Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
263/15.7T8CNT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
CITAÇÃO DO RÉU
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JC CÍVEL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 323º, 482º E 498º, DO C. CIVIL .
Sumário: Tendo sido anulada a primeira citação dos réus, por facto imputável ao autor, tal não impede o efeito interruptivo operada por ela em relação à prescrição do direito invocado na ação pelo mesmo.
Decisão Texto Integral:






Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. O autor, H..., instaurou contra os réus, ..., todos com os demais sinais dos autos, a presente ação declarativa, com forma de processo comum, pedindo no final a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe a quantia de € 31.623,10, acrescida de juros moratórios, às taxas legais, até ao seu integral pagamento.

Para o efeito alegou, em síntese, naquilo que para aqui mais releva, o seguinte

1.1 Em janeiro de 2012 foi contactado pelo réu A... (doravante também 1º. R.) no sentido de saber se estava interessado em adquirir um restaurante em Las Palmas de Gran Canária, pertença do 2º. R., seu filho.

1.2 Depois de se ter deslocado àquela cidade espanhola para ver o referido restaurante, denominado o “...”, acabou por acertar com os RR. A... e P... (doravante também 2º. R.), a compra do mesmo pelo preço de € 35.000,00.

1.3 O 1º. R. ficou então de proceder à elaboração dos termos do referido contrato.

1.4 Em 16/04/2012 o 1º. R., através do endereço eletrónico daquela sua mulher, enviou ao A. uma declaração de “compra e venda”, através da qual os réus maridos declaram que vendem ao A. o trespasse do dito restaurante, tendo ainda ali mencionado que o último teria de efetuar uma entrada no valor de € 15.000,00 para uma conta na agência do Banco, SA., em nome do 1º. R..

1.5 Em 18/04/2012 o 1. R. enviou, pelo mesmo meio, ao A. um nova declaração de teor igual àquela anterior, mas com um aditamento correspondente ao último parágrafo relativo às rendas a pagar.

1.6 Declarações essas que nunca, porém, chegaram a ser assinadas, nomeadamente por aqueles RR..

1.7 Mesmo assim, o A., convencido que os referidos RR. lhe iriam efetivamente vender o trespasse do referido estabelecimento, no dia 30/04/2012 transferiu a quantia de € 15.000,00 para a conta do 1º. R..

1.8 Ainda nesse dia dirigiu-se com os RR. maridos à referida cidade espanhola, a fim de que os mesmos lhe entregassem o dito estabelecimento e outorgassem a respetiva escritura de trespasse, o que não aconteceu, tendo depois aí falado com a senhoria do imóvel onde aquele se encontrava instalado por causa de umas rendas que aqueles lhes deviam aproveitando ele próprio para negociar com ela o valor mensal das renda que lhe iria pagar após a formalização do negócio e tomar posse do estabelecimento.

1.9 Em 02/05/2012 chegou mesmo a outorgar um contrato de arrendamento de uma casa de habitação para viver da referida cidade espanhola, para ali ver quando passasse a explorar o referido estabelecimento, pela renda mensal de € 400,00.

1.10 Em 04/05/2012 regressou, com os RR. maridos, a Portugal, sem que tivessem formalizado o contrato e lhe tivesse sido feita  entrega do estabelecimento, tendo ainda contactado antes com o contabilista da senhoria do imóvel e dos RR., para que o mesmo tratasse da documentação necessária para obter a autorização de residência naquela cidade.

1.11 Em 16 de junho de 2012 viajou novamente com o 2º. R. para Las Palmas com o fim de resolverem definitivamente o contrato de trespasse do estabelecimento, o que não aconteceu.

1.12 Tendo na altura sido informado pela senhoria do imóvel que os RR. não lhe haviam pago as rendas, tendo, por via disso, proposto uma ação em tribunal que veio a ganhar, e, em consequência, dera entretanto o local de  arrendamento onde estava instalado o estabelecimento de restaurante, do que RR. tinham perfeito conhecimento.

1.13 Nessa altura foi também informado pelo sobredito contabilista que o dito estabelecimento pertencia à sociedade “G..., SL., e não aos RR. maridos, tal como haviam assumido.

1.14 Nessa mesma altura o 2º. R. pediu ainda ao A. a quantia de € 1.900,00 por conta do trespasse do estabelecimento, a qual lhe foi entregue pelo último na convicção de que o 2. R. lhe iria assinar os documentos necessários ao dito trespasse, pois que o último R. lhe disse que tinha uma procuração do 1º. R. com poderes par ao efeito.

1.15 Os RR. até ao momento não só não outorgaram a dita escritura de trespasse como não lhe devolveram aquelas quantias de €15.000,00 e €1.900,00, tendo-lhe ainda causado com essa sua conduta outros danos patrimoniais que ali descrimina.

1.16 Os referidos RR. maridos sabendo de tudo isso aturam, em coligação de esforços e forma astuciosa, com a intenção de obterem para si um enriquecimento ilegítimo (enriquecimento sem causa), e o consequente empobrecimento do A., levando este ao engano e a entregar-lhes as quantias acima descriminadas, causando-lhe ainda, e em consequência, outros prejuízos patrimoniais.

1.17 As rés mulheres beneficiaram também, em termos de casal, daquelas quantias entregues pelo A. aos RR. maridos, sendo certo que elas estavam também coniventes com eles.

1.18 RR. esses que, por força e nos termos do disposto no artº. 473º do Código Civil, devem indemnizar o A. pelos danos que lhe causaram com a sua conduta, nos termos do pedido acima referido que contra eles formulou.

1.19 No final o A. protestou juntar os vários documentos a que aludiu na petição inicial, e para o teor dos quais foi ali remetendo.

2. Na sua contestação, os réus defenderam-se por exceção e por impugnação, deduzindo ainda pedido reconvencional contra o A., terminando pedindo a improcedência da ação.

2.1 No que toca à defesa por exceção invocaram, à luz do disposto no artigo 483º do CC, a prescrição do direito do A., pois que tendo o mesmo fundamentado esse pedido no instituto de enriquecimento sem causa, previsto no artº. 473º do CC, quando foram citados para a ação já há muito havia decorrido o prazo legal (de três anos), estatuído para o efeito no artº. 482º., do mesmo diploma legal, para fazer valer o seu direito.

2.2 No que concerne àquela 2ª. defesa, embora admitindo alguns factos, contraditaram o essencial da versão factual vertida pelo A., alegando que tudo fizeram para a concretização do contrato a que o mesmo aludiu, não tendo, porém, o mesmo sido celebrado por culpa exclusiva do mesmo, nomeadamente por não ter obtido a documentação exigida par ao efeito, impugnando ainda os documentos que veio a juntar entretanto.

2.3 Por reconvenção pediram a condenação do A. a pagar-lhes a quantia de €30.000.00 (por se ter apropriado ilegitimamente de vário material nesse valor), acrescida de juros moratórios, à taxa legal até ao seu integral pagamento.

3. Em plena audiência prévia, foi proferido despacho saneador onde, além do mais, se absolveu o A. do pedido reconvencional formulado pelos RR., com base na ilegitimidade destes para o formular, e se julgou improcedente a exceção de prescrição do direito daquele invocada pelos RR..

Decisão essa última que foi proferida no seguintes exatos termos: “Julga-se improcedente a exceção de prescrição arguida pelos RR. com base no disposto no art. 482.º do CC, uma vez que, não obstante invocado pelo R., o instituto de enriquecimento sem causa, que tem natureza subsidiária (art. 474º CC), é aqui afastado por força das negociações existentes entre as partes com vista à conclusão de um negócio de trespasse, o que nos remete para o domínio da responsabilidade pré-contratual.”

4. Não se tendo conformando com tal decisão que julgou improcedente a aludida exceção de prescrição, os RR. dela apelaram.

5. Os RR. concluíram as suas alegações de recurso nos seguintes termos (expurgadas da citação de jurisprudência):

...

6. O autor contra-alegou, concluindo nos seguintes termos (expurgadas do conclusão I por a questão nele suscitada já ter sido antes decidida):

(…).

7. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação
A)  De facto.

AA) Devem ter -se- como assentes os seguintes factos:

a) Aqueles que se encontram descritos no relatório que antecede sob os nºs. 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, 1.6, 1.7, 1.11 e 1.19 (por admissão de acordo das partes, sendo que o último resulta da própria certidão da petição inicial que nos foi remetida).

b) E ainda os seguintes (resultantes da consulta feita dos autos principais, cuja remessa para o efeito solicitámos, a titulo devolutivo, à 1ª. instância):

1. A ação foi instaurada pelo A. em 23/04/2015.

2. A todos os RR. foram enviadas cartas de citação para a ação, com AR., datadas de 27/04/2015 (fls. 10 a 13).

3. A ré C... assinou o AR da carta de citação que lhe foi enviada em 28/04/2015 (fls. 15), tendo também nessa mesma data assinado o AR. da carta enviada ao réu Alexander/seu marido (fls. 14), recebendo, assim, tais cartas.

4. A ré S... assinou o AR da carta de citação que lhe foi enviada em 29/04/2015 (fls. 17), tendo também nessa mesma data assinado o AR. da carta enviada ao réu A.../P..., recebendo, assim, tais cartas.

5. Na sequência do referido em 3. e 4., nos termos e com a advertência do artº. 233º do CPC, foram enviadas cartas registadas aos réus A... e P..., respectivamente, datadas de 29/04/2015 e de 04/05/2015 (fls. 16 e 19).

6. O A. enviou, em 04/05/2015, a juízo requerimento a solicitar prazo não inferior a 30 dias para proceder à junção dos documentos que protestou juntar aquando da entrega da petição inicial (fls. 20/21).

7. Pedido esse que foi deferido por despacho de 06/05/2015 (fls. 22),  notificado aos RR por cartas registadas datadas de 07/05/2015, e ao mandatário do A. via citius, em documento elaborado naquela mesma data (fls. 23 a 26).

8. Em 28/05/2015 os RR enviaram a juízo requerimento no qual arguiram a nulidade daquelas anteriores citações que lhe foram efetuadas, com o fundamento por, em violação do disposto no artº. 227º do CPC, não terem sido acompanhadas das cópias dos documentos que o A. protestou juntar na petição inicial, pedindo, em consequência, a repetição das mesmas, acompanhadas das respetivas cópias dos referidos documentos (fls. 32/33).

9. O A. respondeu através do seu requerimento, enviado em 16/06/2015, justificando a razão para a não apresentação dos documentos para os quais remete na petição inicial, juntando alguns e requerendo a prorrogação de prazo por mais 20 dias para proceder à junção dos restantes em falta (fls. 35/36).

10. Por despacho datado de 02/10/2015 (fls. 48/50), a sra. juíza titular do processo, à luz do disposto nos artºs 219º, nº. 3, e 191º, nºs 1 e 4, do CPC, julgou procedente a nulidade das citações arguida pelos RR. (com base na falta de entrega aos mesmos, aquando da daquelas citações anteriores, das cópias dos documentos que o A. protestou juntar na petição inicial e para os quais ali remetia, considerando que tal prejudicava o seu direito de defesa).

10.1 Despacho esse que mandou notificar às partes no seguintes termos: “Notifique, advertindo que apenas após a junção da totalidade dos documentos em falta pelo A. e respetiva notificação aos réus (cfr. art. 192 do CPC) se iniciará o prazo para a defesa dos réus.”

10.2 Nesse despacho foi ainda indeferido o anterior pedido formulado pelo A. no sentido de lhe ser prorrogado, por mais 20 dias, o prazo para juntar os documentos em falta.

11. Despacho esse que foi notificado aos mandatários das partes por cartas enviadas via citius, em documento elaborado em 05/10/2015 (fls. 51/52).

12. Por requerimento de fls. 53, enviado em 29/10/2015, o A. veio juntar os documentos em falta que havia protestado juntar na petição inicial.

13. Por cartas registadas com AR., com data de envio de 26/10/2015, foram os RR. notificados, nos termos do disposto no artº. 219º, nºs 2 e 3, do CPC, para contestarem a ação, acompanhando essa notificação as cópias dos aludidos documentos a que o A. alude na sua petição inicial e que havia ali protestado juntar.

14. É na sequência de tal notificação/citação que os RR. vieram apresentar a contestação a que acima fizemos referência (ponto 2 do Relatório).

B) De direito

Como é sabido, que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” (a que alude o artº. 608º do atual CPC, à semelhança do que já acontecia no domínio do revogado CPC de 61 através do seu artº. 660º) não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso dos réus, e tal como deflui do supra se deixou exarado, verifica-se que a única questão que verdadeiramente aqui importa apreciar e decidir consiste em saber se o direito que o autor pretende fazer valer nesta ação contra aqueles se encontra ou não prescrito.

Na sequência da exceção de prescrição que na sua contestação deduziram nesse sentido, os RR. defendem que sim, pois que  assentando o pedido do A. no instituto do enriquecimento sem causa, quando foram citados para a ação já havia decorrido o prazo legal de três anos fixado no artº. 482º do Código Civil - diploma ao qual nos referiremos quando doravante mencionarmos somente  o normativo sem a indicação da sua fonte – para o autor exercitar ou fazer valer o seu direito.

Por sua vez, a sra. juíza a quo, na apreciação da aludida exceção aduzida pelos RR. (que julgou improcedente) entende que não (no que é acompanhado pelo A.), com a fundamentação (aduzida de forma singela) de não ser aplicável ao caso o instituto do enriquecimento sem causa, que tem natureza subsidiária, por nos entrarmos no domínio da responsabilidade pré-contratual.

Apreciemos.

Como é sabido, a prescrição é uma excepção perentória, pois que uma vez invocada (o que o seu beneficiário deve fazer obrigatoriamente, judicial ou extrajudicialmente – artº. 303º), a sua procedência conduz à absolvição total ou parcial do pedido (artº. 576º, nºs. 1 e 3, do CPC). Na verdade, completada a prescrição, tem o seu beneficiário a faculdade (pois que dela pode renunciar – artº. 302º) de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artº. 304º).

Em suma, a prescrição é um instituto jurídico pelo qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este exercício não se verifique durante certo lapso tempo indicado na lei e que tem como fundamento a reação da lei contra a inércia ou o desinteresse do titular do direito que o torna indigno de proteção jurídica, feita em prol do interesse da clarificação, estabilização e segurança das relações jurídicas (vide, o prof. Almeida Costa, in “Direitos das Obrigações”, 10ª ed., pág. 1123.”).

E estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (artº. 298º nº. 1), o que sucede, diga-se desde já, com aquele que o A. pretende exercer através desta ação.

Como deflui do acabado de exarar, o prazo para o exercício do direito não é uniforme, pois que é variável consoante as situações contempladas na lei.

Assim, e tendo em conta o caso em apreço, no domínio do instituto do enriquecimento sem causa dispõe-se no artº. 482º que “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.” (sublinhado nosso).

Por sua vez, já no que concerne ao domínio da responsabilidade pré-contratual (ou pré-negocial) dispõe-se no artº. 227º que:

1- Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

2. A responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498º .”

Em termos da responsabilidade pré-negocial vigora, assim, para prescrição o prazo que a esse respeito se encontra previsto no artº. 498º (para responsabilidade extracontratual), onde, naquilo que aqui importa, se dispõe que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.” (sublinhado nosso)

Ressalta de tais normativos que a lei estabelece o mesmo prazo de prescrição (de três anos) tanto para o domínio da responsabilidade pré-contratual como para o domínio do instituto do enriquecimento sem causa, com a seguinte diferença: enquanto que para primeira esse prazo se conta/inicia a partir da data em o credor/lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, independentemente de o mesmo conhecer ou não a pessoa e a extensão integral dos danos, já no domínio do instituto do enriquecimento sem causa esse prazo conta-se/inicia-se a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e bem assim ainda (cumulativamente) da pessoa do responsável (pelo empobrecimento da pessoa empobrecida).

Muito embora na ação em apreço o A. tenha invocado o instituto do enriquecimento sem causa (previsto no artº. 473º e ss) para justificar/fundamentar o seu direito que nela pretende fazer valer, afigura-se, todavia, dada a forma como o ele estruturou a ação e expôs os factos - não obstante a forma prolixa e, salvo o devido respeito, algo confusa como o fez -, que, tal como se concluiu na decisão recorrida, nos encontraremos no domínio a responsabilidade pré-contratual, e tendo presente, por um lado, que aquele instituto atua com natureza subsidiária (artº. 474º) e, por outro, que, conforme resulta do estatuído no artº. 5º, nº. 3, do CPC, o juiz não sujeito/vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (aos factos).

De qualquer modo, no caso em apreço, a solução será, a nosso, ver, sempre idêntica, quer se entenda estar-se quer domínio a responsabilidade pré-negocial, quer no domínio do instituto do enriquecimento sem causa, pois que à luz dos factos vertidos não se coloca a questão do desconhecimento da pessoa responsável, e do conhecimento pelo A. do seu direito (o que se pode discutir é data a partir da qual dele tomou conhecimento).

Por fim, importa ainda considerar que a lei estabeleceu algumas situações que, uma vez verificadas, conduzem à interrupção da prescrição do direito que se pretende fazer valer, e entre elas, por terem ver com o caso sub júdice, encontram-se aquelas com previsão no artº. 323º que, naquilo que para aqui releva, reza assim:

“1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.

4. (…).” (sublinhado nosso).

Aqui chegados, importa agora partir para a solução definitiva da questão que fomos chamados a decidir, e tomando em consideração tudo supra se acabou de deixar exposto.

E questão que, desde logo, se coloca consiste em saber qual a data que se deve considerar com aquela em que o A. tomou conhecimento do direito que pretende fazer valer através da presente ação.

À luz dos factos acima dados como assentes somos levados a concluir que tal aconteceu, pelo menos, a partir de 16 de junho de 2012 (cfr. ponto 1.16, em conjugação com os anteriores, a considerar desde já como assentes, pontos 1.2., 1.3, 1.4, 1.5, 1.6 e 1.7), pois foi a partir dessa data que o autor - após várias tentativas encetadas para o efeito e sempre na convicção que o contrato em causa se iria acabar por formalizar – viajou novamente com o 2º. R. para Las Palmas com o fim de resolverem definitivamente o contrato de trespasse do estabelecimento, o que, porém, não aconteceu. Entendemos, pois, que a partir dessa altura o A. ficou em condições de conhecer o direito que veio agora fazer valer através da presente ação, ou seja, de que o contrato não seria consumado, o que lhe daria, na sua ótica, o direito de pedir a indemnização que veio solicitar dos RR. através desta ação (a qual, ao contrário do que parecem entender os RR, não se esgota no recebimento da quantia de €15.000,00 correspondente à transferência bancária que, em 30/04/2012, efetuou para a conta do 1º. R. como adiantamento de parte do preço acordado). Até aí pode dizer-se que o A. agiu sempre no convencimento e na expectativa de que o contrato seria consumado.

Portanto, à luz dos factos já apurados, será a partir daquela data de 16 de junho de 2016 que começa a correr e a contar o prazo de prescrição do direito (diga-se, que mesmo que se considerasse aquela data de 30/04/2012, como defendem os RR. apelantes, a solução a que adiante se irá chegar seria, como veremos, a mesma).

O autor pretendendo fazer valer o seu direito (que entende ter) instaurou, em 23/04/2015, a presente ação, tendo nessa altura requerido a citação dos RR..

A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (artº. 219º, nº. 1, do CPC).

A citação dos RR., requerida na ação pelo A., aconteceu em 28/04/2015, em relação aos réus C... e seu marido A..., e em 29/04/2015, em relação aos réus S... e seu marido P... (cfr. pontos 2 a 5 AA) b) dos factos assentes).

Como vimos, nos termos do estatuído nº.1 do citado artº. 323º a citação interrompe a prescrição.

É certo que aquela primeira citação dos RR. veio a ser anulada, a pedido dos RR., na sequência do despacho judicial proferido em 02/10/2015 (por causa ali imputável ao A. – devido as mesmas não terem ido acompanhadas das fotocópias dos documentos que mesmo protestou juntar na petição inicial), mandando, em consequência, repetir a mesma (quando tais documentos fossem juntos), vindo os RR. a ser novamente citados por cartas registadas com AR, datadas de 26/10/2015.

Porém, a anulação daquele primeira citação dos RR. mostra-se, in casu, e para efeitos da prescrição, irrelevante, pois que nos termos do nº.3 do citado artº. 323º não impede o efeito interruptivo operado, nos termos do nº. 1 desse mesmo preceito legal, pela citação anulada.

E percebe-se que assim seja, pois que apesar dessa primeira citação ter vindo a ser anulada (por facto imputável ao A. – note-se, porque foi efetuada, não é aplicável, nessa parte refente à imputabilidade, ao caso o nº. 2 daquele dispositivo legal), os réus ficaram a saber, através dela, da intenção de o autor em exercer (não abdicando dele) o direito que “reivindica” ter sobre os mesmos (e cujo reconhecimento reclama na ação).

Assim, facilmente se chega à conclusão de que aquando da primeira citação efetuada aos RR. ainda não tinha decorrido o prazo legal, de 3 anos, para a prescrição do direito que o A. pretende, contra eles, fazer valer na presente ação (isto mesmo independentemente de considerar estar-se no domínio da responsabilidade pré-contratual ou mesmo no domínio do instituto do enriquecimento sem causa, e até mesmo que se considerasse, como defendem os R.R - a nosso ver, como vimos, incorretamente –, o dia 30/04/2012, como aquele em o A. ficou em condições de tomar conhecimento do seu direito).

Termos, pois, em que não tendo ocorrido a prescrição do direito do A., se julga improcedente o recurso dos RR., confirmando-se, assim, a singela decisão recorrida,


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão da 1ª. instância.

Custas pelos RR./apelantes.

Sumário:

I- Tendo sido anulada a primeira citação dos réus, por facto imputável ao autor, tal não impede o efeito interruptivo operada por ela em relação à prescrição do direito invocado na ação pelo mesmo.

Coimbra, 2017/04/27


Isaías Pádua

Manuel Capelo

Falcão de Magalhães