Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
22/14.4GBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO. INTERRUPÇÃO
PROCESSO SUMÁRIO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
ARGUIDO
AUSÊNCIA DO ARGUIDO
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 61.º, N.º 1, AL. A), 333.º, N.º 3, E 386.º, DO CPP
Sumário: Se a audiência - em qualquer forma de processo, incluindo a de processo sumário -, se inicia, validamente, sem a presença do arguido e é, depois, interrompida, tem aplicação neste caso o disposto nos artigos 61.º, n.º 1, al. a), e 333.º, n.º 3, ambos do CPP, segundos os quais o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento do julgamento.

II - A falta de notificação do arguido - não apenas do seu defensor - e a sua ausência no circunstancialismo descrito integra a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. c), do CPP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório
No processo sumário 22/14.4GBSRT do Tribunal Judicial da Sertã, após realização da audiência de julgamento em duas sessões, nos dias 20.1.2014 e 27.1.2014, na ausência do arguido, sem que tenha sido notificado para comparecer na segunda sessão, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Nestes termos, julgo procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência, decido:
1. Condenar o arguido A... pela prática em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, a cumprir em regime de dias livres, por 18 períodos de fins-de-semana, correspondendo cada um de tais períodos a 36 horas, com início no primeiro Sábado após o trânsito em julgado da presente sentença, pelas 9h00, e término ao Domingo pelas 21h00.
2. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 12 (doze) meses, ao abrigo do disposto no art.º 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
Custas
3. Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça devida (artigo 513º, nº1, do Código de Processo Penal e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).

Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:
1 - O Tribunal a quo violou o disposto nos art. 313º/3, 332º/1 333°/1 e 2° do C.P.P., aplicáveis à forma de processo sumário nos termos do art. 386º do C.P.P., porquanto fez uma errada aplicação das normas que constituem os citados preceitos.
2 - O Tribunal a quo, prescindiu da presença do ora recorrente na primeira sessão da Audiência de Discussão e Julgamento, realizada no dia 20 de Janeiro de 2014, porquanto considerou que o mesmo tinha sido regularmente notificado nos termos da Lei do Processo.
3 - Acresce que, a obrigatoriedade do arguido ser (regularmente) notificado para a Audiência de Discussão e Julgamento (art.113º/l O do C.P.P.) e, por inerência, a imprescindibilidade da sua presença naquela (art. 332º/l C.P.P.), não se reporta apenas à primeira sessão, abrange toda a Audiência de Discussão e Julgamento.
4 - Estas normas visam proteger o arguido, assegurando a sua presença nos actos processuais a ele atinentes de modo a que o mesmo possa, in loco, participar na efectivação do seu direito de defesa.
5 - Tais normativos devem ser respeitados em a todas as sessões da Audiência de Discussão e Julgamento, pois tal como dispõe o art. 61, n.º 1 a). do C.P.P., o arguido tem direito a "estar presente em todos os actos processuais que directamente lhe disserem respeito e, o art. 113°/10 do C.P.P. estipula que as notificações relativas à designação de dia para julgamento e à sentença têm de ser efectuadas ao arguido e ao defensor.
6 - Contudo, o Tribunal a quo, no decurso da primeira sessão, ao proferir o despacho a designar a data para a segunda sessão da Audiência de Discussão e Julgamento não ordenou a notificação do arguido, considerando suficiente a notificação presencial da defensora, no mais cabal desrespeito pelos direitos daquele (nomeadamente o de estar presente e prestar declarações até ao encerramento da Audiência de Discussão e Julgamento) e pelas normas legais supra citadas, designadamente as constantes dos art. 61 º/1 a)., 113°/10, 332º e 333º/l e 2 do C.P.P.
7 - Em consequência, o recorrente não compareceu na sessão do dia 27 de Janeiro de 2014, porquanto não foi notificado para estar presente neste acto processual, sendo que a sua falta constitui uma nulidade nos termos da Lei do Processo Penal.
8 - Ao não diligenciar no sentido de notificar o arguido/ ora recorrente para a segunda sessão da Audiência de Discussão e Julgamento, realizada no dia 27 de Janeiro de 2014, cometeu uma nulidade insanável, de acordo com prescrito no art. 119ºc). (" constitui nulidade insanável a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência"), por violação do disposto nos art.113°/1 O, 332º e 333º/l e 2 do CPP.
9- Logo, deve ser anulado todo o processado desde a realização da segunda sessão de Julgamento, inclusive, devendo o arguido ser regularmente notificado para comparecer na segunda Audiência de Discussão e Julgamento, procedendo-se, por inerência, à repetição da mesma.
10 - A corroborar o entendimento supra exposto, cite-se o douto aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, (Proc. N.º 503/10.9EAPRT-A.Gl), relator Paulo Fernandes Silva, datado de 02-12-2013, consultável em www.dgsi.pt) no qual se defende "O nº2 do art. 333º do CPP ... mas não o isenta do dever de notificar pessoalmente o arguido da designação de data e hora para a realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente, caso a venha ter lugar, tanto mais que o arguido, nos termos do nº 3 do mesmo normativo, conserva o direito de prestar declarações, se assim o entender, até ao final da audiência e de estar presente na leitura pública da sentença» "
OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, POR MERO DEVER DE PATROCÍNIO,
11 - O Tribunal a quo fez uma errónea interpretação e aplicação da Lei Penal Substantiva ao caso sub judice, ao condenar o ora recorrente a uma pena de prisão efectiva de 3 meses de prisão, a cumprir em regime de dias livres, por 18 períodos de fins-de­semana, pela prática em autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal.
12 - A pena privativa de liberdade aplicada não é adequada nem proporcional à realização das exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, in casu, contrariamente ao alegado pelo Tribunal a quo que as classificou como "elevadíssimas".
13 - Desde logo, porque a taxa de álcool apresentada pelo arguido, l,38g/L, é próxima do limite a partir do qual se considera como crime a condução de veículo sob efeito de álcool ou seja, próxima da dignidade penal. Portanto, as necessidades de prevenção geral positiva afiguram-se, no caso em apreço, diminutas.
14 - Depois, é hoje indiscutível que a pena de prisão assume natureza subsidiária, no sentido de que, tanto na prisão principal como na prisão subsidiária, esta surge como última ratio da política criminal, que deve ser aplicada apenas quando outras medidas não privativas da liberdade não sejam capazes de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da aplicação de uma pena [ v. Ac. TRP de 2/11/2011, relatado pelo Desembargador Mouraz Lopes, consultável in www.dgsi.pt].
15 - As penas de prisão de curta duração têm um efeito contrário, o chamado "efeito de contágio", porquanto o cumprimento das mesmas importa uma convivência com outros condenados, promovendo o cometimento de crimes grande criminalidade e até de criminalidade altamente organizada por parte de indivíduos que, anteriormente, eram pequenos infractores.
16 - A execução da pena de prisão de 3 meses pelo recorrente, mesmo em regime de dias livres, em nada irá contribuir para a sua reintegração, pelo que não se cumprirão as exigências de prevenção especial, que assentam na ressocialização do agente e dissuasão da prática de futuros crimes, que o Tribunal a quo alega para fundamentar a pena de prisão aplicada.
17 - O recorrente está desempregado e a execução da pena aplicada irá condicioná-lo a aceitar um possível emprego com horário de fim-de-semana e, por outro lado, é certo que irá estigmatizá-lo na busca desse emprego.
18 - Assim, a pena de prisão efectiva irá contribuir para a sua não reintegração social, pois caso a mesma venha a ser executada, este será o primeiro contacto do arguido com o sistema prisional, o que irá produzir com grande probabilidade, nos termos supra expostos, um efeito contrário àquele que se pretende com a aplicação de uma pena de prisão.
19 - Deste modo, deve a pena aplicada pelo Tribunal a quo ser revogada por outra não privativa da liberdade (art. 43.º do CP) ou, in minime, ser reduzida ao mínimo da moldura penal, mas sempre suspensa na sua execução (art. 50º do CP).
Termos em que, e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser julgado procedente o presente recurso e revogada a sentença proferida em primeira instância, em conformidade com o supra exposto e com a prova efectivamente produzida, absolvendo-se o arguido.
Tudo com as legais consequências.
Assim se fazendo a acostumada Justiça!

Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu, concluindo o seguinte:
1. Não foi praticada a nulidade prevista no artigo no artigo 119º, alínea e ), do Código de Processo Penal, porquanto o arguido, nos termos do artigo 385°, nº 2, alínea a), do mesmo diploma, estava notificado, na pessoa da sua Defensora, da data designada para continuação da audiência de julgamento.
2. A espécie e medida da pena principal aplicada ao arguido realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e não se mostra desajustada ou desproporcional.
3. Não foi violado qualquer imperativo legal.
Deste modo, a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser mantida na íntegra e, consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido recorrente, assim se fazendo JUSTIÇA!

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:
Analisados os autos, entendo que demonstrada está a nulidade insanável da falta de notificação do arguido para a audiência de discussão e julgamento que ocorreu em 27 de janeiro de 2014, prevista no art. 119°, al. e), do CPPenal.
Na verdade:
- Como se verifica da ata de fls; 26 e 27, na sessão (1ª) de audiência de discussão e julgamento, em processo sumário, de 20 de janeiro de 2014, o arguido não se encontrava presente, porquanto, embora para ele regularmente notificado pela GNR, ao abrigo do artigo 385° do CPPenal, com a cominação prevista no art. 382°, nº 6, do mesmo Código (cf. fls. 8), o mesmo não compareceu.
- Porém, por douto despacho desse dia 20 de janeiro de 2014, que é fls. 27, foi designada a data de 27 de janeiro de 2014 para continuação da audiência de discussão e julgamento, sem que conste dos autos que o arguido tivesse sido notificado desta nova data para o mesmo, e na qual não esteve presente (cf. ata de fls. 41), e, por isso, em contrário do que da ata consta, por evidente lapso, não lhe foi concedida a oportunidade para dizer algo em sua defesa.
A falta do arguido ao julgamento só está "legitimada", se tiver tido antecipadamente conhecimento da realização da 2ª sessão do mesmo julgamento (como teve da 1ª sessão), caso em que, optando por não comparecer, assumirá todas as consequências legais da sua falta, isto é, nos termos gerais do processo comum, ser julgado sem a sua presença, ficando representado por defensor, e se o tribunal o dispensar de estar presente na audiência.
Um outro argumento pode também ser extraído da estatuição do art. 387°, nº 3, do CPPenal, quanto ao adiamento da audiência em processo sumário, em que o arguido, estando presente, é advertido de que ela se realizará na nova data designada, "mesmo que não compareça, sendo representado por defensor".
Daí que, na hipótese do arguido devidamente notificado para o início da audiência em processo sumário, nos termos consignados nos arts. 385°, nº 2, ai. a), e 382°, nº 6, do CPPenal, não comparecer, se este for adiado ou tiver de continuar, terá que ser notificado pessoalmente da nova data de início ou continuação da audiência.
O TRL, por Acórdão de 2009.03.03, in CJ, 2009, II, 135, entendeu que: "Numa situação em que a audiência em processo sumário se inicia sem a presença do arguido e é, depois, interrompida, haverá que ter presente a regra estabelecida no nº 3 do artigo 333°, segundo a qual o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência". E
"Para dar conteúdo efectivo a esse direito é necessário notificar o arguido da data designada para a continuação da audiência. O desrespeito por tal procedimento redunda numa ausência do arguido por falta da sua notificação, sancionada como nulidade insanável em conformidade com o artigo 119º, alínea c), do CPP'.
No texto fundamentador deste Acórdão, sobre o direito conferido ao arguido pelo citado art. 333º, nº 3, do CPPenal, diz, ainda, o seguinte: "Para dar conteúdo efectivo a esse direito só há uma maneira: notificá-lo da data designada para a continuação da audiência por qualquer dos meios possíveis que assegurem também a celeridade desse acto. O desrespeito por tal procedimento redunda numa ausência do arguido por falta da sua notificação sancionada como nulidade insanável em conformidade com o art. 119º, ai. c)".
2. Assim, é indubitável que, no caso em apreço, se verifica a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. e), do CPPenal, pelo que é inválida a audiência de discussão e julgamento de 27 de janeiro de 2014, para a qual o arguido não foi notificado pessoalmente, e durante a qual, após a "notificação dos sujeitos processuais do teor da informação junta aos autos pela GNR da Sertã" (informação sobre as condições sócio-económicas do arguido), e alegações finais, se procedeu à leitura da douta sentença recorrida.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Fundamentos da Decisão Recorrida
A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:
2.1 - Os factos provados
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1º - No dia 18 de Janeiro de 2014, cerca das 02h50m, na Rua das Margaridas, nesta vila da Sertã, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula (...)MJ, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,38 gramas/litro.
2º - Ao agir como descrito, o arguido actuou em livre manifestação de vontade, com o propósito concretizado de conduzir um veículo motorizado na via pública, influenciado por um estado de alcoolemia superior ao limite máximo permitido por lei para o exercício da condução de veículos na via pública, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida penalmente.
4º - O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.

Mais se apurou que:
5º - O arguido encontra-se desempregado.
6º - Tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.
7º - Reside com a mãe em casa desta que provê ao seu sustento.
8º - Tem antecedentes criminais, tendo sido condenado:
- a 13.06.2005, no âmbito do processo nº130/05.2GBSRT, que correu os seus termos neste Tribunal Judicial da Sertã, pela prática a 12.06.2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº1, do CP, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e, bem assim, na pena acessória de inibição de condução de veículos motorizados, por um período de 4 meses e 15 dias;
- a 6.03.2006, no âmbito do processo nº176/05.0GBSRT, que correu os seus termos neste Tribunal Judicial da Sertã, pela prática a 27.07.2005, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º do CP, e de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353º do CP, na pena de 130 dias de multa, à razão diária de € 4,00, perfazendo um total de € 520,00;
- a 21.01.2008, no âmbito do processo nº74/05.8GBSRT, que correu os seus termos neste Tribunal Judicial da Sertã, pela prática a 20.10.2005, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359º do CP, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo um total de € 600,00;
- a 18.10.2012, no âmbito do processo nº122/12.5GAOLR, que correu os seus termos neste Tribunal Judicial da Sertã, pela prática a 6.10.2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº1, do CP, na pena 4 meses de prisão, substituída por 100 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo um total de € 500,00 e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir por um período de 6 meses.

2.2 – Factos não provados: Inexistem.

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2.3 - Motivação
A convicção do Tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, devidamente documentada e analisada criticamente à luz das regras de experiência comum, nos termos do artigo 127.º do C. P. Penal.
No caso concreto, o tribunal estribou a sua convicção no depoimento prestado pelo agente autuante, B... , o qual esclareceu o tribunal, de forma clara e inequívoca, os termos da sua intervenção, designadamente quanto ao modo como procedeu à identificação do arguido, de resto, já seu conhecido de outras situações.
Com efeito, o aludido Guarda da GNR prestou um depoimento isento, objectivo e circunstanciado, de modo consonante com o teor da acusação pública, logrando convencer o tribunal face à sua intervenção directa nos factos.
Ademais, o Tribunal atendeu ainda aos documentos juntos aos autos, nomeadamente, ao auto de notícia de fls. 2, bem assim como ao resultado do teste quantitativo de detecção de álcool no sangue de fls. 9, por ter sido realizado em instrumento de medição aprovado e definido por lei como adequado à medição do álcool no sangue.
Sem prejuízo, no que para o caso importa, cumpre ainda salientar que é do arreigado conhecimento da comunidade em geral que a prática de factos como os que estão em causa nestes autos, são punidos pela Lei como crime.
Relativamente às condições pessoais, sociais e económicas do arguido, o Tribunal baseou-se nas informações constantes do relatório elaborado pela GNR e que se encontra junto aos autos.
Finalmente, no que concerne aos antecedentes criminais, atendeu-se ao certificado de registo criminal de fls. 16-21.

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II. Apreciação do Recurso
A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 363° e 428° nº 1 do Código de Processo Penal).
Não obstante, o concreto objecto do recurso é sempre delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo das questões do conhecimento oficioso.
Vistas as conclusões do recurso interposto as questões de que importará conhecer são as seguintes:
- Se ocorre nulidade insanável por falta de notificação do arguido para a 2ª sessão de julgamento;
Na improcedência desta questão;
- Se o arguido deve ser condenado em pena não privativa da liberdade ou, assim não se entendendo, deve a pena aplicada ser reduzida.

Apreciando:
Começa o recorrente por alegar que se verifica a nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal porque não foi notificado para a 2ª sessão da audiência de julgamento e esta decorreu na sua ausência.
Compulsados os autos verifica-se que a audiencia de julgamento decorreu em duas sessões realizadas em 20 e 27 de Janeiro de 2014.
O arguido não compareceu à primeira sessão do julgamento apesar de notificado e foi determinado que o julgamento de realizasse na sua ausência nos termos do artigo 382º, nº 6 do Código de Processo Penal.
Na primeira sessão foi determinado que o julgamento continuasse em 27.1.2014 e que se solicitasse à GNR inquérito sumário sobre as condições sócio-económicas do arguido , nada tendo sido determinado quanto à convocação do arguido para a nova data designada e não constando dos autos que este haja sido notificado dessa nova data.
A 2ª sessão teve lugar na ausência do arguido como a respectiva acta documenta.
Das disposições do CPP, quer relativas ao processo sumário, quer relativas ao proceesso comum (sendo estas aplicáveis ao processo sumário nos termos do artigo 386º, nº 1) parece evidenciar-se que o julgamento só pode realizar-se na ausência do arguido quando haja sido notificado para comparecer e não compareça, apesar de advertido da possibilidade de o julgamento se realizar mesmo que não compareça. Não esqueçamos que nesta matéria a regra é a de que é obrigatória a presença do arguido na audiência (artigo 332º, nº 1 do CPP) sendo excepção a realização do julgamento na ausência do arguido.
Equacionando o exposto com o dieirto que o arguido tem de estar presente a todos os actos processuis que lhe digam respeito nos termos do artigo 61º, nº 1, alinea a) e que, mesmo que o julgamento se inicie na sua ausência, mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, nos termos do artigo 333º, nº 3, uma conclusão se impõe, a efectividade desses direitos pressupõe que o arguido seja notificado sempre que, iniciado o julgamento em data para que tenha sido notificado, este continue numa nova data. De outro modo far-se-á letra morta de tais direitos, como bem se acentua no douto parecer constante dos autos e acima transcrito e no Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa citado no mesmo parecer de 2009.03.03, in CJ, 2009, II, 135.
Se o julgamento apenas se pode realizar na ausência do arguido estando notificado para comparecer e se a presença do arguido em julgamento é obrigatória, salva essa excepção, a falta de notificação do arguido e a sua ausência nessas condições integra efectivamente a nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c), do CPP.
Nos termos do artigo 122º do CPP a nulidade verificada torna inválido o acto em que se verifica; a segunda sessão da audiência de julgamento, bem como os que dele dependerem, como é o caso da sentença recorrida igualmente contaminada, e implica a repetição dos actos viciados; a 2º sessão da audiência de julgamento e a sentença.
Fica em consequência prejudicada a apreciação da segunda questão do recurso interposto.
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IV. Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto e em declarar a nulidade da segunda sessão da audiência de julgamento e da sentença que em seguida foi proferida, ordenando a repetição de tais actos com cumprimento da prévia formalidade de notificação do arguido que foi omitida.
Não há lugar a tributação em razão do recurso.
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Coimbra, 8 de Outubro de 2014

(Maria Pilar Pereira de Oliveira - relatora)


(José Eduardo Fernandes Martins - adjunto)