Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3287/22.4T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: INSTRUÇÃO DO PROCESSO
OBJECTO DA PERÍCIA
INDEFERIMENTO DA PERÍCIA
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 388.º; 410.º E 476.º, 1, DO CPC
Sumário: I – Pode ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito
II – A perícia constitui um meio de prova que recai, em regra, sobre factos para cuja análise, interpretação e valoração são necessários conhecimentos especiais de que os juízes não dispõem.

III – De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 388° do C.Civil e 476°, n°1 do n.C.P.Civil, a prova pericial só pode ser indeferida pelo tribunal quando a mesma se mostre impertinente ou dilatória e claramente desnecessária.

Decisão Texto Integral: Apelações em processo comum e especial (2013)

                                                                       *

           Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

V..., Unipessoal, Lda.”, contribuinte n.º ...26, com sede na Avenida ..., ... ..., ... ... instaurou ação declarativa de condenação com processo comum contra “F..., S.A.”, contribuinte n.º ...79, com sede em ..., ... ..., alegando, muito em síntese, o seguinte:

Ter adjudicado no ano de 2021 à Ré a execução de uma empreitada de “Construção de um estabelecimento hoteleiro”, pelo valor de € 217.526,77, acrescido de IVA, sucedendo que a Ré não terminou os trabalhos e abandonou as obras, incumprindo com o contratado, por culpa sua, exclusiva, do que resultou a necessidade de ela A. realizar/concluir “trabalhos em falta”, efetuar reparações de danos causados, proceder a alterações de trabalhos, para assegurar o cumprimento do projeto, relativamente ao que contabiliza o dispêndio de € 43.179,17, acrescendo que a Ré lhe causou, ainda, objetivamente, lucros cessantes, prejuízos estes causados pelo atraso, da sua exclusiva responsabilidade, na conclusão dos trabalhos, sendo, pelo menos, três meses de atraso, donde uma perda de rentabilidade mensal /lucro cessante de € 11.250,00 e, considerando um total de 3 meses, um total parcial de € 33.750,00.

Terminou no sentido de que «Termos em que se requer seja a acção julgada procedente, por provada e, consequentemente, a Ré condenada a pagar/indemnizar a Autora na quantia total de 76.929,17 € (43.179,17 € + 33.750,00 €), acrescida de juros moratórios, devidos desde a citação, até efectivo e integral pagamento.»

                                                           *

Citada, a Ré contestou (por excepção e impugnação) e reconveio, alegando neste último particular e para o que aqui diretamente releva, resumidamente, que efetuou trabalhos e trabalhos a mais que a A. não liquidou, que teve custos de estaleiro anteriores ao começo dos trabalhos, imputáveis à A., e que teve de suportar um aumento de custos decorrente do atraso/falta de obtenção da licença de construção atempada por parte da A. (o que a impediu de iniciar os trabalhos na data acordada).

A final, formulou pedido reconvencional no sentido de que «Deverá ser julgada provada a Reconvenção e em consequência, ser a A./ Reconvinda ser condenada a pagar à R/ Reconvinte a quantia global de 80.650,29 ( oitenta mil seiscentos e cinquenta euros e vinte e nove euros) correspondente ao somatório do valor das faturas em divida já vencidas (indicadas em 130º a 144º da contestação) e que totalizam a quantia de € 32.645,02 (trinta e dois mil, seiscentos e quarenta e cinco euros e dois cêntimos), dos custos de estaleiro referentes aos meses de Dezembro de 2020 a Junho de 2021 no montante de € 27.282,29 (vinte sete mil duzentos e oitenta e dois euros e vinte e nove cêntimos) e a quantia de €20.722,98 (vinte mil setecentos e vinte e dois euros e noventa e oito cêntimos) a referente ao aumento dos custos dos materiais de construção (cfr indicado em , no período 04-01-2021 e 13-07-2021, que teve de suportar pelo atraso no inícios dos trabalhos em obra, acrescida de juros à taxa legal e desde a notificação do pedido reconvencional até efetivo e integral pagamento.»

                                                           *

A A. replicou, sustentando decisivamente que o único contrato firmado entre as partes é datado de 13 de Julho de 2021, que «(…) o empreiteiro / Ré, só pode iniciar os trabalhos depois do levantamento da licença, licença essa que só foi concedida pela Câmara Municipal de Viseu no dia 08/07/2021 (Documento 7 em anexo). Dai só poder iniciar os trabalhos a partir dessa data. Tudo o que foi feito antes foi feito por iniciativa do empreiteiro e é da sua responsabilidade», e bem assim que «(…) foi acordada / “alterada ... a data de início dos trabalhos para 13-07-2021”, entre as partes», pugnando pela improcedência das exceções e concluindo-se como em sede de petição inicial, e pela improcedência, porque infundado e não provado, do pedido reconvencional.

*

               Em audiência prévia foi proferido despacho saneador, foi relegado o conhecimento das exceções carecidas de prova para final, foi admitida a reconvenção, foi consignado o objeto do litígio [relativamente ao que se grafou «Contrato de empreitada; abandono de obra, incumprimento, litigância de má-fé»], e bem assim foram enunciados os temas da prova, a saber:

«1. Saber se do auto de medição n.º 11 constam os trabalhos efetivamente realizados pela Ré até à data;

2. Saber qual o prazo para a conclusão da obra acordado entre as partes em março de 2022;

3. Se foram solicitados pela Autora e realizados pela Ré trabalhos a mais;

4. Qual o valor acordado para esses trabalhos a mais;

5. Prejuízos e danos sofridos pela Autora em virtude do “atraso” na execução da obra e “abandono” da obra;

6. Estado da obra em 22 de julho de 2022;

7. Se a Autora terá que executar e suportar obras e encargos, nos termos indicados nos artigos 32º a 51º da petição inicial;

8. Se ocorreu perda de rendimento da Autora com a exploração do estabelecimento de hotel por factos imputáveis à Ré;

9. Se e quando a Autora prosseguiu com a execução dos trabalhos em falta e qual o custo adicional de tais trabalhos em relação aos inicialmente orçamentados com a Ré;

10. Quais os concretos trabalhos contratados e que faltavam concluir a 22 de julho de 2022 e quais os que estavam concluídos a 27 de maio de 2022;

11. Qual a razão concreta que levou à suspensão dos trabalhos por banda da Ré;

12. Qual a data em que a Ré procedeu à suspensão dos trabalhos;

13. Se se encontram trabalhos executados pela Ré por pagar;

14. Se a Ré sofreu prejuízos com o atraso na execução dos trabalhos com a manutenção dos estaleiros e equipamentos, por facto imputável à Autora;

15. Se a Ré suportou custos não pagos pela Autora com o atraso no início da execução da obra por falta de emissão de licença de construção e se tais custos são imputáveis à Autora.»

                                                                       *

            Na sequência oportuna a Ré/reconvinte procedeu à alteração do seu requerimento probatório, sendo para o que ora diretamente releva, nos seguintes expressos termos:

             «A. Requer-se a V. Exa. que se digne oficiar, nos termos do artigo 417.º, e ao abrigo do princípio da cooperação previsto no artigo 7.º, ambos do Cód. de Processo Civil, aplicáveis por remissão, junto da Câmara Municipal da Viseu, para vir aos presentes autos juntar uma cópia do projeto de arquitetura, projeto de estabilidade e eventuais alterações de projeto, bem como informar a data de emissão da licença de construção;

B. Requer-se ainda V. Ex.ª a realização de uma Perícia, nos termos do artigo 468º e seguintes do CPC, facultando-se para tanto os elementos fornecidos pela Câmara Municipal da Viseu e cópia do contrato de empreitada contendo em anexo a Lista de Preços Unitária a fim de esclarecer os seguintes quesitos:

1. Para a realização dos trabalhos de empreitada em apreço é necessário estaleiro de apoio e vedações de proteção?

2. Quais seriam os meios de estaleiro necessários para realizar tais trabalhos?

3. Com base nos meios identificados no ponto anterior é possível quantificar os custos desse estaleiro, numa estimativa mensal?

4. Qual o valor dos custos de estaleiro e colação de vedações proteções em obra em apreço, uma estimativa mensal?

5. Facultando o Auto de medição n.º 11 (doc. n. 2 junto à contestação) e cópia do contrato de empreitada com o anexo da Lista de Preços Unitária:

i) Qual a quantidade /volume em m3 dos trabalhos executados quanto ao art. 4.1.10.1 Sapatas continuas – dos trabalhos contratados na empreitada? A quantidade executada foi de 13,06 m3? (Muros de contenção de fachada piso 0).

ii) Qual a quantidade /volume em m3 dos trabalhos executados quanto ao art. 4.1.10.2 Muros – dos trabalhos contratados na empreitada? A quantidade executada foi de 12,24 m3? (Muros de contenção de fachada piso 0).

iii) Foi executado o “fornecimento e execução de furação na parede de pedra existente com ø de abertura superior a ø25 ” mm onde se fará atravessar um varão de ø16 com o devudo comprimento de amarração nos muros a executar, que será protegido por cada de cimento. Afastamento horizontal entre a furação de 50 cm, incluindo todos os trabalhos e acessórios necessários” ( art. 4.1.11– Auto de medição n.º 11)? (Muros de contenção de fachada piso 0).

iv) Qual a quantidade /volume em m3 dos trabalhos executados quanto ao art. 4.1.15.5 – Cobertura - dos trabalhos contratados na empreitada?

A quantidade executada foi de 45, 46 m3?

v) Qual a quantidade /volume em m3 dos trabalhos executados quanto ao “art. 4.1.16. Fornecimento e aplicação de betão armado C25/30vibrado em muro ME, conforme peças desenhadas, incluindo armadura em aço A400NR e cofragem, bem como todos os trabalhos e materiais necessários” - Art. 4.1.16.4 – Piso 3 – Cobertura - dos trabalhos contratados na empreitada? A quantidade executada foi de 4,18 m3? (Cobertura)

vi) Qual a quantidade /volume em m3 dos trabalhos executados quanto ao “art. 4.2.10 Fornecimento e aplicação de betão armado C25/30 vibrado em vigas, conforme peças desenhadas, incluindo armaduras em aço A400NR e cofragem bem como todos os trabalhos e materiais necessários” dos trabalhos contratados na empreitada? A quantidade executada foi de 0,97 m3?

(Anexo ao lado da piscina).

vii) Qual a quantidade /volume em m3 dos trabalhos executados quanto ao “art. 4.2.11 Fornecimento e aplicação de betão armado C25/30 vibrado em pilares, conforme peças desenhadas, incluindo armaduras em aço A400NR e cofragem bem como todos os trabalhos e materiais necessários” dos trabalhos contratados na empreitada? A quantidade executada foi de 0,026 m3?

viii) Qual a quantidade /volume em m3 dos trabalhos executados quanto ao “art. 4.2.12 Fornecimento e aplicação de betão armado em muro de contorno de cobertura, conforme peças desenhadas, incluindo armaduras em aço A400NR e cofragem bem como todos os trabalhos e materiais necessários” dos trabalhos contratados na empreitada? A quantidade executada foi de 0,61 m3?

(Anexo ao lado da piscina).

ix) Qual a área intervencionada relativa ao “Art. 5 – Cobertura e 5.1 “Fornecimento e aplicação de placas de poliesterano extrudido (XPS) sobre a lage de cobertura, com 50 mm de espessura.” A área intervencionada foi de 43,86 m2? (cobertura onde foi aplicada a telha).

x) Qual a área intervencionada relativa ao “Art. 5 – Cobertura e 5.2 “Fornecimento e aplicação de telha “marselha” de barro escuro, ou equivalente, incluindo ripado de ficção todos os acessórios e trabalhos necessários” dos  trabalhos contratados na empreitada? A área intervencionada foi de 43,86 m2? (cobertura)

xi) Qual a área intervencionada relativa ao “Art.6 – Alvenarias – 6.1.1 “Fornecimento aplicação de alvenarias de bloco térmico BTE 20, ou equivalente, assente com argamassa de cimento e areia ao traço 1:5 e junta de 10 mm, incluindo todos os materiais e trabalhos necessários.” dos trabalhos contratados na empreitada? A área intervencionada foi de 417,51 m2? (Alvenarias exteriores).

6. Facultando o Auto de medição n.º 3 – trabalhos a mais relativos a Alvenarias Interiores (doc. n. 13 junto à contestação) bem como cópia das plantas juntas com o presente articulado (sob o doc n.º 1).

i) Qual o valor dos trabalhos de demolição, remoção, carga, transporte e descarga a vazadouro de muro da estrada existente? Incluindo todos os trabalhos e materiais necessários?

ii) Qual o valor do fornecimento e aplicação de betão armado C25/30 vibrado sapatas contínuas, conforme peças desenhadas, incluindo armadura em aço A400NR e cofragem, bem como todos os trabalhos e materiais necessários a execução do muro da estrada? A quantidade executada foi de 3,38 m3?

iii) Qual o valor do fornecimento e aplicação de betão armado C25/30 em muros, conforme peças desenhadas, incluindo armadura em aço A400NR e cofragem, bem como todos os trabalhos e materiais necessários na execução do muro da estrada? A quantidade executada foi de 5,94 m3?

iv) Qual a área intervencionada relativa alvenarias quanto ao Fornecimento e aplicação de alvenarias de bloco isolsónico 20, ou equivalente, assente com argamassa de cimento e areia ao traço 1:5 e junta de 10 mm, incluindo todos os materiais e trabalhos necessários?

v) Qual a área intervencionada relativa alvenarias de Fornecimento e aplicação de alvenarias de bloco isolsónico 25, ou equivalente, assente com argamassa de cimento e areia ao traço 1:5 e junta de 10 mm, incluindo todos os materiais e trabalhos necessários?

vi) Qual a área intervencionada relativa alvenarias e Fornecimento e aplicação de alvenarias de bloco 20, ou equivalente, assente com argamassa de cimento e areia ao traço 1:5 e junta de 10 mm, incluindo todos os materiais e trabalhos necessários?

vii) Qual a área intervencionada relativa alvenarias de Fornecimento e aplicação de alvenarias de tijolo 11, ou equivalente, assente com argamassa de cimento e areia ao traço 1:5 e junta de 10 mm, incluindo todos os materiais e trabalhos necessários?

viii) Qual o valor hora dos trabalhos com um equipamento de giratória e martelo?

ix) Qual a área intervencionada relativa alvenarias de Fornecimento e aplicação de alvenarias de bloco 20, ou equivalente, assente com argamassa de cimento e areia ao traço 1:5 e junta de 10 mm, incluindo todos os materiais e trabalhos necessários?

x) Qual a quantidade /volume em m3 dos trabalhos executados “fornecimento e aplicação de areia para aterro do reservatório e da vala?

Requer-se ainda V. Ex.ª que a perícia requerida seja realizada de forma colegial, indicando desde já o perito: AA – Engenheiro Civil, inscrito na Ordem dos Engenheiros sob o n.º ...65, residente na Rua ...., ... ....

(…)»    

                                                                       *

            Apreciando os requerimentos probatórios das partes, o Exmo. Juiz de 1ª instância, proferiu, nomeadamente, os seguintes concretos despachos sobre as pretensões da Ré/reconvinte:

            «(…)

iv) Notifique a CMV, nos termos requeridos pela ré.

v) Por não se afigurar impertinente nem dilatória, considerando a matéria objeto do processo, os pedidos deduzidos e os quesitos apresentados, admito a realização de prova pericial, a qual será colegial e terá por objeto os quesitos indicados pela Ré, nos requerimentos apresentados.

Indique a secção pessoa com formação na área da engenharia civil com vista a ser nomeado perito do tribunal, o qual desde já se nomeia caso não venha a ser deduzida oposição pelas partes.

Notifique a Autora para, no prazo de dez dias, indicar perito.

Após, notifique os peritos, concedendo-se para realização da perícia o prazo de 45 dias, devendo ser junto com o relatório pericial o competente compromisso de honra.

(…)»

                                                           *

Inconformada com um tal despacho, apresentou a A./reconvinda recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

«Objecto do Recurso / Decisão recorrida:

 Em causa está a decisão que:

 Determinou a notificação da Câmara Municipal de Viseu, nos termos requeridos pela ré. E,

 Admitiu a realização de prova pericial,

1. Conforme admitido pels Partes, sem discussão, e, por isso, completamente assente e aceite, o que regula a relação “comercial” existente entre as Partes e, em discussão nestes autos, é o contrato de empreitada, celebrado entre as partes, denominado “contrato de empreitada de obra particular “Construção de um estabelecimento hoteleiro”, datado de 13 de Julho de 2021 - Contrato junto como documento 1, com a Petição Inicial - onde, além do mais se pode ler:

 “A Primeira Contraente (aqui Autora) dá de empreitada a “Construção de um estabelecimento hoteleiro”, à Segunda Contraente (aqui Ré) que aceita executar os trabalhos constantes da Proposta de Preços do Anexo I.

 Consideram-se incluídos na empreitada os trabalhos preparatórios ou complementares que forem necessários à sua execução.

 A natureza, espécie, descrição e valor dos trabalhos objeto da presente empreitada encontram-se perfeitamente definidos na Proposta de Preços anexa e fazem parte integrante deste

contrato sob o Anexo I.

 No âmbito da presente Empreitada é de € 217.526,77 ... o preço a pagar pela Primeira Contraente ....

 O preço a pagar é fixo, no que ambas as partes estão expressa e especialmente de acordo, não havendo lugar a qualquer revisão de preços.

 Os pagamentos devidos ao Empreiteiro (aqui Ré) serão feitos em função das quantidades de trabalhos executados, os quais serão objeto de atos de medição mensais efetuados pelo Dono da Obra (Aqui Autora) e Empreiteiro, conjuntamente, no primeiro dia útil do mês seguinte à realização dos trabalhos.

 Os trabalhos previstos na Cláusula 1.ª devem concluir-se no prazo de 4 (quatro) meses com início em 13 de Julho de 2021.

 A implantação do estaleiro não pode iniciar-se sem estar aprovado o Plano de Segurança e Saúde par a execução da obra com as adaptações propostas pela Segunda Contraente.

 A Segunda Contrente obriga-se a cumprir o presente contrato em conformidade com sua proposta, o projeto, lista de preços unitários e a legislação aplicável em vigor ...

 Os trabalhos a mais podem ser exigidos à Segunda Contraente desde que sejam aprovados e ordenados por escrito pela primeira Contraente e desde que sejam feitas alterações ao plano convencionado e lhe sejam fornecidos os planos, desenhos, perfis, mapa da natureza e volume dos trabalhos e demais elementos técnicos indispensáveis par a perfeit execução e realização das respetivs medições.

 Quando haja lugar à execução de trabalhos a mais a Segunda Contraente tem direito a um acréscimo do preço estipulado ... se forem trabalhos da mesma espécie de outros previstos no contrato e a executar em condições semelhantes, aplica-se o preço contratual ... se forem trabalhos de espécie diferente ou da mesma espécie mas a executar em condições diferentes, deve a Segunda Contrente apresentar uma proposta de preço e prazo de execução.

 Os trabalhos não previstos neste contrato e nos documentos que o integram e que não sejam necessariamente preparatórios ou complementares, só poderão ser executados mediante acordo expresso entre as partes.

 ...”

2. Assim, reitera-se, estas foram as REGRAS definidas pels partes.

3. E, destas REGRAS, AS PARTES, E O TRIBUNAL, NÃO SE PODEM DESVIAR!

4. Assim, o despacho recorrido deve ser revogado.

5. De facto, estando em causa, a relação comercial apoiada, em absoluto, no contrato acima referido,

6. Se as Partes, nomeadamente, Ré, não juntam, documentos que alteram o contratado, subscritos por ambas as contraentes, não tem qualquer utilidade para a boa decisão da causa, o Requerido e, com o devido respeito, indevidamente, deferido pelo Tribunal “a quo”.

7. O requerido pela Ré e deferido pelo Tribunal “a quo”, de que aqui se recorre, apenas levará ao atrasar dos autos, injustificadamente, e, mais do que isso, desvirturá a questão única deste processo, levando o mesmo por “caminhos” de discussão que não pode, nem deve.

8. Sendo que, o apuramento deste (in)cumprimento, não acontecerá com a interpelação da Câmara ou com a Realização da uma peritagem.

9. Sendo que, como documentado nos autos, a Autora já terminou todos os trabalhos, que a Ré não realizou.

10. Sendo, sempre, impossível, a realização da solicitada peritagem,

11. Solicitada com o único propósito de atrasar e confundir os autos.

12. Assim, atendendo ao despacho saneador, ao “Objeto do litígio” e, aos “Temas da prova”, ao contratado entre as Partes, ao alegado pelas Partes, ao documentado pelas Partes, o Requerido pela Ré, a título probatório, porque inócuo e meramente dilatório, deve ser indeferido.

                Em concreto,

13. Nos termos do invocado Artigo 7.º do CPC, “Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.

14. Mais continuando o mesmo normativo legal que devem ser prestados “os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes

15. Assim, o Requerido/a Requerer junto da Câmara Municipal da Viseu - “para vir aos presentes autos juntar uma cópia do projeto de arquitetura, projeto de estabilidade e eventuais alterações de projeto, bem como informar a data de emissão da licença de construção” - é impertinente e, apenas levará a morosidade e obstaculariza à eficácia e justa composição do litígio.

16. Tudo foi definido e bem definido no contrato escrito.

17. E, nomeadamente, definido que, qualquer alteração válida, só por escrito, subscrito por ambos.

18. Termos em que, como requerido, será de indeferir a notificação da Câmara Municipal de Viseu, nos termos requeridos pela Ré.

19. Sendo que, como documentado - documento junto os autos - foi a 8 de Julho de 2021 que a Ré procedeu à obtenção e levantamento do “AAlvará de obras de construção n.º 23/2021 - Processo N.º ...28 - documento 1, junto a 27 de Julho de 2023.

                MAIS,

20. E, igualmente, será de indeferir a realização de uma Perícia, nos termos infundadamente, requeridos pela Ré.

21. Pois que, pelo que se deixa dito, a mesma peritagem afigura-se manifestamente impertinente e dilatória, considerando a matéria objeto do processo, os pedidos deduzidos e os quesitos apresentados.

22. Nos termos do art. 388º, do CC, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.

23. De acordo com o nº 1 do art. 476º, do CPC, incumbe ao juiz formular um juízo liminar sobre a admissibilidade da realização da prova pericial, analisando se a perícia não é impertinente nem dilatória, à luz do direito probatório material, mormente do disposto no art. 388º, do CC.

24. A perícia é impertinente e dilatória e, por isso deve ser indeferida, se diz respeito a matéria de direito e/ou a factos para cuja perceção ou apreciação não são necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.

25. No caso concreto, a perícia é impertinente, a perícia é dilatória.

26. Para tal se concluir bastará atentar ao alegado pelas partes, ao documentado pelas partes, ao teor do despacho sanedor - objecto do litígio e temas da prova.

27. Olhemos para os quesitos, para facilmente concluir que a diligência é impertinente e dilatória.

28. Os “primeiros” 4 quesitos prendem-se com a necessidade de estaleiro de apoio e vedações de proteção e seu custo. Ora,

29. Sobre esta matéria, o contrato, assinado pels partes deixou claro, designadamente, que “A implantação do estaleiro não pode iniciar-se sem estar aprovado o Plano de Segurnaça e Saúde para a execução da obra

com as adaptações propostas pela Segunda Contraente.” e, ainda “consideram-se incluídos na empreitada os trabalhos preparatórios ou complementares que forem necessários à sua execução”, sendo que “A Segunda Contraente compromete-se ainda a dar cumprimento à regulamentação em vigor em matéria de segurança ... designadamente nos locais e postos de trabalho dos estaleiros”, e, “Constituem ainda encargos da Segunda Contrente: a) A execução do estaleiro de obra, b) O fornecimento dos aparelhos ... indispensáveis à boa execução da obra ... e) A implementação ds medidas de segurança em obra impostas por lei”.

30. Sendo que, o preço da empreitada a pagar foi, contratualmente, definido e, logo, ali se incluiu o custo do “estaleiro de apoio e vedações de proteção”, “não havendo lugar a qualquer revisão de preços”.

31. E, tanto assim que a Ré se obrigou “a executar todos os trabalhos da empeitda de construção civil que constituem essa empeitda em conformidade com os elementos envidos, pela quantia de 217.526,77 € ... contemplndo os seguintes trabalhos: 1. Estaleiro ... incluindo todos os trabalhos de vendação, ... e demis trabalhos necessários”.

32. Recorde-se que a Ré reclama o pagamento de 27.282,29 €, enquanto “custos de estaleiro no valor mensal de €3.897,47, desde Dezembro de 2020 a Junho de 2021”. Recorde-se que o contrato de empreitada foi celebrado a 13 de Julho de 2021 e, curiosamente, ou não, nada se disse quanto a este suposto “crédito” prévio. E, não se disse porque não existia e só foi inventado para este processo.

33. O valor devido, tal qual contratado, a título de estaleiro e vedação foi facturado e liquidado, nada mais sendo devido a este título.

34. Quanto ao quesitado em 5, é, igualmente é impertinente e dilatório.

35. Nomeadamente, porquanto tudo foi contratado.

36. Designadamente, porquanto nada justifica esta peritgem, depois de todos os trabalhos concluídos, por terceiros.

37. Não tem que se apurar, nem é possível apurar, atentos os términos dos trabalhos, nomeadamente, por terceiros, “Qual a quantidade /volume em m3 dos trabalhos executados quanto ... dos trabalhos contratados na empreitada”.

38. O que foi contratado consta do contrato junto os autos - nomeadamente, os preços e quantidades.

39. A Ré, querendo, deveria ter lançado mão do disposto nos artigos 419.º e seguintes do CPC - PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA - “Havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de perícia ou inspeção, pode o depoimento, a perícia ou a inspeção realizar-se antecipadamente e até antes de ser proposta a ação.”

40. Não pode, agora, terminados os trabalhos, por terceiros, vir solicitar uma peritagem.

41. Pois que, a peritagem, como já provado/documentado, apenas concluiria que os trabalhos estão termindos mas, pra tal, não é necessário uma peritagem.

42. A peritagem não consegue é dizer se esses trabalhos foram, ou não, feitos pela Ré.

43. Sendo que, quanto ao valor dos mesmos, só podem valer os valores contratualizados e nunca os valores que a peritagem viesse a atribuir.

43. A peritagem só seria pertinente se não houvesse, como houve, prévia fixação de preços.

44. E, o mesmo se diga qunto ao quesitado em 6.

45. Sendo que, neste caso - trabalhos a mais relativos a Alvenarias Interiores - só pode valer, não peritagem mas, ao invés, o documento 3, junto pela Ré, da autoria da Ré, onde, a mesma informa do valor do “Fornecimento e aplicação de alvenaria”, sendo que, como confessdo, neste preço “neste trbalho complementar está incluído a aplicação de soleiras e peitoris”.

46. Não sendo, agora, possível, por recurso a uma qualquer peritagem, apurar, agora, “Qual a área intervencionada”, pela Ré, nomeadamente, “relativa alvenarias de Fornecimento e aplicação de alvenarias ... assente”

47. Conforme documento 3, junto pela Ré, da sua Autoria, foi pela mesma definido o preço para toda a alvenaria e aplicação de soleiras e peitoris.

48. Sendo que, mais uma vez, aqui também o preço foi fixado pelas Partes - pela totalidade de alvenarias e soleirs e peitoris, nada justificando uma peritagem.

49. E, mais uma vez, não é possível, com a peritagem, agora, perceber o que

foi e/ou não foi, feito/executado pela Ré.

50. É pois, absolutmente, impertinente e dilatória a peritagem.

51. Concluindo-se, afigura-se, manifestamente, impertinente e dilatória, considerando a matéria objeto do processo, os pedidos deduzidos e os quesitos apresentados, a realização de prova pericial, não devendo, por isso, ser admitida.

                Termos em que, como se requer, deve o recurso ser julgado procedente, por

provado e, assim, revogada a decisão recorrida, assim se indeferindo o

Requerido pela Ré, seja a título de obtenção de prova documental à Câmara,

seja a título de prova pericial.»

                                                                       *

Por sua vez, apresentou a Ré/reconvinte contra-alegações a tal recurso, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«A. O Recurso apresentado respeita ao despacho proferido pela Mmª Juiz do Tribunal a quo em 17-10-2023 ( ref.ª 93925450), que i) Determinou a notificação da Câmara Municipal de Viseu, nos termos requeridos pela Ré; e ii) Admitiu a realização de prova pericial; nos termos do disposto nos artigos 7º, 417º e 468ºdo CPC;

B. Reportando ao caso dos autos, resulta do despacho saneador que os temas da prova foram: 1. Saber se do auto de medição n.º 11 constam os trabalhos efetivamente realizados pela Ré até à data; 2. Saber qual o prazo para a conclusão da obra acordado entre as partes em março de 2022; 3. Se foram solicitados pela Autora e realizados pela Ré trabalhos a mais; 4. Qual o valor acordado para esses trabalhos a mais; (…) 7. Se a Autora terá que executar e suportar obras e encargos, nos termos indicados nos artigos 32º a 51º da petição inicial; (…) 9. Se e quando a Autora prosseguiu com a execução dos trabalhos em falta e qual o custo adicional de tais trabalhos em relação aos inicialmente orçamentados com a Ré; 10. Quais os concretos trabalhos contratados e que faltavam concluir a 22 de julho de 2022 e quais os que estavam concluídos a 27 de maio de 2022; (…) 13. Se se encontram trabalhos executados pela Ré por pagar; 14. Se a Ré sofreu prejuízos com o atraso na execução dos trabalhos com a manutenção dos estaleiros e equipamentos, por facto imputável à Autora; (…..)

C. Sendo que, a única forma de se apurar as quantidades e espécies de trabalhos contratuais executados pela Ré (constantes do Auto de medição n.º 11) e dos trabalhos complementares (constantes do Auto de medição n.º 3 Trabalhos a mais), cujo pagamento é reclamado pela Ré em sede do pedido reconvencional, que resultam controvertidos nos autos ( nos artigos130º a 144º da Contestação da Ré) e das exceções deduzidas mormente quanto ao alegado incumprimento contratual - (Art.º. 81º a 114º da contestação da Ré), é com base nas peças desenhadas constantes dos projetos de arquitetura e demais projetos de especialidades e/ou alterações e na perícia a realizar.

D. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, os trabalhos contratuais executados pela Ré (constantes do Auto de medição n.º 11) e os trabalhos complementares (constantes do Auto de medição n.º 3 Trabalhos a mais), que resultam controvertidos nos autos, são passiveis de ser constatados e medidos em obra (como as alvenarias, muros, paredes, alterações de projeto peitoris….).

E. E mesmo que, a obra já tenha sido concluída como alegado pela Recorrente (o que de forma alguma se encontra demostrado), ainda assim a perícia é pertinente pois que a mesma poderá aquilatar o que foi intervencionado, demolido, alterado, acrescentado por confronto com os projetos requeridos juntar pela Ré e eventuais alterações de projeto.

F. Por outro lado, a Recorrente alega na sua petição inicial o “suposto” incumprimento da Ré/Recorrida concretamente nos artigos 32º a 51º da petição inicial, que se mostra contravertida nos autos, dado que foi deduzida exceção pela Recorrida designadamente dos artigos 81º a 114º da contestação C/ Reconvenção da Ré /Recorrida e resulta igualmente dos temas da prova: 7. Se a Autora terá que executar e suportar obras e encargos, nos termos indicados nos artigos 32º a 51º da petição inicial;”

G. Pelo que, o pedido de junção de documentos em poder de terceiros (Câmara Municipal de Viseu) e a realização de perícia nos termos requeridos pela Ré, sempre seria pertinente e essencial para a descoberta da verdade material controvertida mencionada nos autos e para contraprova do quesito n.º 7 dos temas da prova.

H. Por outro lado, foi alegado pela Ré/Recorrida nos artigos 145º a 152º da sua contestação com reconvenção, que se mostra igualmente controvertida, a data inicial acordada pelas partes para o início dos trabalhos, bem como a data em que foi efetuada a colocação e montagem do estaleiro e vedações em obra.

I. Mostrando-se igualmente contravertida, a falta de obtenção da respetiva licença de construção atempada por parte da A/ Recorrente, e o facto de a Ré /Reconvinte, não obstante, ter ficado impossibilitada de dar inicio aos trabalhos de empreitada, teve que suportar custos de estaleiro desde Dezembro 2020 a Junho de 2021 (alegado nos artigos 145º a 150º da Contestação da Ré.

J. Em relação à qual se mostra essencial à descoberta da verdade material contravertida a junção dos documentos em poder da Câmara Municipal de Viseu, nos termos em que foi requerido pela Ré/ Recorrida.

K. Pelo que, a prova requerida pela Ré/ Recorrida é pertinente, essencial senão mesmos imprescindíveis à descoberta da verdade material controvertida.

L. Em suma, não sendo o requerimento probatório  apresentado pela Ré, nem extemporâneo, nem impertinente nem dilatório, pois que, a instrução tem por objetos os temas da prova (Artigo 410º do CPA), mostrando-se igualmente necessitados de prova os factos contravertidos e que resultam alegados em sede da contestação com Reconvenção da Ré/ Recorrida com vista à descoberta da verdade mormente quanto à matéria de exceção (artigos 81º a 114º vertida da contestação da Ré) e matéria de reconvenção (130º e 144º da contestação da Ré), impõe-se que a mesma seja deferida.

M. Termos em que, e sem necessidade de mais considerações, o recurso Interposto pela Recorrente deve ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se o despacho proferido pela Mmª do Tribunal a quo nos exatos termos em que foi proferido.

Nestes termos, deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto e ser mantido o despacho do Tribunal a quo recorrido nos seus precisos termos.

Fazendo-se assim a acostumada justiça!»

                                                           *

            Cumprida a formalidade dos vistos nesta instância de recurso e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

(des)acerto da decisão de deferimento de meios de prova requeridos pela Ré/reconvinte nos autos, a saber, de pedido de informação à entidade camarária competente para «(…) juntar uma cópia do projeto de arquitetura, projeto de estabilidade e eventuais alterações de projeto, bem como informar a data de emissão da licença de construção», e de realização de uma Perícia [a fim de esclarecer um total de 6 quesitos que haviam sido previamente enunciados pela parte Requerente].

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é, no essencial, a que consta do relatório que antecede.

                                                                        *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Importa no presente recurso aferir e decidir do (des)acerto da decisão de deferimento de meios de prova requeridos pela Ré/reconvinte nos autos, a saber, de pedido de informação à entidade camarária competente para «(…) juntar uma cópia do projeto de arquitetura, projeto de estabilidade e eventuais alterações de projeto, bem como informar a data de emissão da licença de construção», e de realização de uma Perícia [a fim de esclarecer um total de 6 quesitos que haviam sido previamente enunciados pela parte Requerente].

Vejamos, antes de mais, algumas ideias base concernentes ao critério de apreciação e decisão da questão recursiva.

Consabidamente, a instrução do processo[2] tem por objecto factos controvertidos – através dela procede-se com vista à demonstração desses factos ou, pelo contrário, com vista a impedir essa demonstração (depende da perspetiva da parte), isto é, a atividade instrutória destina-se «à produção das provas destinadas à formação da convicção do tribunal quanto aos factos alegados que interessam à decisão e hajam sido impugnados».[3]

Igualmente importa não olvidar que pode ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Por outro lado, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devem ser objeto de inspeção judicial - cfr. art. 388° do C.Civil.

Ora, de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 388° do C.Civil e 476°, n°1 do n.C.P.Civil, a prova pericial só pode ser indeferida pelo tribunal quando a mesma se mostre impertinente ou dilatória e claramente desnecessária.

A esta luz, compete ao juiz da causa verificar se a perícia não é impertinente, nem dilatória ou desnecessária.

Sendo que será impertinente, por não respeitar aos factos da causa.

E que será dilatória e desnecessária, por, embora, referir-se aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que a mesma pressupõe, sendo que a necessidade de prova pericial afere-se, naturalmente, em função dos factos articulados pelas partes em cada concreto processo, sempre que à perceção ou apreciação desses factos sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, isto é, conhecimentos para além da ciência jurídica, sendo, por isso, necessária a cultura especial e a experiência qualificada do perito na matéria em causa.

                                                           ¨¨

Começando agora pelo aspeto do pedido de informação à Câmara Municipal de Viseu.

Recorde-se que o que foi requerido pela Ré e veio a ser deferido nesta parte foi que esta edilidade viesse aos presentes autos juntar uma cópia do projeto de arquitetura, projeto de estabilidade e eventuais alterações de projeto, bem como informar a data de emissão da licença de construção.

Através da reconvenção que deduziu, sustenta a Ré, resumidamente, que efetuou trabalhos e trabalhos a mais que a A. não liquidou, que teve custos de estaleiro anteriores ao começo dos trabalhos, imputáveis à A., e que teve de suportar um aumento de custos decorrente do atraso/falta de obtenção da licença de construção atempada por parte da A., o que a impediu de iniciar os trabalhos na data acordada.

Salvo o devido respeito, será decisivamente com base nas peças desenhadas constantes dos projetos de arquitetura e demais projetos de especialidades e/ou alterações – que deram oportunamente entrada na Câmara Municipal de Viseu! – que a Ré logrará fazer a prova determinante (obviamente que no confronto e conjugação com o próprio contrato de empreitada que já consta dos autos) para a procedência da reconvenção que deduziu no particular respeitante aos trabalhos e trabalhos a mais que alega ter feito.

O que por maioria de razão se diga no respeitante à alegação/invocação de custos de estaleiro anteriores ao começo dos trabalhos, imputáveis à A., e de que teve de suportar um aumento de custos decorrente do atraso/falta de obtenção da licença de construção – para o que será certamente elemento de prova preponderante a informação/certificação pela dita edilidade da data de emissão da licença de construção.

Ora, na medida em que em termos de instrução da causa apenas estará vedado aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, cremos que está insofismavelmente encontrada a resposta quanto a este primeiro aspeto da questão recursiva.

                                                           ¨¨

Passando, sem mais, ao segundo aspeto da questão recursiva, isto é, o atinente à prova pericial.

No essencial, sustenta a A./recorrente que este meio de prova é impertinente (porquanto a obra já se encontra concluída) e, nessa medida, dilatório.

Contrapõe a Ré/recorrida que apesar de a obra poder estar concluída «(…) ainda assim a perícia é pertinente pois que a mesma poderá aquilatar o que foi intervencionado, demolido, alterado, acrescentado por confronto com os projetos requeridos juntar pela Ré e eventuais alterações de projeto. A Ré/Recorrida pretende a Perícia para que seja apurado o estado da obra, pois que, ainda, que hipoteticamente tenha havido alterações assinaláveis, os respetivos vestígios não desaparecem rapidamente, sendo certo que, a Perícia requerida pela Ré, concatenada com outros meios de prova, pode constatar a realidade dos trabalhos executados e/ou alterações e assim apurar a quantidade e espécie de trabalhos que foram executada em obra.»

Vejamos.

Já supra se aludiu a que para se aferir a relevância deste meio de prova importa atentar no objeto do litígio[4] e bem assim nos temas da prova que foram oportunamente definidos, nomeadamente:

«1. Saber se do auto de medição n.º 11 constam os trabalhos efetivamente realizados pela Ré até à data;

2. Saber qual o prazo para a conclusão da obra acordado entre as partes em março de 2022;

3. Se foram solicitados pela Autora e realizados pela Ré trabalhos a mais;

4. Qual o valor acordado para esses trabalhos a mais;

(…)

9. Se e quando a Autora prosseguiu com a execução dos trabalhos em falta e qual o custo adicional de tais trabalhos em relação aos inicialmente orçamentados com a Ré;

10. Quais os concretos trabalhos contratados e que faltavam concluir a 22 de julho de 2022 e quais os que estavam concluídos a 27 de maio de 2022;

11. Qual a razão concreta que levou à suspensão dos trabalhos por banda da Ré;

12. Qual a data em que a Ré procedeu à suspensão dos trabalhos;

13. Se se encontram trabalhos executados pela Ré por pagar;

14. Se a Ré sofreu prejuízos com o atraso na execução dos trabalhos com a manutenção dos estaleiros e equipamentos, por facto imputável à Autora;

15. Se a Ré suportou custos não pagos pela Autora com o atraso no início da execução da obra por falta de emissão de licença de construção e se tais custos são imputáveis à Autora.».

Neste quadro, solicitou a Ré/recorrida a realização de prova pericial, tendo em vista a resposta de um total de 6 quesitos, nomeadamente dos seguintes:

«1. Para a realização dos trabalhos de empreitada em apreço é necessário estaleiro de apoio e vedações de proteção?

2. Quais seriam os meios de estaleiro necessários para realizar tais trabalhos?

3. Com base nos meios identificados no ponto anterior é possível quantificar os custos desse estaleiro, numa estimativa mensal?

4. Qual o valor dos custos de estaleiro e colação de vedações proteções em obra em apreço, uma estimativa mensal?»

Como é bom de ver, estes “primeiros” 4 quesitos prendem-se com a necessidade de estaleiro de apoio, de vedações de proteção e seu custo.

E recorde-se que a Ré/recorrida reclama em sede reconvencional o pagamento de € 27.282,29, enquanto “custos de estaleiro no valor mensal de €3.897,47, desde Dezembro de 2020 a Junho de 2021”, mais concretamente que teve custos de estaleiro anteriores ao começo dos trabalhos, imputáveis à A. [que as obras estavam previstas ter o seu início em Janeiro de 2021, o que não sucedeu devido ao atraso/falta de obtenção da licença de construção atempada por parte da A.].

Ora é por assim ser que a perícia requerida (e deferida) é pertinente e necessária.

Na verdade, tanto a aferição da necessidade do estaleiro pelas razões invocadas, como, em caso de resposta positiva, a determinação/avaliação dos custos (mensais) que tal originou, são matérias para as quais, s.m.j., são necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, isto é, conhecimentos para além da ciência jurídica, sendo, por isso, necessária a cultura especial e a experiência qualificada do perito nessas matérias. 

A este propósito já foi sublinhado em douto aresto que «A perícia, para perceção e valoração de factos da causa carecidos de prova (por isso pertinente), só deveria ser indeferida se a perceção e a apreciação desses factos não reclamasse conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais (caso em que seria dilatória).»[5]

O que idem se diga relativamente ao que está em causa nos quesitos enumerados como “5.” e “6.”.

Com efeito, reportam-se estes aos trabalhos realizados (e alegadamente não pagos) e aos trabalhos a mais também realizados (e alegadamente não pagos), constantes do “Auto de medição n.º 11 (doc. n. 2 junto à contestação)” e do “Auto de medição n.º 3 – trabalhos a mais relativos a Alvenarias Interiores (doc. n. 13 junto à contestação)”, respetivamente [nos concretos termos melhor discriminados nos mesmos, tal como flui do supra transcrito (e que aqui se dispensa de fazer, por economia processual)].

Sucede que quanto a estas materialidades, é desde logo controvertido se a obra está ou não concluída, e em que grau/dimensão sendo disso caso, o que, salvo o devido respeito, determina que seja necessário ab limine certificar o estado atual da obra.

Mas para além disso, e decisivamente, será no confronto e concatenação de demais elementos documentais – como sejam o contrato de empreitada (com o anexo da Lista de Preços Unitária), as peças desenhadas constantes dos projetos de arquitetura e demais projetos de especialidades e/ou alterações e as demais plantas que constem dos autos, e bem assim do próprio teor e valor das faturas correspondentes – que  com toda a pertinência se poderá e deverá aquilatar o que foi intervencionado, demolido, alterado, acrescentado por confronto com os projetos que entraram na entidade camarária competente (e eventuais alterações de projeto).

Tarefa esta naturalmente cometida e a ser realizada por Perito (ou colegialmente por Peritos) a quem seja reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, por serem necessários conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos para compreender e poder valorar os factos a apreciar[6], parecendo-nos ser esta a preponderante senão mesmo única forma de se apurar as quantidades e espécies de trabalhos contratuais reclamados como tendo sido executados pela Ré (designadamente sob a veste de “trabalhos a mais”) e respetivos valores.

  E para a qual são necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem…

O que tudo serve para dizer que a requerida e deferida prova pericial não é impertinente, pois que se prende com os factos da causa, sempre sendo relevante para a formação da convicção do julgador, nem dilatória, pois que o seu apuramento exige os conhecimentos especiais que a perícia pressupõe.

Nestes termos e sem necessidade maiores considerações, improcedem as alegações recursivas e o recurso.

(…)

                                                           *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Custas pela A./recorrente.

                                                           Coimbra, 19 de Março de 2024

                                                         Luís Filipe Cravo

                                                   João Moreira do Carmo

                                                           Fonte Ramos


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo
  2º Adjunto: Des. Fonte Ramos
[2] Decorre do art. 410º do n.C.P.Civil que a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.
[3] Citámos FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, in “Direito Processual Civil”, Livª Almedina, 2015, vol. II, a págs. 220.
[4] O qual foi definido como sendo «Contrato de empreitada; abandono de obra, incumprimento, litigância de má-fé».

[5] Trata-se do acórdão do TRP de 26/10/2020, proferido no proc. nº 258/18.9T8PNF-A.P1, acessível em www.dgsi.pt/trp.
[6] Neste sentido vide RITA GOUVEIA, Anotação ao artigo 388º, in “Comentário ao Código Civil”, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, a págs. 882.