Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2231/11.2T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
ARRENDAMENTO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO
Data do Acordão: 10/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.1031, 1036, 1074 CC, 66, 67 CPC, 26 LOFTJ, 4 ETAF, 212 CRP, DL Nº 197/99 DE 8/7.
Sumário: 1. A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como a configura o autor.

2. É da competência dos tribunais comuns, e não da jurisdição administrativa, a acção em que uma Fundação Pública de Direito Privado, na qualidade de arrendatária, reclama do Município ( senhorio), com quem celebrara um contrato de arrendamento, o pagamento do valor das obras de conservação ordinária que mandou executar no locado, através de procedimento de adjudicação por ajuste directo.

3. A matriz civilista do contrato de arrendamento de onde emerge a obrigação de conservação do locado para o senhorio, em que se baseia o pedido indemnizatório, não se mostra alterada pelo facto desse pedido indemnizatório emergir de despesas com as obras de conservação do locado, realizadas pelo arrendatário ao abrigo do regime legal a que este está sujeito – regulado pelo Dec. Lei 197/99, de 08.07.

Decisão Texto Integral:          Acordam do Tribunal da Relação de Coimbra

         I- Relatório

         1. A A. Universidade de Aveiro, fundação pública de direito privado, com sede no Campus Universitário de Santiago, em Aveiro, intentou a presente acção sob a forma de processo sumário contra o R., Município de Aveiro, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 16.162,62, correspondente ao valor das obras de conservação ordinária por ela executadas no locado pertença do segundo e, ainda, os juros, a apurar, vincendos à taxa legal aplicável sobre o referido montante desde 2011.11.24 e até integral pagamento.

         Para tanto alegou, em síntese que, os Serviços de Acção Social da Universidade de Aveiro foram integrados na Universidade de Aveiro, e, com início em 1981.01.01, aqueles e a Câmara Municipal de Aveiro celebraram um contrato de arrendamento pelo qual o R. deu de arrendamento à A. o 3º Andar dos Blocos I e II do Edifício I, prédio de renda limitada, sito na X..., em Aveiro, do qual é proprietário; o arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, destinando-se o locado exclusivamente a residência universitária, e perdura sem alteração do seu objecto; as partes convencionaram, em tudo o que não estivesse expressamente regulado no contrato, a aplicação das disposições do regime de casas de renda limitada e, no silêncio destas, das disposições do Código Civil; em 1997 e em face da necessidade de se realizarem obras de conservação na Residência de Aradas, os Serviços de Acção Social da Universidade de Aveiro, abriram o competente procedimento concursal para a sua adjudicação - Processo nº 49/AP/97 - Ajuste Directo nº 28/AJ/97 - obras essas que atento o calendário escolar e a necessidade da residência estar apta a receber estudantes antes do início do ano lectivo - Setembro - teriam de ser executadas com alguma celeridade; tais obras consistiram nos trabalhos que descreve no Art. 10º da P.I., as quais, se qualificam como obras de conservação ordinária, pois destinam-se a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração, incumbindo a sua execução ao senhorio; é obrigação do senhorio, o aqui R., assegurar à A. o gozo da casa arrendada para os fins a que se destina, executando para o efeito e sempre que necessário todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário; a execução de obras de conservação tornou-se urgente, em face da sua premência e da necessidade de as mesmas estarem concluídas antes do início do ano lectivo e só poderem ser executadas no período em que a Residência se encontrava encerrada: durante as férias lectivas do Verão; os Serviços de Acção Social da A. em consequência do já referido procedimento concursal (Proc. n 49/AP/97 - Ajuste Directo nº 28/AJ/97), adjudicaram os mencionados trabalhos de conservação, no valor de 2.769.000$00/€ 13811,71, acrescidos de IVA à taxa legal de 17%, então em vigor (470.815$00/€2.348,41), no total de 3.240.315$00/€16.162,62, com conhecimento do R.; este não ignora a realização destas obras de conservação, nem que a A. pretende ver-se ressarcida do seu custo, como resulta das reclamações que em Junho de 1999, através do Ofício nº 2857 e subsequentemente em Setembro de 2000, através do Ofício nº 4988 a A. fez junto daquele para o pagamento do referido montante, tendo o R. respondido que já tinha oficiado aos Serviços da CMA para avaliarem o montante das obras, para dar seguimento ao ressarcimento das despesas de conservação realizadas; apesar de tal resposta o A. nada fez para proceder ao pagamento das obras em causa nos presentes autos, apesar da reclamações que para esse efeito a A. repetiu em 2009, em 2010 e em 2011, não tendo até à presente data, o R. efectuado o pagamento do valor reclamado pela A.

         2. Regularmente citado o R. contestou, aceitando a celebração do contrato de arrendamento entre o mesmo e a A. por esta invocado e a reclamação que por esta lhe foi feita referente ao pagamento das obras efectuadas no locado, impugnando, no mais, o alegado pela A., mormente aduzindo que não foi informado nem da necessidade de execução de obras ( estas ou outras ) nem da sua urgência, pelo que a A. violou os deveres de vigilância do estado de conservação do local arrendado e de informar o senhorio para este proceder ao seu exame e às reparações que sendo necessárias sejam da sua responsabilidade, pelo que reputa tais obras de ilegitimamente realizadas pelo A., não se reconhecendo por isso devedor das mesmas, para além de que alega que tais obras não consubstanciam obras de conservação ordinária, mas apenas obras de beneficiação feitas por livre recreação da A., questionando, ainda, no caso de se verificarem os demais requisitos da obrigação de suportar o custo das mesmas se não existirá por parte da A. abuso de direito, tendo em conta o valor do custo dessas obras e o valor das rendas do locado pagas pela A.

         Termina o R. pugnando pela improcedência da acção, e, em consequência, pela sua absolvição do pedido.

         3. Em sede de resposta a A. mantém que as obras em causa nos autos se tratam de obras de conservação do locado, e, quanto ao abuso de direito invocado pelo R., que este não se verifica porquanto o exercício do direito pela A. não exorbita manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, aduzindo que para esse efeito o R. não pode pretender contabilizar somente parte das rendas recebidas, antes devendo contabilizar a totalidade das mesmas.

         Termina a A. concluindo pela improcedência das excepções e pela procedência da acção.

         4. No despacho saneador elaborado nos autos veio a ser decidida a absolvição do R. da instância por considerada verificada a excepção dilatória de incompetência material do Juízo de Média Instância e Pequena Instância Cível, sediado em Aveiro, da Comarca do Baixo Vouga para conhecer do mérito dos presentes autos.

         5. Inconformada com o assim decidido, recorreu a A., vindo o seu recurso de apelação a ser admitido, no qual a recorrente apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:

         - A decisão de absolvição do Réu da instância foi proferida pelo tribunal a quo, com base num pressuposto errado: o de que a causa de pedir, nos presentes autos, tal como foi configurada pela autora decorre de relação jurídica reportada a um contrato de prestação de serviços celebrado ao abrigo do procedimento administrativo pré-contratual - na modalidade de ajuste directo - regulado pelo Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Julho. Tal contrato encontra-se, por conseguinte sujeito ao regime da contratação pública, relativa à aquisição de bens móveis e serviços, previsto no mencionado diploma legal.

         - Pelo contrário, a causa de pedir nos presentes autos advém de relação jurídica contratual: arrendamento e da necessidade de, no âmbito das obrigações daquela decorrentes, serem executadas obras de conservação ordinária no locado.

         - Por entender dever ser ressarcida do valor despendido na execução das obras de conservação, que competiam ao Município de Aveiro, a Recorrente reclamou o respectivo pagamento, invocando para o efeito a relação contratual e as disposições legais que, na sua tese, consubstanciam o pedido que formulou;

         - O regime a que legalmente a Recorrente está obrigada para a realização da despesa com as obras de conservação do locado, em nada altera a matriz civilista do contrato de arrendamento de onde emerge a obrigação de conservação para o senhorio;

         - Não se aprecia nos presentes autos a validade do procedimento pré-contratual (Art. 4º, nº 1, al. e) do ETAF), a que, aliás, o Réu é totalmente alheio;

         - Não se aprecia, igualmente, nos presentes autos, a interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público (Art. 4º, nº 1, al. e) do ETAF).

         - A ser assim, que não o é, o Município de Aveiro seria sempre parte ilegítima, pois não foi com ele que a Recorrente contratou a execução das obras, como resultado de um procedimento pré-contratual público.

         - Não é a relação contratual jurídico-administrativa - decorrente de procedimento de procedimento contratual público - que se submeteu à apreciação do tribunal.

         - Ao contrário do que invoca o tribunal a quo, a apreciação da presente causa cabe aos tribunais judiciais e não aos Tribunais Administrativos (Arts. 66º e 67º do CPC, Art. 26º da LOFTJ), em cuja jurisdição administrativa compete “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas” - Cfr. Art. 212º, nº 3, da CRP e Arts 1º e 4º do ETAF e Art. 2º, nº 2, al. a) do CPTA.

         - Não se verifica a excepção dilatória da incompetência material do tribunal a quo, sendo os tribunais judiciais os competentes para apreciar e decidir a questão controvertida que lhes foi submetida, por meio de acção judicial.

        

         6. Não foram apresentadas contra-alegações.

        

         7. Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.


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II- II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), é a seguinte a questão a decidir: saber qual a causa de pedir subjacente ao pedido formulado nos autos pela A. contra a R., e se, em face da razão da matéria, é ou não da competência dos tribunais judiciais o julgamento da presente causa.


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         III- Fundamentação

         A) De facto

Com relevo para a apreciação da questão submetida a este tribunal por via recursiva, baseou o Tribunal da 1ª instância a decisão recorrida nas, assim, sintetizadas seguintes considerações:

         - No caso em apreciação, a autora reclama do réu o pagamento das obras de conservação que levou a cabo no local arrendado, na sequência do competente procedimento concursal de ajuste directo;

         - Como assim, a causa de pedir, nos presentes autos, tal como foi configurada pela autora decorre de relação jurídica reportada a um contrato de prestação de serviços celebrado ao abrigo do procedimento administrativo pré-contratual – na modalidade de ajuste directo – regulado pelo Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Julho. Tal contrato encontra-se, por conseguinte sujeito ao regime da contratação pública, relativa à aquisição de bens móveis e serviços, previsto no mencionado diploma legal.

         - Nos termos da al. e), do nº 1, do artigo 4º do E.T.A.F. compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, a apreciação dos litígios que tenham por objecto as “questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público”.

         - Atentos os argumentos acima expendidos, ter-se-á de concluir pela incompetência material deste Juízo de Média e Pequena Instância cível, sediado em Aveiro, da Comarca do Baixo Vouga.

         - A infracção das regras de competência do tribunal, em razão da matéria, determina a incompetência absoluta do mesmo (artigo 101º do Código de Processo Civil), que configura uma excepção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa ( cfr. artigos 493º, números 1 e 2 e 494º, alínea a), ambos do Código de Processo Civil).

         - Esta incompetência é de conhecimento oficioso, nos termos dispostos no artigo 495º do Código de Processo Civil, pode ser suscitada, em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (cfr. artigo 102º, nº 1, do Código de Processo Civil), sendo a consequência desta infracção a absolvição do réu da instância, tal como se estatui a alínea a), do nº 1, do artigo 288º, do Código de Processo Civil.

         - Pelo que, julgando verificada a excepção dilatória de incompetência material do Juízo de Média e Pequena Instância cível, sediado em Aveiro, da Comarca do Baixo Vouga, para conhecer do mérito dos presentes autos se absolveu o réu, Município de Aveiro, da instância, nos termos dos artigos 66º, 67º, 101º, 102, nº 1, 288º, nº 1, alínea a), 493º, números 1 e 2, 494º, nº 1, alínea a), 495º, 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e 4º, alínea e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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         B) De Direito

         Perscrutando as conclusões do recurso em apreciação a única questão que importa decidir é a de saber se em face da causa de pedir subjacente ao pedido formulado nos autos pela A. contra o R., é ou não, em razão da matéria, o julgamento dos presentes autos da competência dos tribunais judiciais.

         Preceitua-se no Art. 66º do C.P.C. que “ São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional “.

         E, no Art. 67º do mesmo diploma legal que “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada”.

         A competência material do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca.

          Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Vol.1º, pag. 88, acerca do critério aferidor da competência material, ensina:

“São vários esses elementos também chamados índices de competência (Calamandrei). Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção – seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjacentes (identidade das partes ). A competência do tribunal – ensina Redenti (vol. I, pág. 265), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes”.

         De acordo com os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, pag. 375, causa de pedir “é o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar”.

         A causa de pedir releva para efeitos de determinação da competência material do tribunal.

         Também Mariana França Monteiro, in A Causa de Pedir na Acção Declarativa, págs., 507/508, escreve “ Para efeitos de competência, a causa de pedir deve ser identificada com os factos jurídicos alegados pelo autor que, analisados na lógica jurídica da petição inicial, permitam a aplicação de uma norma de competência. Isto significa que a estrutura de causalidade entre causa de pedir e pedido que o autor estabelece na petição inicial, ou no conjunto dos seus articulados, é suficiente, é o contexto, o enquadramento da relação jurídica alegada e, em consequência, da aplicação das normas de competência. A causa de pedir encontra-se, assim, nos factos jurídicos alegados pelo autor que, na sua lógica, permitem o isolamento da relação jurídica necessária para a aplicação da norma de competência. Para efeitos do princípio da causalidade, assumindo-se os factos jurídicos alegados para efeitos de competência em geral, a causa de pedir integrará qualquer um, de entre estes factos, que permitem a qualificação da relação jurídica […]. A causa de pedir na cumulação inicial identifica-se com a norma que os factos alegados e o efeito jurídico pedido permitem preencher numa relação de causa-efeito. A causa de pedir é, assim, a norma alegada pelo autor, aquela que, na sua perspectiva, permite que os factos alegados produzam o efeito jurídico pedido. Se a norma é apenas uma, a causa de pedir será uma. Se são várias, haverá pluralidade de causas de pedir e, em consequência, cumulação”.

         Como critério aferidor da competência do tribunal em razão da matéria, a decisão recorrida estribou-se no facto de através da presente acção a autora reclamar do réu o pagamento das obras de conservação que levou a cabo no local arrendado, na sequência do competente procedimento concursal de ajuste directo, para concluir, como concluiu, que a causa de pedir nos presentes autos, tal como foi configurada pela autora decorre de relação jurídica reportada a um contrato de prestação de serviços celebrado ao abrigo do procedimento administrativo pré-contratual – na modalidade de ajuste directo – regulado pelo Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Julho, contrato esse que, por conseguinte, se encontra sujeito ao regime da contratação pública, relativa à aquisição de bens móveis e serviços, previsto no mencionado diploma legal.

         Sendo comummente aceite conforme se deixou já exposto e assim também entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais ( de que é exemplo, entre muitos outros, o Ac. do STJ de 20/05/98, in BMJ 477, pag. 389 ) que a competência do tribunal afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como a configura o autor, somos levados a discordar do tribunal a quo quando este sustenta a decisão recorrida no facto da causa de pedir nos presentes autos decorrer de relação jurídica reportada a um contrato de prestação de serviços celebrado ao abrigo do procedimento administrativo pré-contratual – na modalidade de ajuste directo – regulado pelo Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Julho, contrato esse que se encontra sujeito ao regime da contratação pública, relativa à aquisição de bens móveis e serviços, previsto no mencionado diploma legal.

         Efectivamente, como bem defende a recorrente nas suas alegações de recurso, a causa de pedir nos presentes autos advém de uma relação jurídica contratual, concretamente, de arrendamento, e da necessidade de, no âmbito das obrigações decorrentes dessa relação jurídica contratual, terem sido executadas pelo locatário e a expensas deste obras de conservação ordinária no locado, cuja responsabilidade imputa ao senhorio, de quem, por isso, reclama o custo das mesmas, com base no disposto nos Arts. 16º e 17º do RAU, com as necessárias adaptações atento o facto de o senhorio ser, aqui, a própria entidade administrativa e do actualmente disposto nos Arts. 1031º, al. b), 1036º e 1074º, nº 1 do CC.

         Sendo esse contrato de arrendamento celebrado entre a A. e o R. que sustenta o pedido formulado nos autos pela primeira contra o segundo, falece o pressuposto para a aplicação do artigo 4.º, n.º 1, al. e) do ETAF, invocado na decisão recorrida, uma vez que não estamos em face de questões relativas à validade de actos pré-contratuais ou à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.

         Com efeito, o regime a que a legalmente a Autora, por via dos respectivos Serviços de Acção Social, está obrigada para a realização da despesa com as obras de conservação do locado, e que a mesma alega ter observado para a realização das obras no locado pertença do réu ( na modalidade de ajuste directo – regulado pelo Dec. Lei 197/99, de 08.07 -  conforme refere nos Arts. 8º e 14º da P.I. ) cujo custo suportou e do qual pretende agora ser ressarcida pelo réu, em nada altera a matriz civilista do contrato de arrendamento de onde emerge a obrigação de conservação do locado para o senhorio, pois, não se aprecia nos presentes autos a validade do referido procedimento pré-contratual (Art. 4º, nº 1, al. e) do ETAF), mas apenas e só  a obrigação de conservação do locado que impende sobre o senhorio ora réu.

            Consequentemente, tem de proceder o presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, atribuindo-se a competência para a tramitação dos presentes autos ao Tribunal a quo.


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         III- Sumário ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

         1. A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como a configura o autor.

         2. A matriz civilista do contrato de arrendamento de onde emerge a obrigação de conservação do locado para o senhorio em que se baseia o pedido indemnizatório deduzido nos autos não se mostra alterada pelo facto  desse pedido indemnizatório emergir de despesas com as obras de conservação do locado realizadas pelo arrendatário ao abrigo do regime legal a que este está sujeito – regulado pelo Dec. Lei 197/99, de 08.07.


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         IV- Decisão

         Nestes termos decide-se julgar procedente a apelação deduzida, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que atribui a competência para o conhecimento e decisão destes autos ao Tribunal a quo, onde deverá prosseguir a ulterior tramitação dos autos.

         Custas pela apelante.

         Maria José Guerra ( Relatora)

         Albertina Pedroso

         Virgílio Mateus