Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1354/10.6TXCBR-J.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
Data do Acordão: 12/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 61º, DO C. PENAL E 146º, N.º 1, DO CEPMPL (CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE)
Sumário: O regime de liberdade condicional, em face dos pressupostos de que depende, excepcionando evidentemente a obrigatória aos cinco sextos da pena, se o condenado nisso consentir, tem carácter excepcional.
E maior será o grau de exigência para a sua concessão quando está em causa uma modificação substancial da condenação consistente no encurtamento da pena como ocorre em relação a penas superiores a dez anos de prisão (cfr. art.º 61º, n.º 5, do C. Penal).
Bem se compreende que assim seja porque a pena já é fixada tendo em consideração as molduras legais cabíveis aos crimes em função da sua gravidade e cujo quantum concreto é determinado tendo em consideração as exigências concretas de prevenção.
Deverá apenas ter lugar nas situações excepcionais em que se revele patentemente que o condenado está apto a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes a que acresce, no caso da concessão atingida que seja metade da pena, o requisito de que a defesa da ordem e da paz pública não sejam postas em causa.

O CEPMPL não só não qualifica de sentença a decisão em causa como não exige fundamentação tão exaustiva como a prevista no art.º 374º, n.º 2, do C. Proc. Penal.
Antes essas exigências de fundamentação têm inteira coincidência com as previstas no art.º 97º, n.º 5, do C. Proc. Penal, para os actos decisórios que não sejam sentenças (cfr. art.º 146º, n.º 1, do CEPMPL).
Decisão Texto Integral: O recluso A..., melhor identificado nos autos, foi condenado no processo comum colectivo 38/99 do Tribunal Judicial de Vila Flor, em cúmulo jurídico, na pena de 24 anos de prisão, pela autoria de crimes de homicídio qualificado, roubo, falsificação de documento e ocultação de cadáver.
O cumprimento da pena teve-se por iniciado em 3.11.1998, data da detenção, seguida de prisão preventiva, tendo atingido o meio da pena em 3.11.2010.
Apreciada a situação prisional do recluso decorrido o cumprimento de metade da pena, foi-lhe negada a liberdade condicional.
Renovada a apreciação da concessão da liberdade condicional nos termos do artigo 180º, nº 1 do CEPMPL, foi a mesma negada.

Inconformado com a decisão que não lhe concedeu a liberdade condicional, dela recorreu o recluso, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
1.°
Na decisão proferida e de que agora se recorre, é feita referência, essencialmente ao facto da gravidade dos crimes cometidos, pela sua natureza e pelo ilícito global perpetrado, que revelam que o condenado é pessoa influenciável e imatura e ainda o facto de, os crimes em apreço serem geradores de alarme social pelo sentimento de insegurança que criam para as pessoas em geral.
Acrescentando, que para além das acentuadas exigências de prevenção especial que resultam da personalidade evidenciada pelo arguido, face aos crimes cometidos, designadamente pela sua gravidade e pela "justificação" que adianta para os seus actos, parece-nos que até que colide o seu percurso nos aspectos em referência, não se poderá afirmar que esteja preparado para se reintegrar na sociedade, além de que, a sua libertação nesta fase de execução da pena não se revelaria compatível, com a defesa da ordem e da paz social, nem com as finalidades das penas.
2.°
Resulta sem mais de todo o processado, que foi nesse ângulo de visão, aliás arbitrário e imotivável que o Meritíssimo Senhor Juiz assentou a decisão ora objecto de recurso.
Imotivável já que da decisão proferida em sede de motivação e explanação de motivos, não foram como aliás o deveriam ter sido, enumerados os factos ou motivos que justificassem a recorrida decisão e muito menos foi dado suporte factual probatório à recorrida decisão.
Não basta aferirmos motivos gerais e generalistas, sem qualquer explanação fáctica dos mesmos.
Temos assim que, para além do mais, a falta de fundamentação da decisão, comporta ou importa se assim se preferir a nulidade da mesma por violação da disposição decorrente da norma do artigo 379.°, n.º 1, alínea a), com referência ao n.º 2, do artigo 374.°, ambos do Código de Processo Penal, mostrando-se igualmente violada a norma do artigo 61.°, n.? 2, alínea a), do Código Penal Português.
3.°
Na decisão proferida e de que agora se recorre, é feita referência, ainda que muito leve, ao trajecto pessoal e prisional do recluso e ás condições objectivas existentes em meio livre, acrescentando-se ainda verificarem-se condições favoráveis à concessão da liberdade condicional.
4.°
É um recluso que se encontra privado da liberdade desde 03/11/1998 e, desde 1999 que iniciou actividade laboral na marcenaria, passou depois por tarefas na biblioteca, na cantina do Estabelecimento Prisional, presta serviço na Capela do estabelecimento Prisional, tendo sempre demonstrado interesse e dedicação pelo trabalho.
5.°
É um recluso que concluiu o 12.° ano de escolaridade com sucesso.
6.°
Além disto, integra o grupo de teatro, tendo colaborado com várias iniciativas promovidas pela biblioteca, sempre com motivação e intuito e, integra ainda os torneios internos e externos de ténis de mesa.
7.°
O mesmo beneficia de saídas precárias desde Julho de 2007 e encontra-se colocado em regime aberto no interior desde Fevereiro de 2007, sendo que as saídas jurisdicionais têm sido gozadas sem qualquer registo de incidentes. Durante as mesmas foi cumpridor das normas e condutas a que estava obrigado, merecendo a confiança de quem lha concedeu.
8.°
O Recluso pretende regressar a França, onde poderá integrar o agregado familiar, que está pronto a recebê-­lo, dando-lhe total e completo apoio, e retomar actividade laboral. Tendo, inclusive, apresentado promessa de emprego.
O mesmo recluso, com vista á sua ressocialização (principio primordial do Direito Penal), procurou arranjar ocupação laboral, um emprego certo e seguro que lhe permite fazer face às suas despesas e levar uma vida digna quando sair e, para tal, arranjou um empregador, sendo a declaração do mesmo junta ao processo gracioso de concessão da liberdade condicional.
9.°
É um recluso que sempre procurou encontrar um caminho para a sua integração na sociedade, tendo vindo a fazer um trajecto favorável nesse sentido.
O recluso tem um apoio familiar e dos amigos constante, tal apoio é demonstrado quer nas visitas ao Estabelecimento Prisional, quer no acompanhamento e conforto que todos lhe deram e darão nas saídas precárias.
Todos estão do seu lado, procurando que o mesmo se reintegre na sociedade e apoiando-o no caminho que o mesmo quer seguir.
10.°
É verdade que o mesmo tem duas infracções disciplinares, mas que, de forma alguma, mancham o percurso exemplar que o mesmo tem vindo a percorrer desde que se encontra em cumprimento de pena de prisão.
O Condenado, ora recorrente, encontra-se detido em cumprimento de uma elevada pena de prisão, no entanto, chegou ao dia de hoje com um comportamento quase irrepreensível, uma vez que apesar de apresentar dois incidentes disciplinares, o mesmo sempre trabalhou e demonstrou uma evolução positiva da assimilação do seu comportamento passado, mas sempre com vista a uma integração no meio prisional e a uma preparação para a ressocialização e reintegração no meio social.
11.°
Ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Senhor juiz a quo interpretou de forma manifestamente errada a norma do artigo 61.°, n.º 3, por referência à alínea a) do n.º 2, do Código Penal Português, já que não detém o Senhor Juiz quaisquer elementos que o levassem a proferir tal decisão e assim, impunha-se decisão diversa. Tal e tanto importa a revogação da douta decisão e a sua substituição por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente.
12.°
Ao decidir como decidiu, não fundamentando como não fundamentou a douta decisão que nega a concessão da liberdade condicional ao recorrente, o Senhor Juiz a quo interpretou de forma manifestamente errada a norma do artigo 374.°, n.º 2 do Código de Processo Penal, posto que estava por esta norma obrigado a justificar as razões de facto e de direito da douta decisão, tal e tanto importa a nulidade da douta decisão recorrida nos termos do disposto no artigo 379.°, n.º 1 alínea a) daquele mesmo Código de Processo Penal Português, nulidade essa que aqui se tem por arguida.
13.°
Ao decidir como decidiu o Meritíssimo Senhor Juiz, interpretou de forma manifestamente errada as normas Constitucionais dos princípios da adequação, da proporcionalidade e da necessidade que assim se mostram violados, tal e tanto implica a revogação da douta decisão e a sua substituição por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente.
Termos em que, Vossas Excelências Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, ao receberem o presente recurso por legal, admissível, tempestivo e procedente, revogando a douta decisão ora recorrida e substituindo-a por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente, farão como sempre inteira e merecida justiça!

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu, concluindo o seguinte:
1- A decisão recorrida não está inquinada de qualquer VICIO processual e, nomeadamente, da nulidade cominada no artigo 379°, n.º 1, al. a), do CPP.
2- Essa decisão mostra-se coerente e fundamentada e, havendo apreciado, os requisitos formais e materiais da concessão da liberdade condicional, recusou, por não suficientemente verificados os últimos, colocar o recluso nesse regime.
3- Trata-se de decisão que apreciou toda a factual idade demonstrada e atendível e, daí decorrente, concluiu, fundadamente, pela subsistência de elevadas exigências de prevenção geral e especial que obstam à libertação antecipada e condicional.
4- O assim decidido não atenta contra qualquer principio constitucional ou preceito da Lei Fundamental ou ordinária e, sem deixar de ter em linha de conta o princípio orientador da execução da pena, previsto no artigo 42°, do Código Penal, faz correcta interpretação e aplicação do disposto no artigo 61°, n.º 2, e desse mesmo Código.
Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, decidindo pela improcedência do recurso e, em consequência, confirmando a decisão recorrida, será feita Justiça.

Admitido o recurso, foram os autos remetidos a esta Relação.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo ocorrido réplica.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da Decisão Recorrida
A decisão recorrida é do seguinte teor que se transcreve:
I - Relatório
Os presentes autos foram instruídos para apreciação renovada nos termos do art. 180.°, nº 1, do C.E.P.M.P.L. da concessão de liberdade condicional ao condenado A..., operário da reciclagem de lixo, nascido em 08-10-1970, com demais sinais nos autos.
Juntos aos autos os relatórios exigidos pelo art. 173.°, nº 1, als a) e b), do C.E.P.M.P.L. e reunido o Conselho Técnico do E.P. de Coimbra (art. 175.°, do cit dip) este emitiu parecer desfavorável por unanimidade, conforme consta da respectiva acta (fls. 122).
O condenado, ouvido (art. 176.°, do mesmo Código), prestou consentimento à eventual concessão da liberdade condicional, declarando que, nesse caso, poderá contar com o apoio dos pais e de uma irmã, psicóloga, residentes em França, bem como das restantes irmãs; apresentou ainda uma promessa de emprego. No tocante aos crimes que cometeu, disse que se "deixou levar" pelo co-­arguido no processo, pois nem sequer conhecia a vítima. Diz-se arrependido, sentindo agora, vontade de se dedicar ao voluntariado (fls. 123).

O Ministério Público emitiu nos autos parecer desfavorável (art 177.°, nº 1, do cit dip), à concessão de liberdade condicional (fls. 124-126), em síntese, por considerar que muito embora se registe a verificação de algumas condições favoráveis à liberdade condicional, constata-se que o recluso ainda não aderiu, sem reservas, ao profundo desvalor da sua conduta e, sem isso, não poderá estar genuinamente arrependido e dar "garantias" de comportamento socialmente responsável para o futuro; além disso, trata-se, como o próprio o reconhece, de pessoa influenciável e, à data dos factos, imatura; essa imaturidade parece ainda subsistir, como deflui da infracção disciplinar de há alguns meses e que lhe custou a perda do RAI e a transferência da Ala "e", Mantêm-se assim, no seu entendimento as exigências de prevenção especial, o que não permite, razoavelmente, formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que, se colocado em liberdade condicional, o recluso passasse a conduzir a sua vida de modo responsável. Além disso, há exigências de prevenção geral que, perante a natureza e a gravidade do crime e a forma cruel como foi executado, não deixam de ser intensas.

II·- Saneamento
O Tribunal é competente.
Inexistem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento de mérito.

III- Fundamentação
1-De Facto
1- A... está a cumprir uma pena única de 24 (vinte e quatro) anos de prisão, aplicada em cúmulo jurídico das penas parcelares operado no Processo Comum Colectivo n.º 38/99 - do Tribunal Judicial de Vila Flor, pela prática, em co-autoria, de crimes de roubo, falsificação de documento, homicídio qualificado e de ocultação de cadáver;
2- encontrando-se ininterruptamente privado de liberdade, à ordem desses autos desde 03-11-1998 (em detenção e, subsequentemente, em prisão preventiva e em cumprimento de pena), o recluso atingiu o cumprimento do meio (1/2) dessa pena, no dia 03-11-2010; estando calculados para 03-11-2014, para 03-11-2018 e para 03-11-2022, respectivamente, os 2/3, os 5/6 e o termo do cumprimento dessa pena;
3- assume os crimes que praticou, justificando o facto pela sua imaturidade e por ter sido influenciável e "permeável às companhias menos recomendáveis";
4- diz-se arrependido, parecendo intimidado pelos actos praticados;
5- no estabelecimento prisional de Coimbra sofreu duas punições, uma em 2005 por comportamento incorrecto, outra em 2011 por posse de objectos e valores proibidos;
6- em Dezembro de 1999 iniciou actividade laboral no sector da marcenaria, onde sofreu acidente de trabalho em Março de 2000 que o incapacitou durante um ano;
7- após o que desenvolveu tarefas laborais na biblioteca, na cantina dos reclusos, mostrando interesse e dedicação pelo trabalho; presta apoio na Capela do estabelecimento Prisional;
8- actualmente aguarda colocação laboral;
9- no ano lectivo de 2007-2008 conclui o 12° ano de escolaridade com sucesso;
10- fez parte do grupo de teatro e colaborou nas iniciativas promovidas pela biblioteca com motivação; integra os torneios internos e externos de ténis de mesa;
11- está colocado em regime aberto no interior desde 11-02-2007; beneficia de saídas jurisdicionais desde Julho de 2007, que tem gozado em casa de uma tia paterna, sem registo de incidentes;
12- por ter cometido uma infracção disciplinar com consequente incumprimento dos deveres a que estava obrigado, o recluso foi excluído da al"C" de respeito que integrava desde 2009, tendo cessado o RAI;
13- mantém pretensão de voltar para França, integrando agregado familiar de origem e retomando a actividade profissional que antes exercia;
14-os pais apoiam-no neste seu projecto e anseiam pela sua colocação em liberdade condicional, na sua residência, em França;
15- apresentou promessa de emprego na área da construção civil;
16- enquanto não tiver rendimentos próprios, será apoiado pelos pais que vivem das reformas, num total de €1.500,OO o que os obrigará a uma gestão cuidada;
17- à data dos factos era primário;
18- declarou consentir na liberdade condicional.

2- Motivação
Os factos apurados resultam do teor da decisão condenatória, do CRC, dos relatórios (da DGRS e dos Serviços de Educação e Ensino) e bem assim do teor das declarações do próprio arguido prestadas no Conselho Técnico realizado; a declaração de promessa de emprego. A conjugação de todos estes elementos probatórios foi suficiente para a formação da convicção alcançada.

IV-·Direito
Em causa uma renovação da instância, numa fase em que a liberdade condicional, dita facultativa, depende de pressupostos formais e materiais (arts 61º e 63° do Código Penal).
Assim, constituem pressupostos formais:
a) O consentimento do condenado (art 61.°, nº 1, do C.Penal);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (art 61.°, nº 2 e 63.°, nº 2, ambos do C.Penal);
c) O cumprimento de ½ da pena de prisão (ou da soma das penas de prisão) que se encontram a ser executadas (art 61.°, nº 2 e 63.°, nº 2, do C.Penal).
Além disso, constituem pressupostos de natureza material:
C a) o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (art 61.°, nº 2, al a) do C.Penal);
b) o juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), dito de outro modo, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social (art 61.onº 2, al b) do C.Penal).
No presente caso, ultrapassado o meio da pena, tendo o condenado prestado o seu consentimento, consideram-se verificados os pressupostos formais.
Posto isto; cumpre apreciar se será então possível formular um JUIZO de prognose favorável, ajustado á "finalidade especifica de prevenção especial positiva ou de socialização" (art. 61.°, nº 2, do C.Penal) no sentido de poder afirmar que "seja fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes" e que a libertação se revela compatível com a defesa da ordem e da paz social'.
Dito de outro modo, verificados os requisitos formais, a concessão da liberdade condicional decorrerá de um favorável juízo de prognose, quando for razoável concluir pela satisfação das finalidades preventivas da pena (prevenção especial de socialização e prevenção geral de integração).
Para o efeito importará antes de mais:
-sopesar a natureza e a gravidade do crime praticado e o seu reflexo na comunidade;
-avaliar a personalidade do arguido face aos crimes perpetrados.
No presente caso, a tipologia, pluralidade e gravidade dos crimes cometidos, pela sua natureza e pelo ilícito global perpetrado, revelam que o condenado, conforme o próprio reconhece, é uma pessoa influenciável e, à data imatura. Imaturidade esta que não parece ter ultrapassado a aferir pelo facto de ter praticado infracção disciplinar que o levou a retroceder no processo evolutivo, denotando incapacidade de resistir a tal tentação.
Os crimes em apreço, (mormente o de homicídio, pela forma violenta como foi cometido) são geradores de alarme social pelo sentimento de insegurança que criam para as pessoas em geral, independentemente de o condenado ser ou não conhecido no meio social para onde pretende reorganizar a sua vida.
Conclui-se assim, que não obstante a verificação de algumas condições favoráveis à liberdade condicional - o apoio familiar, a sua valorização em termos escolares, o empenho ao nível laboral e a perspectiva de emprego que apresenta (certo sendo que a declaração junta aos autos, redigida em língua francesa, é de teor idêntico à anterior que havia apresentado) - o seu discurso de auto-critica revela-se frágil face aos seus traços de personalidade marcada ainda por alguma imaturidade que o levou a retroceder no percurso institucional registado, com a prática da referida infracção.
Consequentemente, para além das acentuadas exigências de prevenção especial que resultam da personalidade evidenciada pelo arguido, face aos crimes cometidos, designadamente pela sua gravidade e pela "justificação" que adianta para os seus actos, parece-nos que até que consolide o seu percurso nos aspectos em referência, não se poderá, afirmar que esteja preparado para se reintegrar na sociedade, além de que, a sua libertação nesta fase de execução da pena não se revelaria compatível, com a defesa da ordem e da paz social, nem com as finalidades das penas.

V- Decisão
Por todo o exposto, decide-se não conceder ao condenado A... a liberdade condicional.
Notifique e comunique ao E.P. e à DGRS e ao processo da condenação.
Renovação da instância, pela data em que poderia ter ocorrido, nos termos previstos no artigo 180.°, n.º 1, do C.E.P.M.P.L - 10-02-2013 - cumprindo-se oportunamente o disposto no artigo 173.°, do mesmo Código.
***
III. Apreciação do Recurso
Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal).
Vistas as conclusões do recurso, cumpre equacionar o seguinte:
Se a decisão recorrida é nula;
Se se encontram verificados os pressupostos de concessão da liberdade condicional.

Da alegada nulidade da decisão recorrida
O recorrente alega que na decisão proferida em sede de motivação e explanação de motivos, não foram enumerados os factos ou motivos que a justificassem e muito menos lhe foi dado suporte factual probatório, não bastando aferirmos motivos gerais e generalistas, sem qualquer explanação fáctica dos mesmos. Temos assim que, para além do mais, a falta de fundamentação da decisão importa a nulidade da mesma por violação da disposição decorrente da norma do artigo 379.°, n.º 1, alínea a), com referência ao n.º 2, do artigo 374.°, ambos do Código de Processo Penal.

Estando em causa recurso de decisão sobre concessão de liberdade condicional haverá que ter presente o disposto no artigo 179º nº 1 do CEPMPL no sentido de que "o recurso é limitado à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional".
Sempre diremos que a mencionada limitação legal do objecto do recurso não pode considerar-se extensível a nulidades que sejam do conhecimento oficioso; as não sanáveis através de falta de arguição no tempo prescrito.
Sobre a fundamentação das decisões judiciais o CEPMPL contém disposição específica. O artigo 146º, nº 1 desse diploma estatui que os actos decisórios do juiz de execução de penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito. O Código de Processo Penal e o seu artigo 374º que versa sobre os requisitos da sentença apenas seriam aplicáveis na falta de previsão própria, como se estipula no artigo 154º daquele diploma.
Já o mesmo diploma não contém previsão sobre as consequências da inobservância de tais exigências de fundamentação, devendo ser aplicável o disposto no Código de Processo Penal.
Mas o Código de Processo Penal no seu artigo 379º, nº 1 apenas comina de nula a sentença que não contenha os requisitos do artigo 374º, nº 2. O CEPMPL não só não qualifica de sentença a decisão em causa como não exige fundamentação tão exaustiva como a prevista no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal. Antes essas exigências de fundamentação tem inteira coincidência com as previstas no artigo 97º, nº 5 do Código de Processo Penal para os actos decisórios que não sejam sentenças.
Logo, a consequência para a apontada falta de fundamentação apenas se pode buscar no disposto no artigo 118º do Código de Processo Penal e não no seu artigo 379º, desse normativo resultando que se trata de uma irregularidade; vício de que padece o acto que não observe disposição processual para o qual a lei não cominar nulidade (cfr. artigo 118º).
Como resulta do disposto no artigo 123º a invocada irregularidade deveria ser suscitada no prazo de três dias e, não o tendo sido, ficou sanada. Acresce a limitação temática do recurso que acima se mencionou e que impediria em qualquer caso o seu conhecimento nesta instância.
Sempre se dirá, porém, ser manifesto que a decisão recorrida contem fundamentos de facto e de direito, estando, aliás, os seus fundamentos de factos devidamente destacados e precedendo os fundamentos de direito. E na fundamentação de direito é interpretada essa factualidade, dela se extraindo ilações que confluem na não concessão da liberdade condicional, nada de violador da lei processual se entrevendo nesse processo lógico-dedutivo.
Dos pressupostos da liberdade condicional
Importa como questão nobre do recurso averiguar se se verificam, como pretende o recorrente, os pressupostos/requisitos substanciais de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional.
Preceitua o artigo 61º, nº 2, acima transcrito que:
"O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo 6 meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
Será de referir que tanto na determinação como na execução das penas, dever-se-á ter em atenção as finalidades da mesmas, que segundo o artigo 40º, consistem na "protecção dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade". Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral. (cfr. Figueiredo Dias em Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, p. 73).
No entanto, o legislador, no citado art. 61º, optou nos seus nºs 2, 3 e 4, não só por uma diferenciação temporal dos pressupostos formais, situando-os em metade e 2/3 da pena de prisão cumprida para a liberdade condicional facultativa e em 5/6 de pena de prisão superior a 6 anos, para aquela de carácter obrigatório ou automático, mas também por uma diferenciação material dos seus pressupostos discricionários.
Assim, quando está em causa a concessão da liberdade condicional respeitante ao cumprimento de metade da pena de prisão, acentuam-se por um lado razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não cometa novos crimes, seja positiva, de reinserção social e de prevenção geral, compatibilidade da liberdade com a defesa da ordem e paz social, mas não apenas.
Deve também acentuar-se que o regime de liberdade condicional em face dos pressupostos de que depende, excepcionando evidentemente a obrigatória aos cinco sextos da pena, se o condenado nisso consentir, tem carácter excepcional.
E maior será o grau de exigência para a sua concessão quando está em causa uma modificação substancial da condenação consistente no encurtamento da pena como ocorre em relação a penas superiores a dez anos de prisão por força do disposto no artigo 61º, nº 5 (assim se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque na obra antes citada, orientação que esta Relação tem seguido – cfr. nomeadamente o Acórdão proferido no processo 1404/10.6TXCBR-I.C1 in www.dgsi.pt).
Bem se compreende que assim seja porque a pena já é fixada tendo em consideração as molduras legais cabíveis aos crimes em função da sua gravidade e cujo quantum concreto é determinado tendo em consideração as exigências concretas de prevenção. Deverá apenas ter lugar nas situações excepcionais em que se revele patentemente que o condenado está apto a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes a que acresce, no caso da concessão atingida que seja metade da pena, o requisito de que a defesa da ordem e da paz pública não sejam postas em causa.
O disposto no artigo 61º, nº 2 do Código Penal exige que se efectue um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal.
Para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva é a "capacidade objectiva de readaptação", de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade.
Daí que não seja tão decisivo o bom comportamento prisional em si ou apenas a verbalização de arrependimento, mas os índices de ressocialização revelados pelo condenado, que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, mormente a sua conduta anterior e posterior à sua condenação, os motivos desta e da conduta que a determinou, bem como a sua própria personalidade, designadamente a sua evolução ao longo do cumprimento da respectiva pena de prisão no sentido de interiorizar o desvalor da sua conduta.
No caso em apreço, temos que o recluso tem tido bom comportamento prisional embora com intermitência que vem realçada na decisão recorrida, tem apoio no exterior e perspectivas de emprego, assume os factos praticados mas continua a justificá-los por imaturidade e influência de terceiros.
Este último ponto destacado constitui precisamente um indicador de uma ainda inconsistente assunção do mal do crime, posto que na sua plenitude implicará precisamente a não invocação de elementos desculpantes. A necessidade de auto-desculpa mal quadra a quem praticou, para além do mais, um crime de homicídio qualificado cuja gravidade fala por si. O aspecto apontado sobre a personalidade do recluso não permite sem reservas afirmar que o mesmo, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável.
Ora, o juízo fundado no disposto na alínea a) do transcrito preceito exige a formulação de uma prognose inteiramente favorável que não contenha pontos de descontinuidade como no caso ocorre, sempre tendo em vista a natureza excepcional da liberdade condicional e especialmente da que seja decretada cumprida metade da pena e que implique concomitantemente uma alteração substancial da condenação.
Sobre o requisito da alínea b), nele influi também o ponto da personalidade do arguido acima focado, pois que a ser conhecido da comunidade suscitaria nesta manifesta perplexidade perante libertação prematura nessas circunstâncias.
O requisito da defesa da ordem e da paz social que a libertação não pode colocar em crise não se pode analisar simplesmente na possibilidade da ocorrência de tumultos por força da libertação, devendo antes ter interpretação compaginável com o disposto no artigo 40º, nº 1 do Código Penal. Ou seja, o que deve ser ponderado é se a pena já cumprida protege suficientemente o bem jurídico violado, tendo e conta o facto cometido e a personalidade do agente que o cometeu na sua evolução em face da pena sofrida ou se defraudará as expectativas comunitárias na validade da norma. Trata-se sobretudo de uma paz interior que deve ser avaliada, de uma paz jurídica (no dizer de Figueiredo Dias acima citado) entre o cidadão e o seu sentimento de que a norma violada foi suficientemente defendida através da pena já cumprida.
Parece-nos manifesto que nada de excepcional existe também neste domínio que possa consolidar uma tal conclusão.
Em face do exposto importa concluir pela não verificação dos pressupostos substantivos da concessão da liberdade condicional e, em consequência, manter a decisão recorrida.
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IV. Decisão
Nestes termos acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo recluso.
Condena-se o recorrente e recluso em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 unidades de conta.
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Coimbra, 12 de Dezembro de 2012
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora.)