Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
186/13.4PAPNI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: DECISÃO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
IRREGULARIDADE
APRESENTAÇÃO
PROVAS
PRAZO
EXTEMPORANEIDADE
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J C GENÉRICA DE PENICHE)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 205.º DA CRP; ARTS. 97.º, 118.º E 123.º, DO CPP; ART. 49.º DO CP.
Sumário: I – A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art.205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art. 32.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental.

II – a fundamentação das decisões varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias em que ele é praticado.

III – Se um destinatário normal, perante o teor do ato e das suas circunstâncias, está em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido e não noutro, a decisão, independentemente de se concordar ou não com ela, está fundamentada.

IV – A falta de fundamentação do despacho de conversão da multa não paga em prisão preventiva não é cominada nos artigos 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, e 49.º do Código Penal, ou em outro qualquer preceito, com nulidade (absoluta ou relativa), pelo que a mesma constitui uma irregularidade, por força do n.º 2 do art.118.º do mesmo Código.

V – Pretendendo o arguido, por requerimento de 15 de junho de 2018, e ao abrigo do disposto no art.49.º, n.º 3, do Código Penal, comprovar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, protestando para o efeito juntar provas e requerendo a sua audição ou a elaboração de relatório social para suspensão da execução da prisão subsidiária com regras de conduta, impunha-se ao tribunal a quo aguardar o decurso do prazo legal de apresentação das provas, sem prejuízo de averiguar oficiosamente a real situação económica do arguido após junho de 2018, nomeadamente, através de relatório social.

Decisão Texto Integral:





           Acordam, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

      Relatório

Nos presentes autos, que correm no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Competência Genérica de Peniche, em que é arguido …, o Ex.mo Juiz, proferiu, em 25 de junho de 2018, o seguinte despacho:

«1. A invocação feita não tem qualquer elemento de prova que o suporte.

2. Indefere-se.

3. Notifique.

Transitado, emitindo-se mandados de detenção e de condução com vista ao pagamento do remanescente.».

          Inconformado com o despacho de 25 de junho de 2018, dele interpôs recurso o arguido …, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1- O despacho judicial de 25.06.2018, com a Refª (...) , é ilegal, extemporâneo e carece de fundamentação.

2- O arguido foi condenado em 11.05.2017, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo artigo 143º nº 1 do Código Penal, na pena de multa de cento e cinquenta dias, fixando-se o quantitativo diário em sete euros, o que perfaz o montante de mil e cinquenta euros.

3- O arguido esteve de baixa por doença natural desde 25-02-2017 a 13-04- 2018, com incapacidade para o trabalho, não auferindo qualquer rendimento, sendo o seu agregado familiar composto por companheira e três filhos. (doc.1, 2,3,4,5,6).

4- No período compreendido entre Maio de 2017 e 16.05.2018, data a em que foi proferido o despacho com a Refª (...) , que decretou a prisão subsidiária em substituição da multa, o arguido não tinha objectivamente condições de proceder ao pagamento da multa em que foi condenado.

5- O despacho judicial com a Refª (...) foi proferido sem que previamente o arguido tivesse sido ouvido presencialmente.

6- Encontram-se reunidas as condições que permitem ao condenado requerer que a execução da prisão subsidiária decretada seja suspensa, ou que lhe seja permitido o pagamento do remanescente da multa em prestações, tal como prevêem os artigos 47º nº 3 e 49º nº 3 do Código Penal.

7- O arguido apresentou em 15 de Junho de 2018, um requerimento nesse sentido, protestando juntar os comprovativos do por si alegado e liquidou a quantia de €300,00.

8- Em 25.06.2018, quando foi proferido o despacho com a Refª (...) , ainda não tinha expirado o prazo para o arguido apresentar os documentos que havia protestado juntar, pelo, que tal despacho é extemporâneo e cerceador dos direitos de defesa do arguido.

9- O despacho objecto de recurso carece de fundamentação. O Tribunal a quo, não apreciou a pertinência do pedido formulado pelo arguido, ou seja, o impedimento jurídico suscitado pelo arguido à execução da decisão proferida.

10- O Tribunal a quo ignorou que o arguido em 15.06.2018, indicou que tinha começado a trabalhar e qual a sua entidade patronal, pelo que, existiam novos elementos nos autos que permitiam prever a possibilidade de cobrar coercivamente o montante da multa, o que constitui um requisito legal que obsta à conversão automática da pena de multa em prisão subsidiária.

11- Ao lograr manter o teor da decisão anteriormente proferida, o Tribunal a quo estava obrigado a efectuar uma nova liquidação dos dias de prisão subsidiária a cumprir, o que não se verificou.

12- O douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 47º nº 3 e 49º nº 3, ambos do Código Penal, 105º do C.P.P. e 32º nº 1 da C.R.P.

13- A decisão objecto de recurso deve ser revogada e substituída por outra que permita ao arguido pagar o remanescente da multa em prestações ou suspender a substituição da pena aplicada, por um período não inferior a um ano, tal como se contra previsto no artigo 49º nº 3 do Código Penal.

O Ministério Público no Juízo de competência Genérica de Leiria respondeu ao recurso interposto pelo arguido, limitando-se a consignar que “a decisão recorrida poderia ter em conta o requerido uma vez que se mostrará admissível lançar mão do enquadramento legal previsto no art.49.º n.º3 do Cód. Penal”. 

            A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de “que o recurso deve improceder, subscrevendo, no demais, a resposta apresentada pela Ilustre Magistrada do Ministério Público da 1.ª Instância.”.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

           Colhidos os vistos cumpre decidir.

      Fundamentação

            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente as questões a decidir são as seguintes:

- se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação;

- se o despacho recorrido é ilegal e extemporâneo, devendo ser revogado e substituído por outro que permita pagar o remanescente da multa em prestações ou suspender a substituição da pena aplicada, por um período não inferior a um ano.


-

            Passemos ao seu conhecimento.

-

1.ª Questão: da nulidade do despacho recorrido

            O recorrente … invoca a nulidade do despacho recorrido, por falta de fundamentação, porquanto, independentemente da não junção até 25 de junho de 2018 dos documentos que havido protestado juntar, estava obrigado a apreciar a pertinência do pedido formulado pelo arguido, ou seja, o impedimento jurídico à execução da decisão.

Vejamos.

A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art.205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art.32.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental.

Este princípio constitucional é extensivo a todos os ramos do direito, designadamente ao processo criminal.

No dizer do Prof. Germano Marques da Silva o objetivo do dever de fundamentação das decisões judiciais, imposto pelos sistemas democráticos, é permitir “ a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autodisciplina .” [4].

No âmbito deste princípio, o art.97.º, n.º5 do Código de Processo Penal, estabelece, em termos gerais, que « os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.».

É razoavelmente pacífico, na jurisprudência, que a fundamentação das decisões varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias em que ele é praticado.

Cabe ao tribunal, perante cada caso, ajuizar se um destinatário normal, perante o teor do ato e das suas circunstâncias, está em condições de perceber, com critérios de razoabilidade, o motivo pelo qual se decidiu num sentido e não noutro, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.

Se um destinatário normal, perante o teor do ato e das suas circunstâncias, está em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido e não noutro, então a decisão, independentemente de se concordar ou não com ela, então a decisão está fundamentada.

O artigo 118.º do CPP estabelece que «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei» (n.º 1); quando assim não suceder, o ato ilegal é irregular (n.º 2). 

A norma enuncia o princípio da tipicidade ou da legalidade, pelo qual só algumas das violações das normas processuais é que têm como consequência a nulidade do respetivo acto, sendo razões de economia processual e boa fé processual as que baseiam tal diferenciação.

A falta de fundamentação do despacho de conversão da multa não paga em prisão preventiva não é cominada nos artigos 97.º, n.º5 do Código de Processo Penal, 49.º do Código Penal, ou em outro qualquer preceito, com nulidade (absoluta ou relativa), pelo que a mesma constitui uma irregularidade, por força do n.º 2 do art.118.º do mesmo Código.

Nos termos do art.123.º, n.º1, do C.P.P., « Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes, a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado

A arguição deve ter lugar perante o tribunal que cometeu a irregularidade, deste modo lhe possibilitando a respetiva reparação ou, se o não fizer, permitindo ao sujeito processual afetado a interposição do competente recurso ( n.º2).

A questão da falta de fundamentação do despacho recorrido, colocada ao Tribunal da Relação, como as seguintes questões, carece para ser bem compreendida, de ser contextualizada.

Assim sendo, devemos começar por recordar a sequência de atos que deu lugar à decisão recorrida tomada pela 1.ª Instância.

- Por decisão proferida em 11 de maio de 2017, nos termos do art.397.º do Código de Processo Penal, proferida no presente processo sumaríssimo, foi aplicada ao arguido … uma pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €7,00, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.143.º, n.º1, do Código Penal, ou seja, na multa de € 1050,00, e no pagamento de €800,00 ao ofendido …, para reparação dos danos causados;

- Não tendo sido paga a multa no prazo legal, o Ministério Público instaurou execução contra o arguido para cobrança coerciva;

- Não foi possível cobrar coercivamente a multa na execução instaurada por ausência de bens suscetíveis de penhora;

 - Não tendo sido requerida a substituição da multa por trabalho, o Ministério Público promoveu, em 12 de janeiro de 2018, a conversão da multa em prisão subsidiária, nos termos do art.49.º, n.º1 do Código Penal;

- O Ex.mo Juiz, por despacho de 23 de maio de 2018, proferido a folhas 227 verso (Ref.ª (...) ), decidiu:

Fixo a prisão subsidiária em cem dias, art.49.º do C.P.. Na verdade, não foi paga a multa voluntaria ou coercivamente. Notifique. Após trânsito: Boletins ao RC. Emitam-se mandados de detenção e de condução ao estabelecimento prisional.”;

- Notificado o arguido pessoalmente deste despacho, em 9 de junho de 2018, apresentou um requerimento em 15 de junho de 2018, com o seguinte teor:

…, condenado nos autos, vem requerer a junção aos autos, comprovativo de que auto liquidou a quantia de € 300,00 para pagamento parcial da multa em que foi condenado.

O condenado encontra-se desde Junho de 2018 matriculado na embarcação … (protesta juntar comprovativo), pelo que, a informação constante dos autos de execução de que não possui quaisquer bens susceptíveis de penhora para pagamento coercivo da multa, se encontra desactualizada.

O condenado tem a seu cargo urna companheira que é doméstica e tem a seu cargo três filhos menores, de 4, um ano e meio e sete meses de idade.

O condenado não procedeu anteriormente ao pagamento da multa em que foi condenado por ter estado desempregado e de baixa médica (protesta juntar comprovativos), ou seja, o não cumprimento tempestivo do pagamento da multa não lhe é imputável, por não ser culposo.

Em face do supra alegado, o condenado prevê vir a ter condições económicas de proceder ao pagamento da multa em que foi condenado.

Ao abrigo do disposto no artigo 49 n.º 3 do Código Penal, requer que o despacho que antecede seja revogado e substituído por outro suspenda a execução da prisão subsidiária por um período não inferior a um ano, devendo o tribunal determinar as regras de conduta a que o mesmo ficará subordinado durante o período de suspensão, requerendo-se a audição do mesmo ou a elaboração de relatório social para tal efeito.”.

- Em 18 de junho de 2018, o Ministério Público promoveu, que “ Face ao Despacho de fls. 227 v p. que se emitam mandados para cumprimento do remanescente da pena de multa ( 1050€ - 300€ da importância auto liquidada). 

- Em 25 de junho de 2018 foi proferido o despacho recorrido ( Ref.ª (...) ).

Posto isto.

Requerendo o arguido …, em 15 de junho de 2018, a junção aos autos de comprovativo de que auto liquidou a quantia de € 300,00 para pagamento parcial da multa em que foi condenado, protestando juntar documentos comprovativos de que se encontra desde junho de 2018 matriculado na embarcação … e de que não procedeu anteriormente ao pagamento da multa por ter estado desempregado e de baixa médica e requerendo a sua audição ou a elaboração de relatório social para efeito de, nos termos do art.49.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, ser alterado o despacho proferido anteriormente e ser-lhe suspensa a execução da prisão subsidiária subordinada a regras de conduta, não cumpre o dever de fundamentação o despacho ora recorrido quando se limita a indeferir o requerimento com o argumento de o mesmo “não tem qualquer elemento de prova que o suporte”.

Salvo o devido respeito, para além do despacho recorrido ignorar a junção aos autos de comprovativo de que auto liquidou, um destinatário normal não percebe, com critérios de razoabilidade, o motivo pelo qual se decidiu no sentido de indeferir de imediato a suspensão da execução da prisão subsidiária subordinada a regras de conduta, quando o arguido havia protestado juntar aos autos comprovativo do alegado e requerido a sua audição ou a elaboração de relatório social.

Dúvidas não restam assim ao Tribunal da Relação de que o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação.

No entanto, não tendo o ora recorrente … arguido a irregularidade processual tempestivamente, nos termos do art.123.º, n.º1 do Código de Processo Penal, mostra-se a mesma sanada.


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            2.ª Questão: da ilegalidade e extemporaneidade do despacho recorrido.

            O recorrente defende, seguidamente, que o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 47.º, nº 3 e 49.º, n.º 3, ambos do Código Penal, o art.105.º do C.P.P. e o art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que permita pagar o remanescente da multa em prestações ou suspender a substituição da pena aplicada.

Alega para o efeito, no essencial, o seguinte:

- O despacho de 23 de maio de 2018, proferido a folhas 227 verso (Ref.ª (...) ), foi proferido sem que previamente o arguido tivesse sido ouvido presencialmente e quando este não tinha objetivamente condições de proceder ao pagamento da multa em que foi condenado;

- Em 25 de junho de 2018, data em que foi proferido o despacho recorrido, ainda não tinha expirado o prazo para o arguido apresentar os documentos que havia protestado juntar no requerimento de 15 de junho do mesmo ano, pelo que o despacho então proferido é extemporâneo e cerceador dos direitos de defesa do arguido;

- Ao manter o teor da decisão anteriormente proferida, face à liquidação da quantia de € 300,00, ficou o Tribunal a quo obrigado a efetuar uma nova liquidação dos dias de prisão subsidiária a cumprir, pelo que tal não sucedendo, é ilegal o despacho recorrido;

- A partir de 15 de junho de 2018, momento em que o arguido indicou ao Tribunal a quo que tinha começado a trabalhar e qual a sua entidade patronal, existiam elementos novos nos autos que, independentemente de prova adicional, permitiam prever a possibilidade de cobrança coerciva do montante da multa, pelo que a observância deste requisito legal obsta à conversão automática da pena de multa em prisão.

Vejamos, antes do mais, o regime legal que subjaz à presente questão e que o arguido/recorrente entende ter sido violado.

O art.32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa estatui que «O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

Esta norma, tida como «cláusula geral» que permite identificar outras possíveis concretizações judiciais do princípio da defesa não referenciadas no texto constitucional, configura o processo criminal como um due process of law, determinando a ilegitimidade das normas processuais e dos procedimentos dela decorrentes que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.

O art.47.º, n.º 3, do Código Penal, estabelece a propósito da pena de multa, que « Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.».

A respeito da «Conversão da multa não paga em prisão subsidiária» o art.49.º do Código Penal, estabelece, nomeadamente:

«1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º

2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.

3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.

4. (…)»

Por fim, o art.105.º do C.P.P., estabelece, com interesse para a presente questão, no seu n.º 1, o seguinte: «Salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer ato processual.».

A este prazo de 10 dias acrescem três dias úteis seguintes ao termo do mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

Posto isto, importa antes do mais esclarecer que o despacho de 23 de maio de 2018, proferido a folhas 227 verso (Ref.ª (...) ), que ao abrigo do art.49.º do C.P. converteu a pena de 150 dias de multa, em 100 dias de prisão subsidiária, apenas foi notificada ao arguido, pessoalmente, em 9 de junho de 2018, pelo que quando o ora recorrente apresentou o requerimento de 15 de junho de 2018 e foi proferido o despacho ora em recurso, ainda não tinha transitado aquele primeiro despacho.

O Tribunal a quo ao voltar a pronunciar-se sobre a conversão da multa em prisão subsidiária, indeferindo no despacho ora em recurso o requerimento do arguido apresentado em 15 de junho de 2018 e ao determinar que só após o seu trânsito devem ser emitidos mandados de detenção e de condução, com vista ao pagamento do remanescente, substituiu implicitamente, o despacho proferido em 23 de maio de 2018.

É verdade que, como bem anota o recorrente, face ao indeferimento do requerimento do arguido e ao pagamento parcial da multa, deveria o Tribunal a quo ter efetuado uma nova liquidação dos dias de prisão subsidiária a cumprir e não apenas, aceitando implicitamente o pagamento parcial da multa, consignar que os mandados de detenção e de condução são para “pagamento do remanescente”.

Esta omissão, na medida em que o Tribunal a quo não fixou a concreta prisão subsidiária que deveria constar após trânsito do despacho recorrido dos mandados de detenção e de condução do arguido, configura uma violação ao disposto no art.49.º, n.º 1 do Código Penal.

Porém, o despacho recorrido, além de ilegal neste sentido, é ainda extemporâneo, como bem refere o recorrente …, porquanto indeferiu o requerimento apresentado por estre em 15 de junho de 2018 sem esperar pela junção dos documentos que o arguido protestou juntar aos autos para provar os factos que alegou e quando não havia sequer decorrido o prazo legal a que alude o art.105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para o arguido praticar o ato.

Pretendendo o arguido, por requerimento de 15 de junho de 2018, e ao abrigo do disposto no art.49.º, n.º 3 do Código Penal, comprovar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, protestando para o efeito juntar provas e requerendo a sua audição ou a elaboração de relatório social para suspensão da execução da prisão subsidiária com regras de conduta, impunha-se ao Tribunal a quo aguardar o decurso do prazo legal de apresentação das provas, sem prejuízo de averiguar oficiosamente a real situação económica do arguido após junho de 2018, nomeadamente, através de relatório social.

O arguido … veio juntar com o recurso um conjunto de documentos (enumerados de 1 a 6) tendo em vista a comprovação dos factos articulados no requerimento de 15 de junho de 2018 e que constituirão certamente as provas que protestou ali juntar.

Importa recordar que decisão recorrida há-se ser apreciada pelo tribunal de recurso apenas em função dos factos materiais que foram apurados na 1.ª instância e não de prova posteriormente introduzida nos autos.  

Tal resulta, desde logo do tipo de solução dada pelo Código de Processo Penal a respeito do objeto do recurso: se o objeto do recurso é a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, ou se o objeto do recurso é a decisão recorrida.

O nosso sistema processual penal segue a segunda solução e, assim, interessa apenas comparar a decisão recorrida com os dados que o juiz decidente possuía. Mas faz algumas concessões, como acontece com o recurso extraordinário de revisão.

Como assertivamente esclarece o Prof. Germano Marques da Silva, « O considerar a nossa lei que o objeto do recurso é a decisão tem importância prática muito grande. Nomeadamente não é possível juntar nas alegações de recurso ordinário novos elementos de prova que não tiverem sido considerados na decisão recorrida. Novos elementos de prova podem ser relevantes para efeito do recurso extraordinário de revisão, mas não para o recurso ordinário.».[5]

Também neste sentido escrevem os Cons. Simas Santos e Leal Henriques: « O objeto legal dos recursos é, assim, a decisão recorrida e não a questão por esta julgada; com o recurso abre-se somente uma reapreciação dessa decisão, com base na matéria de direito e de facto de que se serviu ou podia servir a decisão impugnada, pré-existente, pois, ao recurso».[6]

Isto para concluir que não compete ao Tribunal de recurso apreciar as provas que o arguido … protestou juntar com o requerimento de 15 de junho de 2018, e veio juntar posteriormente ao despacho recorrido.

É o Tribunal a quo quem, em nova decisão, os deverá apreciar e decidir em conformidade. 

Procede, nestes termos, a presente questão e o recurso interposto pelo arguido.

      Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e revogando o douto despacho recorrido de 25 de junho de 2018 determina-se que o Tribunal a quo, em novo despacho fundamentado, pondere o requerimento de 15 de junho de 2018 face aos documentos que o arguido … juntou aos autos, sem prejuízo de outras diligências a realizar, se as considerar necessárias.

Sem tributação.


*

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                           *

Coimbra,  22 de janeiro de 2019

Orlando Gonçalves (relator)

Alice Santos (adjunta)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4]  Obra citada, pág. 294.  

[5]  Curso de Processo Penal , Vol. III, Verbo, 2.ª edição, pág. 315.    
[6] Recursos em Processo Penal, 3ª ed., pág. 58.