bom rigor devia indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida por referencia ao consignado na cata, nos termos do art. 364.º, n.º 2, devendo indicar as passagens em que funda a impugnação, por força do art. 412.º, n.º 4, do CPP.
Quando tal não acontecer, o relator pode convidar o recorrente a esclarecer as conclusões formuladas, sem que o aperfeiçoamento possa modificar o âmbito do recurso, nos termos do art. 417.º, n.º 3, do CPP. 
Por outro lado, o tribunal de recurso, compreendendo o alcance da motivação e conclusões do recurso, pode ouvir dos depoimentos indicados outras passagens “que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa”, tal como faculta e aconselha o disposto no art. 412.º, n.º 6, do CPP.
Nesta conformidade, dada a brevidade dos depoimentos e tendo em conta que importa considerar, impõe-se no caso concreto, face à impugnação tão genérica da matéria de facto, por erro de julgamento, ouvir os depoimentos na sua totalidade, de acordo com o último preceito acabado de citar.
*
Reapreciação da prova:
1. A testemunha E... , ofendido nos autos, (passagem 19:19), ouvido na sessão de 5/1/2016, ficheiro 20160105145512 - 2590106 - 2870710, com início 14:16:27 e fim 15:16:27, prestou o seguinte depoimento:
Não conhece a arguida (passagem 00:52).
Tentou arrendar apartamento no Algarve através de um site na Internet (passagem 1:49).
Combinaram que enviava sinal e depois encontravam-se para entregar as chaves (passagem 03:02).
Para o feito foi a Portimão e constatou que a casa prometida arrendar não pertencia à senhora que se arrogava dona e nem a ninguém (passagem 3:30).
O único nome que tinha era B... (passagem 4:18).
Transferiu 300,00€, sendo 200,00€ de uma vez e 100,00€ de outra (passagem 5:30).
Não sabe qual foi o site que consultou, mas sabe que foi através do anúncio “Casas de Armação de Pera” (passagem 8:26).
Foi a 1.ª vez e espera ser a última, porque de experiência chegou (passagem 8:56).
Não leu as condições. Entrou no site pelas imagens das casas (passagem 9:57).
Questionado pela ilustre defensora da arguida que tinha arriscado muito, respondeu:
«É verdade. Arrisquei sim senhor mas pela sinceridade que aparentava não desconfiei…» (passagem 10:38).
Depois acrescentou que achou uma pessoa acessível e não ligou aos riscos (passagem 10:59).
Questionado novamente pela ilustre defensora da arguida que um cidadão normal não cai assim, respondeu:
«Até à 1.ª vez a gente cai sempre!» (passagem 11:30).
Confirmou o n.º do telefone através do qual foram feitos os contactos (passagem 12:21), tendo a pessoa se identificado por J...) passagem 15:03).
Estranhou depois porque a conta para onde fez a transferência era de B... (passagem 15:40).
Recebe cerca de 900,00€ mensais e a esposa recebe o ordenado mínimo.
*
2. A testemunha D... , ofendido nos autos (passagens 00:28; 05:56; 19:19), ouvido na sessão de 5/1/2016, ficheiro 20160105155748 - 2590106 - 2870710, com início 16:57:50 e fim 16:06:07, prestou o seguinte depoimento:
Não conhece a arguida (passagem 00:33).
Entre 18 e 21 de Junho de 2012 pretendeu arrendar uma casa no Algarve, para passar férias, tendo vindo depois a concluir que fora enganado e por isso apresentou queixa (passagem 1:00).
Os contactos foram sempre por mail (passagem 1:25).
Fez a transferência de 200,00€ de acordo com o BIB que lhe comunicaram.
Depois de feita a transferência nunca mais houve contactos (passagem 1:52 – 2:16).
Em agosto foi a Armação de Pera e não encontrou o local para arrendar e apresentou queixa na GNR (passagem 2:48) desabafando:
«Deixei-me levar pelas respostas» (passagem 3:11).
Fez o depósito em conta da CGD em nome de B... (passagem 4:38).
Foi obrigado a alugar outra casa (passagem 5:28).
Sobre o facto de desconfiar, quando questionado pela ilustre defensora doa arguida respondeu que foi fazendo várias perguntas, dizendo:
«Se calhar até desconfiei…mas deixei-me levar…» (passagem 5:59).
*
3. A testemunha F... , agente da GNR de Armação de Pera que conduziu o inquérito, (passagem 03:54), ouvido na sessão de 5/1/2016, ficheiro 201601051938 - 2590106 - 2870710, com início 15:19:39 e fim 15:25:29, prestou o seguinte depoimento:
Procedeu à investigação dos autos, tendo confirmado que a final não havia apartamentos para alugar (passagem 1:37 – 2:32).
Através do NIB chegou à senhora que era cartomante (testemunha B... ) e que a mesma mostrou depois de contactada intenção de apresentar queixa contra a arguida (passagem 3:20).
Chegou á identificação da arguida através da testemunha B... que entretanto transmitiu que tinha apresentado queixa contra a arguida na GNR de Évora (passagem 4:40 – 5:139..
*
4. A testemunha B... , titular da conta onde os ofendidos fizeram os depósitos (passagem 18:26), ouvida na sessão de 5/1/2016, ficheiro 20160105153133 - 2590106 - 2870710, com início 15:31:34 e fim 15:56:56, prestou o seguinte depoimento:
Nunca falou com a arguida pessoalmente. Só por telemóvel.
De forma espontânea acrescentou:
«A A... iludiu-se e enganou-me e utilizou a minha conta…» (passagem 1:14).
Fomos ganhando amizade uma com a outra (passagem 1:56).
Esclareceu que é cartomante e que conheceu a arguida lendo-lhe a sorte através da leitura das cartas.
Sobre a forma como se conheceram e autorizou os depósitos na sua conta bancária respondeu concretamente:
«Conheci-a através de “leitura de cartas”. Disse-me que precisava de um favor meu…precisava da minha conta para receber dinheiro de uma casa no Algarve…» (passagem 2:14 – 3:12).
A testemunha fazia leitura de cartas à distância e esclareceu que contactaram as duas através do Facebook que depois deixou de existir (passagem 3:33 – 3:58).
Questionada sobre a veracidade do seu depoimento foi peremptória em afirmar:
«Não tenho interesse nenhum em mentir…» (passagem 4:36).
Só deu conta da situação dos autos quando a sua conta focou “bloqueada” no banco (passagem 5:03).
Esclareceu que a sua conta foi utilizada pela arguida entre 4 a 5 vezes (passagem 6:14).
Como facilmente se conclui os depoimentos acima referidos e ouvidos na sua totalidade, dos quais apenas transcrevemos as partes relevantes e relacionadas com a matéria de facto que se impugna e se pretende ver modificada, não impõem decisão diversa da recorrida, antes a confirmam de forma categórica.
Dos depoimentos dos ofendidos não restam dúvidas da forma e circunstâncias como foram ludibriados a enviar as quantias a título de sinal e pagamento parcial dos apartamentos que pretendiam arrendar para férias no Algarve.
Esta última testemunha foi clara e merecedora de credibilidade ao afirmar peremptoriamente que a sua conta fora utilizada pela arguida, a qual inventou um pretexto para dela se servir.
O seu depoimento foi clara e preciso não merecendo quaisquer reservas.
Os depoimentos das testemunhas, designadamente o da testemunha B... , à qual se chegou no decurso do inquérito, por ser a titular da conta bancária onde os ofendidos depositaram as quantias, que permite identificar sem dúvida a arguida, não impõem decisão diversa da recorrida, conforme se exige no art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP.
*
b) Do erro notório na apreciação da prova e violação dos princípios in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova.
Já vimos que as testemunhas, cujos depoimentos reapreciámos na totalidade, confirmam a factualidade dada como provada.
Vejamos agora se existe erro notório na apreciação da prova e violação dos princípios in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova.
A recorrente confunde a diferente valoração que o tribunal fez da prova, relativamente à versão da arguida, que em seu entender não existe prova bastante para lhe imputar a autoria dos factos que lhe são imputados.
Nos termos do art. 32.º, n.º 2, da CRP todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado.
O princípio de inocência in dubio pro reo, deve estar sempre presente na mente do julgador, ma por outro lado deve pautar-se pela observância do princípio da livre apreciação da prova, cabendo-lhe fazer uma apreciação crítica da conjugação dos vários elementos probatórios, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros.
Ora, de acordo com o disposto no art. 127.º, do CPP, o princípio da livre apreciação da prova, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP.
A apreciação pelo Tribunal da Relação da eventual violação do princípio in dúbio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.
Não é manifestamente o caso.
A arguida só poderia ser absolvida se o tribunal a quo não tivesse dado credibilidade ao depoimento da testemunha B... .
Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.
No caso dos autos a arguida esquece que o princípio in dúbio pro reo deve ser conciliado com os princípios da livre apreciação da prova e com as regras de interpretação e valoração da prova, que o julgador deve ter também sempre em conta na procura da verdade material, como objectivo da realização da justiça.
E só quando for impossível chegar a um juízo de certeza, perante uma dúvida irremovível, é que o tribunal na dúvida deve decidir a favor do arguido, em obediência à presunção de inocência de que beneficia, incumbindo à acusação a prova dos factos articulados. 
O juiz enquanto julgador deve procurar a verdade material, que tem de ponderar, de forma sensata com a observância dos diversos princípios constitucionais na realização da justiça.
A existência de duas versões contraditórias não implica necessariamente a aplicação do princípio in dúbio pro reo, dando como não provada a autoria dos crimes de burla imputados à arguida.
Tal tem de resultar de um juízo positivo de dúvida resultante de um impasse probatório.
Em conclusão diremos que a violação do in dúbio pro reo se traduz em erro notório na apreciação da prova.
No seguimento das conclusões a que chegámos para enquadrar a motivação de recurso do arguido se pronunciou a seguinte jurisprudência: Ac. do STJ, de 12/03/2009 – Proc. 07P1769, in http://www.dgsi.pt; Ac. do STJ, de 3/04/2003 – Proc. 975/03, in http://www.pgdlisboa.pt/iure/stj; Ac. do TRC de 30/09/2009 – Proc. 195/07.2GBCNT.C1 e de 6/09/2009 – Proc. 363/08.00GACB.1, in http//www.trc.pt.
Os depoimentos claros e peremptórios das testemunhas cujos depoimentos reapreciámos, permitiram ao tribunal a quo interpretar de forma crítica e conjugada os elementos probatórios, de acordo com as regras da experiência comum e com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art. 127.º, do CPP, que mereceram credibilidade, designadamente quanto ao facto da arguida se servir da Internet para anunciar as casas para arrendar em Armação de Pera, que afinal não existiam e se servir da conta bancária da testemunha B... , que não se conheciam pessoalmente, como convém neste tipo de ilícitos, também aqui de acordo com as regras da experiência comum.
Segundo as regras da experiência e do normal funcionamento de uma sociedade, não seria o titular da conta bancária a engendrar o esquema, para desta forma ardilosa extorquir dinheiro a eventuais interessados em arrendar casas no Algarve, através de publicidade enganosa nas redes sociais, mas é sempre alguém que não dá a cara, como no caso dos autos.
Porém, a testemunha foi clara em atribuir a autoria à arguida, da qual também se sentiu lesada e de cujo problema só se apercebeu de pois de dar conta que a sua conta bancária estava “bloqueada”.
Diremos que perante uma situação tão clara e evidente, que advém da credibilidade dada ao depoimento da testemunha B... , é manifesto e nem faz sentido falar em erro notório na apreciação da prova ou violação dos princípios in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova.
Como já referimos a apreciação da prova pelo julgador é livre, embora a discricionariedade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termos do art. 127. ° do CPP.
Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional em Acórdão de 19/11/96, in BMJ, 461, 93.
Sendo o tribunal soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, só pode servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resulte do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
Os contornos da figura jurídica do vício de erro notório na apreciação da prova aparecem recortados na jurisprudência dos tribunais superiores como sendo o erro segundo o qual na apreciação das provas se constata o mesmo de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, mas que tem de ser observado a partir do texto da sentença recorrida nos termos sobreditos.
Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.
A sentença recorrida está bem fundamentada quanto à apreciação crítica que fez da prova, credibilizando a versão da acusação, apoiada nos depoimentos das testemunhas ouvidas, documentos juntos aos autos e elementos probatórios circunstanciais, que soube apreciar e conjugar de forma lógica e coerente, de acordo com observância das regras da experiência e da livre convicção, tendo em conta a natureza dos crimes em análise, dando como provada a factualidade imputada à arguida, integradora da prática dos crimes de burla pelos quais foi condenada.
Consta dos autos a forma e o ofendido E... confirma que tomou conhecimento através do anúncio existente na Internet para arrendamento de um apartamento de férias situado na localidade algarvia de Armação de Pêra (através do visionamento do link http://armazaodepera.olx.pt/t2-frente-ha-praia-de-armacao-de-pera-idd-361546588 – cfr., fls. 249 e 251 e 252, tendo depois contactado o número telefónico em questão, sendo “atendido” pela suposta dona do apartamento, que se apresentou como sendo “ F... ”.

Procedeu ao depósito do “sinal” de €300,00, conforme instruções da tal “ F... ”., para a conta com o NIB respeitante à testemunha B... (fls. 18 e 48), e dada a “volatilização” da referida “ F... ”, a partir da transferência do valor do dito “sinal”, nunca mais atendeu qualquer chamada telefónica, sendo certo que também não existia o apartamento em causa.
Por sua vez o mesmo aconteceu em termos semelhantes com o ofendido D... , também com um apartamento para arrendar, situado em Armação de Pêra, (características essas apreensíveis através do visionamento do link http://armazaodepera.olx.pt/t2-armacao-de-pera-ferias-na-1-linha-da-praia-idd-401576242 – fls. 23 a 27), tendo encetado contacto com a pessoa que se intitulava dona de tal apartamento por via do endereço de correio electrónico indicado no anúncio, sendo induzido a proceder à transferência de €200,00 a título de “sinal” (fls. 13), para a conta com o NIB indicado pela pessoa que se apresentou como “ B... ”.
Particularmente importante foi o depoimento da testemunha B... , titular da conta bancária cujo NIB a arguida foi indicando aos ofendidos tendo em vista o depósito, por estes, das quantias acordadas a título do suposto “sinal”.
Nesta história dos apartamentos esta testemunha não foi tida nem achada, pois a apenas cedeu o BIB da sua conta, tendo-lhe dito a arguida que era para outros fins.
Obviamente que não se entenderia que a testemunha entrasse neste esquema, pois não se iria expor, sabendo à partida que seria logo identificada.
Contrariamente a arguida pensou não vir a ser descoberta, pois não era conhecida pessoalmente desta testemunha, sendo que a sua relação teve origem e desenvolveu-se pelas consultas, via telefónica, que a testemunha, na sua qualidade de cartomante, ia realizando para a arguida, sendo que se foram sentindo bastante irmanadas pelos assuntos do “espírito”, razão pela qual a B... acedeu a facultar à arguida o seu NIB, para que na sua conta bancária fossem depositadas determinadas quantias pecuniárias que, proviriam de supostos devedores da arguida.
E neste acordo, cuja proveniência das quantias depositadas a testemunha desconhecia, residindo Évora, efectuava a remessa dos montantes para a estação dos correios de Sátão, através de vales de correio em nome da arguida.
Nesta conformidade, concluímos não se verificar o vício de erro notório da apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e não foram violados os princípios da inocência ou in dúbio pro reo, constante do art. 32.º, n.º 2, da CRP e da livre apreciação ad prova previsto no art. 127.º, do CPP, e consequentemente se dá como definitivamente assente a matéria de facto nos termos da sentença recorrida.
*
c) Enquadramento jurídico-penal dos factos.
A arguida foi acusada e condenada pela prática de dois crimes de burla qualificada p. e p. pelos art. 217.º e 218.º, n.º 1 e 2, a. b), do CP.
Dispõe o art. 217.º, n.º 1, do CP:
«Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa».
Obviamente que a conduta da arguida se enquadra no tipo legal de crime de burla definido naquele normativo.
Segundo escreve o Prof. António Manuel de Almeida Costa a lesão do bem jurídico protegido pelo tipo tem de ocorrer como consequência da « (...) utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios», (...) não basta (...) o simples emprego de um meio enganoso: torna-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação do erro em que se encontra o indivíduo», exigindo ainda o preenchimento do tipo objectivo que «(...) nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais» - in Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo II, Coimbra, 1999, pág. 293.
Vejamos pois a factualidade que nos leva a enquadra a conduta da arguida no crime de burla.
 O plano da arguida consistia em publicitar arrendamentos de casas de férias, solicitando a quem se revelasse interessado na casa anunciada o pagamento do respectivo “sinal”, e cessando os contactos com os interessados uma vez feito tal pagamento, restando então os interessados prejudicados no valor das quantias por eles despendidas, das quais se apropriava.
Para tal colocou anúncios de casas para arrendar em vários sites, com fotografias atractivas e preços reduzidos para as casas, locais e altura do ano em que seriam arrendadas, utilizando diversos endereços de correio electrónico e números de telefone, também fornecendo nomes diferentes do seu às pessoas que a contactavam.
Na sequência desta actividade ilícita  e devido à sua dimensão, à arguida foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, em 10 de Julho de 2012, no âmbito do processo comum colectivo n.º 2615/09.2TACBR, tendo sido condenada, a final, bem como a sua progenitora, pela prática, em co-autoria, de 203 crimes de burla qualificada, praticados entre 2009 e 2011, na pena única de 7 anos de prisão, decisão que transitou em julgado em 3 de Fevereiro de 2014.
A arguida registou-se como utilizadora no sítio da Internet com a designação “OLX”, indicando o endereço de correio electrónico F... 500@hotmail.com, colocou naquele sítio da Internet anúncio para arrendamento de apartamentos de férias, na localidade de Armação de Pêra, descrevendo as suas características, sendo que na sequência dos anúncios e contactos havidos levou a que os ofendidos acreditassem que efectivamente estavam a fazer um contrato de arrendamento relativamente ao respectivo apartamento, tendo remetido as quantias acima mencionadas a título de sinal, em conta da testemunha B... da qual se serviu, enganando esta que era para ali proceder a depósitos de quantias que lhe eram devidas.
O erro em que os dois ofendidos caíram foi provocado de forma astuciosa, isto é, deriva de um determinado comportamento estudado por parte da arguida que, no específico contexto comunicacional em que interagiu com os burlados e atendendo também às concretas características deste, surge como idóneo à criação de um estado de erro conducente, por seu turno, à prática dos actos patrimoniais prejudiciais aos mesmos burlados.
De tal forma estava montado o esquema que a arguida fez crer aos visados que se tratava de um negócio lícito, apenas se apercebendo do logro em que caíram depois de feitos os depósitos e deixando de haver contactos com a arguida.
Qualquer pessoa normal caía, como disseram os ofendidos.
A tutela jurídico-criminal na área da burla não abdicará, portanto, e na análise do estado de erro provocado por “acção astuciosa”, da consideração da natureza “desleal” ou “desonesta”, à luz dos ditames da boa fé objectiva, de um determinado comportamento.
Importa saber se age o agente com a diligência, o zelo e a probidade normais de uma pessoa que, no quadro da ordem jurídico-privada, pretende apenas, honesta e legitimamente, exercer um direito ou celebrar um negócio jurídico - Ac. S.T.J. de 10/12/91, in B.M.J. n.º 412, pág. 460.
Exige-se no caso do crime de burla, que o agente actue com a intenção de conseguir, através da sua conduta, um enriquecimento ilegítimo e do qual tem a consciência que a ele não tem direito.
No caso dos autos estamos perante uma actuação requintadamente ardilosa por parte da arguida, fazendo-se passar por dona de apartamentos para arrendar e que afinal dos mesmos não dispunha, utilizando endereços electrónicos na Internet, com a intenção de enriquecer à custa dos pretensos arrendatários, assim os determinando à prática de actos que lhes causaram prejuízo, equivalente à quantia por cada um despendida.
Apesar do facilitismo que os ofendidos demonstraram o seu comportamento não retira o carácter típico ilícito da actuação da arguida, que deu sempre uma aparência de se tratar de um negócio normal de arrendamento de apartamentos para passar férias, fazendo uso até de uma conta bancária da testemunha B... , considerando-se ela, apesar de cartomante, também “burlada”, sendo levada a ceder o NIB da sua conta da CGD, por acreditar nas boas intenções da arguida.
O tribunal a quo fez o devido enquadramento jurídico-penal dos factos como crimes de burla, nos termos definidos no art. 217.º, n.º 1, do CP, como aliás se impunha, atenta a clarividência da conduta da arguida.
O crime de burla simples passa a burla qualificada, nos termos do art. 218.º, n.º 2, al. b), do CP, passando a ser punível com pena de 2 a 8 anos se o agente fizer da burla modo de vida”.
Face à factualidade dada como assente vejamos se estão reunidos os elementos objectivos para este enquadramento legal.
O tribunal a quo deu como assentes os factos 1, 2, 3, 23, 37 a 52, dados como provados, dos quais se extrai que a arguida faz da burla modo de vida.
  Desta factualidade conclui-se que a arguida dedica-se com regularidade, e de forma reiterada, à prática de actos de idêntica natureza aos supra descritos, obtendo por essa via um rendimento regular com o qual provia à sua subsistência.
O legislador preocupou-se em censurar de forma especial a conduta daqueles que têm a propensão para a prática de crimes contra o património, isto é, aqueles que vivem à custa do alheio, conhecidos vulgarmente por “ladrões” ou “burlões” (Título I - artigos 202.º a 235.º), elevando a qualificativa agravante os que fazem de determinada o crime “modo de vida”.
Assim acontece ao considerar como qualificativa quem fizer do crime “modo de vida” relativamente aos crimes de furto (art. 204.º, n.º 1, al. h)), roubo (art. 210.º, n.º 2, al. b)) e burla (art. 218.º, n.º 2, al. b)).
Como primeira observação diremos que não se exige que o agente se dedique de forma exclusiva à prática de um daqueles tipos legais de crime, mas sim que a série de ilícitos contra o património que o agente pratique seja factor determinante para que se possa concluir que disso também faz modo de vida.
Informa o art. 218.º, n.º 2, al. b), do CP que a pena do crime de burla, cujos elementos inquestionavelmente estão verificados, prevista na forma simples no art. 217.º, n.º 1 (punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa), passa a ser de 2 a 8 anos se o agente fizer da burla modo de vida”.
Ora, importa recortar e entender no caso dos autos qual o verdadeiro alcance da expressão “modo de vida”.
Como referimos fazer da burla modo de vida não quer significar que faça da burla a única forma do arguido obter rendimentos para o seu sustento.
A lei não exige tanto e nem poderia exigir.
E não vai tão longe porque o que acentua a censurabilidade para qualificar o crime face à al. b), do n.º 2, do art. 218.º, é a prática reiterada e habitual de actos que consubstanciem o crime de burla.
Não faz qualquer sentido a referência ao valor para a desqualificação do crime para a burla simples do art. 217.º, do CP.
Tanto assim é, que o legislador quis punir de forma autónoma a habitualidade, isto é, a propensão do agente para a prática daquele tipo legal de crime, bastando que se verifique o pressuposto, independentemente do valor, para o qual se prevê, como qualificativa autónoma, se o valor for consideravelmente elevado, como aliás consta da al. a), do n.º 2, do art. 218.º.
Ao punir como burla qualificada o agente que “fizer da burla modo de vida” a lei quis punir de forma mais severa o “burlão profissional”, conforme terminologia utilizada no Anteprojecto do anterior art. 213.º, relativamente ao agente que praticou o crime de forma ocasional.
Para qualificar o crime não é necessário que se verifique a “profissionalidade” ou indo mais longe como o fez na argumentação o recorrente a “exclusividade” de ocupação para o agente se sustentar, bastando para tal a habitualidade da prática do crime para funcionar a qualificativa aqui em análise (BMJ n.º 287, pág. 43). 
Deve entender-se como fazendo da burla modo de vida não é suficiente que as infracções singulares tenham sido cometidas com o escopo de lucro ou com o fim de outro proveito económico, mas o complexo das infracções deve revelar um sistema de vida, como é o caso do ladrão ou do burlão que vivem sem trabalhar, dos proventos dos delitos (Cfr. Manzini, Tratado, Vol. III, pág. 223).
E neste sentido nem se exigem condenações transitadas em julgado para daí se concluir pela habitualidade, bastando que se prove a propensão do agente para a prática de actos que integrem o crime de burla.
Neste sentido, entende-se como fazendo “da burla modo de vida”, a entrega habitual à burla, que se basta com a pluri-reincidência, devendo ser tomadas em consideração, não só as anteriores condenações do agente constantes do seu registo criminal, mas também as denúncias ou participações policiais existentes, o conteúdo dos ficheiros policiais e todos os outros elementos testemunhais ou documentais. 
Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª Ed., UCE, em anotação ao art. 204.º, do CP, sobre o conceito de “modo de vida”, como qualificativa do crime de furto, aplicável ao crime de burla, conforme anotação 23, pág. 639:
«O modo de vida é a actividade com que o agente se sustenta. Não é necessário que se trate de uma ocupação exclusiva, nem contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do agente».
No caso dos autos os factos 1, 2 e 3 evidenciam o modo de vida programado pela arguida para da prática do crime de burla retirar proventos para o seu sustento.
O facto 23 enumera o modo, circunstâncias e meios com que actuava.
O facto 37, comprova que se encontra em cumprimento de pena por condenações anteriores por crimes semelhantes.
Os factos 38 a 52, traduzem 1 condenação por crime de cheque sem provisão e 13 condenação por crimes de burla.
Por tudo quanto deixamos exposto bem andou o tribunal a quo ao subsumir a conduta da arguida à prática de dois crimes de burla qualificada, p. e p. nos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b), ambos do CP.
*
d) Da nulidade por falta de fundamentação da pena aplicada.
A arguida foi condenada por dois crimes de burla, p. e p. nos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b), ambos do CP nos seguintes termos:
- Na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (crime relativo ao ofendido E... );
- Na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (crime elativo ao ofendido D... );
- Em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos de prisão (efectiva).
A arguida neste segmento do recurso alega que o acórdão, na parte relativa à determinação da medida da pena carece da especial fundamentação legal, tendo-se o tribunal a quo limitado a usar fórmulas tabelares e conclusivas.
Conclui assim que foram violados os artigos 374.º, n.º 2, do CPP, 71.°, n.º 3 do CP e art. 32.°, n.º 1 e 205.° n.º 1, da CRP e por isso, no seu entender, o acórdão sofre da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea a),do CPP.
A recorrente não motiva devidamente o recurso, pois limita-se a dizer que o acórdão não se mostra devidamente fundamentado relativamente à pena aplicada.
Não devia limitar-se a dizer que o acórdão não está fundamentado quanto às penas aplicadas, indicando as normas violadas, mas dizer concretamente em que termos carece de fundamentação e qual o sentido da decisão por si apontado.
Como impõe o art. 412.º, n.º 2, al. b), do CPP, depois de apontar as normas violadas, o recorrente deve indicar o sentido que, no seu entender, o tribunal devia ter decidido.
Pretendendo interpretar o sentido da nulidade invocada, entendemos que a recorrente quis dizer que não se justificam as penas aplicas, o que se traduz, na falta de fundamentação das penas aplicadas.
Vejamos em que termos o tribunal fundamentou as penas aplicas.
Na determinação das penas aplicadas o tribunal fez apelo aos critérios previstos nos art. 40.º e 71.º, do CP, não se ficando pelas considerações tabelares e abstractas, pois começa por chamar à colação os princípios que constam destes normativos e que devem orientar e balizar a aplicação das penas, para depois partir para o caso concreto.
E tal foi devidamente observado.
Referem-se no acórdão a este respeito as seguintes circunstâncias concretamente tidas em conta, onde se ponderou e pesou devidamente a culpa e a ilicitude, que levam à determinação da medida concreta das penas aplicadas, sendo de realçar o que vai a sublinhado:
«Nos termos do n.º 2 do art. 71.º citado, tomar-se-ão em consideração os seguintes elementos que, não fazendo parte do tipo, depõem contra ou a favor da arguida:
- a gravidade da ilicitude dos factos (que apela ao número e grau de violação dos interesses e valores postergados com as actuações criminosas, de monta não muito significativa em termos estritamente pecuniários), as respectivas consequências (desde logo, as referidas perdas pecuniárias dos ofendidos, assim como o defraudar de expectativas ligadas a um período de descanso e lazer que se pensou estar garantido), e ainda a eficácia dos meios de execução utilizados (o ganhar da confiança dos ofendidos, facilmente enredados em um esquema dotado de inegável requinte “modernista”, no mundo da Internet, com o que se supõe – por vezes erradamente, é certo – constituir um meio útil e apto a quebrar barreiras físicas entre pessoas que se acredita estarem de boa fé; a atestar o apontado ardiloso requinte terá igualmente de ser referido o modo como, depois de efectuada a disposição patrimonial pelos lesados, o dinheiro foi canalizado através de vales correios enviados pela acima identificada B... à arguida);
- o grau (elevado) de intensidade do dolo (estamos, obviamente, a falar sempre de dolo directo);
- a conduta da arguida posteriormente aos factos (não só o seu “eclipse” após a perpetração de tal factualidade, assim como a não reparação, por mínima que fosse, dos prejuízos causados aos ofendidos com a sua actuação);
- as condições existenciais mais relevantes (a sua formação educacional, e um ambiente familiar muito associado à prática de crimes, com evidente intervenção da progenitora da arguida em factos de jaez semelhante aos que aqui julgamos);
- os antecedentes criminais, assim como a situação de cárcere experimentada desde há uns anos, em um já longo percurso ilícito, essencialmente ancorado na prática de burlas».
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).
A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.
No caso dos autos o crime é punível com pena de prisão de 2 a 8 anos de prisão.
A arguida não questiona a natureza da pena e forma de cumprimento.
No caso concreto, as exigências de prevenção geral são elevadas atenta ao modo de execução do presente crime, que acarreta efeitos negativos na sociedade, nomeadamente um sentimento de insegurança na comunidade, e ainda desta relativamente ao comércio jurídico, sendo necessário desmotivar este tipo de comportamentos e incutir na sociedade confiança no Direito.
As exigências de prevenção especial são muito elevadas, pois verifica-se da análise do seu certificado do registo criminal que a mesma já foi julgada 13 vezes pelo mesmo tipo legal de crime e 1 vez por crime de cheque sem provisão, encontrando-se actualmente a cumprir pena, constando do facto 3 provado o seguinte:
«(…)
 nessa sequência, e devido à prática de factos do jaez dos mencionados nos pontos 1 e 2 (da presente factualidade provada) e à sua dimensão, à arguida foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, em 10 de Julho de 2012, no âmbito do processo comum colectivo n.º 2615/09.2TACBR, tendo sido condenada, a final, bem como a sua progenitora, pela prática, em co-autoria, de 203 crimes de burla qualificada, praticados entre 2009 e 2011, na pena única de 7 anos de prisão, decisão que transitou em julgado em 3 de Fevereiro de 2014».
Como bem resulta dos pontos 38 a 52 dos factos provados a arguida foi condenada 13 vezes por crimes de burla, praticadas em moldes semelhantes, como se alude nos pontos 1, 2 e 23.
E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.
E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.
A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.
Assim, há que atender no caso concreto às seguintes circunstâncias tidas em conta pelo tribunal colectivo e que acima mencionámos sem necessidade de repeti-las agora.
No caso dos autos, foram observados de forma ponderada e sensata os critérios apontados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, mostrando-se justas e adequadas, a fixação das penas concretas de 2 anos e 6 meses de prisão para da um dos crimes de burla qualificada, p. e p. nos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b), ambos do CP.
Também o tribunal a quo não ignorou o afastamento da suspensão da execução da pena de prisão cominada (art. 50º CP), por considerar que os objectivos de prevenção especial não podem ser atingidos por via, impondo-se o cumprimento efectivo da pena de prisão.
O acima exposto denota a facilidade com que a arguida adere à prática de ilícitos desta natureza e a sua clara dificuldade em orientar o seu comportamento em conformidade com o Direito e as regras de convivência em sociedade, bem como a circunstância das condenações anteriores não se terem mostrado suficientes e adequadas para realizar as finalidades da punição.
Nestes termos, é manifesto que bem andou o tribunal a quo ao optar pela aplicação ao arguido uma pena efectiva, só assim se realizando de forma adequada as finalidades da punição.
Nos termos dos art. 77.º, n.º 1, aplicável ex vi art. 78.º, n.º 1, do CP, na medida da pena o tribunal deve considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido.
A pena única, por força do art. 77.º, n.º 2, aplicável ex vi art. 78.º, n.º 1, do CP, tem como limite máximo da pena a aplicar ao arguido a pena de 5 anos de prisão, que corresponde à soma das penas concretamente aplicadas, e, como limite mínimo a pena de 2 anos e 6 meses de prisão (a mais elevada das penas), devendo ser fixada em função dos factos praticados e personalidade do agente.
A matéria de facto constante do acórdão revela um percurso da arguida elevadamente censurável, face á factualidade que tomámos em consideração na aplicação das penas parcelares designadamente a 13 condenações sofridas por crimes e burla e 1 condenação por cheque sem provisão.
Verifica-se assim que não obstante ter já sido por diversas vezes condenada pelo mesmo tipo legal de crime, tal não a demoveu da prática de tipo de ilícitos da mesma natureza.
A pena única, pelos fundamentos acima expostos, tendo em conta a moldura penal abstracta em que se moveu o tribunal (de 2 anos e 6 meses a 5 anos de prisão), atenta a personalidade da arguida e os factos tomados em conjunto, mostra-se justa e adequada, uma vez que foi fixada de acordo com o disposto nos art. 77.º, n.º 1 e 2 e 40.º, n.ºs 1 e 2, do CP.
Nesta conformidade não se justifica a alteração das penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão para cada um dos crimes de burla qualificada e a pena única de 3 anos de prisão efectiva, pois o tribunal de recurso só deve alterar a pena quando for notório que houve desvio e violação daqueles critérios apontados pelos art. 40.º e 71.º, do CP.
*
III- Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pela arguida A... , mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.
*
Custas pela arguida, cuja taxe de justiça de fixa em 4 UCs.
   *
NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 26 de Outubro de 2016
(Inácio Monteiro - Relator)
(Alice Santos - Adjunta)