Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9619/15.4T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
DELIBERAÇÕES SOCIAIS
SUSPENSÃO
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
DANO APRECIÁVEL
Data do Acordão: 04/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 380, 396 CPC, 412 CSC
Sumário: 1. Em regra, não são susceptíveis de impugnação judicial directa as deliberações do conselho de administração duma sociedade anónima, devendo a sua eventual nulidade ou anulabilidade ser submetida à apreciação da assembleia geral (art.º 412º, n.º 1, do CSC), e só da deliberação desta cabendo acção judicial.

2. A simples formulação do art.º 412, n.º 1, do CSC, parece querer significar que o procedimento a seguir por qualquer administrador (ou accionista com direito de voto) que pretenda arguir a invalidade de uma deliberação do conselho será o nele previsto, exigência que não é destituída de fundamento, não só em função da relativa proeminência das assembleia gerais nos órgãos societários, como por razões de ordem prática, no sentido de evitar nocivas perturbações, ou paralisações, na actividade gestionária da sociedade.

3. No procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, a exigência legal de demonstração de que a execução das deliberações pode causar dano apreciável (art.º 380º, n.º 1, do CPC), importa a alegação de factos concretos que justifiquem as conjecturas do requerente quanto ao perigo de dano apreciável (decorrente da actuação futura da nova administração) ou permitam aferir da existência de prejuízos e correspondente gravidade.

Decisão Texto Integral:

    

       
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Em 13.11.2015, H (…) moveu o presente procedimento cautelar contra S (…), S. A., pedindo o decretamento da suspensão das deliberações aprovadas na reunião do conselho de administração desta, ocorrida no dia 09.11.2014, relativas à declaração da falta definitiva do administrador L (…) e à cooptação de P (…) para o substituir naquela qualidade e, bem assim, de quaisquer deliberações em que tenha participado P (…), nomeadamente da sua designação como Presidente do Conselho de Administração da requerida, dispensando-o do ónus de propositura da acção principal.

            Alegou, nomeadamente:

            a) O requerente é accionista da requerida (sendo titular de 2382 acções representativas de 0,2090 % do capital social) e membro do seu conselho de administração;

            b) O presidente do conselho de administração da requerida, L (…), apresentou a renúncia ao cargo de administrador, com efeitos a partir do fim do mês de Novembro de 2015;

            c) Em 04.11.2015, foi convocada uma reunião do conselho de administração, pelo seu presidente, a ter lugar nesse mesmo dia, com a seguinte ordem de trabalhos:

            i. Declarar, nos termos do art.º 393º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a falta definitiva do Administrador que renunciou, L (…);

            ii. Proceder à cooptação de novo administrador para o substituir até ao fim do mandato em curso, nos termos do art.º 393º, n.º 3, alínea b), do CSC;

            iii. Encarregar especialmente algum ou alguns dos administradores de certas matérias de administração, nos termos previstos no art.º 407º, n.º 1, do CSC;

            d) A discussão e a deliberação sobre as matérias constantes da aludida ordem de trabalhos foram, no entanto, adiadas para o dia 09.11.2015, data em que o conselho de administração voltou a reunir-se;

            e) No âmbito de tal reunião, foi deliberado, com o voto contra do requerente, o seguinte:

            i. Declarar a falta definitiva do administrador L (…) e, em consequência,

            ii. Proceder à cooptação de P (…) para substituir L (…) enquanto administrador da requerida;

            f) As referidas deliberações violam a lei, porquanto:

            i. A renúncia ao cargo de administrador não constitui fundamento para ser declarada a falta definitiva de administrador, nos termos previstos no art.º 393º, n.ºs 1 e 2, do CSC (sendo certo, para mais, que no caso presente a renúncia apenas produzirá efeitos no fim do presente mês);

            ii. A possibilidade de cooptação, prevista no art.º 393º, n.º 3, do CSC, apenas se aplica às situações de falta definitiva de administrador – o que, no caso em apreço, não sucede –, sendo que o órgão competente para a realizar é a assembleia geral, nos termos do art.º 391º do citado diploma legal;

            g) A execução das deliberações acima referidas é susceptível de causar danos significativos ao requerente e, bem assim, à requerida, os quais se concretizam no seguinte:

            i. Enquanto a assembleia geral não deliberar sobre a ratificação, ou não, das deliberações acima elencadas, ou mesmo declará-las inválidas, P (…) irá exercer funções de administração (tendo sido deliberado, após a cooptação, designá-lo presidente do conselho de administração), o que, pelo facto de não lhe ser conhecida preparação e experiência relevante em matéria de gestão de empresas, é susceptível de causar danos apreciáveis à requerida;

            ii. Tal circunstância repercutir-se-á na esfera do próprio requerente, uma vez que poderá ver desvalorizada a sua participação, directa ou indirecta, no capital da requerida;

            h) A falta de preparação para o exercício do cargo e o prejuízo que, provavelmente, daí advirá, manifestou-se tanto no facto do requerente o ter informado da invalidade das deliberações tomadas e daquele ter respondido que não conhecia as regras legais em causa, como ainda na circunstância daquele nunca ter sido administrador da requerida, sendo que o cargo em questão apenas pode ser desempenhado por quem seja administrador, nos termos previstos no art.º 408º do CSC.

            Por decisão de 23.11.2015, o Mm.º Juiz a quo indeferiu liminarmente o presente procedimento cautelar, ao considerar que as deliberações do conselho de administração das sociedades anónimas não são passíveis de impugnação judicial directa e, ainda, subsidiariamente, que os factos alegados pelo recorrente, só por si, não permitem ao tribunal recorrido vir a concluir pela existência de dano apreciável decorrente da execução das deliberações em causa.

            Inconformado, o requerente apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Ainda que se aceite que a impugnação judicial directa de deliberações do conselho de administração é uma questão controvertida, é irrefutável que, mesmo os que se opõem, como princípio, a essa possibilidade, concedem que tal impugnação judicial directa deve ser admitida em certos casos.

            2ª - Entre os casos em que deve sempre ser admitida a impugnação judicial directa de deliberações do conselho de administração contam-se aqueles que se referem a deliberações do conselho de administração que impedem o accionista de exercer os direitos inerentes às suas acções e/ou que consubstanciem a usurpação pelo conselho de administração de competências próprias da assembleia geral.

            3ª - As deliberações objecto da providência cautelar requerida enquadram-se, justamente, nos casos em que a impugnação judicial directa deve sempre ser admitida.

            4ª - Concordando o tribunal recorrido com a impugnação directa de deliberações do conselho de administração em caso de delegação de competências, então, e por maioria de razão, tem de admitir a impugnação directa de deliberações do conselho de administração em caso de usurpação de competências, como sucede no que respeita às deliberações objecto da providência cautelar requerida.

            5ª - Aquando da apreciação da probabilidade de ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, o tribunal a quo desconsiderou parte dos factos que o recorrente alegou no requerimento inicial a esse respeito, sendo que os factos que foram desconsiderados consubstanciam danos, sérios, evidentes e incontestáveis, para o recorrente.

            6ª - No que respeita aos factos que considerou na apreciação da probabilidade de ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, o tribunal a quo retirou conclusões erradas, porquanto resulta tanto do mero bom senso como das regras da experiência que a falta de preparação, de competências e experiência, para o exercício de funções de administração acarretará, com grande probabilidade, danos sérios, apreciáveis à sociedade requerida, com reflexo no valor das participações sociais detidas pelos respectivos accionistas.

            7ª - As duas situações referidas no requerimento inicial para ilustrar a falta de experiência e preparação para o exercício das funções de administrador de uma sociedade anónima (e em particular da complexidade e especialidade da requerida) são exemplificativas, às quais acrescem outras de onde se pode inferir o risco sério de produção de danos graves e que carecerão de ser cabalmente provadas em fase ulterior do processo.

            8ª - Em todo o caso, se os factos alegados fossem, de facto, insuficientes para – se provados – permitirem ao tribunal a quo concluir que as deliberações inválidas são susceptíveis de causar dano apreciável, então, competia ao referido tribunal convidar o recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, alegando mais factos tendentes à demonstração do preenchimento do requisito legal em questão.

            9ª - A decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 6º, n.º 2, 7º, n.º 1, 380º, n.º 1, 411º e 590º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC).

             Remata dizendo que deverá ser revogada a decisão recorrida e determinado o prosseguimento do processo ou, subsidiariamente, ser o recorrente convidado a aperfeiçoar a sua petição inicial, alegando mais factos tendentes à demonstração de que as deliberações inválidas são susceptíveis de causar “dano apreciável”.

            A requerida, citada nos termos e para os efeitos do art.º 641º, n.º 7, do CPC, não respondeu à alegação de recurso.   

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir se um accionista pode pedir “directamente” a suspensão de uma deliberação de um órgão da sociedade (no caso, do Conselho de Administração) e, ainda, independentemente daquela resposta, se a correspondente factualidade preenche o requisito do “dano apreciável” (art.º 396º, n.º 1, do CPC) para a concessão da providência cautelar da suspensão de deliberações sociais.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva a tramitação e o quadro fáctico supra referidos (ponto I).

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Relativamente à arguição da invalidade de deliberações do Conselho de Administração das sociedades anónimas, estabelece o art.º 412º do CSC (aprovado pelo DL n.º 262/86, de 02.9, e na redacção conferida pelo DL n.º 76-A/2006, de 29.3) que o próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer accionista com direito de voto, dentro do prazo de um ano a partir do conhecimento da irregularidade, mas não depois de decorridos três anos a contar da data da deliberação (n.º 1), prazos estes que não se aplicam quando se trate de apreciação pela assembleia geral de actos de administradores, podendo então a assembleia deliberar sobre a declaração de nulidade ou anulação, mesmo que o assunto não conste da convocatória (n.º 2); a assembleia geral dos accionistas pode, contudo, ratificar qualquer deliberação anulável do conselho de administração ou substituir por uma deliberação sua a deliberação nula, desde que esta não verse sobre matéria da exclusiva competência do conselho de administração (n.º 3); os administradores não devem executar ou consentir que sejam executadas deliberações nulas (n.º 4).

            E prevê a lei processual civil, sob o enquadramento “suspensão de deliberações sociais”, que se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável (art.º 380º, n.º 1, do CPC).

            3. É assim lícito a qualquer sócio requerer à assembleia geral a declaração de nulidade ou a anulação de decisão do conselho de administração, podendo igualmente aquele órgão, quando se trate de apreciação geral de actos de administradores, deliberar sobre a declaração de nulidade ou anulação, independentemente de o assunto constar, ou não, da convocatória (art.º 412º, do CSC).

            4. Desde há muito que a questão da impugnabilidade das decisões dos administradores (lato sensu) das sociedades tem sido discutida na jurisprudência e na doutrina.

            Temos, de um lado, aqueles que defendem que a acção anulatória (e o acto preventivo da suspensão) não poderá ser utilizada contra deliberações tomadas pelos órgãos administrativos propriamente ditos (gerência, direcção, administração), mas apenas contra deliberações tomadas em reuniões ou em assembleias gerais de sócios [a questão deverá ser colocada, previamente, perante a assembleia geral da sociedade podendo, depois, e em face do deliberado, recorrer-se à via judicial][1]; de outro lado, quem se pronuncie em sentido diametralmente oposto [admitindo, sempre, a impugnação judicial directa – por exemplo, as decisões de um conselho de administração de uma sociedade anónima podem ser impugnadas directamente para os tribunais]; finalmente, os que propendem para o entendimento de que se a primeira perspectiva será de adoptar na generalidade das situações/em regra, situações haverá, quiçá pela sua gravidade ou excepcionalidade, em que não deverá ser recusada a impugnação directa das deliberações ditas nulas ou anuláveis de outros órgãos sociais (que não o plenário de sócios, reunido em assembleia geral).[2]

            5. Admitindo-se que as deliberações, por exemplo, do conselho de administração ou do conselho fiscal de uma sociedade são deliberações sociais[3], perfilha-se, à luz do regime jurídico vigente, aquela última perspectiva, o que, cremos, também potenciará uma mais razoável e racional utilização dos meios de impugnação judicial, desiderato, aliás, bem presente em muitas normas de direito adjectivo (veja-se, por exemplo, o citado art.º 380º, n.º 1, in fine, do CPC).

            6. Assim, em princípio, não são susceptíveis de impugnação judicial directa as deliberações do conselho de administração duma sociedade anónima, podendo a sua nulidade ou anulabilidade ser submetida à apreciação da assembleia geral (art.º 412º, n.º 1 do CSC) e só da deliberação desta cabendo acção judicial.

            A simples formulação do art.º 412, n.º 1, do CSC, parece querer significar que, ao menos, em princípio, o procedimento a seguir por qualquer administrador que pretenda arguir a invalidade de uma deliberação do conselho será o nele previsto, exigência que não é destituída de fundamento, não só em função da relativa proeminência das assembleia gerais nos órgãos societários, como por razões de ordem prática, no sentido de evitar nocivas perturbações, ou paralisações, na actividade gestionária da sociedade - existindo a possibilidade de a anulabilidade e a nulidade das deliberações dos administradores serem apreciadas, desde logo, no interior da própria sociedade pela respectiva assembleia geral, porque haveria tal apreciação de ser feita directamente para os tribunais, com a consequente perturbação da vida da sociedade?

            Esta perspectiva, ao contrário do que chegou a ser sustentado ou aventado por alguma doutrina e jurisprudência, é conforme à Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo que sobre a constitucionalidade da norma ínsita no art.º 412º do CSC - questionando-se, porventura, o direito de acesso aos tribunais garantido pelo art.º 20, n.º 1, da CRP -, “na interpretação ou dimensão de que está vedada a impugnação judicial directa das deliberações do conselho de administração nulas ou anuláveis”, já se pronunciou o Tribunal Constitucional.[4]

            A impugnação judicial directa pelo accionista das deliberações inválidas do conselho de administração só parece ser de não excluir relativamente a actos e omissões que lhe impeçam ou embaracem o exercício dos direitos inerentes às suas acções, e eventualmente, comportamentos do órgão de administração que consubstanciem “usurpação” de competências próprias da assembleia geral.[5]

            7. Relativamente à matéria em apreço, reza ainda o Código Comercial, designadamente, que O conselho de administração é composto pelo número de administradores fixado no contrato de sociedade (art.º 390º, n.º 1); os administradores podem não ser accionistas, mas devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena (n.º 3); Os administradores podem ser designados no contrato de sociedade ou eleitos pela assembleia geral ou constitutiva (art.º 391º, n.º 1); embora designados por prazo certo, os administradores mantêm-se em funções até nova designação, sem prejuízo do disposto nos artigos 394º, 403º e 404 (n.º 4); Os estatutos da sociedade devem fixar o número de faltas a reuniões, seguidas ou interpoladas, sem justificação aceite pelo órgão de administração, que conduz a uma falta definitiva do administrador (art.º 393º, n.º 1); a falta definitiva de administrador deve ser declarada pelo órgão de administração (n.º 2); faltando definitivamente um administrador, deve proceder-se à sua substituição, nos termos seguintes: a) Pela chamada de suplentes efectuada pelo presidente, conforme a ordem por que figurem na lista submetida à assembleia geral dos accionistas; b) Não havendo suplentes, por cooptação, salvo se os administradores em exercício não forem em número suficiente para o conselho poder funcionar; c) Não tendo havido cooptação dentro de 60 dias a contar da falta, o conselho fiscal ou a comissão de auditoria designa o substituto; d) Por eleição de novo administrador (n.º 3); a cooptação e a designação pelo conselho fiscal ou pela comissão de auditoria devem ser submetidas a ratificação na primeira assembleia geral seguinte (n.º 4); O contrato de sociedade pode estabelecer que a assembleia geral que eleger o conselho de administração designe o respectivo presidente (art.º 395º); na falta de cláusula contratual prevista no número anterior, o conselho de administração escolherá o seu presidente, podendo substituí-lo em qualquer tempo (n.º 2); Qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído por deliberação da assembleia geral, em qualquer momento (art.º 403º, n.º 1); O administrador pode renunciar ao seu cargo mediante carta dirigida ao presidente do conselho de administração ou, sendo este o renunciante, ao conselho fiscal ou à comissão de auditoria (art.º 404º, n.º 1); a renúncia só produz efeito no final do mês seguinte àquele em que tiver sido comunicada, salvo se entretanto for designado ou eleito o substituto (n.º 2); Compete ao conselho de administração deliberar sobre qualquer assunto de administração da sociedade, nomeadamente sobre: a) Escolha do seu presidente, sem prejuízo do disposto no artigo 395º; b) Cooptação de administradores (art.º 406º); A não ser que o contrato de sociedade o proíba, pode o conselho encarregar especialmente algum ou alguns administradores de se ocuparem de certas matérias de administração (art.º 407º, n.º 1).

                8. Ora, tendo presente o indicado quadro normativo, a factualidade invocada pelo requerente (cf. ponto I, supra) e o teor dos documentos juntos aos autos (maxime, a fls. 16, 20 verso, 21, 22 verso e 23), não vemos como seja possível concluir que a situação em análise integre ou consubstancie «´usurpação` de competências próprias da assembleia geral».

            E ainda que todo o procedimento em causa possa conter irregularidades ou quaisquer outros vícios, por tudo quanto se deixou exposto, será ainda através dos órgãos próprios da sociedade requerida que se deverá, em primeira linha, providenciar pela sua remoção ou sanação, e não mediante o recurso directo (imediato) ao Tribunal.

            Em relação à referida deliberação do Conselho de Administração da Sociedade requerida, concluímos, assim, não poder o requerente arguir a sua invalidade directamente perante os tribunais.

            9. Dir-se-á, por último, que também não se poderá afastar a demais argumentação (complementar) expendida pelo Mm.º Juiz a quo, mormente a respeito da falta de alegação de factos integradores do requisito “dano apreciável” previsto na parte final do art.º 380º, n.º 1, do CPC, que «integra um conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e comprovação de factos de onde possa extrair-se a conclusão de que a execução do deliberado acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, embora sem se confundir com as situações de irrecuperabilidade ou de grave danosidade».[6]

            Por um lado, é evidente que o requerente não deixou de invocar todos os “factos” que em seu entender traduziam a realidade e os “perigos” que aparentou querer eliminar, não se vendo a menor razão para uma qualquer “reconfiguração”.

            Por outro lado, como bem refere o Mm.º Juiz a quo, “o Requerente limitou-se a referir, nos art.ºs 54º a 62º da p. i.[7], que as deliberações em causa são susceptíveis de causar danos apreciáveis pelo facto de não ser conhecida preparação e experiência relevante a P (…) para a gestão de empresas, elencando duas situações concretas em que tal se evidenciou, quais sejam, quando o Requerente o informou da invalidade das deliberações tomadas e aquele ter respondido que não conhecia as regras legais em causa, como ainda o facto daquele nunca ter sido administrador da Requerida”, sendo que “o facto de não ser conhecida preparação e experiência relevante a P (…) para a gestão de empresas não acarreta, por si só, qualquer prejuízo para a Requerida ou para o Requerente, apresentando-se tal argumentação como uma mera possibilidade, que as duas situações concretas aduzidas para a evidenciar não sustentam”; “a possibilidade de P (…) não se encontrar preparado para exercer as funções de administração da Requerida (e, mais ainda, de presidente do respectivo conselho de administração) não passa de uma conjectura, não alicerçada em factos objectivos que permitam demonstrar qualquer dano (e, para mais, apreciável) decorrente para a Requerida ou para o Requerente”.

            10. Tal juízo formulado pelo Mm.º Juiz a quo, além de não postergado pelo CSC (veja-se, v. g., o art.º 390º, n.º 3), também o não é, por exemplo, pela realidade económica (financeira e empresarial) do nosso passado colectivo recente...

            11. Sabendo-se que a exigência legal de demonstração de que a execução da deliberação pode causar dano apreciável reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir a existência de prejuízos e da correspondente gravidade, não sendo suficiente, para o efeito, a mera alegação de juízos de valor, conjecturas, receios não fundamentados ou conclusões acerca do dano apreciável [por exemplo, o risco de, de forma directa ou indirecta, se criarem situações de benefício ou proveito próprio dalguns administradores ou accionistas, em prejuízo e sem consideração dos interesses comuns dos accionistas enquanto tais e dos credores sociais, é comum a todas as sociedades], sempre seria de concluir que a matéria invocada pelo requerente/recorrente não permitiria ao Tribunal poder vir a concluir pela existência de dano apreciável decorrente da execução das deliberações em causa, razão pela qual, por manifesta improcedência, sempre deveria o presente procedimento cautelar ser liminarmente indeferido (art.º 590º, n.º 1, do CPC).[8]

            12. Ademais, o requerente não ficou impedido de exercer todas as possibilidades de sindicância do exercício da administração que a lei prevê…

13. Assim, não tendo o requerente alegado factos concretos suficientes para a integração do requisito do dano apreciável exigido por lei para a concessão da providência cautelar da suspensão de deliberações sociais (art.º 380º, n.º 1, do CPC), e inexistindo, ao que tudo indica, a realidade pressuposta pelo enquadramento jurídico vigente, fica desse modo reafirmada e reforçada a conclusão primeiramente extraída quanto à falta de adequado suporte para a pretendida impugnação directa pela via judicial.

           14. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.        


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III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pelo requerente/apelante.


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20.4.2016

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernanda Ventura



[1] Vide, entre outros, J. Alberto dos Reis, CPC anotado, 3ª edição, pág. 676 e José Lebre de Freitas, e Outros, Código de Processo Civil, anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 85. 

[2] Sobre as teses em presença e respectivos defensores (na doutrina – nacional e estrangeira – e/ou na jurisprudência), cf., de entre vários, os acórdãos da RP de 04.02.2003-processo 0222397, 20.11.2003-processo 0335690, 15.3.2004-processo 0354886, 28.9.2010-processo 6328/07.1TBVFR.P1 e 27.6.2011-processo 987/10.5TYVNG.P1 e da RL de 13.3.2014-processo 1535/13.0TYLSB-A.L1-6, publicados no “site” da dgsi.
[3] Vide Vasco Lobo Xavier, “O início do prazo da proposição da acção anulatória de deliberações sociais …”, RLJ, 120º, pág. 317, nota (11).

[4] Cf. o acórdão do Tribunal Constitucional  n.º 415/2003, de 24.9.2003-Proc. n.º 245/03 publicado no “site” da dgsi (e no DR, II Série, de 17.11.2003).

[5] No sentido explanado no presente ponto e reportando-se, nomeadamente, à perspectiva defendida por Carlos Osório de Castro, cf., principalmente, o citado acórdão da RP de 15.3.2004-processo 0354886.

[6] Vide A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 3ª edição, Almedina, pág. 96.

[7] Com a seguinte redacção:

                «54. Sendo que o referido P (…) é advogado, ao que consta com uma prática centrada na área de direito fiscal, não se lhe conhecendo preparação, muito menos experiência relevante, em matérias de gestão de empresas.

                55. Sendo, portanto, o seu exercício de funções de administração da Requerida, susceptível de causar danos apreciáveis a esta,

                56. Com inevitável repercussão na esfera do Requerente que poderá ver desvalorizada a sua participação, directa e indirecta, no capital da Requerida.

                57. A agravar a situação, já depois da cooptação de P (…) para o conselho de administração da Requerida, este conselho deliberou por maioria, mais uma vez com o voto contra do Requerente, designá-lo presidente do conselho de administração.

                58. A demonstrar a falta de preparação para o exercício do cargo e a forma prejudicial aos interesses da Requerida como o mesmo será provavelmente exercido, podem referir-se duas situações concretas, a saber:

                59. Na reunião do conselho de administração seguinte àquela em que foi deliberada a sua cooptação, P (…), que se encontrava presente, foi informado pelo Requerente dos termos e condições em que havia sido realizada a sua cooptação e foi confrontado pelo Requerente com as razões que invalidavam a deliberação tomada, tendo-lhe sido perguntado se, ainda assim, estava na disposição de aceitar o cargo,

                60. Tendo P (…) respondido, na presença de todos os administradores da Requerida, que não conhecia as regras legais em causa (!) e que aceitava a sua cooptação.

                61. Por outro lado, e apesar de nunca (antes da cooptação ilegal deliberada em 09.11.2015) ter sido administrador da Requerida, P (…) intitulava-se presidente de uma suposta comissão executiva da Requerida integrada por outros colaboradores não-administradores da empresa (cf. Documento n.º 12),

                62. Sendo que o cargo em questão, como decorre do art.º 408º do CSC, apenas pode ser desempenhado por quem seja administrador.»

[8] Cf., entre outros, os acórdãos da RL de 28.02.2008-processo 920/2008-6, da RP de 05.5.2009-processo 444/08.0TYVNG-A.P1 e 22.10.2009-processo 697/09.3TYVNG-A.P1 e da RC de 27.4.2004-processo 4176/03 e 06.9.2011-processo 894/11.4TBPBL-A.C1, publicados no “site” da dgsi.